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terça-feira, 7 de julho de 2020

A descompressão ideológica da alma


O presente artigo de autoria de Augusto Pola Júnior, faz parte os arquivos do Instituto Shibumi, e fora publicado site do grupo em meados de 2014.

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Recentemente trouxe aspectos importantes do livro “Em Busca de Sentido” de Viktor Frankl que foram ou estão sendo esquecidos em nossa sociedade pós-moderna. Pretendo agora fazer uma análise em cima do fenômeno a que Frankl se referiu como “descompressão da alma”.

O fenômeno da descompressão da alma, descreveu Frankl, ocorreu após ter sido liberto do campo de concentração. Durante anos, a alma sofreu opressão dos nazistas e, de repente, a guerra chegou ao fim e ele finalmente está livre. O percurso de volta da alma não é simples. Imaginaríamos que neste momento os prisoneiros seriam tomados por uma alegria indescritível, dignas de final de filme; não é isso que ocorre, todavia. Na verdade, o roteiro é de um sentimento indiferença e incredulidade:

Vamos nos arrastando, queremos ver pela primeira vez os arredores do campo de concentração, ou melhor, vê-los pela primeira vez como pessoa livre. Apreciamos a natureza e entramos para a liberdade. “Para a liberdade”, vou dizendo, e o repito várias vezes em pensamento; mas simplesmente não se consegue apreendê-lo. Em tantos anos de sonhos e de saudades, o termo liberdade ficara muito gasto. Seu conceito perdera os contornos. Confrontado com a realidade, ele se confunde. A nova realidade ainda não consegue penetrar direito no consciente. Simplesmente não se consegue apreendê-la ainda. Chega-se a um campo. Nele se vêem flores. Toma-se conhecimento de tudo isso, mas não se chega a “tomar sentimento”. A primeira centelha de alegria salta ao se perceber um galo de vistosa cauda multicor. Mas fica nisto, nesta centelha de alegria, e ainda não se participa do mundo. A gente se senta debaixo de um castanheiro sobre um pequeno banco; só Deus sabe a expressão do rosto naquela hora. Em todo caso: o mundo continua sem causar impressão.

À noitinha, quando voltam a se reunir os companheiros em seu velho barracão, um chega para o outro e lhe pergunta às escondidas: “Diga-me uma coisa: você chegou a ficar contente hoje?” O outro responde: “Para ser franco, não!” E fica envergonhado, porque não sabe que com todos é assim. Literalmente desaprendemos o sentimento de alegria. Será necessário aprender de novo a alegrar-se.

Sob o ponto de vista psicológico, pode-se chamar de verdadeira despersonalização aquilo que os companheiros libertos experimentaram. Tudo parece irreal e improvável. Tudo parece apenas um sonho. Ainda não se consegue acreditá-lo. Foram demais, muito demais as vezes em que o sonho nos iludiu nesses últimos anos. Quantas vezes sonhamos que viria este dia em que nos poderíamos movimentar livremente? Quantas vezes sonhamos estar chegando em casa para abraçar a esposa, saudar os amigos, sentar com eles à mesa e começar a contar tudo aquilo que se passou durante estes anos? Quantas vezes antecipamos em sonhos esse dia de reencontros – e agora, realmente teria chegado este momento? Sempre havia três silvos estridentes ferindo o ouvido, dando o comando de “levantar”, arrancando a gente do sonho, da liberdade, e como mero sonho se revelava pela enésima vez. E agora deveríamos acreditar, de uma hora para a outra? Agora essa liberdade seria realidade verdadeira?

Por esta descrição percebe-se que não é tão simples quanto se aparenta à primeira vista. Eis que se adentra em uma segunda etapa, a que será importante para refletir o conteúdo deste artigo:

“Estes perigos não são outra coisa (em termos de saúde mental) que o equivalente psicológico da doença de Caisson. Assim como o trabalhador submerso corre perigo de ordem fisiológica caso abandonar repentinamente a câmara de mergulho (onde ele se encontra sob enorme pressão atmosférica), da mesma forma a pessoa subitamente aliviada de enorme pressão anímica poderá ser prejudicada em sua saúde espiritual e mental.

Principalmente no caso de pessoas com natureza mais primitiva, podia-se observar muitas delas, durante esta fase psicológica, que em sua atitude anímica continuavam vivendo sob a condição do poder e da violência, só que, uma vez libertos, agora pensavam ser a sua vez de usar o poder e a liberdade de forma arbitrária, desenfreada e irrefletida. Para essas pessoas primitivas, nada mudou a não ser o sinal, de negativo para positivo. Se antes eram objetos do poder, da violência, da arbitrariedade e da injustiça, essas pessoas agora viravam sujeitos dentro das mesmas categorias. Ainda não se desprenderam daquilo por que passaram. Manifestam isso em detalhes aparentemente sem importância. Por exemplo, um companheiro e eu caminhamos reto, cruzando os campos em direção à prisão da qual há pouco fomos libertados; de repente nos vemos diante de uma lavoura recém germinando. Automaticamente quero desviar dela. Ele, entretanto, me pega pelo braço e me impele reto em frente. Balbuciei algo de que não se deve pisar a brotadura. Aí ele se exalta. Com olhar ameaçador grita: “O quê? E o que fizeram conosco? Liquidaram minha mulher e meu filho na câmara de gás – isto, para não falar do resto – e tu queres proibir que eu esmague uns talos de aveia?…” Somente aos poucos se consegue levar estas pessoas a reencontrar a verdade, tão trivial, de que ninguém tem o direito de praticar injustiça, nem mesmo aquele que sofreu injustiça.

Precisamos trabalhar no sentido de levar essas pessoas ao reencontro desta verdade, pois a inversão da mesma facilmente poderia trazer conseqüências piores do que a perda de alguns milhares de grãos de aveia para um agricultor desconhecido. Pois ainda vejo à minha frente aquele companheiro do nosso campo que arregaçou a manga e com a direita em riste debaixo do meu nariz gritou na minha cara: “Podem decepar esta mão se eu não a manchar de sangue no dia em que chegar em casa!. . .” E quero enfatizar que o homem que disse isto, em si, não era um sujeito ruim. Sempre foi, no campo de concentração e depois, o melhor dos companheiros.”

Estamos há anos sendo ideologicamente oprimidos diante de um quadro da hegemonia de um pensamento esquerdista. Muitos descobriram, entretanto, que se trata de um embuste pela mera busca de poder. Todo um aparato ideológico e político com fins que, se analisar racionalmente, se for bem sucedido, inevitavelmente nos levará à escravidão e miséria. Uma vez despertado de todo um conjunto de mentiras e perceber que seus professores de história, geografia, filosofia e sociologia mentiram de modo patológico, é natural que haja todo uma revolta contra o esquerdismo.

O problema está em como manobrar tal revolta. Ora, se antes a pessoa estava impregnada de ideologia esquerdista, como reação quase imediata ela passa a se colocar como direitista. Contudo, e aqui reside o grande problema que observo, a posição política de direita não é um esquerdismo com sinal trocado. Há uma diferença de meios e até mesmo de visão moral. Deixo claro: muito dos que se dizem de direita são, na verdade, esquerdistas com sinal contrário, anti-esquerdistas.

Um exemplo disso ficou nítido quando a page “Meu Professor de História Mentiu para mim” criticou a cultura do concurso público (grifei cultura). A questão é simples: um enorme quadro de concurso público demanda um Estado inchado. Estado inchado demanda altos impostos e poder concentrado, ou seja, típico quadro de administração esquerdista. Qual seria o contra ponto à cultura do funcionalismo público? Qualquer pessoa à direita teria que responder na ponta da língua que é o empreendedorismo/atividade privada.

O “Meu professor de história mentiu para mim” é uma página especializada em refutar as mentiras dos professores marxistas que causam danos a milhares de mentes nesse país por conta de fraudes, mentiras e revisionismos históricos. É uma página de direita que é, assume-se, seguida por pessoas simpáticas ao ponto de vista político da direita. Qual não foi minha surpresa ao perceber que muita gente se revoltou com o texto? (Na verdade eu não fiquei surpreso, mas prossigo) Adotaram uma típica reação histérica que é comum aos esquerdistas. Eram em suma, pessoas que se diziam de direita, mas que não estavam dispostas a criticar à improdutiva cultura de funcionalismo público, pelo contrário, fizeram-se de ofendidos e vítimas injustiçadas!

A primeira reação histérica foi dizer que a página havia caído no conceito dela e que “O meu professor…” tinha escrito 💩. Ou seja, a pessoa se colocou em uma torre de marfim e, do critério dele, analisa o que é válido ou não opinar. Esse tipo de atitude cheira mais à esquerda do que à direita.

A segunda reação foi vestir a carapuça e dizer que o funcionalismo público é necessário, pois há setores que deve ficar a controle do Estado como a segurança e a justiça. Ok, mas o debate não era sobre a função do Estado. Era uma crítica sobre a cultura do funcionalismo público que assola o país. Neste caso houve uma reação desproporcional, como se estivesse se defendendo o fim de qualquer cargo público concursado. Reação desproporcional é outro sintoma de esquerdismo.

A terceira reação foi uma correção. Funcionário público estaria errado, o certo é servidor público. Como diria Olavo de Carvalho: servidor é o teu c#. O falso moralismo politicamente correto que quer mandar no vocabulário alheio é arte da esquerda! Cabe ambos os termos, imbecil.

Ainda há outro setor em que se observar o fenômeno da descompressão da alma: o conservadorismo. Muitos conservadores são, na verdade, anti-progressistas. Não são contra o Estado se meter em matéria de cunho privado, apenas discordam que matéria o Estado deve inocular nas mentes. O Estado como agente moralizador, um “agente do bem”. Qualquer conservador de bom senso deveria saber que a mudança deve ser realizada pela persuasão, não pela imposição. Impor moralismo através da lei não adiantaria. Aliás, a lei como agente de mudança é um credo progressista/esquerdista.

Há ainda alguns casos bizarros. Qualquer conservador deveria se ater ao princípio do livre-arbítrio. Contudo, muitos argumentam em termos de determinismo. Pegam um ente abstrato, o mais comum é o liberalismo, e dizem que disso se chegará, inevitavelmente, independente da liberdade de pessoa, àquilo (liberalismo -> materialismo). Oras, esqueceram que para uma mudança ocorrer a nível macrossocial, ela precisa passar pelas escolhas das individualidades. O irônico é que esta não deixa de ser uma versão do marxismo que acreditava que a economia moldava a sociedade e não o contrário. Esse tipo de pensamento coloca esses “conservadores” atrás do próprio marxismo, já que a nova esquerda já percebeu que a mudança deve se dar inicialmente no meio cultural (manipulação das individualidades) para depois partir para o econômico.

Outro sintoma de descompressão da alma pode ser visto em discussões que deveriam ser relativamente simples, mas caminham para a questão de proibição/liberação. Por exemplo, discutia-se em um grupo a respeito dos anticoncepcionais. A opinião mais encabeçada: “sou a favor/contra, mas não acho que deva proibir”. É compreensível. Anos de esquerdismo se intrometendo na vida alheia, faz com que, mesmo em um meio conservador/liberal, esse medo legalista seja expressado.

Há também uma variante dessa infecção esquerdista que possível de ser identificado no discurso do tipo “ele tem o direito”. Discutindo-se sobre o gayzismo, por exemplo, pode alguém dizer que “eles tem o direito de fazer sexo”. Oras, isso nunca entrou em xeque. O debate é, na realidade, que querem incentivar uma conduta que só interessa entre 4 paredes para a sociedade. A questão é onde irão fazer esse sexo. Estaria tudo bem fazer sexo em praça pública? Alguns libertários poderiam responder que sim, mas os libertários são outro exemplo de descompressão da alma que por estarem oprimidos em função de um Estado controlador, posicionam-se contra qualquer proibição colocando a liberdade como valor supremo e quase irrepreensível. Uma leitura de Viktor Frankl faria bem, pois se relembra que a liberdade não deve estar dissociada da responsabilidade.

Aliás, os libertários são algo engraçado. Defendem o mínimo de interferência do Estado, mas apoiam todas as agendas progressistas que, na prática, dão ainda mais poder de arbítrio ao Estado! É que os libertários, no caso, confundem ordem moral social com proibição e se tornam, antes de mais nada, anticonservadores.

Trocar de posição não significa trocar o sinal. Ideologias políticas e sociais são estruturadas a partir de princípios norteadores. Há uma grande diferença entre ser direitista e anti-esquerdista. A ironia é que geralmente o segundo acaba servindo inconscientemente a favor daquilo que ele jura combater. É que os extremos costumam se tocar.

Não é à toa que em “Cartas do diabo ao seu aprendiz” de C.S Lewis, diante dos rumores de guerra, o diabão aconselha o diabinho que ali haveria duas estratégias a ser abordada para a perdição da alma de um jovem rapaz: torná-lo um extremista patriota ou um ardente pacifista.

Caros, a temperança é uma virtude. Se sua alma está simplesmente descomprimida, relembro que o próprio Frankl ensinou que a saúde da alma dá-se pela tensão interna entre o que foi feito e o que se pode fazer. Trazendo ao contexto desse artigo: menos ideologia e mais pé no chão.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

A doce droga da felicidade no desarmamento


O presente artigo de autoria de Augusto Pola Júnior, faz parte os arquivos do Instituto Shibumi, e fora publicado site do grupo em meados de 2013.

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Quando eu vejo que tem gente que cai no conto da fadas do desarmamento, percebo o quanto essas pessoas gostam de viver de ilusão.

Primeiro: é impressionante quanto tem banner de ‘busque sua felicidade custe o que custar’ no Facebook. Creio que esse tipo de filosofia utópica, o encontro da felicidade neste mundo, acende a ilusão de poder haver paz no mundo, sem mais injustiças, sem mais crimes, todo mundo sendo santo, correto e honesto. Neste mundo de paz, por conseguinte os defeitos das pessoas seriam eliminados. Fácil assim, não?

Ora, Ora, Ora… A paz mundial já foi teorizada por Karl Marx. Ele retirou o individualismo para nos analisar como uma determinada classe. A felicidade seria alcançada quando todos fôssemos iguais (uma mesma classe), ou seja, é a famosa igualdade!

Igualdade é a palavra predileta de nossos governantes. Contudo, o que as pessoas que estão se alimentando de ilusão não percebem que ser igual é oposto a ser livre. A idiotice teórica do bom selvagem vai por água ao perceber que temos instintos, inclusive de defesa.

Mas é por causa dessa utopia comunista de ‘buscar a paz e a felicidade ao encontro do bom selvagem’ que eles não vêm nenhum problema moral de matar e torturar pessoas. Afinal, os fins justificam os meios, não?

É esta ilusão também, que como comentou o Pondé dias atrás, está fazendo com que se as pessoas pudessem escolher, escolheriam estar presas em uma gaiola feliz. A gaiola feliz não é uma novidade de dominação política. Isso era usado na antiga Roma, a famosa política de pão e circo. Hoje, em tempos modernos, ela sofreu uma adaptação cultural: é pão e direito à putaria, ao desejo.

A gaiola feliz, a doce ilusão de felicidade deixando de ser livre, permite cair na falácia das campanhas desarmamentistas. A mensagem e as intenções são nobres, a falácia é:

– Vamos nos desarmar para diminuir a violência. Sem armas, não haverá tantas mortes por armas de fogo.

Ok… Esqueceram de perguntar se os bandidos, pessoas que não respeitam a lei, se irão fazer o mesmo. É claro que não!

A retórica desarmamentista não tem base racional. As estatísticas não colaboram com a ação. Tanto na Inglaterra quanto na Austrália, os índices de violência aumentaram após tais ações. A polícia inglesa, que tradicionalmente era conhecida por operar sem uso de armas, teve que se armar.

Historicamente, as ditaduras genocidas do passado, em um passo anterior aos campos de concentração, desarmaram sua população. Faz sentido, não? Também se pode notar que o desarmamento é uma realidade nas ditaduras vigentes.

Cair no conto da paz via campanha do desarmamento é, em termos práticos e comprovadamente históricos e estatísticos, torna-se mais vulnerável à opressão, seja do bandido ou do Estado. É abrir mão de uma ferramenta importante do seu DIREITO DE DEFESA.

Não podendo vencer a discussão no âmbito racional, os desarmamentistas precisam usar de apelo emocional a fim de obter ganhos políticos.

É interessante observar, que seja no comunismo ou na falácia do desarmamento, as intenções são sempre boas e bonitas. É sempre em nome de palavras bonitinhas: paz, fraternidade, amor. Os efeitos, contudo, são perversos. Ou seja, as palavras só servem de propaganda. Não é à toa que ‘de boas intenções o inferno está cheio’.

Por falar em propaganda, a estratégia do desarmamento usa de uma das mais importantes táticas gramscianas: fazer da exceção a regra e da regra a exceção.

Perceba: o assunto vem à tona sempre quando ocorre uma tragédia comovente ou um acidente, onde uma arma de fogo está envolvida. É usar do apelo emocional para obter ganhos políticos. A nossa prezada racionalidade, já cambaleada por conta da ‘gaiola feliz’, torna-se desprezível.

Casos assim induz a pensar: ‘se todos aderissem à campanha do desarmamento, essa situação não iria ter ocorrido’. Ocorre que nunca acontecerá de todos entregarem suas armas. Os bandidos não farão isso. Além do mais, o Brasil é um país que DIFICULTA MUITO a aquisição de arma de fogo. Não por acaso, temos em torno de 50 mil homicídios por ano! Mais do que se mata em guerras.

Isso seria motivo suficiente para que fizéssemos pressão no lado oposto: facilitar a aquisição das armas! Contudo, a propaganda da esquerda inverte a lógica: culpa as armas. Sim, a lógica da esquerda vai contra fatos e usam a propaganda para sustenta sua mentira e de apelo emocional para intensificar seus ganhos políticos.

E você cai nessa pois acredita no conto da carochinha de que confiar à segurança exclusivamente ao governo é o melhor sistema. Pobre massa de manobra, já caiu no conto do ‘pode confiar’. Acredita que o melhor sistema é confiar exclusivamente na polícia e na força da justiça. Você, feliz aprisionado, não está a fim de acordar para a realidade?

Se o bom selvagem é uma baboseira teórica, não há como haver um governo perfeitamente bom, pois ele é guiado por pessoas.