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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Individualismo cego dos liberais e a sua alternativa


A expressão "indivíduo" só é concreta quando se leva em consideração suas ações em função do posto social em que ele ocupa. A ação social do indivíduo existe apenas em relação ao seu próximo. Portanto e leva em consideração obrigatoriamente a posição social que este indivíduo ocupa. Os homens, a não ser que sejam maus e portanto, desejem voluntariamente o mal como mostra Kierkegaard, buscam na enorme maioria dos casos a virtude. Portanto, o que é ser virtuoso?
Ora, ser virtuoso segundo a tradição grega é ser virtuoso em função dos bens de eficácia ou em função dos bens de excelência. Nos foquemos no segundo, pois o primeiro pertence apenas a esfera da ação política e militar (stratégos).
Ser virtuoso é ser bom, ser bom é ser agathós e ser virtuoso é ter areté. Areté e agathós são equivalentes, mas o que caracteriza a virtude na busca pelos bens de excelência? É aquilo que Aristóteles se referia na busca pela excelência como ser bom naquilo que é o seu telos. A função do juiz é julgar, e a do bom juiz é julgar bem. Ora, o que o juiz busca, por exemplo, é a justiça, a diké.
Alasdair MacIntyre aponta que o individualismo liberal considerando o indivíduo abstraído de sua posição social (e me refiro nisso não a uma posição econômica, mas sim a uma posição que sujeito ocupa no demos considerando o que ele espera dos outros e o que os outros esperam dele.) leva a dissolução dos laços sociais. Os indivíduos só podem existir em função de suas posições como pais, mães, trabalhadores, membros do clero, religiosos, professores, etc. Qualquer ideologia presente na sociedade que ignore estes dados socialmente existentes e construídos ao longo do tempo e das tradições, não passa de um cancro no tecido social.

A alternativa comunitarista é justamente aquela que enfatiza a preservação dos laços sociais e que valoriza o indivíduo inserido numa posição social. A perspectiva comunitarista entende o homem não como um ser absolutamente livre para rejeitar tudo o que existe e criar tudo do zero, mas sim como o homem que é um pai de família e tem que se nortear nisso, ser um bom pai de família, seu telos; ou ainda o homem que é um padre, pastor ou rabino, que deve procurar ser um bom padre, pastor ou rabino. O comunitaristas entendem o homem inserido numa sociedade dotada de um atmosfera cheia de valores e juízos de valor que nasceram muito antes do indivíduo, por isso, eles, como conservadores dentro da perspectiva Democrata Cristã, proclamam que não é benéfico que o indivíduo questione tudo aquilo que lhe precede e ele recebe como herança, pois nunca se tem algo concreto para se colocr no lugar e sim uma abstração que ignora parte significativa da realidade. A busca do bem, a excelência na função social, fato concreto e já existente da realidade é o que marca essa perspectiva ao invés de uma construção mental de um ideal de justiça. Disso se conclui a supremacia do bem sobre o justo que caracterizou a rejeição ao individualismo liberal de berço kantiano (sugiro este excelente texto linkado para melhor entendimento).

Se você, assim como eu, não acredita mais na sociedade devastada em que vivemos, apresento-lhes os seu rival: o individualismo. E também um filete de esperança: O comunitarismo.

sábado, 13 de junho de 2015

A falsa tradição liberal.


Embora as instituições políticas do liberalismo representem um ganho, por outro lado, sua base filosófica é o cancro que vem destruindo a moral, as tradições e os laços sociais. O individualismo é o grande mal do século. Que é pois o liberalismo se não seu ideal de progresso e seu individualismo? O problema com o liberalismo passa longe de instituições políticas que remetem a antiguidade clássica e também a Idade Média. A base da doutrina liberal é a crença num indivíduo abstrato pelo qual tudo se mede. 

Ora, o indivíduo é uma visão essencialista, um universal-abstrato de direitos. E ele foi feito com esse intento para valer para todos os seres humanos independente de quem eles sejam. Não importa se são judeus, cristãos, muçulmanos ou se são brancos ou negros. Assim sendo, a figura do indivíduo é um construto mental que não possui pai, mãe, irmãos, não fala nenhum idioma, não tem religião, não tem valores nem etnia. O indivíduo é uma essência descolada do real que é tomado como parâmetro de decisão em toda e qualquer querela do Estado liberal. Aqui reside ao meu ver o maior mal do liberalismo, o fato de julgar seres humanos concretos com base numa abstração. O liberalismo julga particulares-concretos com base em um universal-abstrato, portanto, o homem ou mulher que possuir valores mais sólidos e, portanto, menos maleáveis, será sempre execrado e exterminado pelo Estado liberal. 

O resultado social disso é a relativização dos laços familiares, das relação comunitárias e sociais e a destruição das religiões. Ora, isto é a negação de toda e qualquer tradição. A tradição e os valores são objetos que transitam entre as eras e só fazem sentido nas relações humanas. Elas sofrem alterações pequenas devido a modificação do ambiente histórico, mas é perfeitamente possível ver o diálogo entre as eras como um caminho que liga os homens de outrora aos homens de hoje. Podemos fazer o caminho hegeliano de maneira simples: A antiguidade apresentou aos homens a noção de justiça, democracia e  direito, assim como a Idade Média apresentou ao mundo a religião cristã. A renascença e as nações mercantilistas buscam novamente a justiça, a democracia e o direito. Porém algo acontece: o liberalismo nascente não busca uma relação tese-antítese-síntese com o passado. Ao contrário, como nos mostra o filósofo Alasdair MacIntyre (1991, p.21), ele nega toda e qualquer tradição anterior e com isso não aceita qualquer ideia prévia a ele como antítese.
"Assim, a visão aristotélica da justiça e da racionalidade prática emerge dos conflitos da pólis antiga, mas é em seguida desenvolvida por Tomás de Aquino de um modo que escapa às limitações da pólis. Assim a versão agostiniana do cristianismo estabeleceu, no período medieval, complexas relações de antagonismo, posteriormente de síntese, e depois de continuado antagonismo com o aristotelismo. Assim num contexto cultural posterior bastante diferente, o cristianismo agostiniano, agora numa forma calvinista, e o aristotelismo agora numa versão da Renascença, entraram numa nova simbiose na Escócia do século XVII, gerando uma tradição que no ápice de sua realização foi subvertida a partir de dentro por Hume. Assim, finalmente, o liberalismo moderno, nascido do antagonismo com toda tradição, transformou-se gradualmente em algo que é agora claramente reconhecível, mesmo por alguns de seus adeptos, como mais uma tradição."
O outro problema do liberalismo que citamos é a sua noção de progresso que o impede de olhar para o passado, evitando com isso, aprender algo de novo com ele. Como o futuro é, pois, pura especulação e abstração, toda a sociedade liberal moderna e pós-moderna não trabalha com a história e a tradição e sim com ideais abstratos totalmente descolados do real. A tradição liberal, não se misturando com qualquer outra recuperando-a e adaptando-a as novas mudanças técnicas, é incapaz de se manter uma tradição ao longo dos séculos, pois acabará por corroer com seu individualismo e o seu progressismo seu próprio alicerce. O liberalismo é no fim das contas uma falsa tradição que se universalizou. O liberalismo da tradição iluminista escocesa de certa forma preservou estes legados do passado. Era uma característica dele não se ressentir do passado e não se recusar a olhar para ele, porém ele foi soterrado pelo iluminismo francês, não tanto pela França em si, mas graças aos Estados Unidos da América.

Pensemos um segundo:

1- A Inglaterra é governada por uma monarquia - Herança medieval.
2- A Inglaterra possui uma câmara superior cujos membros são a aristocracia, a câmara dos Lordes. - Herança medieval.
3- A Inglaterra é um estado confessional, não um estado laico. - Herança (um pouco distorcida devido ao protestantismo) medieval, onde a religião ainda mantém um papel importante em relação ao Estado.
4- A Inglaterra não possui uma constituição formalizada escrita - Ainda muito amparada na Commom Law e na tradição.

Só então, surge a democracia resgatada da antiguidade clássica como aporte.

Por outro lado, pensemos na América:
1- É uma república - ideal do iluminismo francês;
2- Todos os membros são cidadãos comuns eleitos. - ideal do iluminismo francês.
3- É um estado laico - ideal do iluminismo francês.
4- Possui uma constituição formalizada que, segundo Niall Ferguson em "A Grande Degeneração", está sendo corrompido pela Civil Law francesa.

Qualquer influencia do iluminismo escocês no liberalismo moderno não passa de um borrão, de uma sombra de uma ideia suprimida e derrotada. Qualquer dúvida maior a respeito, basta conferir o livro do cientista político Bruno Garschagen "Pare de acreditar no governo!", onde ele mostra como os founding fathers eram maçons do rito vermelho - francês - que é de caráter ateu, republicano e revolucionário, ao passo que os escoceses e britânicos eram conservadores do rito azul, mais conservadores que os Ianques.

Se quisermos tirar uma "prova dos nove" dessa influência, poderíamos ainda recorrer ao livro "Civilização: Ocidente x Oriente" de Niall Ferguson (2012, p.184) onde ele diz:

"Mas quando se tratou de conceber as novas regras fundamentais da vida política francesa, os revolucionários adotaram uma linguagem reconhecidamente norte-americana (grifo meu), À prieira vista, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 27 de agosto de 1789, teria encontrado pouca oposição na Filadélfia".

Uma vez que levamos tudo isso em consideração na análise do liberalismo como tradição autodestrutiva, a grande questão que surge no debate é: É possível salvar o liberalismo de si mesmo? 

Uns acenam que não e portanto abraçam o antiliberalismo (seja de direita ou de esquerda), outros acreditam ainda que é possível forçá-lo a dialogar com o passado, o que permitiria que ele gradativamente se tornasse em algo novo. Outros, lamentavelmente, ainda acreditam que o fim de toda tradição, valor e moral é na verdade um bem para a humanidade. No primeiro caso se encontram os movimentos comunistas de matiz stalinista, os tradicionalistas e os movimentos de terceira posição. No segundo se encontram os democrata cristãos e no terceiro estão os liberais e a maioria dos esquerdistas social-democratas ou trotskystas. No meio desse turbilhão ficam perdidos os conservadores liberais da tradição escocesa, pois embora detestem o fim da moralidade e a corrupção do mundo moderno, recusam-se porém a abandonar o individualismo que serve como corrosivo dos fundamentos da sociedade ocidental, cujo mecanismo que mantém a queima destrutiva é o ideal de progresso. 

Qual seria pois a solução democrática cristã para salvar a tradição liberal e, através de uma nova síntese criar um fato novo? A proposta é simples: acabar com o ideal de progresso e com o individualismo, substituindo-o pelo comunitarismo. Isto entretanto é um assunto que pretendo abordar em outro texto.

Contudo, é forçoso saber, que a democracia cristã a que me refiro, é a modernista e liberal. A verdadeira democracia cristã, aquela de Leão XIII, que segundo H. Mottais (apud GOMES, 1933, p.82), rejeita os princípios do liberalismo. Trabalharemos ainda esse tema, em texto futuro, porém, nos textos seguintes dialogarei sobre a demcoracia cistã como a conhecemos.

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MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual racionalidade? São Paulo: Edições Loyola, 1991.

FERGUSON, Niall. A Grande Degeneração - A decadência do mundo ocidental. São Paulo: editora Planeta, 2013.

FERGUSON, Niall. Civilização: Ocidente x Oriente. São Paulo: Editora Planeta, 2012.

GARSCHAGEN, Bruno. Pare de acreditar no governo! Por que os brasileiros odeiam os políticos e amam o estado?. São Paulo: Editora Record, 2015.

GOMES, Perillo. O Liberalismo. Barcelona: Imprensa Boada, 1933

Ludwig von Mises contra Jesus Cristo - Carta a Thomas Woods


Créditos: http://angueth.blogspot.com.br/2010/03/ludwig-von-mises-contra-jesus-cristo-o.html

TRADUÇÃO DE GUILHERME FERREIRA DE ARAÚJO
Christopher A. Ferrara[1]

Nota do blogueiro – Caros leitores, este texto destroi toda a estatura intelectual de von Mises. Mostra que ele é, como intelectual, um charlatão. Não porque ele fale mal de Nosso Senhor Jesus Cristo (disso ele já deve ter dado conta ao Altíssimo) e dos apóstolos, mas porque demonstra, na melhor das hipóteses, desconhecer toda a história do cristianismo e de como ele criou a Civilização Ocidental. Suas afirmações no livro Socialismo são grotescas. O texto mostra também a situação lamentável em que se encontra Tom Woods, autor de um livro recentemente publicado pela Quadrante. Mostra o que o liberalismo pode fazer com um ser humano. Veja também Expondo as Perigosas Premissas dos Economistas Liberais.

Caro Tom:
Quando nós escrevemos A Grande Fachada, em 2002, eu era um dos defensores mais ardentes do seu trabalho. Na verdade, via você como um importante elemento para o futuro do movimento “tradicionalista” nos Estados Unidos. Eu não previa sua dissidência pública da doutrina social da Igreja, em benefício da “Escola austríaca” de Economia – radicalmente laissez faire –, cujas pretensões vão muito além da economia até uma abrangente “filosofia da liberdade” que não pode ser ajustada ao ensinamento do Magistério a respeito dos deveres dos homens e das sociedades com respeito a Cristo e Sua Igreja, ou até mesmo aos deveres dos homens uns com os outros no nível da justiça natural. Também não previa que se tornaria um “professor residente” do Instituto Ludwig Von Mises, um grupo libertário radical dedicado ao pensamento de von Mises e seu discípulo “anarco-capitalista”, Murray Rothbard, ambos liberais agnósticos que rejeitaram completamente o papel da Igreja e do Evangelho na constituição da ordem social.
Sua dissidência da doutrina social produziu, da parte de respeitáveis comentadores católicos, uma multidão de artigos contra você, como os que podem ser encontrados aquiaquiaquiaquiaqui e aqui, sendo o último uma série recém publicada em cinco partes na revistaChronicles sob o título “É Tomas Woods um dissidente?”. Até o momento, pelas minhas contas, não menos de doze estudiosos católicos denunciaram sua dissidência do ensinamento do Magistério com relação a princípios básicos tais como salário justo, primazia moral do trabalho sobre o capital, pecado da usura e da extorsão pelos preços, imoralidade do dito “direito absoluto” à propriedade privada e a necessidade de um governo guiado pela lei divina e natural, para o governo dos homens decaídos. (Recentemente você até começou a promover a fantasia “anarco-capitalista” da abolição de todos os governos e da criação de uma “sociedade sem estado.”)
O ponto central de A Grande Fachada era que os católicos “tradicionalistas” não dissentem da doutrina Católica enquanto tal, mas antes apenas exercitam seu direito a prescindir de certas novidades litúrgicas e pastorais desconhecidas na Igreja antes da década de 1960 e nunca impostas aos fiéis como obrigações comprometedoras da nossa religião. Por exemplo, a proclamação histórica do papa Bento XVI de que a Missa tradicional em latim “nunca foi ab-rogada” e de que “em princípio foi sempre permitida” demonstrou a verdade da reivindicação básica do livro. Mas lá estava você, Tom, nos meses seguintes à publicação de nosso livro, declarando sua dissensão do ensinamento a respeito da fé e da moral claramente enunciado como obrigatório por numerosos papas que ensinaram sobre a justiça no mercado e a reta ordenação do Estado.
E visto que foi o livro mesmo do qual fomos co-autores, juntamente com o seu mandato no The Remnant e no periódico The Latin Mass, que lhe deram proeminência como um tradicionalista em primeiro lugar, você dificilmente poderia esperar que seus ex-colegas permanecessem em silêncio à medida que você continuava sua torrente de pronunciamentos contra o ensinamento papal, incluindo ocomentário descarado de que a “tentativa dos papas de elevar princípios como os de ‘salário justo’ ao nível de doutrina obrigatória é algo completamente diferente, e na verdade está carregada de erros” – não uma afirmação esporádica, mas algo que você repetiu mais tarde em publicação, no seu muito criticado A Igreja e o Mercado (p. 79). Você não reconhece a completa audácia que há em um recém-convertido pretender dar conferências a católicos de berço a respeito dos “erros” dos ensinamentos da Igreja afirmados por papa após papa durante séculos?
Ora, uma coisa, Tom, é você expressar sua opinião – sua erranteopinião – de que ao se pronunciarem em matéria de economia e justiça social os papas excederam o que você considera serem os limites de sua competência, ainda que os próprios papas, respondendo a dissidentes como você, tenham insistido em seu direito e dever de se pronunciar precisamente a respeito desses assuntos. Mas é algo completamente diferente alegar, como você o faz, que você está exercitando legítima liberdade na Igreja – não, você não está – e, muito pior, engajar-se numa campanha para persuadir católicos de que aquilo que seu instituto prega – uma forma de liberalismo social e econômico condenada por uma extensa linhagem de papas (cf. a encíclica Ubi Arcano Dei, de Pio XI, n.61) – é “perfeitamente compatível” com o Catolicismo Romano tradicional. Essa propaganda encontrou até mesmo o caminho na direção de um promissor – sob outros aspectos – novo periódico, “O Tradicionalista”, cujo número inaugural incluiu um anúncio de página inteira em homenagem a von Mises, cuja dogmática visão de mundo anti-cristã está evidente nas citações mostradas abaixo.
Num artigo que mencionava as circunstâncias de nossa discussão por causa de sua dissensão da doutrina social e de sua cooperação pós-Grande Fachada com o Southern Poverty Law Center e sua caça às bruxas aos católicos tradicionalistas (incluindo eu mesmo), eu aludi a algumas das opiniões ultrajantes de Rothbard, que defende não apenas o aborto legalizado, a prostituição, o uso de drogas, o suborno e a extorsão, mas também o direito legal de matar de fome crianças não desejadas, em favor do qual ele argumentou num livro que seu Instituto vende para o mundo como um “clássico da liberdade”. E você, Tom,escreveu em louvor ao mesmo livro sem mencionar suas afirmações morais depravadas, declarando apenas que “Rothbard descreve as implicações filosóficas da idéia de propriedade de si mesmo” – uma idéia que está em conflito com o próprio fato de ser o homem uma criatura de Deus. Você também nunca mencionou o repetido elogio de Rothbard ao que o conjunto do trabalho dele aclama como sendo “a subversão da Antiga Ordem... por meio de uma ação libertária em massa que estourou em grandes revoluções do Ocidente tais como a Americana e a Francesa, realizando as glórias da Revolução Industrial e os avanços da liberdade...”
Por essa razão, Tom, eu nunca vi você criticar o ataque de Rothbard ao “integrismo” católico – sim, ele usou exatamente aquela palavra, aquele perfeito insulto aos católicos romanos tradicionais em decorrência do qual você e eu escrevemos A Grande Fachada para atacar. Lembra-se? Naquele artigo em particular, Rothbard imperiosamente depreciou “o ódio da Igreja ao liberalismo em geral, do qual ela deriva seu ataque ao liberalismo econômico...” No mesmo artigo, seu mentor descreveu o marco que foi a encíclica social Quadragesimo anno, de Pio XI, como virulentamente anti-capitalista e, para dizer a verdade, pró-fascista. “Essa tendência fascista é revelada pelos rumos do catolicismo europeu no período entre guerras...” Seu mentor chamou o papa Pio XI de fascista, Tom. Mas então, você também amontoou críticas àQuadragesimo – baseando-se em seu estudo informal de economia, um campo no qual você não possui nenhum título ou outra credencial reconhecida. (Na verdade, antes de você ter-se incorporado ao Instituto você ensinou história numa faculdade pública.)
Aqui eu desejo chamar a atenção dos católicos para as concepções igualmente Cristofóbicas e anti-católicas de von Mises, recentemente expostas num debate online em angelqueen.org, num tópico chamado “Desmascarando a Escola Austríaca”. Essas idéias aparecem no livroSocialismo, de von Mises, o qual seu Instituto vende como uma “obra-prima” que apresenta “uma crítica de todo o aparato intelectual que acompanha o pensamento socialista, incluindo as doutrinas religiosas implícitas por trás do pensamento socialista ocidental...”
Nas treze citações abaixo, do capítulo 29 de Socialismo, von Mises ataca Cristo, os Evangelhos e a Igreja como sendo inimigos da liberdade e da sociedade e instigadores do socialismo e da escravidão, chama o Cristianismo de “religião do ódio”, e declara que a Igreja tem de se reformar cingindo-se ao liberalismo e ao capitalismo. Todas as citações aparecem online aqui, que é onde o católico que deu origem ao tópico em angelqueen.org (alguém com o pseudônimo de GordonG) as encontrou.
Tom, uma vez que você rejeitou todos os pedidos privados relativos à sua campanha para fazer avançar o libertarianismo radical dentro da Igreja e particularmente entre os tradicionalistas, nós que uma vez promovemos seu trabalho nos sentimos obrigados a protestar publicamente contra o que você está fazendo e a exigir que você se retifique pela confusão que está causando.
Porque você tem um dever perante Deus – como um membro da Igreja confirmado (se bem que um membro um tanto novo) – de denunciar e repudiar categoricamente as seguintes citações do livro de von Mises, e de romper seus laços com o Instituto que promove sua (e de Rothbard) ideologia da “liberdade” anti-católica, Cristofóbica e, de fato, imoral.
Ademais, é tempo de parar de fingir, como você tem feito por anos, que a controvérsia que suas próprias palavras e ações têm provocado entre os fiéis seja um debate sobre “economia” ou coisas particulares tais como a sabedoria das leis do salário mínimo. Você se associou a uma organização cujas visões a respeito do homem, da sociedade e da liberdade humana são inimigas da lei do Evangelho. Você deve escolher entre o Magistério e o Instituto Ludwig von Mises, e nenhuma quantidade de sofismas pode esconder a realidade daquela escolha.
Como seu ex-colaborador e colega, e como alguém que admira seus talentos e sabe o que eles poderiam trazer para uma defesa da doutrina social da Igreja em lugar de seus aparentes ataques incessantes contra ela, eu espero que você tome esta carta não como uma provocação, mas como um convite a reconsiderar o caminho que você escolheu, a dar a volta e a se reunir aos seus irmãos na fé.
Atenciosamente,
Christopher A. Ferrara
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LUDWIG VON MISES
CONTRA CRISTO, O EVANGELHO E A IGREJA
Do capítulo 29 de Socialismo(http://mises.org/books/socialism/part4_ch29.aspx )

1. A pregação de Jesus de um Reino vindouro destrói todos os laços sociais:
A expectativa da reorganização por parte do próprio Deus quando chegou o tempo, e a transferência exclusiva de toda ação e pensamento para o futuro reino de Deus tornou o ensinamento de Jesus Cristo completamente negativo. Ele rejeita tudo quanto existe, sem oferecer nada para repô-lo. Ele chega a dissolver todos os laços sociais existentes...


2. Jesus é como os bolcheviques:
...Seu zelo pela destruição dos laços sociais não conhece limites. A força motriz por trás da pureza e do poder de tal completa negação é uma inspiração extática e uma esperança entusiástica de um novo mundo. Daí seu ataque apaixonado a tudo quanto existe. Tudo pode ser destruído porque Deus, em Sua onipotência, vai reconstruir a futura ordem. É desnecessário examinar se alguma coisa pode ser reaproveitada na passagem da velha para a nova ordem, porque essa nova ordem erguer-se-á sem auxílio humano. Ela não demanda de seus partidários, portanto, nenhum sistema ético, nenhuma conduta particular em qualquer direção positiva. Fé, e apenas fé, esperança, expectativa – isso é tudo o que é necessário. Ele [o homem] não precisa contribuir em nada para a reconstrução do futuro, Deus Ele mesmo o sustentou. O mais claro paralelo moderno à atitude do cristianismo primitivo de completa negação é o bolchevismo. Os bolcheviques, igualmente, desejam destruir tudo quanto existe porque eles o consideram algo desesperadamente mau. Mas eles têm em mente planos – por mais indefinidos e contraditórios que eles possam ser – para uma futura ordem social. Eles exigem não apenas que seus seguidores devem destruir tudo quanto exista, mas também que eles adotem uma linha de conduta definida, que conduz em direção ao Reino futuro com o qual eles sonharam. O ensinamento de Jesus a esse respeito, por outro lado, é somente negação.
3. Jesus despreza os ricos, incitando o mundo à violência contra eles e suas propriedades; e Seu ensinamento espalhou “semente maligna”:
Naturalmente, uma coisa está clara e nenhuma interpretação habilidosa pode ocultar isso. As palavras de Jesus estão cheias de rancor contra os ricos, e os Apóstolos não são menos brandos a respeito disso. O Homem Rico é condenado porque ele é rico, o Mendigo é louvado porque ele é pobre. A única razão por que Jesus não declara guerra contra os ricos e não aconselha vingança contra eles é que Deus disse: “A vingança é minha”.
No Reino de Deus os pobres serão ricos, mas os ricos estarão envoltos em sofrimento. Revisores tardios tentaram abrandar as palavras de Cristo contra os ricos, das quais a versão mais completa e vigorosa é encontrada no Evangelho de Lucas, mas resta um bocado suficiente para apoiar aqueles que encorajam o mundo a sentir ódio, a se vingar a assassinar e a queimar os ricos. Até a época do Socialismo moderno nenhum movimento contra a propriedade privada que se originou no mundo cristão falhou em buscar autoridade em Cristo, nos Apóstolos, e nos Padres Cristãos, para não mencionar aqueles que, como Tolstoi, fizeram do ressentimento evangélico contra os ricos o próprio coração e alma de seu ensinamento.
Este é um caso no qual as palavras do Redentor espalharam semente maligna. Mais dano tem sido causado e mais sangue tem sido derramado por conta delas do que pela perseguição aos heréticos e queima das bruxas. Elas sempre tornaram a Igreja indefesa contra todos os movimentos que almejam destruir a sociedade humana...
4. A Igreja, e não o liberalismo Iluminista, abriu caminho para o Socialismo:
…Seria estúpido sustentar que o Iluminismo, ao arruinar gradativamente o sentimento religioso das massas, abriu caminho para o Socialismo. Ao contrário, foi a resistência que a Igreja ofereceu à disseminação das ideais liberais que preparou o solo para o rancor destrutivo do pensamento socialista moderno. A Igreja não apenas não fez nada para extinguir o fogo, mas ela até mesmo tocou fogo na brasa...
5. A doutrina cristã destrói a sociedade, proíbe a preocupação com o sustento e o trabalho, prega o ódio à família e até mesmo endossa a castração:
...É por isso que a doutrina cristã, uma vez separada do contexto no qual Cristo a pregou – expectativa do iminente Reino de Deus –, pode ser extremamente destrutiva. Nunca e em lugar algum um sistema de ética social que abraça a cooperação social poderá ser construído a partir de uma doutrina que proíbe qualquer preocupação com o sustento e o trabalho, enquanto expressa um feroz ressentimento em relação aos ricos, prega o ódio à família e defende a castração voluntária.


6 O Evangelho não desempenhou nenhum papel na construção da civilização ocidental:.
As façanhas culturais da Igreja durante seus séculos de desenvolvimento são [fruto] do trabalho da Igreja, e não do cristianismo. É uma questão aberta quanto desse trabalho se deve à civilização herdada do estado romano e quanto se deve ao conceito de amor cristão, completamente transformado sob a influência dos estóicos e de outros filósofos antigos. A ética social de Jesus não tem papel algum neste desenvolvimento cultural. A realização da Igreja, neste caso, foi torná-las inofensivas, mas sempre por um período limitado de tempo...
7. Porque ela se opõe ao liberalismo, a Igreja é uma inimiga da sociedade:

O destino da civilização está em jogo. Porque não é como se a resistência da Igreja às idéias liberais fosse inofensiva. A Igreja é um poder tão poderoso que sua aversão às forças que trazem a sociedade à existência seria suficiente para quebrar em pedaços toda a nossa cultura. Nas últimas décadas nós testemunhamos com horror sua terrível transformação em um inimigo da sociedade. Pois a Igreja, tanto a Católica quanto a Protestante, não é o menor dos fatores responsáveis pela prevalência de ideais destrutivos no mundo hoje...
8. O liberalismo é superior ao cristianismo e tem restaurado a humanidade por meio da destruição da Igreja, motivo pelo qual a Igreja o odeia:

Historicamente é fácil entender a aversão que a Igreja tem mostrado pela liberdade econômica e pelo liberalismo político sob qualquer forma. O liberalismo é a flor daquele iluminismo racional que desferiuo sopro da morte no regime da antiga Igreja e do qual brotou a crítica histórica moderna. Foi o liberalismo que solapou o poder das classes que por séculos estiveram intimamente ligadas à Igreja. Ele transformou o mundo mais que o cristianismo sempre o fez. Ele devolveu a humanidade ao mundo e à vida. Ele despertou as forças que sacudiram as fundações do tradicionalismo inerte sobre o qual Igreja cria estar repousada. A nova perspectiva provocou na Igreja um enorme mal-estar, e ela ainda não se ajustou até mesmo às camadas mais exteriores da época moderna.
9. O cristianismo se tornou uma religião do ódio, buscando destruir o “admirável novo mundo” do liberalismo:

De fato, os padres em países católicos borrifam água benta sobre estradas de ferro recentemente construídas e em dínamos de novas usinas, mas o cristão confesso ainda estremece intimamente diante dos trabalhos de uma civilização que sua fé não consegue compreender. A Igreja ressentiu-se fortemente da modernidade e do espírito moderno. Que surpresa, então, que ela tenha se aliado àqueles cujo ressentimento levou-os a desejar a dissolução deste admirável novo mundo, e que tenha explorado seu arsenal bem estocado como meio para denunciar o esforço terreno pelo trabalho e pela riqueza. A religião que chama a si mesma religião do amor tornou-se uma religião do ódio, em um mundo que parecia estar preparado para a felicidade. Quaisquer pretendentes a destruidores da ordem social moderna poderiam fiar-se no cristianismo como um líder.
10. Porque eles seguem o Evangelho e porque não foram “vacinados” com a filosofia liberal, sacerdotes e monges são inimigos da sociedade:
Sacerdotes e monges que praticaram a verdadeira caridade cristã, que ministraram e ensinaram em hospitais e em prisões e que sabiam tudo o que havia para saber a respeito da humanidade sofredora e pecadora – esses foram os primeiros a serem enganados pelo novo evangelho da destruição social. Apenas uma firme compreensão da filosofia liberal poderia tê-los vacinado contra o infeccioso ressentimento que se assolou entre os seus protegidos e que foi justificado pelos Evangelhos. Por assim dizer, eles se tornaram perigosos inimigos da sociedade. Do trabalho de caridade brotou o ódio à sociedade.
11. A Igreja e o papado buscam escravizar os homens destituindo-os da razão e da liberdade espiritual do capitalismo:

A Igreja sabe que ela não pode vencer, a menos que possa vedar a fonte da qual seu oponente continua extraindo inspiração. Desde que o racionalismo e a liberdade espiritual do indivíduo sejam mantidos na vida econômica, a Igreja jamais terá êxito em agrilhoar o pensamento e em tomar conta do intelecto na direção desejada. Para fazer isso, primeiro ela teria de obter a supremacia sobre toda atividade humana. Por conseguinte, ela não pode se contentar com o viver como uma Igreja livre em um estado livre [o próprio slogan de Cavour, o grande inimigo maçônico da Igreja e sagrado Pio IX – CAF]; ela deve procurar dominar aquele estado. Ambos o papado de Roma e as igrejas protestantes nacionais lutam pela soberania, já que ela as permitiria ordenar todas as coisas temporais de acordo com seus ideais. A Igreja não pode tolerar outro poder espiritual. Todo poder espiritual independente é uma ameaça a ela, uma ameaça que aumenta em força à medida que a racionalização da vida progride.
12. O cristianismo necessita do socialismo a fim de manter a teocracia contra a ameaça da “produção independente”:

Ora, a produção independente não tolera qualquer autoridade espiritual suprema. Em nosso tempo, o poder sobre a mente só pode ser obtido por meio do controle da produção. Todas as Igrejas já estão indistintamente atentas a isso há tempos, mas para elas isso se tornou claro pela primeira vez quando a idéia socialista, surgindo de uma fonte independente, fez-se sentir como uma força poderosa e rapidamente crescente. Então, tornou-se claro para as Igrejas que a teocracia só é possível numa comunidade socialista.
13. A Igreja deve se transformar cingindo-se antes ao capitalismo do que ao ensinamento papal tal como o de Pio XI:

Se a Igreja de Roma quiser encontrar uma solução para a crise para qual o nacionalismo a levou, então ela deve ser inteiramente transformada. Pode ser que essa transformação e essa reforma a levem à aceitação incondicional da indispensabilidade da propriedade privada dos meios de produção. Até o presente ela está longe disso, como testemunha a recente encíclica Quadragesimo anno.

sábado, 6 de junho de 2015

Seria a Escola Austríaca realmente filha dos Escolásticos de Salamanca? (sugestão de textos)


Uma das alegações que são mais comuns por parte de anarcocapitalistas e minarquistas quase sempre associados a Escola Austríaca é a pretensa moralidade cristã que ampara suas ideias. Afinal, a Escola Austríaca descende das ideias dos Escolásticos de Salamanca, inclusive isso é reproduzido até mesmo pelo muito respeitado historiador Thomas E. Woods Jr. que é do Mises Institute. Mas será mesmo verdade isso? Bem, segue abaixo cinco textos que abordam essa questão com um olhar um tanto mais crítico a essa relação feita comumente por aí. Gostaria de parabenizar o autor do blog pela tradução.