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domingo, 31 de dezembro de 2017

Da monarquia dita "absoluta" e suas vantagens.


Vocês já devem ter lido os benefícios de uma monarquia constitucional parlamentar (que eu brinco chamando-a de república regencial), mas peço paciência e o mínimo de curiosidade de vós, leitores, e que me deem a oportunidade de demonstrá-los que se a monarquia parlamentar constitucional é boa, que entretanto a monarquia absoluta é ainda melhor.

1- Da expressão absolutismo

O chamado absolutismo não surgiu com uma teoria que deu origem a uma centralização do poder. A teoria política do absolutismo passou a existir muito tempo depois do chamado absolutismo existir enquanto prática. É importante lembrar que nem tudo que é chamado de absolutismo tem a ver com o que ocorreu posteriormente ao desenvolvimento teórico do mesmo e que, na maior parte dos casos, a centralização administrativa no rei não ocorreu em detrimento da Igreja.

O poder de um monarca "absoluto" na vasta maioria dos casos era apenas um pouco maior que a de um monarca medieval e não tinha nada de absoluto, na realidade. Se você perguntasse a um cidadão português em 1500 ou a um cidadão francês do mesmo período se ele vivia numa monarquia absolutista ele ficaria sem entender o que você queria dizer. Para ele, não havia significativas diferenças entre o governo régio que tutelou sua nação e seus avós do que o que o tutelava naquele presente momento. Como no passado, mas numa realidade ligeiramente mais urbanizada, o poder régio parava nas côrtes, nos fueros, nas câmaras ou nos parléments; o que se entendia é que o rei, por costume e por necessidade técnica do período, detinha prerrogativas maiores que as convencionais de outrora.

Por isso alguns historiadores, como William Doyle, dividem o absolutismo em dois períodos, o absolutismo prático e o absolutismo teórico. O primeiro tem como causas materiais a devastação causada pela peste negra, que demandou uma atuação firme das monarquias para não permitir o colapso da civilização. Com esse período nefasto da história européia, as prerrogativas régias nascidas nesse período converteram-se em costumes políticos, assim como por exemplo a corvéia passou a ser paga também em dinheiro, ou a talha e a gabela passaram a ser aceitas como impostos eram "customs". Outro fator foi o renascimento da economia mercantil, pelo comércio ultramarino e da moeda como meio de troca relevante, e por fim, como consequência o renascimento das cidades, os chamados burgos. A partir desse período a economia agrária começaria um lento declínio até o apogeu da revolução industrial. 

Penso que diferentemente do que fazem alguns amigos meus, defensores da monarquia estritamente feudal, de que as bases da política não deveriam se alterar nesse contexto. Para que a sociedade humana sobrevivesse às mudanças técnicas e ao desafio da peste bubônica, o grau maior de centralização do Estado nascente era necessário, e não era nem heterodoxo e muito menos anti-subsidiário.

Devido a crise dos Papas de Avinhão, da querela dos templários contra Felipe IV, o belo de França; as heresias e heterodoxias do período humanista chamado renascença, o galicanismo, bem como por fim a revolução luterana, ocorreu a criação de uma nova mentalidade e de uma nova cultura secular, maçônica, ilustrada, que levaria à teorização do rei como soberano em detrimento do Papa. Isto, todavia, se deu gradativamente. Inicialmente propôs-se o poder temporal e religioso como iguais. tal como proposto pelo galicanismo, e por fim, terminou com o monarca sendo superior a Igreja apenas sujeito a lei natural e a Deus, como no protestantismo. Estes fatos ocorreram no século XVI e XVII. 

Ou seja, a prática política do chamado absolutismo, que não tinha nada absoluto, foi um nome dado pelos liberais de modo a denegrir a monarquia do chamado Antigo Regime (que embora seja também um nome atribuídos pelos liberais, tem caráter mais descritivo do que pejorativo). Os teóricos absolutistas só surgem mais de um século após a renascença, por volta do início do século XVI com Maquieavel, Jean Bodin, Jacques Benigne Bossuet e Thomas Hobbes, O chamado absolutismo não surgiu com uma teoria que deu origem a uma centralização do poder. A teoria política do absolutismo passou a existir muito tempo depois do chamado absolutismo existir enquanto prática.

E a formulação do poder absoluto régio não surgiu como justificativa da centralização do poder a posteriori, mas como tentativa de redefinir a filosofia política a partir de tendências gnósticas e maçônicas para derrubar o Papado, bem como das fissuras causadas pelo cisma luterano. Muitos monarcas "absolutos" foram bons cristãos e, apesar de eventuais conflitos com a Santa sé (algo que já havia nos tempos do medievo), a maioria deles sempre cooperaram e reconheceram a soberania do sumo pontífice. Não custa lembrar que Dom João VI, embora teoricamente um rei absoluto, que ele jamais se levantou para se por no lugar do Papa. Ao contrário, a Igreja sempre teve lugar na côrte e posição privilegiada no Império ultramarino português como religião pública.

2- Da nobreza hereditária e do segundo Estado.

Antes de mais nada, a tradição da nobiliarquia sempre existiu na maioria das sociedades antigas, desde a egípcia até a romana, mudando apenas alguns elementos materiais e acidentais, mas no geral, sempre foi reconhecida como algo natural. As sociedades maias, incas e astecas também tinham estamentações análogas.

A nobiliarquia medieval remonta a tradição do foedus romanum, no qual o Império já decadente para assegurar suas escassas defesas oferecia aos bárbaros frações de terra aos seus soldados para auxiliar na defesa do Império. Daí os bárbaros-germânicos conseguiam acesso ao cursus honorum e eram reconhecidos como boni et optimi. Com a queda do Império e a ascensão dos reinos bárbaro-germânicos, os reis godos se romanizaram e continuaram esta tradição. No auge da república e início do Império, o serviço militar considerado obrigatório, mas após a cristianização do estado romano, essa realidade dá lugar ao serviço militar voluntário e remunerado em terras. É claro que os líderes, os generais e comandantes, bem como os soldados mais decisivos e valorosos eram mais honrados que os demais, e portanto, mais galardoados.

E como nem todos recebiam prêmios por sua atuação, e nem todos atuavam, muitos precisavam trabalhar ou oferecer seu braço e capacidade de luta aos que tinham, surgindo daí as relações susserano-vassálicas do feudalismo. A palavra feudo deriva do latino foedus. O direito natural clássico viu esta situação como superior a escravagista da antiguidade, e como o fundamento do direito natural clássico é a família, entidade auto-sustentável e capaz de dar prosseguimento a espécie humana (ao contrário do direito natural moderno que se fundamenta no estéril indivíduo, que na terminologia escolástica refere-se apenas ao homem material in abstracto), nada mais justo que a família destes homens valentes e distintos na sociedade fosse honrada em conjunto com ele, visto que ninguém bem ao mundo e faz proezas sozinho. É necessário gerar, cuidar, alimentar e educar, e sem esses importantes fatores da vida familiar, nenhum ser humano chega a ser propriamente uma pessoa humana plena. Ora a atividade militar, da qual nasce a nobreza, como força geral e natural tem como função defender a sociedade e fazê-la durar no tempo, torná-la tão eterna quanto se possa. Sendo assim, justo também é que a sociedade defenda os homens que, dedicados às armas, vivem para guardá-la dos perigos o tanto quanto durar essa mesma sociedade, honrando assim também os seus descendentes.

Contudo, não se trata apenas de privilégio, mas de um dever. É dever da nobreza defender o Estado, e é dever dos descendentes honrar seus ancestrais, e se não puder fazê-lo com o mesmo talento que o patriarca, que pelo menos venha defender a nação com a entrega e honra no combate que a função exige, lutando até o fim sem jamais recuar ainda que lhe custe a vida - se não pela perícia e técnica, que seja pela "raça". Ou seja, o patriarca de uma família nobre não apenas transmite as suas posses, mas também uma missão: ser tão útil a sociedade quanto ele fora um dia. As posses, obviamente seguem como herança pelo direito natural de propriedade, e alguém com posses e dependentes, pela importância que guarda sua função de defesa do Estado e da nação, bem como daqueles que dele dependem, deve ser ouvido com especial atenção e cautela nos assuntos que concernem ao Estado e à nação. Por isso precisam ter algumas vantagens quando se convocarem côrtes ou estados gerais.

Conste-se ainda, que o rei tinha apenas um pouco mais de soldados que seus nobres, dos quais ele precisava do apoio para uma campanha militar. Isso subtraía muito o poder de opressão do Estado, que durante o século XXI foi a estrela de todas as opressões. Um governo "absolutista" para fazer uso da coerção, dependia à excepção de conflitos entre dois vassalos de diferentes burgos ou feudos, das autoridades locais representadas nos fueros, câmaras e parléments. 

E ao mesmo tempo, com isso, externalizava o custo de policiamento, segurança e defesa militar ao Estado. Para se ter ideia do que isso significa, imaginemos por um segundo que os homens da modernidade e medievo tivessem já naquela época a mentalidade econômica e social que temos hoje, bem como a técnica contemporânea. Imagine que eles pudessem já àquela altura ver os benefícios da educação e da saúde generalizadas de hoje. Quanto não poderia ter sido feito em matéria de bem-estar social? Entretanto, não os culpemos, esta consciência cresceu progressivamente no tempo, e para que atingisse o grau percepção destas benfeitorias hoje, foi necessário passar por estágios intermediários, como as guildas, o workfare state até o welfare state. Acusá-los sem levantar estas questões seria anacronismo; contudo, no nosso exemplo, podemos ver que caso fosse possível contrafactualmente imaginar isso, que poderia o Estado atuar com seus recursos como amparo e complemento à Igreja na educação e saúde para os mais pobres. Sem falar que com bem menos obrigações fiscais, o Estado poderia tributar bem menos para cumprir suas obrigações sociais, e como consequência teríamos também, menor endividamento público, permitindo o Estado gastar em coisas mais importantes, como na manutenção geral do nível de demanda, em infraestrutura, e etc.

3- Por que o rei deve ter a totalidade dos poderes?

Como paradoxalmente Thomas Hobbes percebe no seu Leviatã, uma das vantagens de um poder único é que com o aumento do número de pessoas no círculo de poder, isso dará caso a intriga, a oposição política e o caos. Portanto, a melhor forma de garantir que o Estado seja comandado e tenha plena força para agir com razão, é que um homem tenha o poder geral.

1- Porque o Estado deve ter uma razão unica e um objetivo claro de ação. E nada melhor que a cabeça do Estado tenha o poder de nomear de acordo com seus fins, preferências e objetivos, ministros para executar suas empreitadas. O Estado deve reconhecer no soberano uma unidade de consciência e de pensamento para que as ações do governo sejam efetivamente racionais.

Isso impede a fragmentação do poder e das ações de Estado em blocos imperfeitos e incompletos, levando a reformas e ações políticas irracionais e que não vão de encontro com os objetivos do Estado e da nação. O poder político fracionado em poderes separados, dividido em partidos ideológicos ao invés de questões de práticas administrativa leva aos conflitos incessantes e que perdem de vista a objetividade dos problemas sociais e econômicos, fazendo com que se chegue, a soluções de conchavo e conveniência que não respondem ou resolvem os problemas emergenciais do Estado.

2- Podemos dar como exemplo a reforma da previdência, tão necessária e que é impedida por blocos ideológicos que temem não conseguir a reeleição, e que tentam agradar seus quadros e militantes que não estão nem aí para a REALIDADE e sim pela manutenção de um discurso. O resultado será, provavelmente, uma reforma incompleta (isso se sair), que não resolverá nada a longo-prazo.

Podemos dar ainda, como exemplo, a briga entre vontades políticas individuais do legislativo e do executivo como no caso Cunha x Dilma, em que para implodir a cabeça do executivo, o legislativo consentiu em por em cheque a sobrevivência do Estado, colocando em risco a autoridade pública.

Isso se dá porque se substitui a vontade geral, como diz Louis-Ambroise De Bonald, por uma miríade de vontades individuais ou de blocos, uma soma de unidades de consciências e razão autônomas e contraditórias mutuamente excludentes que só podem chegar a uma ação prática irracional. Eis uma das razões pela qual eu apoio a monarquia "dita" absoluta, embora ela não seja um bloco monolítico na história e ela nem seja a mesma coisa em todo experimento. O modo que eu aprovo, obviamente, é o reinado de Dom João VI.

Some-se a isso o fato de que, tendo já a posse racional e natural do poder geral, como o chama De Bonald, não há razões pela qual o rei deva lutar para conseguir mais poder, pois o poder já flui dele para os seus ministros, evitando a luta intestina dos Estados liberais na qual o presidente em muitas repúblicas tenta 1001 esquemas para calar, dominar e/ou fechar o parlamento (e.g. Nicolás Maduro). Poder-se-ia argumentar que o monarca poderia querer limitar os parléments ou os fueros, mas há dois problemas com esse argumento.

1- Como chama a atenção José Pedro Galvão de Sousa, grande jurista, estes órgãos são orgânicos da própria sociedade e não pertencem ao Estado, logo não é uma luta intestina.
2- Tais conflitos apenas iriam se dar em assuntos em que houvesse conflito de competências, como as municipalidades e vilas tinham uma enorme autonomia jurídica a ponto de cada uma ter uma unwritten constitution própria, não faz sentido que o rei tenha interesse em impor normas de como unidade de medida, leis sobre se devem ou não amarrar cavalos nos postes e árvores ou coisas do gênero. Como a política municipal envolve assuntos de menor ordem e de interesse imediato e de próximo controle dos cidadãos, a big politics praticamente desaparece visto que cada câmara municipal, fuero e parlément é uma câmara dos deputados e suprema côrte em nível local. 

Isso geraria também o fim dos tenebrosos partidos políticos, não tendo mais um parlamento em funcionamento, não é necessário mais separar em blocos as opiniões e correntes políticas na sociedade para representá-las, bastando para isso convocar periodicamente, quando oportuno em côrtes ou Estados gerais, as mais representativas ordens da sociedade, como clero (1º Estado), a nobreza (2º Estado), e os membros do povo que tiverem maior papel, representatividade e destaque nos corpos intermediários da sociedade como cooperativas, órgãos de classe, oscips, sindicatos, etc. Sem partidos políticos, não há porquê argumentar que o rei não iria favorecer um ou outro partido, pois além dele próprio não ter um partido, isso se dá também pelo fato de não haverem partidos.

4- E o clero?

Quem conhece minha luta contra a soberania do Estado moderno e o Estado laico sabe que, assim como Louis-Ambroise De Bonald eu sou favorável a uma religião pública, a religião Católica Apostólica Romana com soberania do Papa. A defesa dos privilégios e deveres do Clero é muito simples e fácil de defender. Se a lei positiva não nasce da lei natural e revelada, e portanto, da moralidade objetiva em nós infundida por Deus, então o Estado torna-se fonte da própria lei e a lei torna-se em si mesmo um novo código moral paralelo. Ora não existe concessão maior de poder ao Estado do que dar a ele o poder de escrever a moralidade pública com emendas à constituição.

Assim, sendo o clero representante dos apóstolos, pais da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, ela, a Santa Igreja deve poder influir nos negócios públicos diretamente e deter o monopólio do espaço público. Embora eu não aprecie constituições, a nossa "melhor" constituição, a de 1824 em seu artigo 5 tinha a resposta para esse problema: A Religião do Estado é a Religião Verdadeira, a Igreja Católica. Contudo, as demais serão aceitas em culto privado com templos sem forma exterior de templo.

Então, basicamente, estas são as razões pelas quais a monarquia do Antigo Regime é superior a monarquia parlamentar constitucional.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Industrialização e Economia Social de Mercado


Um dos grandes problemas da economia brasileira que a faz ficar presa na armadilha de renda média é a sua desindustrialização. Economistas liberais associados à Escola Austríaca negam que a indústria seja importante e até louvam a desindustrialização do país, entretanto não concordo com essa visão. Não entrarei no mérito de porquê, mas caso não queria que o Brasil se limite a commoditties e a paraíso fiscal, abordarei como a ESM pode estipular políticas industrializantes no país.

Primeiro de tudo, temos que entender que financiamentos diretos ou subsídios em espécie são ruins para a economia pois tendem a formar monopólios e são feitos por razões mais políticas do que técnicas. Em que pese existirem casos de subsídio em espécie feita por razões técnicas e seguras como nos mostra Mariana Mazzucatto em "Estado empreendedor", a maior parte dos exemplos por ela listados estão ligados a países com uma maior solidez institucional do que a média dos países latino-americanos ainda infestados de uma corrupção endêmica de seu processo de estatalização. De forma que fico com a posição do professor Marcelo Resico em "Introdução à economia social de mercado" recomenda as isenções tributárias como mais eficientes.

Contudo, isenções significam quedas de receita o que imediatamente nos leva a discutir a parte fiscal do Estado. Isto é, num país como o Brasil, com problemas fiscais crônicos em que magistrados, deputados, embaixadores e altos burocratas constituem quase uma côrte de Luís XIV, dado os luxos e regalias, como abrir mão de receitas?

Antes de estabelecer que a questão fiscal é pressuposto necessário (não pode haver política industrial séria sem superávit), vamos elencar os principais desafios fiscais ao Brasil.

1- Previdência - A previdência está em vias de ser reformada. Ainda não vi e não procurei saber as extensões totais da reforma proposta, mas sem cortar os gastos vultuosos com os marajás que, constituindo 1% do sistema lhe consome 33% dos recursos, não há reforma séria do aparato fiscal do Estado.

2- Dívida pública - Com o montante atual de dívida pública jogada no lixo (e que cresceu enormemente nas administrações FHC e Dilma), não tem como aplicar o princípio de subsidiariedade, o federalismo fiscal e, com isso, o país se vê limitado a gastar a maior parte de seus superávits com juros da dívida e, o restante, com rolagens de dívida (fazer novos empréstimos). Sem resolver a questão da dívida pública, não seremos capazes tão cedo de conceder a Estados e municípios um elevado grau de autonomia política e econômica. Menos ainda, de pensar em política industrial.

Alguns passos importantes foram dados, entretanto:

1- Apesar de ver com ceticismo a atual proposta de reforma previdenciária (e reconheço que devo estudá-la mais a fundo para um juízo definitivo), só de se entender que a reforma da previdência é necessário (algo que o PT com Dilma fingiu que não existia), já é algo positivo. Qualquer que seja a reforma adotada, terá resultado fiscal na economia reduzindo os ônus do Estado. Resta saber qual o custo social dessas medidas e a quem mais "prejudica", espero que não sejam os mais pobres.

2- Teto de gastos públicos - O teto de gastos públicos com ajuste inflacionário é uma boa medida, embora tenha indicado que se devia acrescer ao valor da inflação um plus demográfico para que a taxa de investimento público não caia em termos per capita. E o teto, apesar de achar também exagerada sua duração, foi uma ação muito sensata adotada.

Sendo otimista, o que não costumo ser com frequência, se aceitarmos como pressuposto que todas essas medidas, especialmente a previdenciária, venha a ser feita com mais impacto no alto funcionalismo público, tendo a crer que poderemos pensar em uma política industrial sem grandes preocupações com ônus social.

Política industrial na economia social de mercado

Antes de mais nada, concordo com os economistas novo-desenvolvimentistas (como José Oreiro e Antônio Delfim Netto) que a questão cambial é crucial para o desenvolvimento industrial, e vejo nela a questão central. Embora ambos os supracitados sejam pessoas que saibam bem dos desafios de um enfraquecimento cambial, algumas pessoas tratam o assunto de maneira populista (Não vou falar que é o Belluzzo) em que basta desvalorizar o câmbio (para sei lá, uns 6 reais) e "taca-lhe pau!". Fato é, que se não é possível fazer política industrial séria sem primeiro ajustar o fiscal do Estado, não é possível simplesmente fazer política industrial séria sem arrochos e subsídios (indiretos) e um pacto política com metas e prazos.

Como o economista Wellington Gomes Lucas no seu artigo "Tripé brasileiro em xeque" publicado no livro "Panorama Socioeconômico do Brasil e suas relações com a Economia Social de Mercado" pontua, "com as reformas estruturais implantadas nos anos 1990, vários setores da indústria de transformação apresentaram aumento de participação  insumos importados" (p.171). Isto significa que a desvalorização do câmbio afetará também manufaturados domésticos, tornando-os mais caros. Então, o primeiro passo seria reunir as grandes federações industriais e os pequenos e médios empresários para discutir como estimular a substituição de importação destes insumos, procurando genéricos internos onde existam. Nesse tipo de proposta cabe três tipos de insumos.

1- Não produzidos e insubstituíveis - São aqueles que além de não serem produzidos ou que não existam no mercado nacional, por alguma limitação física, geológica ou de outra sorte, e não possam ser feitos aqui e que necessariamente demandam importação. Desonerações podem vir bem a calhar.

2- Não produzidos e que precisam ser produzidos - Há insumos, que além de não serem produzidos, por questões de mercado não são empreendimento lucrativo ou seu custo de produção é oneroso para entrada novos players. Neste caso, o governo preferencialmente deve oferecer desonerações para tornar o empreendimento no setor atrativo e, em último caso apenas, subsídio direto, dado o que já mencionamos sobre isso acima.

3- Produzidos, mas ineficientes - Por questões de câmbio, custo de mercado e escala das empresas, alguns destes insumos são produzidos no país, mas sua demanda e qualidade não são os melhores no país. Desonerações com prazos e metas são o melhor meio do governo exigir aumento de produção e melhora na qualidade.

Como é evidente, o gasto do governo para ajudar a criar ou a desenvolver estes setores médios, implica em queda de receitas e aumento de investimento público. Razão pela qual o fiscal deve ser um pressuposto necessário. Sem superávit não há certeza de que os ganhos de produtividade e PIB serão capazes de suplantar o crescimento da dívida, o que a longo prazo, inviabiliza o experimento industrial. Fiscal primeiro, industrial depois.

Depois de feito isso, é necessário fazer um novo pacto social em que o salários sofram um pequeno arrocho, a necessidade disso é óbvia. Como o ato final será o desvalorizar do câmbio, ocorrem aumento de demanda por substitutos nacionais. Com isso pressões inflacionárias necessariamente ocorrem, seja por uma oferta minguada frente a um novo grupo de demandantes, seja pela contratação de novos trabalhadores que, recebendo salários mais elevados, aumentarão seu consumo inflacionando os preços. Nesse caso, soma-se inflação de custos e inflação de demanda, isto anularia os efeitos da desvalorização cambial. O arrocho salarial temporário de 0,5% ou 0,75% em relação a inflação produziria um enfraquecimento de demanda, em que apesar do crescimento do consumo interno, este não puxaria os preços muito para cima. Com salários menores, os custos de produção caem, fazendo que o preço não suba e, some-se a isso que, com insumos internamente produzidos já estariam adaptados à nova demanda e estariam sendo produzidos, não haveria acréscimo de preço nos produtos internos, garantindo que os preços dos produtos nacionais seriam mais vantajosos frente aos importados. Com o tempo e o sucesso das medidas (alcance dos objetivos propostos), os reajustes do arrocho poderiam ser dados gradativamente ao longo do ano, recuperando aos poucos o poder de compra controlado no começo; isso dará tempo da oferta se adaptar ao aumento da demanda, provocando menores surtos inflacionários.

A inflação de custos, quando não acompanhada de inflação de demanda enfraquece o crescimento da demanda agregada, o que criaria um cenário de geração de empregos com inflação sob controle. Como já visto na década de 70, a curva de Phillipps que apresentava um trade-off necessário  entre inflação e desemprego não é um bom modelo para apontar qualquer contratempo. Se pode haver estagflação (desemprego e inflação alta), pode haver também inflação baixa e pleno-emprego, e foi o que aconteceu na Alemanha do milagre econômico (1955-1960).

Uma vez que estas duas etapas tenham sido concluídas, pode-se então, passar à desvalorização gradual da taxa de câmbio (não entrarei em qual meio será o mais eficiente, se com algum tipo de imposto, constituição econômica, swaps ou controle de fluxo de capitais), que deve ser feita não de maneira oportunista mas como sinal de mercado de que estamos estabelecendo um novo pacto político-econômico duradouro, em que a moeda flutuará em termos mais próximos do exigido pelas indústrias de maneira estável com o mínimo de intervenções possível. A desvalorização cambial, nesse caso, não produzirá surtos inflacionários, garantindo o crescimento dos manufaturados e da participação da indústria brasileira no exterior. Atualmente o real já flutua numa faixa muito boa, de 3,20 e 3,40, bastaria o governo trabalhar para mantê-lo nesta faixa, sem apreciação, estabelecendo teto e piso entre 2,90 e 3,50; que seria um topo de emergência (2,90) caso necessário, e um valor base (3,50) de emergência e pró-indústria caso necessário também.

Efeitos positivos

Teríamos com isso, crescimento sustentável e de longo-prazo capaz, com isso, de reduzir o volume de endividamento público. Com menor dívida pública, sobraria mais recursos para investimentos públicos de maior necessidade como educação, saúde e estado social. Mais importante que isso, possibilitaria a descentralização administrativa do país, concedendo a estados e municípios maior autonomia política e econômica como exigido pelo princípio de subsidiariedade. Nada disso deve ser feito arbitrariamente, sem diálogo, a previsibilidade é elemento essencial da economia, e deve ser elemento primeiro para uma proposta de política industrial séria.