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sábado, 27 de janeiro de 2018

Visão neo-aristotélica do valor na economia


A ação humana se divide em dois gêneros, as voluntárias e as involuntárias. As involuntárias não são objetos da economia, como por exemplo os movimentos peristálticos do intestino, os batimentos cardíacos, a respiração ou um espirro. São ações na medida em que são movimentos, o movimento (deslocamento de matéria no espaço e tempo) é a categoria que abriga a espécie ação. A ação humana é uma espécie desta última, e como podemos ver, as ações involuntárias não são ações econômicas. Somente as ações voluntárias são econômicas. Mas mesmo dentre as ações voluntárias, existem ações que não são econômicas propriamente. Por exemplo, se um espirro é involuntário, certamente segurá-lo é voluntário. Prender a respiração é um ato voluntário. Mas nem por isso é um ato econômico. Caminhar pela manhã na praia ou no parque é uma ação, mas não é uma ação econômica em si mesmo. Essas ações voluntárias chamamos esforços. Então o que diferencia essas ações das ações econômicas? É que as ações econômicas são esforços que lidam com coisas exteriores ao próprio corpo. As ações que permitem o ser humano interagir com a natureza são ações econômicas por excelência, pois visam preencher através dos recursos naturais (matérias-primas) as necessidades humanas. A esses esforços damos o nome de trabalho. Existem, entretanto, dois tipos de trabalho, os trabalhos particularmente úteis, que são medidos apenas por valores de uso, e os trabalhos socialmente úteis, que além de valor de uso convertem-se em valores de troca. Um homem que corta uma árvore e fabrica uma mesa, está atualizando as potencialidades da madeira, determinando-a, e dando a ela um novo valor de uso. Em outras palavras, ao criar uma cadeira ou uma mesa, o homem cria valor de uso por meio do trabalho. Quando ele faz isso para si usando apenas meios que ele pode naturalmente colher na natureza, a única relação que há nisso é a de utilidade em relação ao cansaço. Isto é, a utilidade da cadeira ou mesa é tamanha para ele e sua família, que vale a pena para ele dispender de seu conforto e descanso para transformar madeira bruta na forma de árvore em madeira trabalhada na forma de mesa e cadeira. Quando, entretanto, esse homem cria mesas e cadeiras por meio de seu trabalho não para si e sua família, mas para terceiros, ele cria um trabalho que não é mais só particularmente útil, mas socialmente útil, e aí ele não fará a troca por meio de termos subjetivos como cansaço, utilidades, mas por termos objetivos convencionados que é a moeda. A isto damos o nome valor de troca. A riqueza criada é uma razão entre essas duas grandezas, valor de uso e valor de troca, quão maior for a utilidade de um bem para as pessoas, isto é quanto mais possibilidades esse bem criar e de produzir outros bens (bem de capital), maior a riqueza por ele criada, quanto mais determinado e finalístico for o bem criado, menor tende a ser a riqueza criada (bem de consumo). É a diferença que existe entre produzir por exemplo parafusos e cadeiras. Parafusos tem 1001 utilidades, podem ser usados desde cadeiras até aviões. Cadeiras servem apenas para serem sentadas, e quando se usa bens de consumo para fins diferentes dos que ele tem em sua natureza (forma), a eficiência do seu uso tende a cair. Assim se você compra (investe) numa máquina de fazer parafusos com 3000 reais, e começa a operá-la e vender vários parafusos para várias empresas recebendo em troca ao fim do mês 10 mil reais. A diferença entre a utilidade da máquina para você (10000 reais) e o valor de troca dele (3000 reais), é a riqueza por ela criada (7000 reais). O curioso é que isso nos lembra uma coisa curiosa, a riqueza não é criada na troca, ela é criada na produção. O mercado, troca, nos dá uma medida da riqueza criada, mas não a cria em si mesmo. Óbvio que, a troca, o comércio, é importante pois ele amplia as possibilidades de se conseguir os recursos necessários para o aprimoramento da produção, afinal, por que alguém produziria parafusos se não houvesse quem os comprasse? O mercado potencializa a criação de riqueza, criando sempre novas possibilidades em escala. Sugiro para melhor compreensão o livro "Toward a truly free market" de John Médaille. Assim, entendemos que esforço útil (particular ou social) é todo esforço que muda a forma ou a localização de uma coisa, determinando e atualizando a utilidade daquilo que, como matéria prima, existia apenas em potência. Assim, o trabalho não gera valor no sentido marxista do termo (que significa trabalho socialmente necessário), mas sim cria valor na medida em que cria valores de uso. E cada um valora um bem conforme o que lhe dá na telha, aí chegamos finalmente a oferta e demanda.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Dos problemas da "Guerra Política" e da nova direita.


Todo grupo político e ideológico tem pelo menos três níveis de agentes, os militantes, os polemistas e os intelectuais. Obviamente estes três níveis não estão sempre separados, um militante pode ser um intelectual, bem como um polemista pode ser um militante, ou ainda, um intelectual ser um polemista. Não obstante isso ser uma possibilidade da realidade, o fato é que na enorme maioria dos casos os tipos tendem a se manifestar de uma das formas.

O militante é o cara da linha de frente, é ele que vai executar as "ideias" que vem do intelectual, e estas tem sua complexidade reduzida e os alvos reais definidos pelo  polemista. O militante pode ser um comum ou um político, o político é apenas um militante com mais poder e influência, ele não precisa de ser um grande intelectual. A função do militante é influenciar pessoas na sociedade, ocupar postos em instituições da sociedade civil e convencer o máximo possível de pessoas de que determinados elementos são maus. A função do militante é exercer pressão e executar ações reais, concretas.

Por outro lado, temos o polemista. O polemista é mais requintado, não chega a ser um intelectual (embora nada impeça que ele seja um). O polemista é o cara que escreve colunas de jornal, tem um vlog, e cobre a política concreta no seu cotidiano. A função do polemista é traduzir as ideias dos intelectuais em conteúdos políticos e concretos na sociedade. Ele define alvos, pessoas-chave, chavões e slogans, elenca adversários, etc. Ele torna compreensível e simples o discurso dos intelectuais, normalmente lotado de termos técnicos e abstrações complexas. Sempre que um militante gritar contra algo ou alguém é porque de certa forma, esse "inimigo" apareceu nos textos ou lábios de algum polemista. 

O intelectual, seja ele bom ou ruim, um erudito ou um filósofo, é o responsável por pensar a sociedade a longo prazo. Ele estuda as condições sociais, estuda o status quaestionis, ele analisa a realidade objetiva, as influências e poderes em jogo, e define o que seria necessário para mudar o cenário. O intelectual fala para outros intelectuais ou para polemistas que interagem na política. O intelectual nem sempre está atento a todos os movimentos políticos do imediato, mas deles ele é capaz de tirar tipos formais e dali consegue se situar no todo. Eles são economistas, filósofos, historiadores, sociólogos, teólogos, geógrafos, etc.

A esquerda desde a década de 50 investiu na intelectualidade mais que nos militantes e políticos. Estes entravam na equação na medida em que eram úteis para ocupar espaços nas instituições da sociedade civil. Por isso os planos da esquerda eram de longo prazo, a principal função do militante era ocupar um posto e ajudar outro "camarada" a ocupar ele também um posto ali ou em outro lugar. Como resultado, pela ampliação do domínio sobre estes pontos de poder, quando ocorreu a oportunidade e os meios de se tomar o poder, eles já tinham tudo em mãos. O resultado de suas ações são de longo prazo, e mesmo quando perdem na política, continuam em muitos órgãos-chave.

A direita, por sua vez, ao comprar a estratégia da guerra política, fez justamente o inverso. Ela se focou muito mais no militante e no polemista que no intelectual. Trata-se de um movimento com chavões e blogs de difamação de políticos e outros agentes internos. Temos pouquíssimos intelectuais sérios à direita (não que eu goste disso que eles chamam de direita), e o trabalho deles tem sido muito mais o de oferecer narrativas alternativas sobre o passado com finalidade de propagandear modelos políticos e econômicos estrangeiros e descolados do nosso social real, do que realmente oferecer análises sérias sobre o conjunto da civilização. Em outras palavras, nada de ver onde estamos historicamente como sociedade, como estamos no status quo, ninguém se pergunta "qual o estado geral da sociedade hoje? como chegamos até aqui?" e como não se fazem estas perguntas, não podem estabelecer os fins e meios pelos quais podemos agir para atingir estes fins. Tirando o filósofo  e modernista teológico Olavo de Carvalho, quem mais na direita faz isso?

O resultado do foco na guerra política - estratégia adorada por Luciano Ayan - é o curto-prazismo. Só se pensa no que é possível agora. No tangível, no imediato, e se você ousa pensar um pouco mais longe, você se torna um "negacionista da guerra política". Em outras palavras, você quer o poder, usa pessoas pelo poder, difama e acaba com carreiras pelo poder, mas sem pensar no que fazer com ele. Sabe-se que se quer o liberalismo econômico. Mas como lidar com o PMDB? A estrutura mental da sociedade brasileira é pré-moderna, baseada numa sociedade de ordens. Como resolver isso e ao mesmo tempo reduzir o Estado, sendo o Estado veículo de modernização? O que fazer com as instituições que existem agora? Quando não se oferecem respostas simplistas (Por mim privatizava é tudo; mais Mises, menos Marx; Militarização do ensino), não se obtém respostas de qualquer tipo, simplesmente.

E a consequência inevitável do curto-prazismo é o mesmo do apressado que come cru. Conquista-se pontos superficiais da sociedade, mas o miolo dela, o seu íntimo, continua intocado pelo calor do movimento político. E quando por alguma razão imprevista, ou não a direita der os meios da esquerda voltar (porque isso vai acontecer cedo ou tarde), "tudo" o que foi construído pela direita será varrido do mapa com um sopro. Se a nova direita não conseguir transformar isso em realmente algo de longo prazo por meio do controle de instituições importantes da sociedade civil (e nisso Olavo tem toda razão), será como se a direita nunca tivesse existido.