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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Ordoliberalismo e desenvolvimentismo - uma abordagem conciliadora


Em que pese não se tratar nem de um texto e nem de um espaço acadêmico, o presente texto tem escopo científico. Ninguém que dedica sua vida a estudar e a escrever textos para grupos de estudo e think tanks faz abordagens puramente ideológicas. Nesta missiva, pretendo tratar de como a visão de economia política da economia social de mercado é plenamente compatível com uma perspectiva desenvolvimentista, especialmente porque as exigências de uma economia desenvolvida e já estabelecida como a da Alemanha são diferentes da economia de países em desenvolvimento.

O texto presente pretende também, abordar essa compatibilidade em 10 tópicos, mostrando como o ordoliberalismo, o neo-desenvolvimentismo, o novo keynesianismo e o distributismo apresentam propostas muito concretas para países subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento. Falarei também da doutrina social da Igreja (doravante DSI).


  • Ponto 1 - Os ordoliberais afirmam que o mercado é o melhor alocador de recursos e que, em situações de competição perfeita o mercado é pareto-eficiente, ou ao menos tende a sê-lo. Os neo-desenvolvimentistas também afirmam o mesmo.

  • Ponto 2 - Porém, na perspectiva ordoliberal, o mercado totalmente desregulado pode levar a formação de monopólios e oligopólios, devido aos mercados de competição imperfeita e zonas intermediárias onde o grau de competição aproxima-se do cenário de competição monopolística. Monopólios e oligopólios (tanto quanto monopsônios e oligopsônios) trazem males econômicos e políticos, tais como sobrepreço, controle de estoque, e devem ser supervisionados por agências reguladoras (ANATEL, ANP, etc.); no plano dos malefícios políticos, inclui-se o fato de que uma grande concentração de poder econômico pode cooptar o Estado, e minar os alicerces do Estado de direito. Desta forma, essas empresas devem ser também tuteladas por agências anti-cartel, capazes e fortes (e independentes) para através de uma constituição econômica assegurar, sobretudo em mercados de baixa complexidade (e portanto mais próximo de uma competição perfeita), que não haja abusos políticos e econômicos. Desta forma, se não for possível assegurar competição, criar institucionalmente um cenário que force a empresa a agir como se houvesse. Os neo-desenvolvimentistas majoritariamente não se opõem a essa visão.

  • Ponto 3 - Setores inovadores e de alta produtividade com retornos crescentes em escala tendem a ser monopolistas ou a existirem em uma situação de competição monopolística, tais como a industria de alta tecnologia (celulares, tablets, video-games, notebooks, equipamento médico). Desta forma, forçá-los a uma situação de competição perfeita ou desmantelá-los é contraproducente. Desta forma não devem ser combatidos, mas vigiados pelas agências para evitar abuso de poder econômico, tais como sobrepreço, controle de estoque. Mas devem ter uma ação limitada da agência anti-cartel (como CADE) sobre elas, podendo assim receber subsídios, investimentos e favorecimentos via banco de desenvolvimento. Setores neo-desenvolvimentistas propõem isso, e embora represente uma flexibilização do ideal ordoliberal nessa área não chega a negá-lo totalmente, pois na grande maioria dos países que seguiram a economia social de mercado a economia já funciona desta forma na prática. 

  • Ponto 4 - Do ponto de vista das políticas macroeconômicas, os ordoliberais prezam por estabilidade a longo-prazo, e isto significa moedas estáveis. Desta forma um banco central autônomo deve operar com metas de inflação (embora se possa oferecer bandas mais flexíveis de 3%, o que é aceitável para um país em desenvolvimento), a serem impiedosamente perseguidas pela autoridade monetária.  Os neo-desenvolvimentistas não se opõem majoritariamente a isto, mas enfatizam, que moeda estável não significa apenas controle de inflação mas também um câmbio estável a longo prazo, de forma tal que ele seja pró-indústria e pró-exportação. Ambas as coisas são compatíveis, sobretudo se houver um leve controle de capitais e impostos flexíveis aos cenários sobre commoditties.

  • Ponto 5 - Responsabilidade fiscal e austeridade são partes importantíssimas de qualquer política econômica séria. Défices primários frequentes levam não apenas ao incremento da dívida pública mas também a um cenário de dominância fiscal, o que implode o ponto 4. Portanto, o governo deve manter saldos positivos em caixa, para com isso, não apenas reduzir o endividamento público, mas também, investir em infraestrutura, bem-estar social e fazer uma reserva para políticas contracíclicas em períodos de crise (temos aqui o clássico de Keynes).

  • Ponto 6 -  Um dos problemas que frequentemente levam a crises, como bem aponta o novo keynesiano Nicholas Gregory Mankiw, são os menu costs. Eles atrasam o reajuste dos preços, tornando-os como se diz no jargão econômicos, "viscosos" e não líquidos ou fluídos. Os neo-desenvolvimentistas e novos keynesianos apontam que num cenário de competição imperfeita os reajustes de preço nessa situação são proporcionalmente mais difíceis do que nos de competição perfeita. Desta forma, mais necessária ainda é a supervisão das autoridades reguladoras. Dado que para os ordoliberais a lei de Say é a uma criação institucional e não uma realidade natural da economia (cf. Wilhelm Röpke), a atuação e o enquadramento jurídico prevendo problemas relacionados ao reajuste dos preços no tempo se enquadra perfeitamente como exemplo de institucionalidade funcionando a favor do princípio de Say. Embora os neo-desenvolvimentistas não aceitem a lei de Say, aceitariam de bom grado o aspecto prático desta doutrina aqui exposta, independente de seus pressupostos. Assim, as intervenções microeconômicas favorecendo o trabalho sobre o capital ou vice-versa propostas por Röpke para combater crises primárias são bastante efetivas e compatíveis com a aborda novo keynesiana.

  • Ponto 7 - Antes da política cambial ser implementada é importante substituir a importação de alguns insumos dos setores complexos, incentivando a produção interna (para mais informações sobre isso leia aqui) dos mesmos na proporção das possibilidades reais. Dado que produtos complexos são compostos pelas suas partes, para não anular os efeitos positivos da complexificação da economia com preços ascendentes e desequilíbrio na balança de importações, é necessário construir os produtos nacionais da parte para o todo, não pondo o carro na frente dos bois.
Pontos doutrinais da DSI:
  • Ponto 8 - Estado de bem-estar social é necessário e toda a evidência empírica demonstra isso, de forma que só o barbarismo austríaco mais ralé nega isso. Ele entretanto, como demonstram os professores Célia e Jacques Kerstenetzky devem ser subsidiários, favorecendo e reforçando o papel das autoridades políticas mais próximas do cidadão, bem, como elementos orgânicos do tecido social tais como igrejas, associações de moradores, cooperativas, etc. Isso trava o próprio crescimento do Estado, concedendo autonomia às comunidades como força contrária a força expansiva do Estado. O que caso ocorresse comprometeria a estabilidade fiscal do Estado e a liberdade dos cidadãos. Esse talvez seja o ponto mais pacífico, pois desde neoclássicos a desenvolvimentistas concordam coma  existência desse tipo de auxílio, variando apenas as preferências ideológicas de cada grupo, e como tal, ao favorecer um modelo democrata cristão, não é diferente para este autor.

  • Ponto 9 - Distributismo aplicado à propriedade. Ou seja, favorecer a aquisição da própria terra no campo, tais como uma sã reforma agrária não confiscatória (salvo em raras exceções definidas objetivamente em lei) e igualitarista, com incentivos de crédito e tributação a aquisição da pequena propriedade rural, Também o micro-crédito favorecendo a aquisição de pequenos veículos de capital doméstico para a economia popular, não como política macroeconômica principal, mas como complemento microeconômico de renda (carrinhos de churrasco e churros, máquinas de costura, entre outros mini-capitais). Como política pública de maior expressão favorecer a participação dos trabalhadores nos lucros e no capital através do favorecimento de cooperativas e de incentivo a pulverização do capital mediante concessão de ações das empresas aos funcionários além do pagamento em salário. De tal forma em que a justiça não seja apenas redistributiva mas propriamente distributiva.

  • Ponto 10 - A censura moral dos mercados é um ponto importantíssimo, não basta que a economia seja efetiva em mecanismos de justiça material, mas também em justiça formal, coibindo assim mercados como a  contracepção, o aborto, e o comércio de drogas alucinógenas, e limitando outros com tributação pesada tais como a pornografia, bem como a exclusão legal da prostituição.

Desta forma, temos aqui, expostos em 10 princípios, dos quais 7 são estruturais de uma economia e 3 principiológicos quanto a possibilidade de conciliação do ordoliberalismo, do distributismo, do neo-desenvolvimentismo e do novo keynesianismo.