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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Uma heresia chamada conservadorismo


Poucas pessoas em meio aos católicos se dão conta de como o conservadorismo político é avesso a doutrina católica. Não raro, vemos e ouvimos pessoas se declararem católicas conservadoras, ou conservadoras e católicas. Entretanto, entendem nisso apenas uma adesão a doutrina da Igreja e aos valores morais, natural e divinamente revelados, e sem perceber engolem junto a isso um leque de heresias políticas.

Foi o grande Chesterton que, analisando a doutrina de Edmund Burke percebeu e expôs esse antagonismo:
Burke não atacava a doutrina de Robespierre com a antiga doutrina medieval do jus divinum (que, como a doutrina de Robespierre, era teísta) mas com o argumento moderno da relatividade científica; em suma, o argumento da evolução. Ele sugeria que a humanidade era, por toda parte, moldada por, ou adaptada a seu ambiente e instituições; de fato, que cada povo tinha, praticamente, não só o tirano que merecia, mas o tirano que devia ter.»
Assim, Burke dava tamanha autonomia ao temporal, que isso traduziu-se num ingênuo otimismo histórico. É curioso como os conservadores, tão afeitos ao pessimismo antropológico de origem protestante, acabam caindo sempre de cabeça num otimismo histórico ingênuo. Isto é, sem as ações externas e vistas como revolucionárias do governo, o mundo fica melhor. Se ele simplesmente se abster de impor uma nova norma social, deixando a sociedade guiar-se por si própria, tudo terminará bem e, na medida do possível, a humanidade progredirá. Onde entra o certo e o errado nisso? O moral e o imoral? Não entra! Nas suas reflexões sobre a revolução francesa, Burke relega à tradição o papel de ser útil. Se as coisas que herdamos ainda existem, é porque provaram-se resistentes ao teste do tempo, provaram-se úteis. 

Até pode ser que, certos construtos culturais sejam realmente úteis apenas, como por exemplo o hábito de cumprimentar apertando as mãos, ou coisa que o valha. Contudo, o fundamento dos costumes mais tradicionais de nossa sociedade não podem ser relegados a utilidade, mas sim a uma determinação divina. O casamento não é apenas útil para bem coletivo e, por isso ampliado para o público LGBT como alegava David Cameron, primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha. Cameron dizia ainda que o casamento fazia bem evitando a promiscuidade no público hétero, seria então útil para acabar com a promiscuidade na população gay. 

Ao contrário, o casamento é um sacramento, é uma instituição divina e por isso é restritivo a homens e mulheres única e exclusivamente. E claramente, Cameron ignora as distinções entre os erros. Há erros piores que outros, trair a esposa com a vizinha é errado, mas dentro da teologia moral, trair a esposa com o marido da vizinha é muito pior, pois agrega-se à traição conjugal um ato que vai contra o fim último do ato sexual.

Como destacou o professor Orlando Fedeli, o conservador de hoje é o revolucionário de ontem, e o revolucionário de ontem é o conservador de hoje. É forçoso lembrar que a tradição burkeana funda-se sobre o edifício iluminista erguido por Hume como mui acertadamente nota Chesterton, o resultado não poderia ser outro que o puro e simples evolucionismo:

Seu argumento é que nós temos alguma proteção mediante acidental crescimento natural; e por que deveríamos professar pensar além disso, exatamente como se fôssemos as imagens de Deus!” [...] “Assim, muito antes de Darwin desferir à democracia seu grande golpe, o essencial do argumento darwinista já tinha sido sugerido contra a Revolução Francesa. O homem, dizia Burke com efeito, deve adaptar-se a tudo, como um animal; não deve tentar alterar nada, como um anjo.
Ora, Hume era um cético e agnóstico. O ceticismo é a doutrina que funda-se na impossibilidade da razão humana aceder às ideias ou formas. E Hume não dista muito de Locke, autor ao qual nós já nos referimos em outra oportunidade. Tudo nasce com um erro filosófico chamado nominalismo, erro esse que, dizendo que não é possível ao ser humano conhecer a natureza de Deus, termina por afirmar que a vontade divina não tem  mais um fim conforme a sua essência. Desta forma, o bem não é bem porque Deus é o bem, mas sim porque Deus quis. O Pe. Garrigou-Lagrange muito sabiamente já afirmava que um erro filosófico leva a um erro teológico, pois então, o erro nominalista levará ao erro voluntarista. O voluntarismo é a ideia de que, não sendo possível conhecer a natureza de Deus, todas as coisas que Deus faz e estabeleceu em sua criação, ele o fez por sua pura vontade. Ao implodir-se isso, as relações humanas também não são medidas pelos fins últimos de cada coisa, mas pela simples vontade do homem.

Ora, do voluntarismo teológico nasce o voluntarismo sociológico, que é a base do liberalismo. Toda vontade é legítima conquanto não influencie ou limite a vontade de outrem, ou, em outras palavras,  a liberdade de um começa onde termina a liberdade de outro. E não há nada mais constante no pensamento moderno do que o voluntarismo. O próprio Lutero foi formado em Erfurt por monges nominalistas e desenvolveu uma teologia voluntarista.

Assim, toda a tradição iluminista remonta a um erro filosófico que contradiz a perspectiva de Santo Tomás de Aquino, o mais importante doutor da Igreja, e, por fim, nasce de uma heresia, o voluntarismo. Mas pior ainda, o pensamento burkeano, como todo pensamento iluminista é liberal, e isso significa que ele proclama o homem como senhor do bem e do mal, a soberania do indivíduo como nota Perillo Gomes.

O que os conservadores (ou liberais-conservadores) fazem nada mais é que tentar conciliar os princípios transcendentes com seus erros filosóficos e teológicos frutos da modernidade, ou seja, uma quimera impraticável, tipicamente liberal.
liberalismo moderado tenta uma fórmula de conciliação entre os princípios do liberalismo radical e a coexistência do sobrenatural, determinando na vida do homem um dualismo fundamental: de um lado as atividades da fé e de outro as cognoscitivas, cívicas, utilitárias, etc. A razão, portanto, nada tem a ver com a revelação; os dois planos da vida, o natural e o sobrenatural são independentes entre si, como dois departamentos estanques.
 Assim, vemos que o conservadorismo político não se reduz a mera disposição de defender os valores morais ou instituições como casamento e família, mas sim uma enorme gama de pacotes doutrinários e filosóficos que causarão erros em toda a sociedade. O liberalismo político, o liberalismo econômico, etc. Conservadorismo é terrível e velho modernismo já condenado por São Pio X.

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Arthur Rizzi, ex-presidente do Grupo de Estudos Perillo Gomes é agora contribuinte e articulista do grupo de estudos, agora dirigido por Victor Emanuel Barbuy.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Sob nova direção

O Grupo de Estudos estará sob nova direção. Como eu, Arthur Rizzi, não tenho mais pretensões de tocar o empreendimento, passarei ele à batuta de um interessado. O bom amigo Victor Emanuel Barbuy.