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quinta-feira, 28 de maio de 2015

A Historia ainda é magistra vitae


Ainda na antiguidade, Marco Túlio Cícero enunciou: “Historia magistra vitae est”. Para o historiador romano, a história tinha uma dimensão ética. Hoje, apesar da visão da histórica como mestra da vida não estar mais presente no mainstream da historiografia, ela ainda influencia muitos autores. Niall Ferguson, por exemplo, trabalha em algumas de suas obras com contrafactualismo, especulando sobre possibilidades outras que a história poderia nos ter reservado como realidade, se determinados comportamentos não existissem em pessoas importantes. Por exemplo, se Hitler não e voltasse contra Stalin e o traísse como seria a história hoje? A história, portanto, possui também uma dimensão moral e não é necessário que se seja um historiador para perceber isso. John Locke (2005, p.81) em seu segundo tratado sobre o governo recorre ao missionário jesuíta e historiador espanhol José de Acosta em seus relatos sobre o continente americano para argumentar a favor do contratualismo liberal[1]. Ora, todos nós sabemos perfeitamente que o pensamento dos contratualistas da modernidade eram baseados em explicações sobre o passado e a natureza humana de modo a tentar explicar a realidade e a determinar qual o melhor formato de Estado e governo. Assim Hobbes chega ao homo homni lúpus (O homem como lobo do homem), que por si só pressupõe um pessimismo antropológico que nada mais é que um juízo de valor. Ou ainda Rousseau que vê a figura do bon sauvage (O bom selvagem), que revela no idealista francês um otimismo antropológico, que assim como seu inverso, é também um juízo de valor.

A historiografia está permeada de juízos de valor. Não há um historiador consagrado que não condene Stalin e Hitler, como porta-vozes da morte e do totalitarismo. A historiografia desempenha um papel moral fundamental sobre aquilo que consideramos como certo e errado. Com isso concluímos que Cícero nunca foi totalmente superado de facto na historiografia. Embora alguns não gostem disso, Historia magistra vitae est, ainda.

REFERÊNCIAS:
LOCKE, John. O Segundo Tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2005.




[1] Assim, voltando o olhar para trás, até onde a história nos fornece alguma indicação do povoamento do mundo e da vida das nações, verificamos geralmente que o governo era exercido por um só indivíduo; todavia esta observação não destrói a nossa afirmação, isto é que o começo de uma sociedade política baseia-se no consenso dos homens em juntar-se para formarem uma sociedade; e estes, quando assim incorporados, têm condições de instalar a forma de governo que julguem conveniente. (LOCKE, 2005, p.81)

sábado, 9 de maio de 2015

De Eucken para Marx: Você entendeu tudo errado!


As mais famosas refutações à obra de Karl Marx (1818-1883) ou ainda, a ideia geral de socialismo, são sem sombras de dúvidas as obras de Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), "A teoria da exploração do socialismo-comunismo" e a obra "Socialismo" de Ludwig von Mises (1881-1973), ambos pertencentes a Escola Austríaca de Economia. Porém, outras obras surgiram questionando o marxismo ou o socialismo enquanto ideia prática, poderia citar o filósofo Sir Karl Popper (1902-1994) em relação à fundamentação historicista do marxismo, no seu clássico "A miséria do historicismo" ou o próprio economista neoclássico Lionel Robbins (1898-1984), que em "Teoria da Política Econômica" usa argumentos clássicos da escola de Manchester (baseados em Adam Smith, J.S. Mill e David Ricardo) para questionar o socialismo como ideia prática. Todavia, não obstante todas essas críticas serem excelentes e bem fundamentadas, gostaria de mostrar como a Escola de Freiburg e os ordoliberais contribuíram para desmascarar a maior falácia político-econômica já inventada. Em seu magnum opus, "Fundamentos da Política Económica", o economista alemão Walter Eucken (1891-1950) aponta um erro brutal na interpretação marxista do capitalismo laissez faire. É importante dizer que Eucken não era um defensor do laissez faire, mas que não obstante esse fato, ele percebeu na crítica marxista um erro crasso, onde o filósofo alemão aplica uma lógica que se aplica a um tipo específico de mercado a todo o capitalismo independente das inúmeras formas de mercado que ele poderia se apresentar, a depender das organizações políticas e institucionais.

Walter Eucken - Fonte: VEJA
Marx, em sua obra em três volume, "O Capital", pontua que todo lucro advém da mais-valia; isto é, de um período de tempo que o trabalhador labuta sem remuneração, e que é apropriado pelo patrão. Para o prussiano de Tréveris, essa era a razão pela qual os burgueses tornavam-se cada vez mais ricos e os proletários cada vez mais miseráveis. Ou seja, para Marx, a conditio sine qua non para a existência do lucro é a exploração do mais pobres que não têm alternativas a não ser vender sua força de trabalho ao burguês sem coração, que movido pelo interesse do lucro, se cega aos sofrimentos humanos e às lamúrias do proletariado em favor de sua ideologia de classe.
Karl Marx em sua obra demonstra que o proletariado estava cada vez mais pobre em relação à burguesia, ele em suas obras aponta dados referentes a Inglaterra e a Alemanha; tais dados ainda podem ser encontrados e confirmados pela historiografia. Por exemplo, o historiador da economia Jacques Brasseul, em "História Econômica do Mundo - Das origens aos subprimes" traz na página 129 dados bastante evidentes desse empobrecimento do proletariado entre os anos de 1750 e 1810. Em 1750, os trabalhadores ingleses ganhavam apenas 42% do que viriam a ganhar em 1900, em 1770 ganhavam apenas 38% em 1810 ganhava ainda menos, míseros 33%! Em contraposição, a burguesia estava cada vez mais rica!

Eucken demonstra que o raciocínio marxista não está amparado na realidade, e toma o particular pelo todo. De fato, a tal exploração existia, mas essa exploração não representava a essência do capitalismo e sim uma forma peculiar de mercado. E também que a exploração ocorrida nesse período não correspondia às explicações - um tanto metafísicas, por sinal - que Marx dava a ela.
O que ocorreu no período, foi a junção de um grupo de fatores que depois nunca mais viria a acontecer generalizadamente, apenas em situações pontuais em um país ou outro. A ascensão do modelo industrial baseado na produção em massa, ocorreu, como era de se esperar, num momento histórico em que a sociedade estava fundamentada na produção artesanal e agrícola de pequena escala. Uma sociedade majoritariamente acostumada com o trato da terra e com uma forma de trabalho menos sofisticada tecnicamente. Quando a produção em massa surge, imediatamente a produção artesanal se torna cara, menos eficiente, atrasada e é, por fim, superada pelo modelo fabril.

"Con la industrialización perdieron muchos trabajadores la propiedad de los medios de producción con que trabajaban y que poseían en explotaciones artesanas o agrarias, o en la economia individual. Se estabeleció una disociación entre economia domestica y empresa, que en la pequena explotacion y en la economia individual se encuentran unidas. Desde luego esta disposición ha existido en la historia bajo multiples formas. Pero entonces dominaba entreramente." (Eucken, 1956, p.79)

Como toda e qualquer inovação técnica nunca surge em quantidades massivas, mas sim em experimentos localizados e acessíveis a poucas pessoas, assim também surge a produção industrial, nas mãos de poucos que detinham recursos financeiros para investir em maquinários.  Para ser exato, o capitalismo liberal já começou monopolizado, através da quebra de um sistema mercantilista - e também - pelo fato de que a própria inovação tecnológica sempre surge em experimentos individuais e tendem a se tornar populares depois de decorrido um período de tempo. Walter Eucken observou isso e, checando dados percebeu que o enorme contingente de pessoas que perderam suas ocupações tradicionais e não tinham qualquer outro nível de instrução, a qual deveriam recorrer para uma ocupação alternativa, só poderiam subsistir pelo trabalho braçal. E somente a recém nascida indústria de produção em massa poderia acolher essa mão-de-obra sobressaliente.

Ora, se em uma situação em que existem oligopólios ou monopólios na oferta necessitando de mão-de-obra, e simultaneamente, uma larga quantidade de pessoas disposta a vender sua força de trabalho sem alternativas a não ser esses poucos compradores, obviamente estamos num caso de monopsônio, ou, como diz Eucken (1956, p.78): Monopólio de demanda. Para piorar, isso estava concentrado no mercado de trabalho, onde havia um número enorme de vendedores de força de trabalho, mas poucos - quando não apenas um - comprador dessa força de trabalho. Nesse caso, o trabalhador não tem outra escolha, senão aceitar salários cada vez menores para não ir parar na sarjeta. Eucken na mesma página explica:

"Qué es lo que existia en realidad? Un monopolio de demanda en un mercado de trabajo. Era algo que entonces estaba muy extendido. En él, el salário puede ser reducido por el patrono hasta un limite indeterminado, y los trabajadores reciben una participación en el producto social que es mucho menor que si existiese también concurrencia por parte de el patrono, que hubiese equilibrado los salarios".

A exploração vista por Marx de fato existia, mas ele havia diagnosticado errado não apenas a causa dessa exploração, mas também a sua natureza. 

"La situación de miseria de los trabajadores, que Marx describió correcta e insitentemente, también fue explicada incorrectamente por él." El análisis falla en un punto decisivo de su sistema, al ignorar las formas de mercado." (Eucken, 1956, p.80)
Com o passar do tempo as inovações tecnológicas na oferta foram se popularizando e novas fábricas foram sendo aberta, e com isso novos "compradores de força de trabalho" foram aparecendo. As opções aumentavam e a exploração não era mais a única alternativa. Como consequência disso, os salários começaram a crescer. Brasseul (2010, p.129) mostra que em 1820 os salários começam a subir - 42% naquela ano em relação a 1900 -, em 1850 já estavam a 60% do valor que viriam atingir em 1900 e, por fim, em 1910, já registrava 2% de crescimento, superando nessa margem o salário de 1900.
Eucken (1956, p.78) em sua obra avalia a realidade desse monopsônio na própria Alemanha, onde ele aponta que em toda a Silesia (região na fronteira entre a Polônia e a Alemanha que pertencia a antiga Prússia) não havia mais do que um tear de algodão. Em resumidas contas... 

...Na desconhecida Batalha entre Marx e Eucken - batalha esta nunca travada, mas que podemos chocar as ideias de ambos em relação a interpretação do capitalismo, ainda que posteriormente - Eucken indiscutivelmente leva a melhor. Essa pode ser considerada, com toda a certeza, a contribuição da Escola de Freiburg no desmascaramento do socialismo. Flagelo ainda vivo e que tenta todos os dias se apossar da América Latina.

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BRASSEUL, Jacques. História Econômica do Mundo - Das origens aos subprimes. Lisboa: Edições texto e grafia, 2010.

EUCKEN, Walter. Fundamentos de Política Económica. Madrid: Rialp S.A, 1956.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Beck, o eurasianismo e a DSI

Como democrata cristão eu presto contas a Doutrina Social da Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo não sendo eu mesmo um católico, not even a christian. Desde que a li pela primeira vez, eu vi ali a imagem da Justiça.  Desde então tenho cuidado para que minhas ideias não se distanciem dela. O meu companheiro de estudos, Donizete Beck, creio eu, também evita arredar o pé da DSI. Ao analisar o movimento neoeurasiano ou apenas eurasiano ele levantou questões fundamentais que merecem ser ressaltadas e comentadas.

O mundo baseado no princípio mais notório do liberalismo franco-americano, o estado laico é baseado num fenômeno que ele chama de "divinização do espaço", como mostra-nos o filósofo Olavo de Carvalho em "O Jardim das Aflições", não nos cabe aqui dar conta do complexo e intrincado processo filosófico em como isso resulta na divinização da natureza, da ciência e da secularização progressiva da sociedade a qual vemos hoje. Vemos isso no Império Americano. Estado Laico e ideal científico, a sociedade aberta de que fala Karl Popper. Isso é uma forma de evolução da proposta gnóstica onde o Estado é o deus no sentido de promover a moral civil, ou moral laica que o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé chama em sua obra de "politicamente correto". Por outro lado, se o liberalismo como vemos advogado pelos libertários, a exemplo de Murray Rothbard, minarquistas, como Ayn Rand e Robert Nozick e liberais como José Guilherme Merquior e John Rawls tem ajudado a emperrar o mundo em desgraça, a outra opção geopolítica ao "atlantismo" também não ajuda muito.

A reação atual é por exemplo o movimento eurasiano, que se vale de uma pretensão moralizante. Hoje, nas sua práxis política, ele subjuga a Igreja Ortodoxa ao poder do Estado, transformando-a em um órgão de propaganda de um projeto nacional-bolchevista ou putinista. Não se deixe enganar pela aparência, não se trata da criação de uma Igreja Nacional nos moldes que vimos surgir na Inglaterra e na Suécia como consequência das reformas protestantes. O que vemos aqui é a religião servindo como porta voz de um projeto geopolítico e ideológico, confundindo crença religiosa com política e subserviência do povo ao Estado. O Estado é um deus também. É a visão histórica, a divinização do tempo, como muito bem assinala Olavo em seu já citado livro.

Isso é puro gnosticismo! Além do mais o novo Caesar Readvivus se vale de simbologias gnósticas como o próprio Beck alerta! É Beemote versus Leviatã. 

A Doutrina Social da Igreja na encíclica do bem aventurado papa Leão XIII, Immortale Dei deixa bem claro nos pontos 41 e 47 que é contra a sujeição da Igreja ao poder secular. Nem por isso ela também propaga uma teocracia de cunho islâmico ultra-radical onde o Estado obrigue você a pertencer a fé islâmica ou te impeça de mudar sua fé para outra de qualquer gênero.

Por isso, meu amigo Donizete Beck foi muito feliz em suas colocações sobre o movimento neoeurasiano, e como democrata cristão, me coloco ao lado dele.

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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições - De Epicuro à ressurreição de César, sobre o materialismo e a religião civil. Campinas: Vide Editorial, 2015.