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domingo, 31 de dezembro de 2017

Da monarquia dita "absoluta" e suas vantagens.


Vocês já devem ter lido os benefícios de uma monarquia constitucional parlamentar (que eu brinco chamando-a de república regencial), mas peço paciência e o mínimo de curiosidade de vós, leitores, e que me deem a oportunidade de demonstrá-los que se a monarquia parlamentar constitucional é boa, que entretanto a monarquia absoluta é ainda melhor.

1- Da expressão absolutismo

O chamado absolutismo não surgiu com uma teoria que deu origem a uma centralização do poder. A teoria política do absolutismo passou a existir muito tempo depois do chamado absolutismo existir enquanto prática. É importante lembrar que nem tudo que é chamado de absolutismo tem a ver com o que ocorreu posteriormente ao desenvolvimento teórico do mesmo e que, na maior parte dos casos, a centralização administrativa no rei não ocorreu em detrimento da Igreja.

O poder de um monarca "absoluto" na vasta maioria dos casos era apenas um pouco maior que a de um monarca medieval e não tinha nada de absoluto, na realidade. Se você perguntasse a um cidadão português em 1500 ou a um cidadão francês do mesmo período se ele vivia numa monarquia absolutista ele ficaria sem entender o que você queria dizer. Para ele, não havia significativas diferenças entre o governo régio que tutelou sua nação e seus avós do que o que o tutelava naquele presente momento. Como no passado, mas numa realidade ligeiramente mais urbanizada, o poder régio parava nas côrtes, nos fueros, nas câmaras ou nos parléments; o que se entendia é que o rei, por costume e por necessidade técnica do período, detinha prerrogativas maiores que as convencionais de outrora.

Por isso alguns historiadores, como William Doyle, dividem o absolutismo em dois períodos, o absolutismo prático e o absolutismo teórico. O primeiro tem como causas materiais a devastação causada pela peste negra, que demandou uma atuação firme das monarquias para não permitir o colapso da civilização. Com esse período nefasto da história européia, as prerrogativas régias nascidas nesse período converteram-se em costumes políticos, assim como por exemplo a corvéia passou a ser paga também em dinheiro, ou a talha e a gabela passaram a ser aceitas como impostos eram "customs". Outro fator foi o renascimento da economia mercantil, pelo comércio ultramarino e da moeda como meio de troca relevante, e por fim, como consequência o renascimento das cidades, os chamados burgos. A partir desse período a economia agrária começaria um lento declínio até o apogeu da revolução industrial. 

Penso que diferentemente do que fazem alguns amigos meus, defensores da monarquia estritamente feudal, de que as bases da política não deveriam se alterar nesse contexto. Para que a sociedade humana sobrevivesse às mudanças técnicas e ao desafio da peste bubônica, o grau maior de centralização do Estado nascente era necessário, e não era nem heterodoxo e muito menos anti-subsidiário.

Devido a crise dos Papas de Avinhão, da querela dos templários contra Felipe IV, o belo de França; as heresias e heterodoxias do período humanista chamado renascença, o galicanismo, bem como por fim a revolução luterana, ocorreu a criação de uma nova mentalidade e de uma nova cultura secular, maçônica, ilustrada, que levaria à teorização do rei como soberano em detrimento do Papa. Isto, todavia, se deu gradativamente. Inicialmente propôs-se o poder temporal e religioso como iguais. tal como proposto pelo galicanismo, e por fim, terminou com o monarca sendo superior a Igreja apenas sujeito a lei natural e a Deus, como no protestantismo. Estes fatos ocorreram no século XVI e XVII. 

Ou seja, a prática política do chamado absolutismo, que não tinha nada absoluto, foi um nome dado pelos liberais de modo a denegrir a monarquia do chamado Antigo Regime (que embora seja também um nome atribuídos pelos liberais, tem caráter mais descritivo do que pejorativo). Os teóricos absolutistas só surgem mais de um século após a renascença, por volta do início do século XVI com Maquieavel, Jean Bodin, Jacques Benigne Bossuet e Thomas Hobbes, O chamado absolutismo não surgiu com uma teoria que deu origem a uma centralização do poder. A teoria política do absolutismo passou a existir muito tempo depois do chamado absolutismo existir enquanto prática.

E a formulação do poder absoluto régio não surgiu como justificativa da centralização do poder a posteriori, mas como tentativa de redefinir a filosofia política a partir de tendências gnósticas e maçônicas para derrubar o Papado, bem como das fissuras causadas pelo cisma luterano. Muitos monarcas "absolutos" foram bons cristãos e, apesar de eventuais conflitos com a Santa sé (algo que já havia nos tempos do medievo), a maioria deles sempre cooperaram e reconheceram a soberania do sumo pontífice. Não custa lembrar que Dom João VI, embora teoricamente um rei absoluto, que ele jamais se levantou para se por no lugar do Papa. Ao contrário, a Igreja sempre teve lugar na côrte e posição privilegiada no Império ultramarino português como religião pública.

2- Da nobreza hereditária e do segundo Estado.

Antes de mais nada, a tradição da nobiliarquia sempre existiu na maioria das sociedades antigas, desde a egípcia até a romana, mudando apenas alguns elementos materiais e acidentais, mas no geral, sempre foi reconhecida como algo natural. As sociedades maias, incas e astecas também tinham estamentações análogas.

A nobiliarquia medieval remonta a tradição do foedus romanum, no qual o Império já decadente para assegurar suas escassas defesas oferecia aos bárbaros frações de terra aos seus soldados para auxiliar na defesa do Império. Daí os bárbaros-germânicos conseguiam acesso ao cursus honorum e eram reconhecidos como boni et optimi. Com a queda do Império e a ascensão dos reinos bárbaro-germânicos, os reis godos se romanizaram e continuaram esta tradição. No auge da república e início do Império, o serviço militar considerado obrigatório, mas após a cristianização do estado romano, essa realidade dá lugar ao serviço militar voluntário e remunerado em terras. É claro que os líderes, os generais e comandantes, bem como os soldados mais decisivos e valorosos eram mais honrados que os demais, e portanto, mais galardoados.

E como nem todos recebiam prêmios por sua atuação, e nem todos atuavam, muitos precisavam trabalhar ou oferecer seu braço e capacidade de luta aos que tinham, surgindo daí as relações susserano-vassálicas do feudalismo. A palavra feudo deriva do latino foedus. O direito natural clássico viu esta situação como superior a escravagista da antiguidade, e como o fundamento do direito natural clássico é a família, entidade auto-sustentável e capaz de dar prosseguimento a espécie humana (ao contrário do direito natural moderno que se fundamenta no estéril indivíduo, que na terminologia escolástica refere-se apenas ao homem material in abstracto), nada mais justo que a família destes homens valentes e distintos na sociedade fosse honrada em conjunto com ele, visto que ninguém bem ao mundo e faz proezas sozinho. É necessário gerar, cuidar, alimentar e educar, e sem esses importantes fatores da vida familiar, nenhum ser humano chega a ser propriamente uma pessoa humana plena. Ora a atividade militar, da qual nasce a nobreza, como força geral e natural tem como função defender a sociedade e fazê-la durar no tempo, torná-la tão eterna quanto se possa. Sendo assim, justo também é que a sociedade defenda os homens que, dedicados às armas, vivem para guardá-la dos perigos o tanto quanto durar essa mesma sociedade, honrando assim também os seus descendentes.

Contudo, não se trata apenas de privilégio, mas de um dever. É dever da nobreza defender o Estado, e é dever dos descendentes honrar seus ancestrais, e se não puder fazê-lo com o mesmo talento que o patriarca, que pelo menos venha defender a nação com a entrega e honra no combate que a função exige, lutando até o fim sem jamais recuar ainda que lhe custe a vida - se não pela perícia e técnica, que seja pela "raça". Ou seja, o patriarca de uma família nobre não apenas transmite as suas posses, mas também uma missão: ser tão útil a sociedade quanto ele fora um dia. As posses, obviamente seguem como herança pelo direito natural de propriedade, e alguém com posses e dependentes, pela importância que guarda sua função de defesa do Estado e da nação, bem como daqueles que dele dependem, deve ser ouvido com especial atenção e cautela nos assuntos que concernem ao Estado e à nação. Por isso precisam ter algumas vantagens quando se convocarem côrtes ou estados gerais.

Conste-se ainda, que o rei tinha apenas um pouco mais de soldados que seus nobres, dos quais ele precisava do apoio para uma campanha militar. Isso subtraía muito o poder de opressão do Estado, que durante o século XXI foi a estrela de todas as opressões. Um governo "absolutista" para fazer uso da coerção, dependia à excepção de conflitos entre dois vassalos de diferentes burgos ou feudos, das autoridades locais representadas nos fueros, câmaras e parléments. 

E ao mesmo tempo, com isso, externalizava o custo de policiamento, segurança e defesa militar ao Estado. Para se ter ideia do que isso significa, imaginemos por um segundo que os homens da modernidade e medievo tivessem já naquela época a mentalidade econômica e social que temos hoje, bem como a técnica contemporânea. Imagine que eles pudessem já àquela altura ver os benefícios da educação e da saúde generalizadas de hoje. Quanto não poderia ter sido feito em matéria de bem-estar social? Entretanto, não os culpemos, esta consciência cresceu progressivamente no tempo, e para que atingisse o grau percepção destas benfeitorias hoje, foi necessário passar por estágios intermediários, como as guildas, o workfare state até o welfare state. Acusá-los sem levantar estas questões seria anacronismo; contudo, no nosso exemplo, podemos ver que caso fosse possível contrafactualmente imaginar isso, que poderia o Estado atuar com seus recursos como amparo e complemento à Igreja na educação e saúde para os mais pobres. Sem falar que com bem menos obrigações fiscais, o Estado poderia tributar bem menos para cumprir suas obrigações sociais, e como consequência teríamos também, menor endividamento público, permitindo o Estado gastar em coisas mais importantes, como na manutenção geral do nível de demanda, em infraestrutura, e etc.

3- Por que o rei deve ter a totalidade dos poderes?

Como paradoxalmente Thomas Hobbes percebe no seu Leviatã, uma das vantagens de um poder único é que com o aumento do número de pessoas no círculo de poder, isso dará caso a intriga, a oposição política e o caos. Portanto, a melhor forma de garantir que o Estado seja comandado e tenha plena força para agir com razão, é que um homem tenha o poder geral.

1- Porque o Estado deve ter uma razão unica e um objetivo claro de ação. E nada melhor que a cabeça do Estado tenha o poder de nomear de acordo com seus fins, preferências e objetivos, ministros para executar suas empreitadas. O Estado deve reconhecer no soberano uma unidade de consciência e de pensamento para que as ações do governo sejam efetivamente racionais.

Isso impede a fragmentação do poder e das ações de Estado em blocos imperfeitos e incompletos, levando a reformas e ações políticas irracionais e que não vão de encontro com os objetivos do Estado e da nação. O poder político fracionado em poderes separados, dividido em partidos ideológicos ao invés de questões de práticas administrativa leva aos conflitos incessantes e que perdem de vista a objetividade dos problemas sociais e econômicos, fazendo com que se chegue, a soluções de conchavo e conveniência que não respondem ou resolvem os problemas emergenciais do Estado.

2- Podemos dar como exemplo a reforma da previdência, tão necessária e que é impedida por blocos ideológicos que temem não conseguir a reeleição, e que tentam agradar seus quadros e militantes que não estão nem aí para a REALIDADE e sim pela manutenção de um discurso. O resultado será, provavelmente, uma reforma incompleta (isso se sair), que não resolverá nada a longo-prazo.

Podemos dar ainda, como exemplo, a briga entre vontades políticas individuais do legislativo e do executivo como no caso Cunha x Dilma, em que para implodir a cabeça do executivo, o legislativo consentiu em por em cheque a sobrevivência do Estado, colocando em risco a autoridade pública.

Isso se dá porque se substitui a vontade geral, como diz Louis-Ambroise De Bonald, por uma miríade de vontades individuais ou de blocos, uma soma de unidades de consciências e razão autônomas e contraditórias mutuamente excludentes que só podem chegar a uma ação prática irracional. Eis uma das razões pela qual eu apoio a monarquia "dita" absoluta, embora ela não seja um bloco monolítico na história e ela nem seja a mesma coisa em todo experimento. O modo que eu aprovo, obviamente, é o reinado de Dom João VI.

Some-se a isso o fato de que, tendo já a posse racional e natural do poder geral, como o chama De Bonald, não há razões pela qual o rei deva lutar para conseguir mais poder, pois o poder já flui dele para os seus ministros, evitando a luta intestina dos Estados liberais na qual o presidente em muitas repúblicas tenta 1001 esquemas para calar, dominar e/ou fechar o parlamento (e.g. Nicolás Maduro). Poder-se-ia argumentar que o monarca poderia querer limitar os parléments ou os fueros, mas há dois problemas com esse argumento.

1- Como chama a atenção José Pedro Galvão de Sousa, grande jurista, estes órgãos são orgânicos da própria sociedade e não pertencem ao Estado, logo não é uma luta intestina.
2- Tais conflitos apenas iriam se dar em assuntos em que houvesse conflito de competências, como as municipalidades e vilas tinham uma enorme autonomia jurídica a ponto de cada uma ter uma unwritten constitution própria, não faz sentido que o rei tenha interesse em impor normas de como unidade de medida, leis sobre se devem ou não amarrar cavalos nos postes e árvores ou coisas do gênero. Como a política municipal envolve assuntos de menor ordem e de interesse imediato e de próximo controle dos cidadãos, a big politics praticamente desaparece visto que cada câmara municipal, fuero e parlément é uma câmara dos deputados e suprema côrte em nível local. 

Isso geraria também o fim dos tenebrosos partidos políticos, não tendo mais um parlamento em funcionamento, não é necessário mais separar em blocos as opiniões e correntes políticas na sociedade para representá-las, bastando para isso convocar periodicamente, quando oportuno em côrtes ou Estados gerais, as mais representativas ordens da sociedade, como clero (1º Estado), a nobreza (2º Estado), e os membros do povo que tiverem maior papel, representatividade e destaque nos corpos intermediários da sociedade como cooperativas, órgãos de classe, oscips, sindicatos, etc. Sem partidos políticos, não há porquê argumentar que o rei não iria favorecer um ou outro partido, pois além dele próprio não ter um partido, isso se dá também pelo fato de não haverem partidos.

4- E o clero?

Quem conhece minha luta contra a soberania do Estado moderno e o Estado laico sabe que, assim como Louis-Ambroise De Bonald eu sou favorável a uma religião pública, a religião Católica Apostólica Romana com soberania do Papa. A defesa dos privilégios e deveres do Clero é muito simples e fácil de defender. Se a lei positiva não nasce da lei natural e revelada, e portanto, da moralidade objetiva em nós infundida por Deus, então o Estado torna-se fonte da própria lei e a lei torna-se em si mesmo um novo código moral paralelo. Ora não existe concessão maior de poder ao Estado do que dar a ele o poder de escrever a moralidade pública com emendas à constituição.

Assim, sendo o clero representante dos apóstolos, pais da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, ela, a Santa Igreja deve poder influir nos negócios públicos diretamente e deter o monopólio do espaço público. Embora eu não aprecie constituições, a nossa "melhor" constituição, a de 1824 em seu artigo 5 tinha a resposta para esse problema: A Religião do Estado é a Religião Verdadeira, a Igreja Católica. Contudo, as demais serão aceitas em culto privado com templos sem forma exterior de templo.

Então, basicamente, estas são as razões pelas quais a monarquia do Antigo Regime é superior a monarquia parlamentar constitucional.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Industrialização e Economia Social de Mercado


Um dos grandes problemas da economia brasileira que a faz ficar presa na armadilha de renda média é a sua desindustrialização. Economistas liberais associados à Escola Austríaca negam que a indústria seja importante e até louvam a desindustrialização do país, entretanto não concordo com essa visão. Não entrarei no mérito de porquê, mas caso não queria que o Brasil se limite a commoditties e a paraíso fiscal, abordarei como a ESM pode estipular políticas industrializantes no país.

Primeiro de tudo, temos que entender que financiamentos diretos ou subsídios em espécie são ruins para a economia pois tendem a formar monopólios e são feitos por razões mais políticas do que técnicas. Em que pese existirem casos de subsídio em espécie feita por razões técnicas e seguras como nos mostra Mariana Mazzucatto em "Estado empreendedor", a maior parte dos exemplos por ela listados estão ligados a países com uma maior solidez institucional do que a média dos países latino-americanos ainda infestados de uma corrupção endêmica de seu processo de estatalização. De forma que fico com a posição do professor Marcelo Resico em "Introdução à economia social de mercado" recomenda as isenções tributárias como mais eficientes.

Contudo, isenções significam quedas de receita o que imediatamente nos leva a discutir a parte fiscal do Estado. Isto é, num país como o Brasil, com problemas fiscais crônicos em que magistrados, deputados, embaixadores e altos burocratas constituem quase uma côrte de Luís XIV, dado os luxos e regalias, como abrir mão de receitas?

Antes de estabelecer que a questão fiscal é pressuposto necessário (não pode haver política industrial séria sem superávit), vamos elencar os principais desafios fiscais ao Brasil.

1- Previdência - A previdência está em vias de ser reformada. Ainda não vi e não procurei saber as extensões totais da reforma proposta, mas sem cortar os gastos vultuosos com os marajás que, constituindo 1% do sistema lhe consome 33% dos recursos, não há reforma séria do aparato fiscal do Estado.

2- Dívida pública - Com o montante atual de dívida pública jogada no lixo (e que cresceu enormemente nas administrações FHC e Dilma), não tem como aplicar o princípio de subsidiariedade, o federalismo fiscal e, com isso, o país se vê limitado a gastar a maior parte de seus superávits com juros da dívida e, o restante, com rolagens de dívida (fazer novos empréstimos). Sem resolver a questão da dívida pública, não seremos capazes tão cedo de conceder a Estados e municípios um elevado grau de autonomia política e econômica. Menos ainda, de pensar em política industrial.

Alguns passos importantes foram dados, entretanto:

1- Apesar de ver com ceticismo a atual proposta de reforma previdenciária (e reconheço que devo estudá-la mais a fundo para um juízo definitivo), só de se entender que a reforma da previdência é necessário (algo que o PT com Dilma fingiu que não existia), já é algo positivo. Qualquer que seja a reforma adotada, terá resultado fiscal na economia reduzindo os ônus do Estado. Resta saber qual o custo social dessas medidas e a quem mais "prejudica", espero que não sejam os mais pobres.

2- Teto de gastos públicos - O teto de gastos públicos com ajuste inflacionário é uma boa medida, embora tenha indicado que se devia acrescer ao valor da inflação um plus demográfico para que a taxa de investimento público não caia em termos per capita. E o teto, apesar de achar também exagerada sua duração, foi uma ação muito sensata adotada.

Sendo otimista, o que não costumo ser com frequência, se aceitarmos como pressuposto que todas essas medidas, especialmente a previdenciária, venha a ser feita com mais impacto no alto funcionalismo público, tendo a crer que poderemos pensar em uma política industrial sem grandes preocupações com ônus social.

Política industrial na economia social de mercado

Antes de mais nada, concordo com os economistas novo-desenvolvimentistas (como José Oreiro e Antônio Delfim Netto) que a questão cambial é crucial para o desenvolvimento industrial, e vejo nela a questão central. Embora ambos os supracitados sejam pessoas que saibam bem dos desafios de um enfraquecimento cambial, algumas pessoas tratam o assunto de maneira populista (Não vou falar que é o Belluzzo) em que basta desvalorizar o câmbio (para sei lá, uns 6 reais) e "taca-lhe pau!". Fato é, que se não é possível fazer política industrial séria sem primeiro ajustar o fiscal do Estado, não é possível simplesmente fazer política industrial séria sem arrochos e subsídios (indiretos) e um pacto política com metas e prazos.

Como o economista Wellington Gomes Lucas no seu artigo "Tripé brasileiro em xeque" publicado no livro "Panorama Socioeconômico do Brasil e suas relações com a Economia Social de Mercado" pontua, "com as reformas estruturais implantadas nos anos 1990, vários setores da indústria de transformação apresentaram aumento de participação  insumos importados" (p.171). Isto significa que a desvalorização do câmbio afetará também manufaturados domésticos, tornando-os mais caros. Então, o primeiro passo seria reunir as grandes federações industriais e os pequenos e médios empresários para discutir como estimular a substituição de importação destes insumos, procurando genéricos internos onde existam. Nesse tipo de proposta cabe três tipos de insumos.

1- Não produzidos e insubstituíveis - São aqueles que além de não serem produzidos ou que não existam no mercado nacional, por alguma limitação física, geológica ou de outra sorte, e não possam ser feitos aqui e que necessariamente demandam importação. Desonerações podem vir bem a calhar.

2- Não produzidos e que precisam ser produzidos - Há insumos, que além de não serem produzidos, por questões de mercado não são empreendimento lucrativo ou seu custo de produção é oneroso para entrada novos players. Neste caso, o governo preferencialmente deve oferecer desonerações para tornar o empreendimento no setor atrativo e, em último caso apenas, subsídio direto, dado o que já mencionamos sobre isso acima.

3- Produzidos, mas ineficientes - Por questões de câmbio, custo de mercado e escala das empresas, alguns destes insumos são produzidos no país, mas sua demanda e qualidade não são os melhores no país. Desonerações com prazos e metas são o melhor meio do governo exigir aumento de produção e melhora na qualidade.

Como é evidente, o gasto do governo para ajudar a criar ou a desenvolver estes setores médios, implica em queda de receitas e aumento de investimento público. Razão pela qual o fiscal deve ser um pressuposto necessário. Sem superávit não há certeza de que os ganhos de produtividade e PIB serão capazes de suplantar o crescimento da dívida, o que a longo prazo, inviabiliza o experimento industrial. Fiscal primeiro, industrial depois.

Depois de feito isso, é necessário fazer um novo pacto social em que o salários sofram um pequeno arrocho, a necessidade disso é óbvia. Como o ato final será o desvalorizar do câmbio, ocorrem aumento de demanda por substitutos nacionais. Com isso pressões inflacionárias necessariamente ocorrem, seja por uma oferta minguada frente a um novo grupo de demandantes, seja pela contratação de novos trabalhadores que, recebendo salários mais elevados, aumentarão seu consumo inflacionando os preços. Nesse caso, soma-se inflação de custos e inflação de demanda, isto anularia os efeitos da desvalorização cambial. O arrocho salarial temporário de 0,5% ou 0,75% em relação a inflação produziria um enfraquecimento de demanda, em que apesar do crescimento do consumo interno, este não puxaria os preços muito para cima. Com salários menores, os custos de produção caem, fazendo que o preço não suba e, some-se a isso que, com insumos internamente produzidos já estariam adaptados à nova demanda e estariam sendo produzidos, não haveria acréscimo de preço nos produtos internos, garantindo que os preços dos produtos nacionais seriam mais vantajosos frente aos importados. Com o tempo e o sucesso das medidas (alcance dos objetivos propostos), os reajustes do arrocho poderiam ser dados gradativamente ao longo do ano, recuperando aos poucos o poder de compra controlado no começo; isso dará tempo da oferta se adaptar ao aumento da demanda, provocando menores surtos inflacionários.

A inflação de custos, quando não acompanhada de inflação de demanda enfraquece o crescimento da demanda agregada, o que criaria um cenário de geração de empregos com inflação sob controle. Como já visto na década de 70, a curva de Phillipps que apresentava um trade-off necessário  entre inflação e desemprego não é um bom modelo para apontar qualquer contratempo. Se pode haver estagflação (desemprego e inflação alta), pode haver também inflação baixa e pleno-emprego, e foi o que aconteceu na Alemanha do milagre econômico (1955-1960).

Uma vez que estas duas etapas tenham sido concluídas, pode-se então, passar à desvalorização gradual da taxa de câmbio (não entrarei em qual meio será o mais eficiente, se com algum tipo de imposto, constituição econômica, swaps ou controle de fluxo de capitais), que deve ser feita não de maneira oportunista mas como sinal de mercado de que estamos estabelecendo um novo pacto político-econômico duradouro, em que a moeda flutuará em termos mais próximos do exigido pelas indústrias de maneira estável com o mínimo de intervenções possível. A desvalorização cambial, nesse caso, não produzirá surtos inflacionários, garantindo o crescimento dos manufaturados e da participação da indústria brasileira no exterior. Atualmente o real já flutua numa faixa muito boa, de 3,20 e 3,40, bastaria o governo trabalhar para mantê-lo nesta faixa, sem apreciação, estabelecendo teto e piso entre 2,90 e 3,50; que seria um topo de emergência (2,90) caso necessário, e um valor base (3,50) de emergência e pró-indústria caso necessário também.

Efeitos positivos

Teríamos com isso, crescimento sustentável e de longo-prazo capaz, com isso, de reduzir o volume de endividamento público. Com menor dívida pública, sobraria mais recursos para investimentos públicos de maior necessidade como educação, saúde e estado social. Mais importante que isso, possibilitaria a descentralização administrativa do país, concedendo a estados e municípios maior autonomia política e econômica como exigido pelo princípio de subsidiariedade. Nada disso deve ser feito arbitrariamente, sem diálogo, a previsibilidade é elemento essencial da economia, e deve ser elemento primeiro para uma proposta de política industrial séria.

sábado, 25 de novembro de 2017

O "complô" liberal para cooptar os católicos


Fui questionado acerca da veracidade das minhas alegações de que existe hoje um complô liberal para cooptar os católicos que vem crescendo no Brasil devido a expansão da nova direita. Quando digo complô, obviamente não me refiro a uma espécie de seita secreta de liberais  reunidos em lojas maçônicas. Não. Refiro-me a uma tendência entre os católicos a adotarem posições a direita no campo moral, religioso e econômico contra uma ameaça esquerdista e que, muitas vezes, encontra nos argumentos da direita um sustentáculo. Com isso, o resultado acaba sendo uma síntese entre pensamento liberal e católico, o que é obviamente herético. O inverso é também verdadeiro, quando a direita se mostra uma enganação, o movimento inverso tende a ocorrer, foi assim que a teologia da libertação cresceu.

Pretendo, portanto, provar minha alegação em dois pontos distintos:


  1. Demonstrar que há uma tendência internacional de liberais que por alguma razão, encontram-se dentro da Igreja católica, e pretendem instrumentalizá-la para seus grupos políticos e para favorecer suas agendas.
  2. Demonstrar que este fenômeno existe no Brasil.
Não me focarei nas razões pelas quais indivíduos liberais ou socialistas estão dentro da Igreja, já que muitas destas razões são pessoais, insondáveis e de foro na enorme maioria das vezes, íntimo. 
Contudo, tentarei documentar aqui, que liberais no Brasil e fora dele vem tentando misturar a doutrina católica com o liberalismo, seja através da distorção das palavras do magistério, das palavras dos santos e/ou da falsificação historiográfica. A estratégia é ambígua e varia conforme o leitor. Se é um leigo de pouco conhecimento, a estratégia é a do confusão, minorando e diminuindo as distinções entre liberalismo e distributismo, se não mostrando-os como a mesma coisa, pelo menos colocando-os como muito próximos; assim através de uma lógica praticista leva-se o católico a apoiar o liberalismo sem saber ou perceber o erro. 

Quando se trata de um leigo com leitura e bagagem, não tem como esconder o jogo, a ideia é tentar deslegitimar politicamente o distributismo, a ESM ou enfraquecer teologicamente a importância da DSI.  Outras estratégias que já enfrentei foi a alegação de que o Concílio Vaticano II mudou tudo, e que agora tudo é permitido. Enfim, como podemos ver, o catolicismo liberal e libertário é uma forma de modernismo, que apresenta uma lógica dupla, como a língua bífida da serpente, que num lado parece muito católica, no outro é pior que o pior dos hereges.


Ao fim deste texto há uma grande seção de evidências e referências, todas as afirmações feitas estão lá elencadas.


#1

Em que pese tal processo poder ser datado desde os tempos do iluminismo e da revolução francesa, pretendo me focar no século XX. Desde o pós-guerra, os católicos vinham em franca acensão nos Estados Unidos, e ganhavam ano-a-ano mais e mais influência nos meios acadêmicos, midiáticos e políticos. Percebendo isso foi que Murray Rothbard decidiu cooptar este grupo para a causa austro-libertária. Rothbard se infiltrou em grupos neoescolásticos e adaptou sua estratégia de argumentação aos fundamentos do direito natural, só que atribuindo a Santo Tomás de Aquino à idéia de que o direito natural não depende da existência de Deus (distorção da palavra dos Santos) e de que Santo Tomás era antirreligioso[1].


Também foi o introdutor da ideia de que os Escolásticos de Salamanca são os pais ou mentores da Escola Austríaca de Economia, ideia popularizada entre os americanos por autores com Thomas Woods Jr; e trazida à América Latina pelo liberal infiltrado no Opus Dei, Alejandro Chafuen [2]. Tal ideia é contestada por um austríaco, Joseph Schumpeter, e também pelo economista John D. Mueller, que apesar de se dizer distributista é um intelectual que mantém uma boa proximidade com os liberais e pode-se dizer um cripto-liberal. Mueller e Schumpeter demonstrarão que os escolásticos de Salamanca estavam mais próximos dos Walrasianos do que dos austríacos, mas que eles ainda assim, não estavam secularizados e não negavam o conceito de Justiça dentro da tradição escolástica[3].


Essa tentativa de constituir um catolicismo liberal e libertário levou a construção do Instituto Acton. Lord Acton era um maçom e liberal infiltrado na Igreja, que até o último instante manteve-se fiel à sua doutrina liberal a ponto de conspirar contra o Papa. O líder dessa seita liberal nos Estados Unidos é o Padre Robert Sirico, que como eu traduzi aqui, foi um dos primeiros a ler a Centesimus Annus de João Paulo II como se fosse uma encíclica de aprovação ao liberalismo econômico[4]. Seja como for, a bibliografia do "catolicismo liberal e libertário" se espalhou pelos Estados Unidos e, apesar de encontrar resistências, as obras de Chafuen, De Soto, Rothbard e Woods se espalharam através da rede que liga o Acton Institute, o Mises Institute e a Atlas Network influenciando largamente o laicato católico.

Obras como "Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental" e "The Chruch and the Market" de Thomas Woods Jr, popularizaram a ideia de que a teoria econômica mais apropriada para um católico é o liberalismo econômico e que a Escola Austríaca é o seu mais pleno desenvolvimento. As críticas de tomistas e estudiosos sérios, como Christopher Ferrara em "Liberty, the God that failed" e "The Church and the libertarian"; Angus Sibley em "The poisoned spring of economic liberalism"; John Médaille em "Toward a truly free market", Thomas Storck em "An economics of Justice and Charity", de Peter Chojnowski que dedicou uma serie de textos traduzidos por Angueth[5] e em menor grau do já mencionado John Mueller em "Redeeming Economics: Finding the missing element" são respondidos com as erradas ideias de que o Concílio Vaticano II mudou tudo e que, por não ser magistério extraordinário, a DSI não é infalível e que pode ser apropriada por uma leitura libertária.

Como podemos ver, trata-se de falsificação historiográfica e distorção do magistério, como já dito anteriormente. Graças ao esforço destes autores, muitos outros católicos liberais e libertários surgiram com força, como Jeffrey Tucker e Lew Rockwell. Até opiniões como aborto e casamento gay, por serem muito liberais e estarem em consonância com os princípios liberais são discutidos e aceitos como alternativas válidas por estes autores. [6] Jeffrey Tucker, inclusive, já foi escrutinado e esculhambado por este blog por defender que a doutrina da Igreja é libertária ou tem "algo de libertária"[7], claro que isso só foi possível após distorcer textos dos santos e a história.

Todos estes autores tem textos publicados no Instituto Mises Brasil[8], e são de grande influência sobre a nova direita.

#2

Como já demonstrado, estas ideias chegaram ao Brasil e elas são o resultado de católicos rejeitarem a DSI em favor do liberalismo. No Youtube intelectuais pretensamente católicos fazem palestras alegando que a Escola Austríaca é descendente da escolástica medieval e da Tradição católica[9]. Boeira mesmo, no episódio III de Brasil Paralelo: A última cruzada louva uma suposta síntese escolástico-liberal feita pelo Visconde de Cairu [10]. Olavo de Carvalho, hoje uma das grandes influências sobre os católicos leigos mesmo despreza a Doutrina Social da Igreja e o distributismo acusando-a de socialista [11]. Muitos nomes influentes do meio católico leigo como Leonardo Oliveira, o meu amigo Conde; o professor Hermes Rodrigues Nery e o estudioso Carlos Ramalhete são figuras que tem alguma ligação com Olavo. Bruno Garschagen, um dos highheads da Escola Austríaca no Brasil, bem como Helio Beltrão são notórios por aprovarem a síntese entre liberalismo e catolicismo, vide os textos de ambos no IMB ou o livro de Garschagen "Pare de acreditar no governo!". Mesmo nos meios libertários a ideia da síntese católico-liberal está presente, veja o caso de Joel Pinheiro da Fonseca que diz que é possível ser católico e libertário[12], isto para não mencionar o esquisitão Paulo Kogos.

Alex Catharino, outra figurinha carimbada da nova direita, por exemplo, se valerá das distorções de Russell Kirk e de Meira Penna, dois liberais para encaixar a Doutrina Social da Igreja no discurso liberal, e com ele, o distributismo[13]. É notória também as influências dessas ideias sobre membros herdeiros ou não da família Imperial, como Luiz Phellipe de Orléans e Bragança, ou ainda, como por exemplo, Dom Bertrand que em suas falas misturando conceitos da DSI com uma retórica exageradamente antiestatista, acaba por vezes tornando difícil perceber a distinção entre liberalismo e o distirbutismo, uma das interpretações apregoadas pela DSI[14]. No caso de Dom Bertrand, entende-se pelas dificuldades inerentes a ser um tradicionalista pretendente ao trono que tem por base um grupo de liberais e conservadores liberais que dificilmente aceitariam uma retórica tradicionalista que condenasse liberais e socialistas ao mesmo tempo.O caso de Luiz Phellipe, ao contrário, é mais claro. Podemos ainda citar o caso de Adolpho Lindemberg, cuja finalidade é a mesma de Thomas Woods Jr, a de mostrar a plena compatibilidade do liberalismo econômico com a doutrina da Igreja[15], chama a atenção também, o número de autores ligados a Escola Austríaca publicados pela pretensamente católica editora Ecclesiae, número que supera em muito os autores de qualquer outra vertente liberal, e nem precisa-se mencionar as keynesianas, né?[16] Ou seja, não fosse por esse detalhe até dava para dizer que é uma correlação coincidente.



Conclusão

Como já coloquei um monte de vezes, essa tentativa de associar a Escola Austríaca ao pensamento escolástico tardio acaba caindo numa visão materialista, epicurista e nominalista[17], portanto, oferecer essa alternativa como substituta do distributismo ou de outra interpretação da DSI é heterodoxo. Em resumo, há uma tendência de liberais tentarem cooptar católicos dos movimentos distributistas para o liberalismo, fazendo-os cooperar consigo[18] Se não pelos princípios, ao menos na prática pelo medo. Acredito, portanto, que provei meu ponto a respeito desta tendência nefasta de liberais se infiltrarem na Igreja e de cooptarem movimentos católicos associados a DSI e ao distributismo, distorcendo as palavras do magistério, distorcendo as palavras dos Santos e distorcendo a história para nelas encaixar sua narrativa.


//EVIDÊNCIAS//
[1] A tradição tomista, ao contrário, era precisamente o oposto: defende uma filosofia independente da teologia e proclama a capacidade da razão humana de compreender e alcançar as leis da ordem natural, sejam físicas ou éticas. Se a convicção em uma ordem sistemática de leis naturais sujeitas a ser descoberta pela razão humana é antirreligiosa per se, então São Tomás e os últimos escolásticos também eram antirreligiosos, assim como o jurista Hugo Grotius, devoto protestante. A declaração de que existe uma ordem de lei natural, resumidamente, deixa em aberto a questão de se foi ou não Deus quem criou tal ordem; e a afirmação de que a razão humana tem capacidade para descobrir a ordem natural deixa em aberto a questão de esta razão ter ou não sido dada ao homem por Deus.”  Murray Rothbard, A Ética da Liberdade, p. 58


[2] https://historicamenteincorrecto.files.wordpress.com/2014/01/woods-como-la-iglesia-construyc3b3-la-civilizacic3b3n-occidental.pdf, - Cf. p.198, 201, 207)


[3] To their credit, Austrian School scholars stand in less need of such remedial history, thanks for example to the work of Murray Rothbard, who traced the development of Austrian economic theory back through the scholastic thinkers, particularly the latescholastic School of Salamanca (Rothbard, 2006). Despite this valuable contribution, it is necessary to correct Rothbard in one key aspect: when he summarizes, In recent decades, the revisionist scholars have clearly altered our knowledge of the prehistory of the Austrian school of economics. We see emerging a long and mighty tradition of proto-Austrian Scholastic economics, founded on Aristotle, continuing through the Middle Ages and the later Italian and Spanish Scholastics, and then influencing the French and Italian economists before and up till the day of Adam Smith (Rothbard, 2006). What is objectionable is the term “proto-Austrian Scholastic economics,” since it reads history—which runs only forwards—in the wrong direction, by choosing the Austrian School as the summit to which economics was always headed. Joseph Schumpeter similarly considered the scholastics to be “proto-Walrasians.” And I must admit that I also used to share such “Whig histories of economics.” But I had to abandon them about 15 years ago when I realized that they fail to wrap up all the “leftovers.” As Alex Chafuen documented in his excellent book Faith and Liberty, personal gifts and distributive justice were central to scholastic economic theory, early and late. (Chafuen, 2003, pp. 92–93, 101–103) Yet they are not taught in any neoclassical school, including the Austrian School (except by claiming them to be disguised exchanges).


[4] A CENTESIMUS ANNUS REPRESENTA O COMEÇO DO AFASTAMENTO DA VISÃO DE MUNDO DA ECONOMIA DE SOMA ZERO QUE LIDEROU A IGREJA A SUSPEITAR DO CAPITALISMO E ARGUMENTAR POR REDISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA COMO A ÚNICA RESPOSTA MORAL A POBREZA (http://distributistreview.com/o-que-a-centesimus-annus-realmente-ensina/).


[5] http://ge-pgomes.blogspot.com.br/2015/06/seria-escola-austriaca-realmente-filha.html (Créditos: Blog do Angueth)

[6] Lew Rockwell: "The concept you are looking for, which allows righteous indignation against practice of abortion, while not espousing that the practice be defined as crime, is individual sovereignty. A woman may kill her unborn child, and it is a killing of a human being and deserving opprobrium, but our government may have no jurisdiction within the skin of an individual without each of us suffering dire unintended consequences in the long run. A woman literally holds the power of life and death within the bounds of her flesh; because she is sovereign there." (FERRARA, 2010, p.250)

Jeffrey Tucker: "The social, cultural and religious conflicts associated to the gay marriage and adoption would be better solved through laissez faire [...] government should get out of the marriage business. This answer flows directly from general embrace principle of free association: people should be permitted ti do whatever they want provided the aren't violating anyone's rights."
(FERRARA, 2010, p.245)

FERRARA, Christopher. The Church and the libertarian. Remnant Press, 2010.

[7] http://ge-pgomes.blogspot.com.br/2017/05/desmascarando-o-charlatao-e-herege.html

[8] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2684
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=212
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1548

[9] https://www.youtube.com/watch?v=pOCxvUDS-ls
https://www.youtube.com/watch?v=yePCFNckBUI

[10] http://legiaodasantacruz.blogspot.com.br/2017/11/destruindo-o-brasil-paralelo-iii-lorota.html

[11] http://catolicidadetradit.blogspot.com.br/2013/12/a-doutrina-social-da-igreja-e-um-erro.html
https://direitasja.com.br/2013/02/28/capitalismo-e-cristianismo/

[12] http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2014/06/catolico-e-libertario-pode-sim-joel.html

[13] http://sensoincomum.org/2017/03/14/meira-penna-teologia-libertacao/

[14] https://www.youtube.com/watch?v=Cvf7_8YtpQU
https://www.youtube.com/watch?v=NQcjTU5cbzo

[15]http://www.livrariapetrus.com.br/Produto.aspx?IdProduto=334&IdProdutoVersao=346

[16]http://ecclesiae.com.br/index.php?route=product/category&path=155

[17]  The differences devolve to different conceptions of human and divine nature. Classical economists are stoic pantheists, locating ultimate causation in uncreated animate matter, with fate as the governing principle. God is conceived as the world-soul, and man as God’s puppet. Man’s actions are driven by neither means nor ends but by sentiments. The associated theory of knowledge is nominalism. Neoclassical economists are epicurean materialists, seeing uncreated inanimate matter as the ultimate cause and chance as the governing principle. There is no God, and man is a clever animal who chooses means but not ends. Nominalism is the theory of knowledge of neoclassical economics.

E como já visto, John D. Mueller coloca a EA filosoficamente ligada ao neoclassicismo como uma espécie de um gênero. (https://www.gordon.edu/ace/pdf/F&E%202012%20Spring%20-%20Hammond.pdf)

[18] Los demagogos saben que una mentira repetida mil veces se acaba convirtiendo en “verdad”. Así manipulan a las masas, cuando un bulo es una y otra vez afirmado hasta que se convierte en un mantra aceptado, que no en Verdad. Lo consiguieron los enemigos de España con la famosa Leyenda Negra, y hoy en día, y desde hace algo más de un siglo, lo están intentando ciertos sectores del liberalismo conservador con la Doctrina Social de la Iglesia y la Escuela de Salamanca.

http://adelantelafe.com/no-se-puede-catolico-liberal/

O mito do distributismo sem Estado.


Alguns amigos distributistas têm uma visão errada acerca do distributismo, como se ele só pudesse existir pela própria ação da sociedade e como se qualquer ação do Estado resultasse em socialismo. Esta é uma visão errada e contaminada pelo pensamento liberal, sobretudo austríaco, que acredita que as intervenções do Estado são cumulativas, levando inevitavelmente ao socialismo. Ou, até mesmo de deturpações do termo socialismo, como se qualquer ação do Estado fosse per se socialista. Então, é muito comum que eu veja expressões como: "Para haver distributismo a divisão da propriedade deve partir da sociedade, se for pela ação do Estado, é socialismo".

Eu acredito que existam duas razões para crer nisso, basicamente ignorância e malícia. A ignorância é, na maioria dos casos, fruto de má explicação e de leituras apressadas ou inconscientemente enviesadas. E a ignorância, como tal, deve ser eliminada pela argumentação sincera e educada. Realmente, devo admitir, quanto mais orgânico e voluntário for a divisão da propriedade, melhor será para a própria sociedade. Se as pessoas pudessem ser convencidas, a livremente doarem parte de suas posses a quem nada tem; se pudessem ser persuadidas a pensarem comunitariamente nos seus empreendimentos, nossa proposta teria aplicação muito mais fácil e, portanto, teria resultados muito superiores; este seria, sem dúvidas, o melhor cenário possível! Entretanto, as coisas na REALIDADE não funcionam assim, e alguma coerção, ou pelo menos "estímulo" deve ser tomado. E é aí que entra o fator malícia.

Alguns indivíduos que são liberais conscientemente, pretendem convencer a si mesmos e a outros, de que não há nada de errado em conciliar o liberalismo econômico e a doutrina católica; usam deste artifício, e instrumentalizam os ignorantes para levá-los a crer na ideia de que o distributismo só pode ser aplicado de modo totalmente voluntário, ou não deve ser tentado, pois redundará em socialismo. A artimanha é uma falsa dicotomia, óbvio! E é uma tremenda desonestidade.

A ideia por detrás disso, óbvio, é a de se infiltrar em grupos católicos e cooptá-los para o liberalismo, de modo que se não pelos princípios, pelo menos pela prática, por meio do temor em relação um mal maior, o comunismo. Assim, sob pretexto de combater a esquerda, distributistas e liberais se fechariam juntos nas mesmas fileiras de combate, lutando pelo capitalismo liberal. Eis a dialética macabra da modernidade: Para combater os erros de 1848 e 1917, acaba-se caindo nos erros de 1776 e de 1789.

Antes de mais nada, nem o próprio Chesterton acreditava que o distributismo só pudesse ser alcançado por vias não-estatais; diz nosso bom Gilbert (2016, p.74)

"Aqui está, por exemplo, uma dúzia de coisas que promoveriam o processo do distributismo, à parte daquelas em que tocaremos como pontos de princípio. Nem todos os distributistas concordariam com todas elas, mas todos concordariam que elas estão na direção do distributismo."
Segue Chesterton:

"(1) A taxação de contratos a fim de desencorajar a venda de pequenas propriedades a grandes proprietários e encorajar o  rompimento e espalhar de grandes propriedades em pequenas propriedades."

Quem taxa se não o Estado?

"(2) Algo como a lei testamentária napoleônica e a destruição da primogenitura."

Convenhamos que Napoleão Bonaparte não era lá o melhor exemplo de voluntarismo.

"[...] (5) Subsídios para fomentar o começo de tais experimentos."

Quem garantirá estes subsídios se não o Estado? É claro que quanto mais voluntário e orgânico for, melhor. Que tanto mais comunitário e mais próximo da vivenda dos cidadãos, tanto melhor! E que mesmo que se envolva o Estado, que quanto mais perto do ente federado próximo ao cidadão (ao invés do governo federal) ocorrer essa intervenção, muito melhor! Mas não dá para cair no conto romântico de que, de repente, todos compartilharão tudo alegremente e saltitantes de felicidade fraternal.

O Estado pode e deve criar um enquadramento jurídico que estimule a própria sociedade a agir de modo distributista, e deve atuar diretamente fazendo a distribuição pela força em último caso, quando não forem possíveis maiores ou melhores resultados de outra forma, sempre visando a justiça distributiva. Socialismo é a totalidade dos bens de capital estarem nas mãos do Estado e não qualquer ação do Estado; caso assim fosse, liberalismo seria socialismo, pois ele baseia-se na destruição de um enquadramento jurídico orgânico e irracional para a imposição de uma ordenação jurídica racional, universalista e burocrática.

//REFERÊNCIA//

CHESTERTON, Gilbert Keith. Um esboço de sanidade: pequeno manual de distributismo. Ecclesiae, 2016.

sábado, 14 de outubro de 2017

Economia moral de mercado, sua ordem econômica e as crises.


Este é o terceiro texto que elaboro sobre a minha proposta de economia moral de mercado, e nele vou tratar da ordem político-econômica; como já explicado em textos anteriores, os quais podem ser localizados nas tags do blog, a realidade da economia no século XXI nos força a manter sob centralização no Estado um leque de funções econômica, tanto por eficiência, tanto ainda por razões de desenvolvimento econômico e social, quanto por questões de soberania diante da ameaça da civilização científica global.

Por outro lado, sou um forte crente na descentralização econômica e da menor regulação possível sobre os setores mais populares da economia. "Quanto menor o negócio, menos regulação". Isto é, o Estado pode criar um ambiente legal que estimule e facilite que cooperativas de crédito, bancos comerciais regionais e financeiras locais sejam a fonte do financiamento e do crédito necessário a empreitada econômica. O Estado somente seria emprestador de último caso através de bancos de desenvolvimento, salvo em projetos econômicos de interesse estratégico como tecnologia de ponta.

Mas a questão da crise econômica é o que realmente nos interessa, afinal, todo sistema econômico é posto em teste diante das crises. E quais seriam os mecanismos para abrandar os choques e contra-choques do capitalismo?

Todos os métodos são derivados de três fontes:

1) Método ordoliberal
2) Método novo keynesiano
3) Método pós-keynesiano

O primeiro nível, o ordoliberal, que aprendemos na economia social de mercado, é a precaução. Precaver-se contra um mal e tentar evitá-lo antes que ele aconteça é sempre o melhor. Ou seja, através de órgãos reguladores para a economia focados nas grandes empresas e bancos; a existência de um órgão anti-cartel; tripartismo, são meios eficientes de se fazer os ajustes microeconômicos necessários para evitar crises.

A eficiência de tais métodos são bem conhecidos quando as leis são rígidas e governam mais que pessoas. Portanto, o fortalecimento institucional é absolutamente necessário para garantir seu funcionamento. Como dito, o primeiro nível existe com a finalidade de se obter o pleno-emprego através da correção das falhas de mercado.

Já o segundo existe no caso de que o primeiro não seja suficiente, por razões mil outras que possam levar a que ele não dê conta de resolver as contradições internas de uma economia. Por isso o método novo keynesiano trata de resolver os problemas da viscosidade dos preços para baixo, levando a crises de demanda. O principal método é a política monetárias, ou o Quantitative Easing, através do qual pode-se desafogar uma economia em recessão.

O último método, o pós-keynesiano, é a boa e velha política fiscal, aliadas a políticas cambiais além de tributação sobre o dinheiro especulativo. Ele operaria em casos de depressões, o que é raro ocorrer. Mas seria necessário em casos em que o segundo nível de defesa terminasse numa liquidity trap.

A probabilidade de uso dos métodos dois e três são bem menores que os do um, e da mesma forma, o do três, menor que a do dois. Na maior parte do tempo ocorreriam no máximo ajustes microeconômicos para evitar crises. O dois, no máximo, quando por ocasião de alguma crise externa para domar os impactos econômicos internos. O último? Bem, ninguém quer que ele seja utilizado, mas ele está lá caso seja necessário.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Liberty, the god that failed - Resenha da obra de Christopher Ferrara

Por Willian Frota

Se você, como eu, navega pelas águas obscuras das leituras e opiniões proibidas pelo index da esquerda politicamente correta, perceberá que o nome desse livro é uma referência direta a "Democracy: the god that failed", do autor anarco-capitalista Hans Hermann-Hoppe.

Isso não obstante, a proposta de Ferrara no livro não é enfrentar as teses hoppeanas ou o anarco-capitalismo (mencionados apenas de passagem no livro), mas sim fazer uma análise crítica da história norte-americana, a partir da perspectiva do tradicionalismo católico, abordando desde a elaboração da filosofia política iluminista que haveria de informar os Founding Fathers, até suas consequências nos dias atuais, o que explica o subtítulo do livro: "policing the sacred and constructing the myths of the secular state, from Locke to Obama" (veja-se, porém, que o objetivo do autor não é recontar toda a história americana - razão pela qual não encontraremos, aqui, um tratamento pormenorizado dos eventos do século XX, ou mesmo XXI - o objetivo do autor é tratar dos anos da formação do Estados Unidos e de suas consequências teopoliticas para os dias de hoje)

Antes de prosseguir, porém, faça-se uma ressalva: o objetivo do autor não é apenas apresentar uma narrativa, mas refutar e combater narrativas rivais - mais especificamente, as propagadas pela direita americana, desde os libertários até os defensores do agrarianismo sulista. Trata-se, portanto, de algo que será encarado por muitos como um debate interno à direita (por mais que enquadrar o tradicionalismo católico na categoria "direita" seja conceitualmente problemático - pois tal posicionamento é uma negação da modernidade política e, portanto, uma rejeição da própria dicotomia "Esquerda X Direita" - não se pode negar que essa vertente de pensamento tende a ser rotulada pura e simplesmente como "extrema-direita").

Entre os principais momentos e fatos históricos analisados no livro, estão: o surgimento do pensamento revolucionário liberal na Europa iluminista; a Guerra de Independência norte-americana; os governos dos primeiros presidentes; a Guerra de Secessão e o posterior período de apaziguamento nacional ("The Great Never Mind").

Entre as ilustres figuras encontradas (e, na maior parte das vezes, impiedosamente desconstruídas), estão John Locke, os Founding Fathers (como George Washington e Thomas Jefferson), Abraham Lincoln, General Lee, e Jefferson Davis (sobra até para o falecido justice Scalia, cujo nome é sempre precedido do adjetivo ultraconservador - adornado, porém pelas famosas aspas da ironia).

Num levantamento rápido, podemos aqui apontar os principais mitos historiográficos desfeitos pelo livro:
- Contra a noção do liberalismo lockeano como um fruto "moderado" do iluminismo, Ferrara expõe a ruptura radical que o pensamento do filósofo representou diante da cosmovisão greco-católica: com sua filosofia de fundo nominalista, o pensamento lockeano substitui a noção escolástica da polis (uma comunidade que deve se ordenar ao seu fim último, Deus) por uma noção essencialmente agnóstica, na esteira do contratualismo (polis como mero fruto da vontade e da conveniência humana, voltada apenas à auto preservação da sociedade); é aqui que vemos a proposta de um estado laico acima das denominações cristãs como solução para os conflitos religiosos da Europa (como diz Ferrara, um dos muitos capítulos do círculo vicioso liberal - o liberalismo cria um problema, oferece uma "solução" mais liberal, que resulta em mais problemas, com mais "soluções", etc), desembocando na consequência lógica da submissão de Deus ao Estado (veja-se, aliás, que a proposta de "Lei de Tolerância" de Locke concederia liberdade de expressão a todas as religiões, menos a "fanáticos e papistas");

- Contra a ideia de que a Revolução Americana foi uma "revolução conservadora", - propagada especialmente por Russell Kirk e seus seguidores do "Imaginative Conservative" - Ferrara mostra o caráter claramente subversivo da revolução, marcada por manipulação da opinião pública através da imprensa da época (utilizada para propagar factoides sobre a "violência"dos ingleses e sobre o "papismo" do rei George) e por denúncias hipócritas sobre a carga tributária supostamente opressiva da Coroa Britânica; 

- Contra o mito libertário de que os Founding Fathers seriam defensores de um governo limitado, posteriormente hipertrofiado pelas demandas e manipulações da esquerda estatista, o autor mostra como a história da República norte-americana, ainda nos tempos dos primeiros presidentes, já era marcada por um projeto deliberado de aumento do poder Federal (e contra o mito de "jeffersonian limited government", Ferrara mostra como o próprio Jefferson, quando presidente, não hesitava em aumentar o próprio poder - bem como os impostos, elevados muito além do que a Coroa Britânica havia permitido nos tempos das Treze Colônias - não hesitando também em reprimir e executar os cidadãos americanos que se revoltaram com isso; irônico, não?);

- Contra o mito "conservador" dos Founding Fathers como cristãos devotos, Ferrara mostra como Washington, Jefferson e companhia eram, quando muito, deístas unitaristas que rejeitavam Cristo explicitamente (a história de Washington se ajoelhando na neve pra rezar, por exemplo, é um mito; os relatos de que ele se recusava a comungar oi se ajoelhar nas cerimônias religiosas de que participava, porém, são verdadeiros);

- Contra os mitos de Lincoln e do Norte como combatentes pela libertação dos escravos do sul, Ferrara mostra o óbvio: que o presidente moveu a guerra única e somente para preservar o território americano;

- Por outro lado, contra o mito dos sulistas como defensores de um modo de vida cristão e tradicional 

- E contra os revisionismos ainda mais bizarros que tentam pintar a escravidão sulista como "not so bad" - lá vem Ferrara mostrar que a motivação dos líderes sulistas foi somente uma: proteger a escravidão contra o risco de abolição (à época do início das hostilidades, bem abstrato, diga-se de passagem).

Ferrara expõe, ainda, o caráter abertamente antirreligioso da Constituição ("the godless constitution", como chamada pelos militantes protestantes da National Reform Association - que tentaram, em vão, emendar a Constituição com uma menção explícita a Deus e a Jesus Cristo).
Existem muitos outros detalhes que valeriam a pena uma exposição mais detalhada: o caráter eminentemente aristocrático - no mau sentido - de todas as revoluções, nas quais os homens comuns eram obrigados a lutar e morrer pelos interesses das elites políticas; os contornos bizarramente gnósticos assumidos pelo culto americano à liberdade, dando origem ao estranho fenômeno de um secularismo religioso (rituais litúrgicos ao redor da "árvore da liberdade", o "poste da liberdade"; consagração de prédios públicos por ritos maçônicos; leis praticamente prescrevendo adoração à bandeira americana; e o próprio tratamento semi-religioso concedido aos Founding Fathers e outros personagens da historiografia americana, com direito a mausoléu, orações e até veneração de relíquias).

Entretanto, como o texto já está grande demais, vai ter que ficar pra próxima. 
Mas, para concluir, a lição que Ferrara nos deixa é bem simples: longe de uma nação conservadora, os EUA são fruto de um projeto ideológico revolucionário abertamente anticatólico e laicista, cujo resultado final foi a substituição do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo despotismo republicano e democrático da deusa Liberdade, cujos representantes na Terra são presidentes incomparavelmente mais poderosos e autoritários que quaisquer reis medievais.
Liberdade, como nos mostra Ferrara, é uma deusa ciumenta que, alimentando-se, a princípio, da histeria "antipapista" anglo-saxônica, convenceu gerações inteiras a lhe prestar adoração - não raramente, de formas ironicamente muito próximas aos ritos e práticas da "Igreja Romana" que Liberdade tanto odiava.

Mas, depois de milhões de vidas inocentes destruídas pelo "direito ao aborto", de milhões de famílias destruídas pela degradação moral, e de multidões de almas condenadas ao inferno em nome da "liberdade de consciência e de expressão", resta-nos apenas reconhecer que Liberdade é uma deusa que falhou - e, a menos que recoloquemos Trono e Altar divinos no lugar de onde nunca deveriam ter sido retirados, nosso destino será afundar, presos ao corpo sem vida dessa deusa infernal, em direção a um abismo sem fundo - o abismo de onde Liberdade veio.

sábado, 19 de agosto de 2017

Nazi-fascismo: Direita ou esquerda? um breve tratado.


Um dos aspectos mais caricatos dessa discussão é a tentativa de jogar para o lado do rival ideológico "tudo aquilo que não presta", com isso, escolhe-se arbitrariamente uma característica justificadora (ação normalmente tomada a posteriori quando em relação ao choque emocional do nome "nazismo") e pimba! carimbaço! Nazismo vai da direita à esquerda como uma bola de tênis transita de uma diagonal a outra da quadra.

Vamos entrar em alguns pontos importantes sobre a discussão:

1- Direitas e esquerdas não são categorias aristotélicas, não são elementos ontológicos/epistemológicos ou whatever, essenciais a ciência política. Direitas e esquerdas surgem na ruptura da revolução francesa como substitutivo das categorias anteriores, que eram ortodoxia e heterodoxia.


A diferença é clara, enquanto uma se fundamenta em princípios abstratos que são separados de outros ou reforçados em detrimento de outros (liberdade x igualdade), o outro s fundamenta numa doutrina moral que transparece através de uma doutrina religiosa. Enquanto o máximo de referência que direita e esquerda fazem a Deus é no máximo como um moral background reserve, ortodoxia e heterodoxia são questões diretamente ligadas a legitimidade que Deus concede a ordem temporal.

Assim, para a política moderna não há certos e errados oficiais, isto é, o Estado liberal-democrático aceita esquerdas e direitas como corretos embora seus partícipes (sendo eles de direita ou esquerda) acreditam que suas facções detém o monopólio ideal da verdade, embora possam se unir em questões práticas.



No caso da ordem anterior, baseada no conceito de katechon, a ordem política é radicalmente oposta a esse conceito de cooperação pragmática, o erro (heterodoxia) só pode ser tolerado na melhor das hipóteses.

Como direitas e esquerdas nascem da ruptura da cristandade (processo cumulativo que data da revolução protestante), elas são um produto histórico que basicamente versam sobre dois conceitos interligados, o de progresso e manutenção bem como transcendência e imanência. A esquerda é aquela que quer mudar a sociedade e crê que de alguma forma o que virá será algo melhor pois é fundada não numa norma apolítica e transcendente, mas sim numa vontade política imanente. A direita é aquela que, ao contrário da primeira, recorre a uma visão apolítica transcendente para exigir a manutenção de algo.

Obviamente há aí elementos que são dominantes e outros recessivos, e a medida que o tempo passa alguns critérios dominantes tornam-se recessivos. Na primeira direita, os elementos dominantes eram a transcendência e a manutenção era recessiva, a medida que o tempo passa, a transcendência passa a ser recessiva, ao passo que a manutenção dominante.

Pensemos nos conservadores do altar e trono, que hoje conhecemos por tradicionalistas ou reacionários, são a extrema-direita. Eles defendem em geral não mais a manutenção, mas o regresso. Eles se fundam hoje em dia no retorno da transcendência como base dominante de sua doutrina, e o aspecto de manutenção é descartado em favor de uma oposição diametral ao progresso. Por isso são reacionários. Nos tempos da revolução francesa, os defensores do antigo regime eram a direita da época, pois queriam manter as coisas como estavam, mas sob uma doutrina transcendente. Basta ler De Bonald, De Maistre e outros. Como a França era católica, a direita coincidia com a defesa da noção de ortodoxia vigente no conceito de katechon.

Na Inglaterra, berço da direita moderna, ocorre a supremacia do Estado (política) sobre a religião (transcendente), fruto da revolução luterana (1517) que se espalhou como um vírus até Henrique VIII. Como o transcendente vira capacho do político, então passa não mais importar o certo e o errado, mas sim a cooperação pragmática em função de fins imanentes. Assim, na direita inglesa liderada por Burke, passa a vigorar a dominância da manutenção sobre uma transcendência recessiva. Isso é importante pensar, pois se na França a transcendência legitima a manutenção, na Inglaterra a manutenção legitima a transcendência, de modo que se instrumentaliza o nome de Deus apenas como justificativa esporádica da doutrina política e da ordem política.

É uma distinção sútil, mas fundamental, enquanto na França do antigo regime as coisas eram do jeito que eram pois eram certas daquele jeito e tinham que ser mantidas assim, na Inglaterra as coisas eram como eram não porque eram certas, mas porque o dano às estruturas sociais fundadas numa noção de transcendência poderiam ser graves com a mudança.

Então, percebemos aí que existe um buraco bem profundo nessa questão ao questionar o nazismo nessa óptica. A direita moderna tem um amor pela manutenção muito maior que pela transcendência, esta última recessiva, de modo que ser um liberal clássico implica em descartar a transcendência quando convém. Mas ao fazer isso já se percebe que a doutrina é em si imanente.

A esquerda sempre preferiu a mudança, o progresso e sua doutrina é imanente sempre. É imanente porque a mudança não vem da Jerusalém celeste, não vem do escathon, mas sim da força do braço humano agindo na história. Os girondinos e os jacobinos são precisamente esse caso. Os girondinos queriam uma mudança branda feira pelo braço humano, os jacobinos uma mudança radical feita pelo braço humano. A esquerda moderna quer a mesma coisa, ela quer trazer o paraíso subjetivista relativista onde cada subjetividade se sinta confortável e realizada através da práxis política, então é um imanentismo dominante com uma mudança recessiva. Isto é, o discurso da mudança é menos enfático do que o da práxis e serve apenas de reforço, pois uma vez que se abra mão do transcendente, o essencial, sobra apenas o histórico-existencial que é sempre evolutivo, mutável.

2- Então, onde o nazismo se enquadra?

O nazismo, primeiramente, era uma altermodernidade. O nazismo não queria voltar ao passado, só queria uma alternativa ao mundo liberal, e para isso estava tendendo a mudar tudo na força do braço humano, mas ele tinha uma teoria de base pagã misturada com elementos cientificistas para dar a essa narrativa pagã-mitológica um alicerce. Com isso o nazismo seria uma espécie de mudança dominante com uma transcendência recessiva. O fascismo italiano, por sua vez, queria restaurar as glórias do Império Romano, nesse sentido seria uma imanência dominante com um regresso recessivo. 

Como se pode ver, ele não se encaixa no paradigma direita e esquerda que demonstrei. Por isso eles seriam melhor entendidos nos seus próprios termos, como uma terceira posição. Pois misturam elementos da direita e da esquerda. Mas como Aristóteles coloca na página 44 da edição Martin Claret de "Ética a Nicômaco", alguns extremos aproximam-se mais dos meios termos do que outros. Assim, como ambos são imanentes (dominantes como fascismo e mais recessivo como o nazismo), se aproximam mais das esquerdas, porém, também não está tão distante da direita moderna. Em comparação com o altar e trono católico, a política do katechon, a diferença é substancial.

3- Dominante e recessivo não tem o mesmo significado biológico, mas sim transmitir a informação extremamente importante do que é o elemento mais essencial de uma doutrina política específica, se é a enfase na mudança social (progresso) ou se é o foco no niilismo e na materialidade do mundo. Desta forma, o elemento sempre qualitativo é a transcendência, a transcendência dominante joga para a direita, ao passo que sempre que ela for recessiva, joga para a esquerda. É possível uma transcendência aliada a mudança? Sim. Mas isto seria algo que viria de uma autoridade superior, um santo, um anjo ou do próprio Deus, pois somente ele poderia exigir o progresso como algo benéfico. Uma reforma como a de São Francisco de Assis poderia ser dita um progresso transcendente, ou o próprio escathon, o juízo final, seria o progresso transcendente. Nenhum homem exceto um iluminado por Deus poderia fazer tal coisa, porque quer diretamente como no juízo final, ou indiretamente como num milagre, não seria o homem mesmo que faria a mudança, mas o próprio Deus. Ao homem caberia o papel de instrumento nas mãos do Altíssimo. Desta forma, transcendência progressista só acontece com intervenção da Providência!

Assim, não pode haver filosofia política transcendente que pregue o progresso, mas apenas a manutenção ou o regresso, pois o regresso sendo uma mudança invertida, vai em direção daquela doutrina que foi dada diretamente pela divindade, o katechon.

Assim, em conclusão, os conservadores modernos (liberais-conservadores), apenas são esquerdistas moderados na prática. A velha ordem do katechon só voltará a existir quando deixar de haver a mentalidade imanentista que vê Deus como reserva moral de fundo, para se ter uma disputa fundamentalmente teológica na política.

sábado, 12 de agosto de 2017

Refutando ataques a Doutrina Social da Igreja

Acusações comuns a Doutrina Social da Igreja.
1) A DSI é liberal econômica:
a) CIC 2420 e 2426 (A economia está subordinada às leis morais e aos fins últimos do homem)
b) CIC 2423 (As relações econômicas não são substitutas das relações sociais comunitárias e orgânicas)
c) CIC 2425 (As burocracias de Estado e do mercado devem ser direcionadas a favorecer o bem comum)
d) CIC 2431, 2434, 2435 e 2436 (O Estado deve assegurar ao lado de órgãos médios da sociedade: Salário Justo, Enquadramento jurídico baseado numa ética social cristã, Previdência social, direito de greve em algumas situações, políticas de Pleno emprego.)
f) CDSI* 291 (Políticas de Pleno emprego)
g) CDSI 164, 165, 166, 168, 354 e 355 (Estado de bem-estar social e intervenção econômica do Estado em caso de crise ou para prevenção das mesmas)
h) Centesimus Annus n. 48 (Enquadramento jurídico do Estado)
2) A DSI é socialista/comunista:
a) CIC 2425 (Condenação do socialismo e do comunismo)
b) Divinis Redemptoris e Decreto contra o comunismo (Condenação do comunismo)
c) CIC 2428 e 2429 (liberdade de trabalho e liberdade de empreender)
d) CIC 2432 (A responsabilidade do Estado é secundária em relação a da própria sociedade na economia)
e) CDSI 347, 348, 343, 344, 176 e 173 (Direito de propriedade como legítimo).

3) A DSI é keynesiana, fascista ou terceira via:
a) Centesimus Annus, n.43 (A Igreja não apoia nenhuma doutrina em específico e nem tem modelos a propor)
b) Non abbiamo bisogno e Mit Brennender Sorge (Condenação ao fascismo e ao nazismo)
c) CIC 2432 (A responsabilidade do Estado é subsidiária em relação a da própria sociedade)


* CDSI - Compêndio de Doutrina Social da Igreja

terça-feira, 1 de agosto de 2017

A longo prazo estaremos todos mortos? - O verdadeiro sentido da frase de Keynes.


O que "a longo prazo, estaremos todos mortos" realmente quer dizer?

Muitos comentaristas usam a frase de John Maynard Keynes "a longo prazo estaremos todos mortos" para sugerir que Keynes e, por associação, os economistas que hoje pedem por mais moderação nas políticas de austeridade do governo, não se importava com o futuro. Concluem, portanto, que Keynes e os economistas keynesianos seriam curto-prazistas despreocupados que optariam por benefícios econômicos no presente ao custo de cada vez maiores endividamentos no longo prazo e outros danos legados às gerações futuras.

O historiador e professor britânico Niall Fergusson trouxe essa conclusão à tona numa resposta durante uma recente conferência na Califórnia. Ele foi ainda mais longe ao atribuir que a suposta falta de interesse de Keynes pelo futuro se daria ao fato de que ele não teve crianças, já que ele era gay. Fergunson fez um pedido de desculpas sem reservas pelos seus comentários. Ele admitiu que Keynes (cujo passado gay não está sendo questionado aqui) teria se casado mais tarde e sua esposa, a bailarina russa Lydia Lopokova, havia sofrido um aborto espontâneo.

O Professor Fergusson é uma figura conhecida pelos seus comentários controvesos em conferências e palestras. Com o peso acadêmico de ter lecionado em Harvard, sua franqueza o garante uma audiência certa e disposta a pagar para ouví-lo. No entanto, sua reputação como  foi construída em cima de seu trabalho em história financeira. Ele não é um economista e suas previsões enfáticas a respeito das consequências inflacionárias do alto endividamento do governo federal dos EUA e em relação ao Quantitative Easing do FED tem se mostrado falsas.

Enfim, o importante dessa história é que ele, como muitos outros, compreende mal o argumento que Keynes estava propondo. Aqui está o contexto da referida frase:

"The long run is a misleading guide to current affairs. In the long run we are all dead. Economists set themselves too easy, too useless a task if in tempestuous seasons they can only tell us that when the storm is past the ocean is flat again."

(Tradução livre: O longo prazo é uma bússola desnorteada para os problemas imediatos. A longo prazo estaremos mortos. Os economistas se põem de maneira muito confortável, e de maneira inútil se durante uma temporada tempestuosa eles apenas são capazes de afirmar que quando o temporal passar, o mar voltará a se acalmar.")

Keynes escreveu isso num dos seus primeiros trabalhos, The Tract on Monetary Reform, in 1923. Deve ser claro que ele não está sugerindo que devemos despreocupadamente aproveitar o presente e esquecer o futuro à sorte. Ele era extremamente incomodado com a visão dos economistas convencionais de que a economia é um sistema de equilíbrio que eventualmente retornará a um ponto de equilíbrio, desde que o governo não interfira e se estamos apenas dispostos a esperar. Mais tarde, ele desafiou essa visão em seu trabalho mais importante, The General Theory of Employment, Interest and Money (1935). Argumentando que a economia pode cair num equilíbrio de subemprego de longo prazo do qual apenas a política do governo pode reverter.

O desemprego é o grande flagelo da vida econômica. É muito mais penetrante do que a hiperinflação que Fergusson e outros se preocupam. A hiperinflação é muito rara e geralmente ocorre após guerras ou outras grandes deslocações. Sabemos como pode ser interrompida, por exemplo, a hiperinflação da Bolívia de 1985 foi interrompida em dez dias - esta foi uma das poucas hiperinflações do século 20 a não ser causada por guerra ou revolução. É uma doença muito prejudicial, mas rara.

O desemprego causa enormes danos aos indivíduos e às famílias, reduz o potencial de produção a longo prazo, à medida que as pessoas perdem a habilidade e a motivação, cujos efeitos podem durar muitos anos. As taxas assustadoras de desemprego no sul da Europa estão causando grandes danos neste momento, bem como germinação de graves problemas políticos para o futuro (mais uma vez devo citar o facto de os nazistas terem alcançado o poder na Alemanha devido ao desemprego em massa, não inflação). É nesse sentido que os economistas não devem serem negligentes ao simplesmente dizer que esses países, de alguma forma, eventualmente retornarão ao pleno emprego se formos apenas pacientes. Isso é imoral e incorreto.

Keynes escreveu sobre o futuro da humanidade e as possibilidades que uma maior prosperidade econômica poderia trazer. Ele apreciava uma alta qualidade de vida e queria preservar um sistema capitalista capaz de promover isso contra o perigo de uma tirania coletivista. É um absurdo implicar que ele não teve nenhuma concepção do valor do futuro. E esses muitos economistas de hoje que argumentam que a Europa está desnecessariamente desperdiçando as capacidades e potencialidades da vida humana também não são despreocupados sobre o futuro. Eles têm a teoria econômica e a história do seu lado para argumentar que não devemos permitir.


OBS: Este não é um blogue keynesiano, mas ele procura dialogar com as ideias econômicas vigentes pois crê que nelas há alguma verdade que possa ser útil.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Economia Moral de Mercado - Princípios Fundamentais



Quem acompanha meus trabalhos na internet já sabe que há algum tempo estudo e investigo a doutrina social da Igreja e seus desenvolvimentos. As manifestações da doutrina dos papas sobre a esfera temporal podem ser percebidas na história desde os primeiros padres da Igreja, mas só se cristalizam como princípios políticos corporificados em magistério a partir de Leão XIII e sua Rerum novarum, de forma que só no final do século XIX temos as primeiras tentativas de pensar uma nova forma de cristandade. O ponto acima exposto é de acordo comum das mais variadas correntes de pensamento mais ou menos modernistas, mais à direita ou mais á esquerda, sejam elas ortodoxas ou não. É a partir daqui, deste ponto, que começam as divergências.

Quando comecei a estudar as interpretações da doutrina social da Igreja, o ponto principal pelo qual comecei a análise foi a filosofia econômica do distributismo, a partir deste passamos a interpretações modernas mais inseridas no debate econômico como o ordoliberalismo alemão e a Economia Social de Mercado, observei seus pontos fortes e fracos respectivamente, e acredito que sou capaz de esboçar uma síntese. Após a publicação e exposição de minha monografia (História/UFES) que será sobre a democracia cristã alemã, posso pensar em elaborar uma proposta mais concreta nesse sentido. Por hora, manterei na forma de esboços em texto.

Conforme prometi em postagem anterior, especificarei aqui melhor e desenvolverei mais eficientemente aqui os princípios fundantes do conceito que estou buscando cunhar que é o da Economia Moral de Mercado (doravante EMM). Dos elementos da ESM tomei sua estrutura econômica realista voltada para a situação hodierna, e seus modelos econômicos depois de passar por um filtro para anular os excessos e os irrealismos de sua fundamentação neoclássica, para isso me vali de Keynes na economia mainstream e de John Médaille, hoje um dos poucos homens que podem se gabar de dar continuidade a verdadeira escola de Salamanca.

Do distributismo tomei a ideia de reforçar o princípio da distribuição da propriedade, mais que simplesmente redistribuição de renda (ESM), e da busca da lei moral na economia. Não se trata de uma mera amputação do liberalismo no projeto ordoliberal, mas sim uma nova ideia que reforça os componentes subsidiários no que tange à estrutura da propriedade privada. A ESM contribui com sua teoria das instituições do Estado moderno na economia, isto é como fazer uma burocracia pró-subsidiariedade naquilo que importa à sociedade civil e que sejam mais descentralizadas na sua própria estrutura. Do distributismo pegaremos o "espírito" favorável às reformas agrárias e urbanas, bem como das leis morais que devem reger a economia.

Eu divido os princípios da EMM em três: Princípios Estruturais, Princípios Funcionais e Princípios Morais; todos os princípios deverão se converter em instituições de Estado que visam atuar sobre a sociedade de maneira subsidiária de forma a estimular a subsidiariedade na própria sociedade, ou quando não sendo necessário estímulo, proteger os corpos sociais de qualquer violação de entes públicos e privados.

Os princípios morais visam cortar o principal defeito que Angus Sibley e Christopher Ferrara detectaram na Economia Social de Mercado. Isto é, no que se refere aos direitos de propriedade a ESM cumpre o que propõe, mas ela não protege a moral pública contra os erros modernos que se espalham pelo "livre" mercado. Com a corrupção dos costumes acontece também a corrupção das instituições que poderão então ser instrumentalizadas para fins contrários ao "espírito" das mesmas.

Tal defeito se dá pois Wilhelm Röpke, Walter Eucken e Ludwig Erhard atingiram apenas um aspecto acidental do problema, conservando entretanto a sua essência, o liberalismo. O liberalismo permite que o erro e a verdade coexistam com plena igualdade de direitos, e ele aceita o subjetivismo moral que impede que o Estado aja de modo a combater o erro que inevitavelmente se espalhará pela sociedade na forma de bens e serviços.

Assim, o Estado deve criar instituições cujas funções sejam fiscalizar e censurar do ponto de vista da lei moral os produtos e serviços vendidos, e procurar os melhores meios para se não se impedir sua comercialização, ao menos dificultar seu comércio. Tais órgãos devem ser regionalizados, tendo como meta exercer sua autoridade de modo mais próximo do cidadão e das peculiaridades de cada região, para que se obedeça assim ao princípio da subsidiariedade, tão necessário a uma sociedade e a um governo sãos.

Os princípios funcionais se referem, por sua vez, àquelas instituições que de nós já são conhecidas através da ESM. Um orgão de defesa econômica para coibir cartéis em pontos estratégicos e fomentar a competição sadia onde ela não existe. Obedecendo ao princípio da subsidiariedade, devem ser também órgãos regionais de jurisdição limitada, de forma que em cada região do país sejam capazes de fiscalizar e deter os abusos do poder econômico e também político.

Bancos comerciais com jurisdição regional podem ser úteis, de preferência cooperativos, seu objetivo é fomentar o desenvolvimento econômico e social em cada região tendo em vista as especificidades de cada realidade local e estando seu controle e transparência ao acesso do cidadão comum. Esses órgãos serão também responsáveis por projetos de reforma urbana, regularização de propriedades, projetos habitacionais, distribuição de terras devolutas e reforma agrária, de forma a garantir a todos a posse da própria propriedade onde possível, e onde não sendo, estimular a participação dos trabalhadores no capital, nas ações e no lucro através dos princípios da justiça distributiva, ainda que por vezes, por meios redistributivos.

Por fim, os princípios estruturais se referem àqueles que estão diretamente ligados a estrutura do capitalismo atual que demanda centralização de algumas atividades econômicas no Estado. Para evitar os excessivos abusos que isso por vezes poderia gerar, aplica-se aqui também a subsidiariedade. Os órgãos que compõem tais mecanismos são o banco central, a bolsa de valores e os bancos de desenvolvimento.

Esses três mecanismos são indispensáveis para que haja a plena autonomia do corpo político nacional em relação aos demais corpos políticos que compõe as outras nações. Como na economia atual sem estes órgãos os estados-nações se convertem em joguetes do imperialismo das super-potências dou de órgãos supranacionais, é necessário que estes órgãos existam e operem de acordo com o bem comum.

Como dito, órgãos como o banco central, a bolsa de valores e os bancos de desenvolvimento devem funcionar de modo descentralizado e regionalizado de modo que possam elaborar políticas econômicas, mobilizar capital e investir em empresas estratégicas à sociedade de modo regionalizado. Tais métodos são imprescindíveis num cenário de capitalismo com empresas globais. Desta forma, cada órgão supracitado tem a missão de elaborar e cooperar da melhor forma possível para o desenvolvimento econômico e social de cada região e localidade na sua particularidade histórica.