Poucas pessoas em meio aos católicos se dão conta de como o conservadorismo político é avesso a doutrina católica. Não raro, vemos e ouvimos pessoas se declararem católicas conservadoras, ou conservadoras e católicas. Entretanto, entendem nisso apenas uma adesão a doutrina da Igreja e aos valores morais, natural e divinamente revelados, e sem perceber engolem junto a isso um leque de heresias políticas.
Foi o grande Chesterton que, analisando a doutrina de Edmund Burke percebeu e expôs esse antagonismo:
Burke não atacava a doutrina de Robespierre com a antiga doutrina medieval do jus divinum (que, como a doutrina de Robespierre, era teísta) mas com o argumento moderno da relatividade científica; em suma, o argumento da evolução. Ele sugeria que a humanidade era, por toda parte, moldada por, ou adaptada a seu ambiente e instituições; de fato, que cada povo tinha, praticamente, não só o tirano que merecia, mas o tirano que devia ter.»
Assim, Burke dava tamanha autonomia ao temporal, que isso traduziu-se num ingênuo otimismo histórico. É curioso como os conservadores, tão afeitos ao pessimismo antropológico de origem protestante, acabam caindo sempre de cabeça num otimismo histórico ingênuo. Isto é, sem as ações externas e vistas como revolucionárias do governo, o mundo fica melhor. Se ele simplesmente se abster de impor uma nova norma social, deixando a sociedade guiar-se por si própria, tudo terminará bem e, na medida do possível, a humanidade progredirá. Onde entra o certo e o errado nisso? O moral e o imoral? Não entra! Nas suas reflexões sobre a revolução francesa, Burke relega à tradição o papel de ser útil. Se as coisas que herdamos ainda existem, é porque provaram-se resistentes ao teste do tempo, provaram-se úteis.
Até pode ser que, certos construtos culturais sejam realmente úteis apenas, como por exemplo o hábito de cumprimentar apertando as mãos, ou coisa que o valha. Contudo, o fundamento dos costumes mais tradicionais de nossa sociedade não podem ser relegados a utilidade, mas sim a uma determinação divina. O casamento não é apenas útil para bem coletivo e, por isso ampliado para o público LGBT como alegava David Cameron, primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha. Cameron dizia ainda que o casamento fazia bem evitando a promiscuidade no público hétero, seria então útil para acabar com a promiscuidade na população gay.
Ao contrário, o casamento é um sacramento, é uma instituição divina e por isso é restritivo a homens e mulheres única e exclusivamente. E claramente, Cameron ignora as distinções entre os erros. Há erros piores que outros, trair a esposa com a vizinha é errado, mas dentro da teologia moral, trair a esposa com o marido da vizinha é muito pior, pois agrega-se à traição conjugal um ato que vai contra o fim último do ato sexual.
Como destacou o professor Orlando Fedeli, o conservador de hoje é o revolucionário de ontem, e o revolucionário de ontem é o conservador de hoje. É forçoso lembrar que a tradição burkeana funda-se sobre o edifício iluminista erguido por Hume como mui acertadamente nota Chesterton, o resultado não poderia ser outro que o puro e simples evolucionismo:
Seu argumento é que nós temos alguma proteção mediante acidental crescimento natural; e por que deveríamos professar pensar além disso, exatamente como se fôssemos as imagens de Deus!” [...] “Assim, muito antes de Darwin desferir à democracia seu grande golpe, o essencial do argumento darwinista já tinha sido sugerido contra a Revolução Francesa. O homem, dizia Burke com efeito, deve adaptar-se a tudo, como um animal; não deve tentar alterar nada, como um anjo.
Ora, Hume era um cético e agnóstico. O ceticismo é a doutrina que funda-se na impossibilidade da razão humana aceder às ideias ou formas. E Hume não dista muito de Locke, autor ao qual nós já nos referimos em outra oportunidade. Tudo nasce com um erro filosófico chamado nominalismo, erro esse que, dizendo que não é possível ao ser humano conhecer a natureza de Deus, termina por afirmar que a vontade divina não tem mais um fim conforme a sua essência. Desta forma, o bem não é bem porque Deus é o bem, mas sim porque Deus quis. O Pe. Garrigou-Lagrange muito sabiamente já afirmava que um erro filosófico leva a um erro teológico, pois então, o erro nominalista levará ao erro voluntarista. O voluntarismo é a ideia de que, não sendo possível conhecer a natureza de Deus, todas as coisas que Deus faz e estabeleceu em sua criação, ele o fez por sua pura vontade. Ao implodir-se isso, as relações humanas também não são medidas pelos fins últimos de cada coisa, mas pela simples vontade do homem.
Ora, do voluntarismo teológico nasce o voluntarismo sociológico, que é a base do liberalismo. Toda vontade é legítima conquanto não influencie ou limite a vontade de outrem, ou, em outras palavras, a liberdade de um começa onde termina a liberdade de outro. E não há nada mais constante no pensamento moderno do que o voluntarismo. O próprio Lutero foi formado em Erfurt por monges nominalistas e desenvolveu uma teologia voluntarista.
Assim, toda a tradição iluminista remonta a um erro filosófico que contradiz a perspectiva de Santo Tomás de Aquino, o mais importante doutor da Igreja, e, por fim, nasce de uma heresia, o voluntarismo. Mas pior ainda, o pensamento burkeano, como todo pensamento iluminista é liberal, e isso significa que ele proclama o homem como senhor do bem e do mal, a soberania do indivíduo como nota Perillo Gomes.
O que os conservadores (ou liberais-conservadores) fazem nada mais é que tentar conciliar os princípios transcendentes com seus erros filosóficos e teológicos frutos da modernidade, ou seja, uma quimera impraticável, tipicamente liberal.
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Arthur Rizzi, ex-presidente do Grupo de Estudos Perillo Gomes é agora contribuinte e articulista do grupo de estudos, agora dirigido por Victor Emanuel Barbuy.
O liberalismo moderado tenta uma fórmula de conciliação entre os princípios do liberalismo radical e a coexistência do sobrenatural, determinando na vida do homem um dualismo fundamental: de um lado as atividades da fé e de outro as cognoscitivas, cívicas, utilitárias, etc. A razão, portanto, nada tem a ver com a revelação; os dois planos da vida, o natural e o sobrenatural são independentes entre si, como dois departamentos estanques.Assim, vemos que o conservadorismo político não se reduz a mera disposição de defender os valores morais ou instituições como casamento e família, mas sim uma enorme gama de pacotes doutrinários e filosóficos que causarão erros em toda a sociedade. O liberalismo político, o liberalismo econômico, etc. Conservadorismo é terrível e velho modernismo já condenado por São Pio X.
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Arthur Rizzi, ex-presidente do Grupo de Estudos Perillo Gomes é agora contribuinte e articulista do grupo de estudos, agora dirigido por Victor Emanuel Barbuy.
Aquino não pode ver o que veio depois dele, mas Jacques Maritain pôde, Miguel Ayuso pôde, Javier Barraycoa pôde, Thomas Stork pôde, enfim. Ad ignorantiam não é argumento. O que é importante não é o que ele pensava àquela altura em temros políticos, mas o seu método e seu realismo. Sua teologia idem. Se o mundo hoje é pagão, cabe recristianizá-lo.
ResponderExcluirO pensamento moderno foi a primeira grande forma de pensar desde a sofística na antiguidade que tirou o mundo, o ser do centro e inaugurou a era do relativismo. Veja o livro Ideias têm consequências, por exemplo.
Há todo um desencadear lógico que leva do materialismo Hobbe-Lockeano até o desconstrucionismo pós-moderno.
Quanto a voltar a era dourada, eu sei que o Brasil nunca foi o país sancto. não queremos voltar a nada, queremos ALGO NOVO, pelo menos falo em nome do grupo de pessoas com que costumava me relacionar. A história e o que o Brasil tem de importante na seara do catolicismo não é tomado em função de ser uma simples tradição, mas por ser a VERDADE. Não é imanente, é metafísico.
ResponderExcluirPela lógica burkeana, a Inglaterra tem que ser anglicana, a suécia luterana, os EUA um retalho de grupos protestantes divididos por estado. Pela lógica católica TODOS DEVEM SER CATÓLICOS, uma tradição errada é uma má tradição e deve ser abolida.
É importante frisar que um herege, não importa os benefícios que tenha trazido, ou o quão conveniente ele seja é e sempre será um herege. Um conservador é um herege, fim. Isso é o que importa. Se ele é o melhor meio para um fim, isso não faz dele algo bom, mas um mal menor.
ResponderExcluirNão existe separação entre a doutrina política da Igreja e sua teologia. A doutrina da Igreja sobre o temporal não é uma corpo doutrinário a parte baseado na doutrina e teologia da Igreja. É, ao contrário, a própria teologia católica aplicada sobre o temporal. Existe um corpo de premissas que, uma vez aceito, leva necessariamente as conclusões acima postuladas.
Marx baseou-se em Hegel, mas o hegelianismo e o marxismo são dois corpos filosóficos totalmente diferentes. A Doutrina Social da Igreja e a Doutrina Católica (Teologia Dogmática, etc) são a mesma coisa.
Ainda que o catolicismo político ou tradicionalismo católico (caso assim queira chamá-los) fosse 10 vezes mais ineficiente, 10 vezes mais improfícuo, 1000 vezes mais anti-moderno, 10.000 vezes mais reacionário, 100.000 vezes mais fracassado politicamente, ainda que eu fosse o único que sobrasse no mundo, ou que isso custasse ser enterrado pela história, ainda seria a verdade. E ainda seria aquilo no que acredito e o que eu professaria.
ResponderExcluirE, para terminar, o liberalismo moderado de Burke só não parece revolucionário pois ele surge como algo moderado em relação aos seus contemporâneos. O protestantismo, o liberalismo, o anarquismo, o libertarianismo, o nazi-fascismo, o comunismo, etc; são todos eles, ideias ou processos revolucionários, e nenhum deles se entendem, muitas vezes hostis são uns aos outros. Nem por isso são menos revolucionários.
ResponderExcluirQuem quer que, analisando como a Civitas Dei foi demolida, como epistemologia realista foi aniquilada, e como o materialismo triunfa já em Locke e Hobbes, percebe que não há nada de conservador nos supracitados.
Aliás, filosoficamente, Robespierre era menos radical que Burke, Burke só tinha uma práxis melhor. O mesmo poderíamos dizer de Hume ou de Locke.
Assim como foi oposição a restauração do Antigo Regime.
ResponderExcluirCabe também frisar que mesmo o papa João Paulo II era um modernista filosófico para Nougué, já que foi reprovado por Garrigou-Lagrange.
ResponderExcluirOs conservadores burkeanos são tão inimigos quanto os comunistas, a diferença é que eles erram por margem menor.
ResponderExcluirFui conferir os vídeos do Carlos Nougué dizendo que o homem tem “8 mil anos na terra”, que “Einstein errou feio” que “o homem não veio do macaco”, e encontrei diversos comentários seus (Arthur Rizzi) nesses vídeos, a despeito de vc ter dito que não tem ciência dessa patacoada. Ou seja, vc não quer um debate honesto, quer discutir baseando-se em mentiras, dogmatismos (“a verdade”) e trollzinhos direcionados aos libertarians e às olavetes enquantoe faz vista grossa e endossa certas bazófias até piores que as deles. Cordialmente me despeço, pois só combato o bom combate e não estou a fim de discutir com moleque que prefere passar seus dias a xingar bitcoin a amadurecer.
ResponderExcluirDesonesto é voce, meu caro. Einstein nao pode ter errado em algo, notadamente o relativismo do ponto de referência? Mostre-me onde ele diz que o homem tem 8 mil anos na história. E se tiver, você pode comprovar cabalmente? E, por falar em "dogmatismo", não é isso o que faz? Faca-nos um favor: vá plantar batatas!
ExcluirCara, eu invisto em bitcoin. Se você não sabe distinguir shitpost e bincadeiras de argumentos sérios, então você tem problemas interpretativos.
ExcluirSe a verdade não existe, conforme você sugere, então o que o distingue dos relativistas? Melhor ainda, suas acusações não podem ser verdadeiras pois dizer que existe uma verdade una em relação a tudo (inclusive sobre religião) é mero "dogmatismo".
Nougué não crê na terra jovem, mas que a raça humana não é fruto de evolução como afirma o darwinismo e ele mesmo chama qualquer um a debater com ele sobre esse tema, incoauinc ele não é o único a ir contra o darwinismo, muitos o vão, inclusive biólogos.
ExcluirSobre Eistein, ele crítica baseado a física geral aristotélica.
Olá, Arthur. A sua crítica ao conservadorismo (na verdade um liberal-conservadorismo) parece ter se restringido à sua vertente filo-anglo-saxônica. Mas e quanto à tradição do resto do continente europeu, tem algo de aproveitável nesse pensamento ? E quais seriam os elementos de um conservadorismo ligado às nossas origens ibéricas e genuinamente compatível com a fé católica ?
ResponderExcluirO conservadorismo francês também tem problemas, embora menores que os do liberal-conservadorismo. O espanhol e português é mais fiel com a doutrina católica, embora não esteja livre de errinhos aqui ou acolá.
ExcluirVocê tem alguma obra para indicar, falando sobre este assunto? Obrigado.
ResponderExcluirDa direita Moderna a direita tradicional de César Ranquetat
ExcluirConservadorismo não se limita apenas a Burke.
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