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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Sobre fazendas e espantalhos - Post de encerramento.


Para evitar entulhar o Minuto Produtivo com essa discussão, decidi terminar essa discussão no Grupo de Estudos Ludwig Erhard. Como um post de encerramento, prometo ao leitor que acompanhou este diálogo que não verá mais postagens a respeito desse tema. Em seu texto tréplica no debate acerca do quão direitistas os liberais são e quanto se opõem ou não a esquerda Roger diz:

O velho conhecido diz:
Que o colega me perdoe, mas esta afirmação é simplesmente mentirosa. Dentro do contexto brasileiro, sobretudo nos últimos tempos, liberais tem sido a maior força anti-esquerda que esse país já viu.
Ora, o PSDB é esquerda e é contra o PT pois está mais a esquerda que ele, assim como o PSTU é contra ambos pois se considera mais esquerdista que PSDB e PT. Ser uma força política contra a esquerda não te faz um direitista. Aliás, essa questão está muito bem respondida na minha réplica onde eu digo: "Sim, se os liberais não são de esquerda, no mínimo estão mais próximos dela do que os conservadores. Mas não em termos relativos e sim em absolutos.

O que diferencia a oposição de um conservador ao comunismo da oposição de um social-democrata ao comunismo? Ambos estão a direita dos comunistas, mas somente o conservador o está em termos absolutos. O social-democrata em termos relativos. Assim também o é o liberal. Citei como evidência disto inúmeros autores que vão desde tradicionalistas luso-hispânicos como José Pedro Galvão de Sousa a comunistas como Karl Marx, sem deixar entretanto de passar por democratas cristãos (como eu) e conservadores liberais. Não, não é puro name dropping,  e sim uma citação de um fato que poderia ser constatado caso qualquer um dos leitores decidisse consultar a obra dos citados autores. Para mim, ser direitista (que é sinônimo de conservadorismo) exige um pouco mais que defesa do livre-mercado.

Na sequência:

"A saber, não é preciso esforço para achar liberais que apoiem ideias de direita, e é mil vezes mais fácil encontrar um liberal que se diga "liberal-conservador" do que um que se diga "liberal de esquerda."

Não me lembro de ter negado que liberais poderiam apoiar ideias de direita. Pois, caso bem me lembre, postei: "Pode, é claro, existir algum liberal que nutra sentimentos conservadores, como Burke.". Sim, é verdade que existem conservadores liberais no Brasil, e são a maioria dos conservadores na rede hoje. O ponto central é minha crítica aos que se chamam liberais e negam serem conservadores. E é um grupo cada vez mais crescente, tanto que até o Rodrigo Constantino percebeu.

No MBL mesmo isso é visível. No processo de achincalhamento público contra o MBL feito na CPI dos crimes cibernéticos, em dado momento Rubens Nunes, membro e advogado do MBL é acusado de ser conservador. Algo que ele prontamente nega, apontando para Jair Bolsonaro e Feliciano como sendo conservadores e prontamente erguendo sua voz como sendo o MBL "um grupo liberal".

Ora, que diferencia então um conservador liberal de um liberal? Talvez seja o fato de que o liberal não é conservador em nenhum sentido. E isso me parece bem referenciado por Ubiratan Borges de Macedo em texto prévio. Em resumo, ser rival do PSOL e do PSTU é algo louvável, mas não é o bastante pra fazer de você um direitista. Como já disse em outro post do MP, ser a favor do livre mercado não faz de você um direitista. Até o Tony Blair andou privatizando escolas e desburocratizando a economia, nem por isso o vejo como um direitista.

Quanto ao movimento conservador, ele tem infelizmente seus problemas. Mas vejo conservadores sim em organismos políticos. Os próprios Bolsonaro e Feliciano são conservadores a seu modo cada um. Feliciano ao juntar a defesa do liberalismo econômico com o do moralismo religioso se aproxima dos theoconservatives americanos, cujo nome mais sonante é Mike Huckabee. Bolsonaro é um nacional-positivista de direita, um típico representante dos meios militares. Pode ser chamado de extrema-direita. O que diferencia nesse caso um do outro? Um princípio fundamental que abordarei mais abaixo: A Lei Natural.

Não sei porque cargas d'água criou-se no Brasil a ideia de que só há um conservadorismo. Aquele transmitido pelas fontes anglo-saxônicas. Existem várias formas e perspectivas conservadoras, umas mais reacionárias outras menos. Reduzir o conservadorismo ao conservadorismo liberal britânico é ignorância pura e simples. Certamente os conservadores liberais tem enorme mérito em suas obras e ações políticas, mas eles não encerram a existência do mundo conservador.

O meu velho conhecido diz que eu minto ao dizer que a direita sempre "prefere uma economia livre". Mas eu não disse isso. Na verdade, disse: "A direita, geralmente, prefere uma economia livre.". Como Theodore Dalrymple várias vezes afirma em seu livro "Em defesa do preconceito", quando falamos em termos gerais, é para separar das exceções. O comentarista subitamente se esquece dessa passagem que escrevi no texto:
"Com isso tivemos muitos conservadores keynesianos moderados, como Winston Churchill e Harold MacMillan, isto para não mencionar Konrad Adenauer, que embora não fosse keynesiano, também não era liberal. Ou, para ser mais didático e objetivo, lembremos dos Tories antes de Sir Robert Peel. Eram agrarianistas ou defensores do mercantilismo. Ou mesmo os nossos velhos “saquaremas” do Império do Brasil, homens muito mais simpáticos a centralização administrativa e ao desenvolvimentismo do que os seus rivais, os liberais ou “luzias”."
Scar produziu um excelente espantalho, pena que foi descoberto.

Continuando...
Veja que ele determina "direita" como sendo aqueles que lutam em prol de tradições, moral e cultura. Dentro desta premissa, que não é minha, mas dele, poderíamos supor que nacionalistas e até mesmo socialistas ortodoxos são "de direita" e, portanto, totalmente desfavoráveis a uma economia livre.
Veja que curioso, nacionalistas são conservadores? Alguns tipos podem ser sim conservadores, embora nem todos. Socialistas ortodoxos? Não. Não há na história do socialismo um engajamento na defesa das tradições, da moral e dos costumes sem ser por puro utilitarismo momentâneo. Ora, como o próprio Dalrymple cita, o utilitarismo foi uma das bases da libertinagem moral em nome da luta contra o preconceito na Europa (cita J.S. Mill inclusive). Que pode haver de conservadorismo nisso? Quando Stalin proibiu o aborto, não o fez porque achasse que o feto era vida humana, mas sim porque aquilo lhe era politicamente conveniente. Quem mostra isso é Michael Volensky em A nomenklatura, ainda que de relance.

O que difere, pois, a extrema-direita da direita? A lei natural. A extrema-direita toma a tradição, os costumes e a moral como fins em si mesmos a ponto de negar a própria lei natural que as justificam. Mas quando me refiro à lei natural, não me refiro ao jusnaturalismo liberal e sim ao direito natural clássico que se estende de Aristóteles a Giambattista Vico passando, é claro, por São Tomás de Aquino. -- Recomendo a obra de José Pedro Galvão de Sousa "Direito Natural, Direito Positivo e Estado de Direito" para melhor compreensão. -- Os conservadores da direita tradicional entendem a lei natural como fonte de sua defesa desses valores. Portanto, sendo contrário ao direito natural o fim da propriedade privada, um conservador, por mais estatista que seja, jamais abolirá a propriedade privada.

A extrema-direita diferencia-se de extremistas de esquerda por tomarem por fim esses valores como se fossem princípios. Ou seja, um mero repetir histórico de tradições e fatos sem a devida fundamentação metafísica. Um sólido objeto concreto de pura existência sem essência (para lembrar-nos de Kierkegaard). O descolar da tradição de seus valores e sua exaltação dionisíaca e idealizada faz com que um extremista de direita decida passar por cima da vida e da liberdade em nome deles.

Fica então bem resumido a diferença:

1- Conservadores/Tradicionalistas/Democratas Cristãos - Entendem que os valores e a moral derivam da lei natural e portanto, sua defesa é desejável na medida em que as ações defensivas estejam pautadas nesses mesmos valores. O histórico depende do essencial.

2- Nacionalistas de direita - Vêem as tradições como um bloco concreto e descolado dos valores que as fundamentam, um objeto de culto. A idealização e romantização desses valores e da sociedade tradicional faz com que os extremistas levem as ultimas consequências suas ações em defesa desses elementos. O Nacionalista transforma o histórico, temporal e particular em princípio universal sobre o qual monta seu púlpito e aponta o dedinho em riste para aqueles que são diferentes. Ninguém trabalhou melhor isso do que Gustavo Corção em "Nacionalismo e Patriotismo". O nacionalista, ao contrário do patriota, acha que o mundo todo lhe deve tudo.Quando se trata de um nacionalismo defensivo e emburrado como o brasileiro, não há problemas em chamá-lo de conservador. ele costuma violar sua faceta conservadora quando se torna um nacionalismod e tipo fascista e portanto agressivo a outros povos e nações.

3- Socialistas ortodoxos - Estes quase sempre a moral como um elemento que pode ser útil ou não a a depender do cenário político. Se como antigamente, para falar á classe operária era útil o moralismo, hoje ao contrário parte-se pro outro lado. Como a classe operária segundo os modernos teóricos do marxismo "se corrompeu", fica mais fácil trocar o proletariado pelo lumpemproletariado. Fica evidente que a moral nunca foi exatamente um tema importante do socialismo. Prova disso que o Manifesto Comunista já fala em seu capítulo dois na dissolução da família e o fim do casamento. Nada há de conservador em comunistas e socialistas ortodoxos, são relativistas.



Por fim, o velho amigo diz:

"A legítima direita é aquela que numa situação hipotética, em que se tenha que escolher entre a tradição e a economia, pesando na mesma balança eficiência econômica e os valores que a sociedade construiu ao longo de séculos, escolhe os valores."
Errado, sr. Arthur. Muito errado.
Não existe essa história de escolher entre os valores ou a economia. Não para os liberais. Para nós, são os princípios éticos que vêm primeiro. A economia vem depois, como consequência deles. Livre-mercado não é um princípio do liberalismo, é um fim. Nós lutamos para chegar a isso e sabemos que, para que aconteça, é necessário passarmos antes por questões éticas que envolvem, naturalmente, questões sociais, políticas e morais. Nós nunca precisaremos escolher entre "valores" ou "economia", pois nossos valores têm na economia apenas uma finalidade lógica, não uma prioridade.

Duas constatações aqui:

A primeira e mais evidente é que o sr. Roger não percebe (ou finge não perceber) é a palavra "hipotética" ali. Na maioria dos casos não costuma haver contradições entre ambas, mas disso não se conclui que não possam haver em algumas situações. E quando há, a primeira coisa que a direita faz é ficar com os valores. A legítima direita não joga as tradições e os valores expressos através da lei natural (onde homem participa com a razão na lei eterna) pela janela em troca de dinheiro. O conservador entende o indivíduo enquanto pessoa concreta e espiritual. Pessoa essencial e existencial, eterno e histórico. O liberal a quem ataco geralmente vê apenas como uma essência apriorística através da qual tudo se resume e tudo se explica ignorando tudo o demais que for mero acidente da substância.

A segunda e que o liberal toma o livre-mercado como um fim em si mesmo. Sim, é isso o que eu disse. Através dos princípios abstratos do individualismo, o liberal não procura a justiça, a honra, a beleza e moral como fins últimos da sociedade política, mas sim a pura e simples livre-troca de mercadorias ou, pelo menos, a ação livre dos cidadãos. Isso tudo confirma minha tese e em nada a contradiz. Um liberal puro e simples não pode ser de direita. Acaba se caindo na moral kantiana baseada na pura separação de fato e valor, onde como bem pontua José Pedro Galvão de Sousa e Jacques Maritain, o único objetivo dos princípios é garantir a liberdade de ação dos indivíduos.

Confesso não entender muito de fazendas e espantalhos, mas para quem me acusara de criar um boneco de palha, é no mínimo constrangedor perceber que a uma comparação rápida entre meu texto e a resposta de meu velho amigo revela uma plantação de espantalhos numa estranha fazenda, onde se erguem alfaces em estacas pra espantar os pássaros-refutadores.