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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Do Islã à Lei Rouanet e do Audiovisual, como vítimas do atual extremismo político no país


a)      Dos extremismos contemporâneos

De tempos para cá, ando pensando bastante na efetividade do Facebook e de outras redes sociais, em divulgar minhas idéias. Como muitos, não passei essa temporada das eleições de 2014 para cá ileso. Algumas amizades se amargaram, alguns contatos se azedaram e algumas pessoas simplesmente cortaram-me de suas redes sociais. Sempre escutei que amizades vem e vão, e que na vida muito mais que amigos, temos contatos. Então realmente não saberia dizer se as pessoas que perdi em minha lista de contatos nos últimos três, quatro anos, são amigos, ou simplesmente contatos para adicionar ao número de pessoas.

Muitos já não via fazia muito tempo, muitos, nossas histórias não cruzavam há mais de uma década (como colegas que estudei no colégio), outros foram contatos mais recentes que se perderam, dos quais nunca foi realmente desenvolvida uma relação de amizade. Em alguns casos já sentia fazia tempo que nossa relação havia se azedado e que não tínhamos mais nada em comum entre nós.

Algumas dessas rupturas foram silenciosas, a pessoa simplesmente resolveu fazer uma limpa nos seus contatos do Facebook e eu entrei na roda, por uma, ou outra opinião minha – muitas vezes na minha própria timeline – que aquela pessoa não curtiu, ou não gostou; outra já houve um aviso prévio, apenas uma pequena discussão e sinal de esfriamento, certo tempo depois percebi que não tinha mais aquela pessoa entre minha lista de contatos.

Apesar de nunca ter tido grande simpatia pelo Partido dos Trabalhadores, sobretudo com a militância petista e de partidos satélites (PC do B, PSol...) na internet, que deixa qualquer educação e compromisso com fatos comprovados de lado em nome de uma ideologia (quem é que nunca foi vítima de estereótipos ofensas pesadas, quando expressou sua discordância em torno do PT como salvador nacional, dos pobres e oprimidos de nosso país? – por exemplo, descobri que ser “paulista”, para alguns petistas/isentões mais extremados, define supostamente quem você é, numa clara demonstração xenófoba e preconceituosa em relação à São Paulo – apesar daquele partido ter sido criado naquela cidade e muitas de suas principais lideranças terem nascido, ou serem residentes, no estado), e a despeito de eu reconhecer alguns méritos do Governo Lula, a exemplo do Programa Luz Para Todos), não gosto de gente que calunia, difama, ofende, põe mentiras e inverdades de todos os lados. 

Tampouco acho que sempre estive certo, ou sempre respondi da melhor forma a potenciais embates políticos e ideológicos. Hoje, porém, talvez por maturidade, talvez por ter alcançado a paternidade, ou talvez simplesmente por falta de saco, quando percebo que a pessoa tem uma opinião muito diferente de mim, simplesmente ignoro e não entro em discussão.  Se suas opiniões simplesmente me incomodam muito e é de minha lista de contatos, não sendo pessoa próxima com a qual não nutro grande relação de amizade e contato, simplesmente paro de segui-la, afinal, como diz aquele velho ditado, "o que os olhos não veem, o coração não sente". Se creio que é informação absolutamente caluniante, difamante e/ou injuriosa (ou seja, um crime contra a honra) reflito sobre proceder denúncia perante os canais competentes. 

Discutir, seguramente, não é o caminho. O que se ganha com isso além de estresse, exposição desnecessária e perda de tempo? A resposta pelo que pude aprender com o tempo é uma: absolutamente nada! Apenas vai retroalimentar os preconceitos e certezas que o sujeito tinha em relação a tudo, para ao final potencialmente ser excluído e bloqueado de sua vida (isso além de passar a imagem de chato).  As certezas ideológicas e políticas se sobrepõem a qualquer consideração anteriormente existente (nesse sentido, a internet pode mais separar do que aproximar. Um filme que recomendo sobre os perigos da internet e dos perigos do excesso de exposição que nos submetemos no mundo atual é "Os Desconectados", de 2012, com histórias desastrosas da internet baseada em fatos reais, com o ator Jason Bateman, do então estreante diretor Henry Alex Rubin).

b)      Do Islã no mundo contemporâneo 

A despeito de haver radicalidade de todos os lados, sempre senti, de forma geral, que o outro lado não fecha tanto o debate. Porém há certas visões de certos grupos de pensamento conservador que me incomodam bastante. Um exemplo é a religião maometana, conhecida por islamismo. Não me identifico com o Islã, tanto por razões teológicas (creio na Santa Trindade, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, que Jesus Cristo, filho de Deus, veio ao mundo para nos livrar dos pecados do mundo - não apenas numa figura única divina, chamado no islamismo de Allah), quanto por questões culturais (aprecio bebida alcoólica – moderadamente, é claro –, como carne de porco...).

Porém, sobretudo fortemente repudio a maneira que a maioria - leia-se a maioria - dos países muçulmanos tratam suas mulheres, tanto juridicamente, quanto socialmente, como seres frágeis, sem plena capacidade civil, a serem eternamente tuteladas e vigiadas por um homem, esse o senhor da razão – isso sem deixar de reconhecer que na História recente da humanidade, nove mulheres de oito países de maioria muçulmana chegaram ao posto de comando de suas nações[1]. No entanto, alguns comentários que tenho lido generalizando toda uma religião e toda uma população, pondo todos muçulmanos como extremistas, radicais, terroristas, não-adaptáveis a valores e ao convívio ocidental, por causa sobretudo do grupo Estado Islâmico, atuante na Síria e no Iraque, vêm me causando certa repugnação e desgosto com a humanidade, mais que os atentados em si... 

Detesto generalizações de alguns grupos que se põem no espectro da “direita”, pondo todo imigrante árabe e muçulmano, como um potencial agente do terror, sobretudo quando envolve imigrantes de países destroçados pela guerra, como a Síria, que não têm qualquer opção além de fugir, ou morrer em seus países de origem, bem como igualmente penso que a batalha contra o ISIS e o Al-Qaeda é acima de tudo uma batalha por corações e mentes de jovens em posição de vulnerabilidade, que muitas vezes cresceram com uma visão antiocidente e anticristianismo (apesar do Cristianismo ser uma das três grandes religiões monoteístas, junto com o judaísmo e o islamismo, surgido exatamente no coração do Oriente Médio, na então Palestina, atualmente parte do Estado de Israel)[2].

O ressurgimento do extremismo islâmico e a rejeição de qualquer pensamento ocidental, por uma facção do Islã, sobretudo a partir das décadas de 60/70, decorre em grande parte da falência dos estados árabes nacionalistas, pan-arabistas (a exemplo do Egito do Presidente Gamal Abdel Nasser), em deter o fortalecimento e expansão do Estado de Israel, fortemente apoiado já à época pelos Estados Unidos da América (uma nação, diga-se de passagem, predominantemente cristã protestante), fortalecimento este que se deu sobretudo após a Guerra dos Seis Dias em 1967, no qual Israel saiu fortalecida e com seu território fortemente ampliado – algo que é contestado por grande parte da comunidade internacional – e  após a desastrosa invasão norte-americana ao Iraque em 2003, que surgiu como resposta dado ao Governo do então Presidente George W. Bush aos Atentados de 11 de Setembro de 2001, às Torres Gêmeas e ao Pentágono[3].

Fechar o entendimento do islã, estereotipar todos os muçulmanos, sejam ele moderados, ou mesmo jovens de família muçulmana que são agnósticos, como radicais, seguramente não irá ajudar a resolver o problema dos atentados terroristas na Europa e em outras partes do mundo (além de ser essencialmente anticristão, contrários aos valores de compaixão e solidariedade previstos no cristianismo e nos ensinamentos do Evangelho). Isso sem desconsiderar que naturalmente há um segmento do islamismo, como há um segmento de qualquer religião, ou pensamento político extremista (seja à direita, seja à esquerda), cujo diálogo é simplesmente impossível e a esses só cabe realmente o isolamento e o combate.

c)       Da Lei Rouanet e do Audiovisual

Porém o tema aqui é essencialmente outro. Ultimamente, com a discussão e protestos acerca da extinção do Ministério da Cultura (Minc), e por diversos artistas serem favoráveis ao governo da presidente afastada, muitos membros da sociedade vêm criticando a existência da chamada "Lei Rouanet", sem saber do que ela realmente trata e como funciona.

Por sempre ter gostado muito da área cultural, sobretudo o cinema, e sobretudo por ter estudado e trabalhado um pouco com esse setor (trabalhei em parceria com um advogado e produtor cinematográfico na área de Direito do Entretenimento, além de ter cursado duas disciplinas de Direito do Entretenimento no meu mestrado nos Estados Unidos), creio que posso discorrer algumas linhas sobre esse tópico.

Em primeiro lugar, falando particularmente de cinema, sem entrar no teatro, nas artes plásticas, na música e em outras formas de representação artística, há pouquíssimos países do mundo atualmente que têm uma indústria cinematográfica que consiga se bancar completamente por conta própria, sem qualquer forma de patrocínio estatal. Aliás, pessoalmente só consigo pensar em três: Estados Unidos (Hollywood), Índia (Bollywood) e China (mais especificamente Hong Kong, que, recordando, tem um sistema econômico e jurídico distinto da China Continental – one country, two systems).

Todos os outros países do globo, inclusive países europeus com produção cinematográfica de excelente qualidade, admiradas pelas mesmas pessoas que agora vem criticar o Minc e leis de incentivo como a Rouanet, tais como a França, a Itália e a Alemanha, necessitam de alguma espécie de incentivo estatal para manter sua produção, sobretudo isenções fiscais (e que, ao contrário do que igualmente vem sendo apregoado por aí, têm sim Ministérios da Cultura, e, em geral, a exemplo da França, bastante fortes e influentes na formatação e diálogo com as sociedades daqueles países)[4]. 

Inclusive países que têm produção cinematográfica como os três países citados inicialmente, em algum momento usam sim patrocínio estatal para sua indústria cultural, sobretudo por incentivo fiscal.  Cabe ressaltar que os Estados Unidos, país do “livre empreendedorismo”, da cultura do self-made man, do “construa seu império do nada” e “basta você querer e trabalhar duro”, país de produtores lendários de Hollywood, como Jack Warner, David O. Selznick, Adolph Zukor, entre outros, todos imigrantes, ou filhos de imigrantes, de famílias de origem humilde, tem, principalmente em diversos de seus estados, programas de incentivos fiscais para que produções cinematográficas e séries televisivas, sejam produzidas naquele estado, gerando emprego e renda para os estados produtores, e não para países estrangeiros.

Um exemplo concreto dessa tendência, foram os esforços do então governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger (2003-2011), do Partido Republicano, ele próprio oriundo do mundo do entretenimento, inicialmente como fisiculturista, após como ator e produtor, sobretudo de filmes de ação, que durante seu mandato à frente do estado mais rico de seu país de adoção[5], buscou avançar com leis e projetos que estimulassem a produção cultural cinematográfica em seu estado de residência, oferecendo incentivos e créditos tributários (tax incentives and tax credits), na tentativa de evitar que essas produções buscassem lugares mais baratos, como outros estados norte-americanos, certos países da Europa (a exemplo da Espanha) e outros países estrangeiros (a exemplo de Marrocos), para realizar suas filmagens[6]. Referida política teve continuidade durante o governo de seu opositor político, o atual governador pelo Partido Democrata, Jerry Brown (2011 ao presente)[7].

Essa discussão, por sinal, já existe faz tempo, com filmes da década de 50/60, como os chamados “western spaguettis”, filmes do diretor italiano Sergio Leone, que em grande parte lançaram o hoje reconhecido ator e diretor, Clint Eastwood, ao estrelato, tendo sido filmados na Itália e Espanha, sobretudo pelos baixos custos de produção à época naqueles países.

d)      Será, portanto, tudo culpa da Lei Rouanet?   

Pelos exemplos citados, entende-se que essa história de "acabar com a Lei Rouanet", pois supostamente é uma "teta" para artista vagabundo governista, é uma verdadeira loucura! O antipetismo pode criar verdadeiras alucinações, piores que o petismo radical em si! Nem o céu, nem a terra! Nem Hitler, nem Stalin! A Lei Federal No 8.313, de 23 de dezembro de 1991 (sancionada, portanto, durante o Governo Collor de Mello, com Jarbas Passarinho, figura chave do período do Regime Militar, então Ministro da Justiça)[8] é fruto do trabalho do, na ocasião, Secretário de Cultura, o diplomata e escritor Sérgio Rouanet, e prevê abatimento de até determinada porcentagem de imposto de renda para empresas/entidades tributadas no lucro real e para pessoas físicas que patrocinem eventos culturais, através do seu programa de mecenato[9][10].

Seguramente, a Lei precisa de ajustes, sobretudo para que projetos fora do Eixo Rio-São Paulo (onde ficam as maiores empresas do país) sejam contemplados por incentivos, algo que hoje, concretamente, acontece muito pouco (e quando acontece muitas vezes é por projetos que, ainda que sejam fora do Eixo Rio-São Paulo, como na região amazônica, possuem escritórios com empresa formada no Rio de Janeiro, ou São Paulo, para poder terem maiores chances de captar recursos via lei de incentivo); seguramente empresas nacionais ainda são muito conservadoras (percebam que grande parte dos projetos de patrocínio de projetos culturais são feitos por estatais e sociedades de economia mista, a exemplo da Petrobrás, visto que empresas privadas serem enormemente receosas de investirem em projetos culturais no país) e - pior -, quando o fazem com os benefícios trazidos pela Lei, investem pouco em projetos que não tenham elenco global e conhecido, e investem muito em projetos que poderiam se autosustentar por conta própria e que não representam nada para a cultura brasileira (ao estilo, "Disney on Ice", musicais da Broadway como “Wicked”, etc.).

No entanto, se não fosse a Lei Rouanet (e outras leis de incentivo estaduais e municipais, que preveem outras isenções de cargas tributárias, como o ICMS, estadual, e o ISS, municipal), dificilmente a iniciativa privada (que não tende a ser nada generosa nestes trópicos) faria qualquer espécie de mecenato no Brasil (recordando que a iniciativa privada norte-americana – Rockefellers, Guggenheims, Bill e Melinda Gates, Warren Buffett, Família Ford, doam e patrocinam projetos diversos, inclusive culturais, à custa de MUITA isenção e incentivo fiscal em seu país de origem)! Provavelmente 95% dos filmes nacionais, desde a retomada em 1995 com Carlota Joaquina, jamais teriam saído do papel! A Lei Roaunet e Lei do Audiovisual – especificamente para projetos cinematográficos[11] – são, portanto, instrumentos importantíssimos para a produção cultural brasileira! 

Cabe melhorá-la, discuti-la, adaptá-la à novas produções culturais (aliás discussão que o agora ex-Ministro da Cultura, Juca Ferreira, já propunha, e o atual Ministro Marcelo Calero continua), jamais extingui-la.

Apesar de, retornando ao início deste texto, eu não ser grande simpatizante do PT, sobretudo da militância petista radical na internet e nas ruas – tampouco gosto de determinados segmentos ideológicos do PSDB, pouco comprometidos com uma visão pragmática de sociedade, nem como em geral funciona a estrutura interna daquele partido para a escolha de candidatos, com pouca participação de sua militância e juventude (não é a “mídia golpista burguesa”, que me faz desgostar daquele, ou desse partido), sugiro o artigo do jornalista Luiz Carlos Azenha ao Viamundo, ele próprio um simpatizante do Partido dos Trabalhadores, no qual faz observações bastante interessantes sobre a Lei Rouanet, suas propostas para atualização, críticas e sobretudo generalizações, que vieram na esteira do episódio envolvendo a discussão entre jovens do Leblon com o compositor e escritor, Chico Buarque, notadamente apoiador do governo da agora presidente afastada, Dilma Rousseff[12].

Enfim, talvez com a conclusão do atual processo de impeachment, certa razão volte a reinar na sociedade brasileira, para discutir tópicos de forma ponderada, fundamentada e não meramente emotiva. Porém, seguramente, a internet traz posições extremistas para todos os lados, não favoráveis ao aperfeiçoamento de uma democracia jovem e em construção como a nossa.

Fontes parciais :

Viamundo - http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/obcecados-por-chico-buarque-e-jo-soares-antipetistas-esquecem-que-fernando-henrique-cardoso-recebeu-r-67-milhoes-via-lei-rouanet.html
Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/franca-esteve-envolvida-na-criacao-do-estado-islamico-afirma-professor/
Egyptian Streets - http://egyptianstreets.com/2015/06/09/meet-the-nine-muslim-women-who-have-ruled-nations/
California Film Institute - Press Release - http://film.ca.gov/res/docs/pdf/press_release/2009/GAAS_7-27-09.pdf
California Film Institute - http://www.film.ca.gov/ProductionTools_Incentives.htm
O Globo - http://oglobo.globo.com/mundo/conversao-em-massa-na-alemanha-apos-ataques-19818821
Governo da França – Ministério da Cultura e Comunicação - http://www.culturecommunication.gouv.fr/
Fundação Cultural de Curitiba - http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/apoie-a-cultura/leiRouanet/como-funciona
Ministério da Cultura - Lei Roaunet - http://www.cultura.gov.br/incentivofiscal
Site do Planalto – Lei No 8.313, de 23 de dezembro de 1991 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm 
Site do Planalto – Lei No 8.685, de 20 de julho de 1993 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8685.htm 

[1] Recomenda-se: http://egyptianstreets.com/2015/06/09/meet-the-nine-muslim-women-who-have-ruled-nations/ (em inglês).  Acesso em 28.08.2016.
[2] Notícias de diversas publicações nacionais e internacionais demonstram que diversos jovens de origem muçulmana, após chegarem e se adaptarem na sociedade alemã, vem fazendo algo que seria impensável e inclusive perigoso em seus países de origem, converterem-se do islã para outras religiões, o que seguramente é um enorme ato de coragem, sobrepondo barreiras externas e muito vezes internas para aquele indivíduo (em diversos países islâmicos, como a Arábia Saudita, apostasia – renegar sua religião de origem, no caso o islamismo –, é crime, sendo punido inclusive com pena de morte, em alguns casos. Muitas dessas conversões se dão de forma velada, para impedir irritar elementos extremistas dentro daquela sociedade). Recomenda-se: http://oglobo.globo.com/mundo/conversao-em-massa-na-alemanha-apos-ataques-19818821. Acesso em 28.08.2016.
[3] Cabe observar o enorme aumento de atentados terroristas, de teor jihadista, contra populações civis em todo mundo, inclusive em países que não sofriam desse mal, como o Iraque, França e Turquia, agora no epicentro desses episódios, seguido à desastrosa Invasão do Iraque em 2003, retirada do ditador secularista Saddam Hussein do poder e desmantelamento do Partido Baath, partido então dominante naquele país, e das Forças Armadas Iraquianas, bem como pela piora na região como um todo, sobretudo a partir da Guerra da Síria (2011 ao presente). Recomenda-se: https://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/franca-esteve-envolvida-na-criacao-do-estado-islamico-afirma-professor/. Acesso em 28.08.2016.
[4] Para acessar o site do Ministério da Cultura e Comunicação Francês (Ministère de la Culture et de la Communication), acesse: http://www.culturecommunication.gouv.fr/ (em francês). Acesso em 28.08.2016.
[5] Schwarzenegger é originalmente austríaco, onde viveu sua juventude e início da vida adulta, tendo obtido a cidadania norte-americana na década de 80, país para o qual imigrou no final da década de 60.
[6] Recomenda-se: http://film.ca.gov/res/docs/pdf/press_release/2009/GAAS_7-27-09.pdf (em inglês).  Acesso em 28.08.2016.
[7] Recomenda-se acesso ao site da Comissão Cinematográfica do estado da Califórnia (California Film Commission), para analisar os incentivos tributários estaduais e municipais fornecidos à produções cinematográficas que desejem filmar naquele estado norte-americano. Vide: http://www.film.ca.gov/ProductionTools_Incentives.htm (em inglês). Acesso em 28.08.2016.
[8] Lei No 8.313, de 23 de dezembro de 1991. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm. Acesso em 28.08.2016.
[9] Sobre a Lei Rouanet e suas formas de incentivo à cultura nacional, recomenda-se site do Ministério da Cultura (Minc): http://www.cultura.gov.br/incentivofiscal.  Acesso em 28.08.2016.
[10] Igualmente, para se entender a Lei Rouanet, recomenda-se o link da Fundação Cultural de Curitiba: http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/apoie-a-cultura/leiRouanet/como-funciona.
[11] Lei No 8.685, de 20 de julho de 1993. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8685.htm. Acesso em 28.08.2016.
[12] Recomenda-se: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/obcecados-por-chico-buarque-e-jo-soares-antipetistas-esquecem-que-fernando-henrique-cardoso-recebeu-r-67-milhoes-via-lei-rouanet.html. Acesso em 28.08.2016.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Burke não é o bastante: Da impossibilidade do liberal-conservadorismo (Parte 3/3)


*Tradução de Carlos Magno de artigo da The hipster conservative.

Todas as coisas boas chegam ao fim, dizem, e assim deve findar-se esta série sobre os limites do conservadorismo burkeano. Em primeiro lugar, discutimos como o “panorama da tradição” mudou: o que era revolucionário e nocivo à grande herança da humanidade tornou-se, há muito, “tradicional”, ao passo que atributos ainda mais radicalmente progressistas pontuam as mentes de muitos homens. Assim, a mudança gradual defendida por E. Burke simplesmente faria parte do problema — afirmar a verdade, o bem, e a beleza, os quais o próprio Burke tentava preservar, transforma o próprio homem numa espécie de radical, amiúde antagônico aos gostos e políticas de seus predecessores imediatos.

Similarmente, vimos a crítica de Chesterton, em que há um tipo de segunda lei social da termodinâmica. Não devemos simplesmente aceitar a política evolutiva — se algo é um bem ou uma verdade universal, precisa ser restaurado, em geral contra a maré dos fãs da inércia moderadora. De muitas formas, o Deus Eterno e Sua Lei não podem ser chutados para fora da equação. Às vezes, é preciso teimosamente lutar contra certa entropia sociopolítica — uma prática dificilmente compreensível a partir do pensamento de Edmund Burke. 

Por outro lado, alguma coisa mudou, ao longo da história. Sou diferente do homem antigo e do homem medieval, assim como sou diferente de um estrangeiro. O que mudou, especialmente para o homem ocidental contemporâneo, quando contrastado com seus ancestrais? Isto: nossa consciência mudou e vai continuar mudando; posto de outra forma, o modo de conhecer do ser humano evoluiu, de fato. Aqui, faço referência ao gênio de Owen Barfield, “segundo amigo” de C. S. Lewis e dos Inklings. Em suas obras Poetic Diction e Saving the Appearances, Barfield explora como ocorre essa mudança. Por exemplo, em Poetic Diction, ele explica como a linguagem humana primitiva, e assim a aquisição de significado, era única; seu grande exemplo é a palavra grega pneuma, a qual significa “fôlego”, “vento”, ou “espírito”. 

A percepção comum de muitos linguistas e antropólogos é a de que o homem primitivo (chamemo-lo “Ug”) possuía vocabulário limitado, grosseiro, incapaz de “apanhar” todas as nuances de significado que hoje nós temos. Similarmente, em Saving the Appearances, Barfield fala sobre como deuses e outras personagens mitológicas representavam fenômenos naturais, tais como Íris personificando o arco-íris. A suposição dos especialistas, de novo, assume inclinação darwinista: Ug, em sua primitiva, temerosa e supersticiosa emergência da lama, personificava várias coisas em seu redor. Um mundo cheio de espíritos era a melhor maneira de explicar todos esses objetos e eventos estranhos que o rodeavam. 

Barfield não tem nada disso. A palavra pneuma tem três significados, porque fôlego, vento e espírito, na consciência ancestral, estavam efetivamente ligados; os três conceitos, de fato, fundiam-se numa espécie de unidade primordial. Foram outros homens, com consciências evoluídas, que há muito tempo delinearam, separaram, distinguiram, separaram e, talvez, até fraturaram (?) esses significados, mediante abstração e outros meios. Igualmente, o homem antigo personificava a natureza, porque tinha um sistema perceptivo diferente: ele participava das representações que presenciava. Não era algo que estivesse fora dele, nem toda a realidade era relativisticamente maleável segundo seus próprios caprichos. A distinção cartesiana entre sujeito e objeto é praticamente suprimida (ou melhor, não existe ainda). 

Quando Barfield diz “representações”, ele se refere ao que nós intuímos como um ser humano; com frequência, a mera “essência” da matéria não é representada. Ele refere-se ao arco-íris: os cientistas nos dizem que as gotículas de água (compostas de moléculas, átomos e quarks) ficam suspensas no ar enquanto a radiação eletromagnética visível (luz) mana através delas. Mas isso não significa muito — é uma explicação, não um significado. De maneira semelhante, podemos partilhar essa representação, coletivamente, com outros seres humanos (que nos ajudam a distinguir entre ilusão e realidade). Por certo, as partículas e o mero cosmos existem sem o ser humano, porém, vez que o homem entra em cena e sua consciência começa a interagir com as partículas, um “mundo” é produzido; neste caso, a mera percepção sensorial não basta para o lidar e se relacionar com o mundo caótico — muito do ser humano é necessário (hábitos de pensamento, memória, imaginação, sentimentos, volição etc.). 

Os homens podem, simplesmente, experimentar representações, pensar sobre elas, ou pensar sobre sua natureza. Essas três funções não estão isoladas — interagem uma com a outra de formas importantes. Essa é a essência da história, e foi o desenvolvimento da consciência histórica, em si, que nos permitiu o explorar este tema com significativo entendimento (como John Lukacs, discípulo de Barfield, evidenciaria).

Não falo sobre todo esse fenômeno de consciência simplesmente como um bem absoluto, mas como algo que meramente acontece. De fato, nossa imaginação atual parece bastante desarraigada, por várias razões; objetificamos o mundo, e assim o povoamos de ídolos, os quais impossibilitam qualquer participação. Certas formas importantes de conhecer parecem apartadas de nós, mas talvez possam ser recuperadas. No entanto, como Lewis argumenta, em That Hideous Strength, é como se o mundo estivesse diminuindo e enrijecendo, tornando mais extrema a separação entre o bem e o mal (dentre outras coisas). Além do mais, a ascensão do individualismo — um produto da aparentemente nociva reviravolta cartesiana — também nos disponibiliza um nível superior de introspecção. 

Assim, é isso o que muda e vai mudar. Não é, necessariamente, um progresso com um fim inevitável; inúmeras potencialidades assombram os corredores da história e da poesia. Quando olho para trás e vejo este artigo, não posso evitar pensar em meu insuficiente trabalho, explorando essas importantes realidades; Barfield e seus estudantes (tais como Lukacs) merecem uma discussão e exploração muito maiores. Mas não se preocupem, caros hipsters conservadores: algum dia, estarei de volta outra vez.

sábado, 27 de agosto de 2016

Burke não é o bastante: Da impossibilidade do liberal-conservadorismo (Parte 2/3)


*Tradução de Carlos Magno do artigo da The Hipster Conservative.

Em meu primeiro ensaio desta série, afirmei que Edmund Burke, o lobo alfa conservador, merecia uma cuidadosa reavaliação, à luz da tradição empobrecida de agora. Agora, quero investigar suas alegações no tocante à evolução da cultura e das instituições. Confesso que vou usar o grande reacionário romântico G. K. Chesterton, como minha bengala intelectual no desmantelar de alguns problemas com o conservadorismo burkeano. Uma vez mais, vou presumir, também, que meu leitor esteja familiarizado com as teses gerais das "Reflexões sobre a revolução francesa", de Burke.

O sempre prudente E. Burke é mais nitidamente lembrado por rejeitar o radicalismo da Revolução Francesa. Enquanto a ideologia continental incentivava os sans-culottes e os intelectuais de gabinente a violentamente virar o mundo de cabeça para baixo, Burke esperava que a mudança lenta e gradual das nações individuais alterasse, organicamente, a ordem social. A história não só peneirou a sabedoria e a tolice, mas também estabeleceu os direitos dos ingleses. Os teóricos contratualistas, com seus abstratos “direitos do homem”, e o racionalismo individualista representavam uma ameaça à tranquila aculturação da reforma reflexiva e do progresso historicamente enraizado.

Ora, o que incomodava Chesterton não era a refutação de Burke a (boa parte) do Iluminismo, senão o ateísmo prático do conservadorismo, em resposta ao liberalismo. Num capítulo do magistral de "O que há de errado com o mundo", chamado “O império dos insetos”, o autor observou que “Burke, certamente, não era um ateu em sua teoria cósmica consciente”, mas, em vez disso, “que na querela sobre a Revolução Francesa, Burke defendia a atitude e o modo de argumentação ateístas, como Robespierre defendia-os da perspectiva teísta." Ele afirmou:

«[Burke] não atacava a doutrina de Robespierre com a antiga doutrina medieval do jus divinum (que, como a doutrina de Robespierre, era teísta) mas com o argumento moderno da relatividade científica; em suma, o argumento da evolução. Ele sugeria que a humanidade era, por toda parte, moldada por, ou adaptada a seu ambiente e instituições; de fato, que cada povo tinha, praticamente, não só o tirano que merecia, mas o tirano que devia ter.»

Noutras palavras, Burke preferiu Montesquieu a São Tomás de Aquino. Após ler os luminares do Iluminismo, começa-se a ver que Burke poderia ser casualmente rotulado de “Hume light”; o estadista referido era estudante dos céticos escoceses. Burke adotou concepções da sociedade similares às do ateu-agnóstico Hume, mesmo que o próprio Burke não fosse plenamente um cético. Talvez o “pai do conservadorismo moderno” pensasse que poderia manter o conteúdo tradicional da sociedade humana, ainda que adotasse a forme de Hume; esse movimento intelectual é algo como uma novidade. Efetivamente, no cenário inglês, argumentos devastadores contra a reforma social inaudita, os quais, de fato, veem o homem como portador da imagem de Deus, podem ser encontrados no grande anglicano Richard Hooker. Para Burke, pois, o processo substitui Deus como a questão imanente, e autêntica, nos reinos da política e da jurisprudência (se não na completude da vida).

Contra o deputado anglo-irlandês, Chesterton reclama: “Seu argumento é que nós temos alguma proteção mediante acidental crescimento natural; e por que deveríamos professar pensar além disso, exatamente como se fôssemos as imagens de Deus!” De modo característico, ele conclui: “Assim, muito antes de Darwin desferir à democracia seu grande golpe, o essencial do argumento darwinista já tinha sido sugerido contra a Revolução Francesa. O homem, dizia Burke com efeito, deve adaptar-se a tudo, como um animal; não deve tentar alterar nada, como um anjo.” Para Burke, o escravo virá a se adaptar a seu domicílio, aqueles sob a monarquia virão a se tornar esnobes, e nenhum juízo divino pode intervir nesse processo evolutivo.

De fato, para Burke, ainda há progresso. Simplesmente, um progresso mais lento, mediante o qual a humanidade, gradualmente, vê instituições e políticas odiosas como mais apetecíveis. Por certo, a maioria das pessoas acha um relativismo gradual (à la William James) muito mais agradável que um relativismo radical (à la Friedrich Nietzsche). Mas, que diferença faz? Ambos agem num cosmos desprovido do divino. Se a “civilização”, ou o indivíduo audacioso, é o veículo para se perceber o eu desprovido do divino, parece irrelevante.

Com Burke de certa forma desconstruído, como lidamos com tais novidades e progressos perigosos, que irrompem do antro chamado “Iluminismo”? Bem, podemos começar com o ensaio de Chesterton, “The Red Reactionary”. Ele critica os ingleses, porque creem que “o passado é passado”; por outro lado, os franceses sabem que as coisas podem ser prontamente removidas ou restauradas: “Aqueles que suprimiram poderiam, se quisessem, pôr tudo de volta. Mas nós, que preservamos tudo, não podemos restaurar nada.” Ele ainda contesta: “O único caso em prol da Revolução é que ela é a única estrada deveras limpa e plena rumo a qualquer coisa – até mesmo à restauração. A Revolução, sozinha, pode não ser meramente uma revolta dos vivos, senão também uma ressurreição dos mortos.

O conservador burkeano se aborrece com a revolução, um bom hábito afinal; no entanto, a política evolutiva burkeana é equivocada. Em Ortodoxia, o velho G. K. ensina: “Todo o conservadorismo se baseia na ideia de que, se você deixa as coisas por si mesmas, você as deixa como elas são. Mas não; se você deixa uma coisa por si mesma, deixa-a para uma torrente de mudanças.” A entropia pode
ser cultural tanto quanto cósmica; a mutabilidade está na natureza das coisas humanas, terrenas. Chesterton continua: “Se você deixa um poste branco por si mesmo, logo ele será um poste preto. Se você, particularmente, quer seja ele branco, você o deve estar pintando sempre, continuamente; ou seja, deve estar sempre tendo uma revolução. Em suma, se você quer o antigo poste branco, deve ter um novo poste branco.” A função da política tradicional, na esfera pública, não é de preservação por amor à evolução. 

Conforme J. Piper argumentava, traditio (o passar adiante) é uma atividade constante, embora não necessariamente intencional e que, para os jovens, não deveria ser autoconsciente. Chesterton insiste: “Mas isso que é veraz, mesmo quanto às coisas inanimadas, é, num sentido especial e terrível, veraz quanto a todas as coisas humanas. Exige-se do cidadão, em verdade, uma vigilância quase inatural, por causa da horrível rapidez com que as instituições humanas envelhecem.” A sociedade, pois, é orgânica tal qual um vinhedo. O evolucionista recusa aparar as vinhas; o jacobino almeja derrubá-las todas.

Na visão de Chesterton, pelo menos, não é senão uma insanidade ser mero curador por amor a um progresso mais lento. Os burkeanos podem contrapor que seu herói está buscando mais a felicidade humana que o progresso cego; no entanto, o conservadorismo de Burke pode tender a ver a inevitável mutabilidade do homem como um movimento linear. Falo da escola, e não do homem, porquanto ele parecia crer que a queda no caos da barbárie estava, tão-somente, a algumas gerações de distância. A adoção popular de suas ideias pode levar a uma visão excessivamente progressista. Talvez seja hora de abrirmos espaço político, não apenas para a revolta radical típica, ou a reforma moderada, mas também para a restauração e a ressurreição.

Mas espere!”, meu leitor responde, “o homem de hoje é diferente dos antigos; e quanto a essas diferenças?” Fique ligado na parte três que virá.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Burke não é o bastante: Da impossibilidade do liberal-conservadorismo (Parte 1/3)


*Tradução de Carlos Magno de um artigo do The Hipster Conservative.

Uau!”, alguém poderia dizer, ao ler este título, “esses jovens presunçosos, arrogantes, já estão renegando o conservadorismo? bom, não demorou muito.” No entanto, se a inércia tradicionalista habitua o homem a qualquer coisa, seja paciente e nos ouça. O título sexy e estimulante serve apenas para obter uma proporção indevida do interesse do leitor (i.e. o autor faz de tudo por atenção). [E, portanto, um verdadeiro hipster em sua inconsistente busca e rejeição da atenção pública.]

Este ensaio se coloca como o primeiro de uma série que vai explorar os limites do conservadorismo de Edmund Burke. Todo hipster conservador ama esse angloirlandês, por suas prestimosas contribuições à filosofia política e muitas outras artes. Para os conservadores de convicção tradicional, ele é o guardião dos verdadeiros princípios do conservadorismo; ele se previne do neoconservador intervencionista, do libertário entusiasmado, e de quem quer que se vanglorie de ser “revolucionário”. Devemos ao Pai do Conservadorismo Moderno uma gratidão obrigatória; mas lhe devemos, também, uma cuidadosa reflexão crítica. Espero não ser uma presunção, o alegar que Burke desejaria isso. Neste projeto, vou examinar as insuficiências de suas ideias, quando aplicadas à nossa particular situação histórica e ao estado atual da consciência humana. Neste artigo, vamos tratar do problema das tradições, enquanto os outros vão contestar a evolução cultural e a natureza da civilização.

Primeiro, consideremos uma evidente dificuldade que, por toda parte, frustra bons conservadores: a ausência de tradição, na situação contemporânea. Você pode substituir “a situação contemporânea” por “sociedade atual”, “os dias de hoje”, “tempos modernos”, e até mesmo “agora”; Mr. Dylan disse-o melhor que ninguém: The times, they are a-changin’. Esta mudança denota mais que a sempre consumidora mutabilidade da vida, que fazia Heráclito chorar enquanto se refestelava sob o sol de Éfeso; refiro-me, em vez disso, à presente situação dos Estados Unidos (e talvez da Europa) em que, de modo geral, as gerações posteriores ao baby boom não receberam nenhum corpo significativo de antigas tradições, sobre o qual construir ou sustentar uma próspera comunidade humana. Qualquer sanidade que o passado nos ofereça é consumida numa imensa inflação de ideias, cuja maioria prova-se ser mais vazia e efêmera que essas contribuições à humanidade, que resistiram ao teste do tempo. Para unir aos seus futuros filhos as gerações pretéritas, Burke dependia de uma tradição viva, orgânica. Ele considerava que uma sociedade saudável experimentaria um crescimento natural, moderado, e corretivo, a partir das raízes profundas de uma sabedoria herdada; infelizmente, o Ocidente progressista de tudo fez para descartar esse corpo de conhecimentos, hábitos e padrões de sucesso esmagador.

Os Estados Unidos acham-se numa situação particularmente diferente, por causa de nossa herança. Conforme eu e meus colegas já observamos nestas páginas, ao menos parte da narrativa americana tem origem nos puritanos; esta seita protestante radical parece moderada, no entanto, quando comparada às teorias iluministas que se lhe arrastavam detrás. Locke, Paine, os “salutares” escoceses esclarecidos – são todos pensadores bem conhecidos, para qualquer pessoa familiarizada com a “era da fundação”. Tais ideias liberais, completamente modernas, estão lado a lado com fibras pré-modernas da herança americana (estas últimas são os filamentos ocultos que Russell Kirk tentou reabilitar). Contudo, embora haja uma alternativa, a tradição conservadora americana, a política racionalista, e os princípios reformistas do Whig Party, têm uma influência profunda na mente americana. Um aspecto desse conjunto de hábitos mentais é uma rejeição à hierarquia autêntica e à tradição. Digo “autêntica”, vez que, conquanto os liberais não prestem nenhuma lealdade referencial ao que é antigo, eles de fato usam a hierarquia e a tradição como instrumentos arcaicos para o progredir-se em direção a algum futuro inevitavelmente melhor. Há seculos, esses hábitos do Iluminismo liberal têm feito parte da vida sociopolítica americana; ironicamente, o progressismo não é senão uma tradição, para boa parte dos americanos. Simplesmente, não podemos agora recorrer às tradições recebidas de nossos pais; pelo menos algumas delas são contraproducentes. Burke não negava que diferentes escolas de pensamento haviam existido, ao longo da história, mas ele acreditava que os jacobinos e sua índole revolucionária haviam, radicalmente, rompido com a Grande Tradição do ensinamento ocidental. Ora, o jacobinismo, e uma série de outras aberrações, foram por sua vez transmitidos, no decorrer de dois séculos, ao passo que todas as crenças mais antigas foram submetidas à periferia do discurso, onde parecem assemelhar-se uma à outra, em função de seu contraste com o liberalismo iluminista. 

Com este problema em mente, as técnicas moderadamente pragmáticas do conservadorismo burkeano adentram águas agitadas. Nas palavras de William James, o que Burke realmente cria sobre virtude, bondade, e uma próspera comunidade de almas, não é mais uma “opção viva”. Já não há um consenso bastante forte, que sustente a tradição anglo-americana ou inglesa, a fim de os americanos serem vistos como moderados, se seguirem essas heranças veneráveis. Burke defendia a mudança lenta, moderada, de um tipo que não predominou, nos anos seguintes à sua carreira. Os costumes contemporâneos confundiriam a ele e seus pares, bem como os deixariam completamente horrorizados.

Hoje, uma pessoa que recorra à sabedoria dos “maiores” que faleceram parece muito, bom, imoderada. A fim de buscar uma vida de acordo com a tradição, o indivíduo deve, deliberadamente, rejeitar os modismos morais e políticos, sempre mutáveis, da sociedade. Deve tornar-se, numa palavra, reacionário. Há meros duzentos anos, os cidadãos, normalmente, discutiam sobre a constitucionalidade de um banco central; desde os barões medievais, se não desde as antigas cidades gregas, pensadores e ativos estadistas, outrossim, ponderavam em que medida os subordinados poderiam rejeitar os editos de uma autoridade central. Agora, um candidato que professe uma linha particular de federalismo é visto como um lunático desvairado; um dinossauro constitucional. 

A moderação valoriza a preservação do status quo. Para os batizados na ética da tradição, surge uma inquietante questão para o século XXI: “O que acontece, quando o status quo é monstruoso?” Nós criamos, e agora mantemos, armas capazes de destruir o mundo várias vezes; tentamos resolver os óbvios resultados da promiscuidade sexual, alvejando os adolescentes com camisinhas e abortivos; supostamente, oferecemos paz e segurança mediante um intervencionismo neurótico; transformamos as notícias diárias em entretenimento. (Para que o leitor não me entenda mal: isso é amiúde tão tolo a ponto de desafiar a sátira.) Nem me façam começar a falar sobre agricultura, e todo o nosso sistema alimentício. Vários sistemas éticos veneráveis exigiriam de seus adeptos que rejeitassem, por atacado, essas posições aceitas, assim lançando-as fora do Campo da Moderação. Nossa situação moral atual fez com que um moderado, como David Brooks, associasse a tradição com “lutar contra o Homem”. A tradição já não cai em nosso colo, a fim de nos formar; devemos buscá-la, e então, a serviço dela, nadar contra a corrente cultural de hoje em dia. Atualmente, de fato, o burkeano funciona como um reacionário, não exatamente tão bom quanto o filósofo havia pretendido. 

Em conta a lamentável condição atual, o relativismo histórico nos tenta a relegar Burke ao seu próprio dilema cronológico particular, lutando para orientar-se em meio ao Iluminismo. Esta é uma inadequada resposta ao filósofo. Tal inesperado fruto do pluralismo – a destruição da tradição – não é senão uma crise cultural que pode ser melhor respondida num espírito de insubmissão reacionária. A retórica de “movimentos” e “revoluções” se esgotou e, francamente, é invalidada pela posição do conservadorismo burkeano quanto à crítica da ideologia. Não podemos simplesmente evoluir, de forma orgânica, com uma tradição que cresce continuamente: o ideal burkeano de uma comunidade estabelecida. Em vez disso, devemos recorrer a um corpo de costumes e crenças arcaico ou “defunto”, em desafio ao progressismo. Toda vez que me levanto, no metrô, para ceder a uma mulher meu assento, em verdade ergo meu punho contra os poderes idólatras do igualitarismo. Todo tomate cultivado por conta própria, e livre da sempre invasiva, sempre desumana indústria alimentícia, é uma arma forjada em revolta. Disseram-me que o gentleman foi extinto com a queda da aristocracia. Digo que ele nunca morrerá, enquanto eu caminhar sobre a terra. 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Um complemento e um cumprimento ao texto de Hugo Rossi - um post scriptum ao quiproquó ayaniano


Todo o quiproquó que se tornou meu texto acerca da hipótese da confessionalidade do Estado, gerou diversas reações no limitado espaço que ocupo nas redes sociais. Para os que não entenderam, tudo não passou de um conflito deste escritor contra três oponentes, a saber: Luciano Ayan, Roger Roberto e Marcos Aurélio Lannes Jr. Se colocarmos ainda as críticas de Octávio Henrique, poderiam-se dizer quatro, contudo, como não o respondi por meio de texto, não o contarei.

Tirando a incultura, aspecto essencial para se fazer parte da "nova direita", a conversa com Ayan até que foi produtiva, sério! Não é sacanagem caro leitor. Primeiro de tudo, o que ficou nítido é que Ayan esperava que eu fosse tentar contradizê-lo ou refutá-lo sobre a necessidade da guerra política ou até mesmo da sua existência, ele se ferrou nessa.

Primeiro de tudo por uma simples razão: Ele tem um conhecimento muito limitado da minha base neotomista e, como consequência disso, é incapaz de compreender o meu olhar sobre o plano de diálogo (recuso-me a chamar aquilo de discussão ou debate, pelo menos num primeiro princípio). Explicarei mais adiante porque Ayan se ferrou legal, mas vamos falar primeiro do texto inicial, que foi uma resposta personalista minha acerca das razões que me fazem rejeitar a luta política, o que ficará melhor entendido e sistematizado ao fim deste texto para quem não manjou (como Ayan a princípio) o meu ponto. E na sequência, abordarei a muito feliz análise do amigo Hugo Rossi, com quem compartilho toda uma sorte de opiniões, mas também, como é natural, devemos ter nossas contradições.

No meu primeiro texto só fui desdenhoso para com Ayan porque ele mesmo assim também foi para comigo. Quem quer que me conheça sabe que eu procuro manter uma postura o mais independente possível, sem qualquer "patotinha" política. Essa posição de relativa independência me dá a possibilidade de criticar e elogiar o que eu entendo como sendo errado ou certo nos mais variados lados da guerra política que Ayan e Roger jogam, e nesse grupos se encontram tanto os liberais e libertários que compõem a "nova direita", e também os adeptos mais fervorosos de Olavo de Carvalho, sem com isso, me comprometer ideologicamente ou programaticamente com a "patota". É claro que isso impõem um ônus a quem quer que integre essa posição na guerra política, uma das razões pelas quais decidi não participar dela, mas falarei mais disso adiante.

Portanto, quando Ayan me chama de "olavette" ou de "direita true", ele falta com a verdade e até mesmo me ofende, pois estes rótulos são aplicados de forma pejorativa. Basta digitar a expressão "direita true" no site deles e ler as definições mais correntes. Por isso, decidi aplicar o revide, utilizando as expressões "liber-mavismo" e "MAV-Liber". Ao contrário dos mesmos, eu pelo menos fui honesto com os adjetivos, pois descrevem um tipo de comportamento nas redes sociais que se caracterizam por militância aberta por meio de sites e rede sociais em favor de um grupo político em específico, como é o caso do MBL. Parafraseando Bill Clinton, "It's the political war, stupid!".

Ora, o que Ayan e Roger Roberto fazem ao conseguir estabelecer parcerias com o MBL em sua página para que este divulgue seus textos em tom acusativo ou noticioso-sensacionalista contra este ou aquele adversário político, não é nada diferente do que o PT fazia contra os seus em blogs como Tijolaço, sites como Pragmatismo Político e Brasil 247. A diferença é claro é que o dinheiro de um é privado e o de outro é público. Nisso, muito pior pro PT. Além das "ayanetes" e "robertetes" como Octavio Henrique e outros que se dedicam a compartilhar e espalhar esses posts em todo lugar. Isso soa familiar? Sim, MAV!

Ou seja, enquanto mesmo que em retribuição com tom de ofensa, a minha acusação foi muito mais uma definição de uma forma de comportamento do que um simples uso pejorativo de um rótulo como fizeram Ayan e Roger. A prova cabal disso é a não respondida demonstração de que o rótulo era extremamente elástico e impreciso, abarcando uma infinidade de grupos políticos e indivíduos que não têm qualquer relação um com o outro, e até mesmo chegam a ser hostis um para com o outro! A pergunta é: Quando eles fazem isto contra os seus adversários eles estão errando? Não necessariamente, mas quando exigem que todos os interessados em política assim o façam, estão.

O ônus que minha postura independentista cria a quem quer que a adote na guerra política, é o de reduzir o espaço de manobra para quem quer que deseje estabelecer alianças, ainda que pontuais com grupos diversos, contra oponentes em comum. Como eu acho a retidão das minhas palavras e ideias e minha liberdade de atacar e aplaudir o que eu quiser muito mais importante do que alcançar este ou aquele fim político, decidi não participar da guerra. Mas, o que é a guerra política, afinal?

Segundo a minha percepção (lembre-se, sempre amparada no aristotelismo-tomista), a guerra política a que Ayan se refere, ocorre principalmente na modernidade em escala nunca antes vista na história, por conta dos malefícios da revolução liberal. Combinando, assim, a parlamentarização perpétua da política de Estado, a centralização e burocratização do Estado moderno, com os avanços econômicos e principalmente técnicos que o desenvolvimento científico permitiu e com a liberdade de ser canalha impunemente da moderna gnose imanentizada da deusa "Liberdade", parafraseando Ferrara, criou o mecanismo que em meu texto final chamei de big politics.

A big politics é fruto do crescimento da face burocrática do poder, criando assim uma casta de pessoas que concentram em suas mãos o monopólio de legislar e definir em última instância as definições morais de justo e injusto. Como resultado, o Estado tornou-se um corpo político desligado do resto da sociedade, flutuando sobre ela inacessível, a existência de um parlamento permanentemente aberto com representantes legislando em tempo integral eliminou a autonomia dos corpos sociais previamente existentes, criando a dicotomia moderna Estado-indivíduo. Os escassos pontos de ligação entre este corpo burocrático e a sociedade são os pontos em que ocorrem a famigerada guerra política.

Na civitas romana e nas poleis gregas, a guerra política era a batalha entre indivíduos e ministros de Estado que se circunflexava ao derredor do rex ou do imperator, sendo, portanto, uma luta entre poucos indivíduos. Como a organizaão social era bem mais simples, haja vista que o modelo era mais ou menos corporativo também, o cursus honorum era um meio pelo qual havia uma enorme proximidade entre os setores vários do populus/demos e o corpo governamental organizado. Assim, se desenvolveu na Grécia e em Roma (ao menos na Roma monárquica e republicana, com a diferença em que a guerra política era travada no senado, e menos na imperial) a peculiar situação em que para se ser politicamente ativo na sociedade, o cidadão não precisava integrar a chamada guerra política. A inexistência da big politics era devido a enorme proximidade entre governantes e governados e o escasso numero dos governantes. Para exemplificar, imagine uma gota de álcool diluída numa piscina olímpica.

No Estado moderno, a racionalização e a burocratização criaram uma casta de administradores profissionais que estão separados de nós, míseros plebeus, ralé composta por pobres mortais desposssuídos de qualquer meio de pressão no governo, que não seja apertar botões numa pouco confiável urna eletrônica de 2 em 2 anos, elegendo autoridades locais e nacionais neste período. Para piorar, a individualização progressiva da sociedade produzida pela revolução liberal juntamente com as enormes dimensões dos países, nascidos do moderno conceito de Estado-nação, fizeram com que ao "reino da democracia e da liberdade" tivesse um poder espoliador infinitamente maior do que qualquer monarca absoluto ou senhor feudal jamais teve ou sonhou ter em suas ambições mais megalomaníacas.

Assim sendo, só é possível aos meros civis intervirem na esfera da big politics  através de um grande poder de mobilização popular, juntando indivíduos e formando grupos de pressão ou lobbies que pressionem os governos. (MBL?) Neste ínterim, é necessário a adequação das mais variadas concepções ideológicas de política nascidas da modernidade a planos e objetivos pragmáticos e tangíveis num curto e médio-prazo visando objetivos em comum ainda que todas as partes envolvidas não compartilhem plenamente dos mesmos ideais. Exempli gratia: Quando na altura do impeachment de Fernando Collor de Melo, PTistas e PFListas se uniram contra o ex-presidente.

Mas o exemplo mais paupável é justamente o actual, aquele esquema que Ayan e Roger integram, o esquema MBL/PSDB. Em outras palavras, a descrição mesma da guerra política tem tudo a ver com o presente estágio da sociedade actual em que a sociedade civil precisa organizar-se em grupos políticos com ambições e metas tangíveis, abrindo portanto, mão de idealismos e da própria ideologia em muitos aspectos.

Dei a chance de Ayan perceber isso no meu primeiro texto em que citei Maritain e sua concepção de sociedade política e ainda especifiquei no segundo texto no exemplo do "cidadãozinho na barbearia". As pessoas que integram os escassos pontos de contato entre o governo e os governados, são aqueles que chamamos de "ativistas" que como o nome já demonstra, são os indivíduos da socioedade civil que não se contentam em estar apenas conscientes dos poderes que nos governam, mas desejam neles intervir e procuram os meios qu enecessário forem para esse fim. A simples sugestão extremamente imbecil de que a política clássica tal qual a que se manifestava nas sociedades tradicionais é igual a big politics, é de uma grosseria ímpar, pois, caso fosse, estaríamos presenciando uma politização descomunal da existência humana, transformando a sociedade toda num grande parlamento em perpétuo funcionamento. Quando Pondé diz que "a política tomou o lugar da graça", ele não pdoeria estar mais certo, e Ayan e Roger são provas cabais disso.

Ayan e Roger são incapazes de compreender as motivações de alguém que queira ser apenas um "passivista" consciente, cujo interesse é o de ser um simples comentarista de política num veículo de baixo alcance, e que não tem qualquer interesse profissional, quer em um maior veículo de mídia, quer como membro integrante da big politics, ou ainda, como membro de grupos privados de lobby. Para eles isso é loucura! Porém, não se trata de uma decisão apenas preferencial baseada na jurisprudência do capitão Bruno, "porquê eu quis!", mas é também uma rejeição ideológica. Eu sou um antiliberal convicto, razão pela qual a realpolitik é um escândalo para mim. Aderir a ela é já aceitar o moderno conceito de Estado e política frutos da revolução liberal, que ao contrário do que se pensa, não nasce em 1789 e sim 1776. Como derrubar o atual estado de coisas não é possível, eu simplesmente escolhi me retirar da cena da guerra política.



Quanto ao texto de Hugo Rossi, cujo link aqui pode ser encontrado, só me resta elogiar a precisão argumentativa com que notou que indivíduos como Roger Roberto e Ayan são de uma inocuidade mental terrível. Roger não me surpreende, a burrice dele é uma característica ontológica de sua personalidade perturbada, sendo um predicado do mesmo completamente inamovível; contudo, Ayan, metido a high profile, não é um cara burro, só é vigarista, um sofista da modernidade. A deificação do estado manifesto na noção hegeliana dele é brilhantemente exposta por Hugo e é irrefutável. A ligação Maquiavel-Hegel-Kant é evidente em cada linha de arrogância e picaretagem, o que só resta a Ayan o chororô. Não é de se estranhar que a reação final dele foi a de me bloquear na página dele como um nababo manco, que com medo de maior fracasso, se precaveu não indo a combate... Logo ele, o "senhor da guerra política", um vexame sem igual.

A maior surpresa dele, é claro, foi o fato de achar que eu o rebateria, quando na verdade apenas me limitei a concordar com o mesmo e, despreparado para ouvir a resposta que dei, não soube o que dizer a não ser um mar de ofensas tão idiotas quanto os apelidos que algumas olavettes aplicam a seus inimigos, sem ofensas, Hugo. Ele veio preparado para bater em alguém que, com planos e ambições traçadas, adotou a "não-estratégia" de negar a guerra política, o que é contraditório com o status de quem quer influenciar o rumo das coisas. Mas, ao descobrir que eu JAMAIS desejei alterar o rumo das coisas (quem sou eu na fila do pão para tamanha ambição?), ficou limitado a acertar um espantalho condenado a morte por um show de impropérios; que vergonheira!

Ainda, agora sobre sr Roger Roberto, ele disse, como consequência da conversa com Ayan, em mais um de seus textos dadaístas que a "direita true" (referindo-se a mim, é claro) luta a guerra política contra a "direita". Bem, para isso primeiramente vocês todos deveriam ser de direita, o que não são. Ayan é no máximo um centrista metido a esperto, Roger um esquerdista iludido de que libertarianismo é direita... Segundo, o próprio curso dos fatos em discussão demonstram por si só de que eu optei por não ser um player da política grande. Negar esse último e derradeiro fato é contraditar todo o discurso de Ayan em seu último texto, é uma postura autorrefutável, mas que dado cérebro de beterraba que o último visívelmente possui, não seria algo com que eu me surpreenderia. Em suma, tudo o que eu fiz foi advogar o meu inalienável direito natural individual de não dar a mínima, quando eles de alguma forma defendem a postura de que idealmente todos deveriam se submeter a essa causa coletiva, o que não deixa de ser cômico vindo de individualistas radicais.



domingo, 14 de agosto de 2016

Luciano Ayan, furioso, tenta me contradizer infrutiferamente - Texto final.

Luciano Ayan escreveu um "textão" em réplica e, surpreendentemente se contradiz ao dizer que entendeu o espírito da minha resposta e na sequência fazer uma resposta de quem refuta uma antítese.

"Sem entender nada (e sem anotar a placa do caminhão), Rizzi deu uma resposta risível no texto “Quem é Arthur Rizzi na fila do pão – Uma resposta a Luciano Ayan”. Minto: não foi bem uma “resposta”, mas, digamos, um desabafo usando a tradicional tática do Chapolin Colorado (“nem doeu, nem doeu”). "
Usando aquilo que ensina bem, ele se utiliza dos frames e das rotulações que ensina contra um cara - vulgo eu - que não é um player político. Por alguma razão que é difícil de entender, Ayan tenta disfarçar com sua tradicional autoprojeção de superioridade, a sua frustração por ver que é justamente pelas MESMAS razões que ele diz que devemos lutar a "guerra política" que eu simplesmente me recuso a participar dela. Eis a razão de porquê eu disse ao levar a ele meu texto (informá-lo de minha resposta, algo que ele mesmo não teve coragem de fazer pessoalmente), que não era uma réplica (isto é, um texto que visa anular ou contraditar as premissas do adversário) e sim uma resposta. Minha resposta teve um carácter todo pessoal, explicando porque razões não aderi e não vou aderir a guerra política. Isso prova que ele de fato me julgou mal, muito mal. Tomou-me por algo que não sou. Se ele tivesse tentado rebater o meu amigo Conde, provavelmente teria tido mais sucesso, pois ao que me parece, o Conde é alguém que tem pretensões um pouco parecidas com a dele.




 Como podemos perceber no texto de Ayan, ele entendeu bem o espírito de desabafo do que escrevi, mas na sequência decide tratar o texto como se fosse uma espécie de tentativa de debate. Ayan elenca bem os pontos que levantou:



  1. Há um grupo de religiosos de direita (não representam todos os religiosos) que aparece em público criticando o Estado Laico.
  2. No meio deste grupo, a maioria não pede o retorno a uma época em que o estado não era laico. Mas uma pequena parte faz essa requisição formalmente.
  3. Este perfil negacionista de direita notadamente costuma rejeitar a guerra política.
  4. Uma simples análise de padrões mostra que a requisição pelo fim do estado laico se correlaciona com a rejeição da guerra política.
Ele disse que não rebati nenhum dos pontos, para provar que ele disse isso, capturo aqui a própria citação dele abaixo:

"Rizzi cita vários autores, mas nenhum deles traz refutações como as que apontei acima."
Sim, não trazem pelas simples razões. Não discordo dos pontos levantados, ao contrário concordo com todos, e ao invés de vê-los como defeitos, vejo-os como virtudes, eis a razão pelas quais não participo da guerra política. É justamente pelas mesmas razões que Ayan "luta" que eu me recuso a "lutar". Todos os quatro pontos são precisos, cirúrgicos, e por essa razão mesma ele fica louco de raiva ao constatar que sou uma antítese dele.

Resumindo, não escrevi o que escrevi para rebatê-lo, refutá-lo ou qualquer coisa do gênero, mas justamente pra concordar com ele! 

"O livro de Maritain, aliás, é um livro negacionista, mas nem de longe toca nos aspectos do meu texto."
Sim, porque não pretendi refutar nada. Não poderia ser mais claro e cristalino.
"Qual é contra-argumento dele aqui? Nenhum. Será que ele ainda não entendeu que em uma refutação é preciso desafiar a tese do oponente e não endossá-la?" 
 Eis aqui outra demonstração do que disse acima, ele simplesmente parece não aceitar (embora compreenda) que eu simplesmente me furte ao combate pela mesmíssima razão que ele se dispôs a combater. Não poderia ser mais revelador sobre a personalidade dele, o próprio Octavio Henrique, admirador de carteirinha de Ayan, disse que eu o havia enfurecido, fiquei cético sobre essa hipótese até que recebi o link da resposta no site por terceiros.



Fingindo que não entendeu a que eu me referia quando disse que "não fazia parte de patotas", Ayan decide citar Aristóteles:

"Está maluco. Qualquer evento do mundo pode ser classificado em grupos. Pedras, automóveis, pessoas, animais, comportamentos, roupas, etc. Qualquer coisa pode ser classificada em “grupos”. Isso é método científico básico, que dá para ensinar até para crianças. Nós não perguntamos para um calango se ele faz parte dos répteis. Para fins de estudo, os classificamos e vamos em frente."
Quando disse que não integro patota, quis dizer que não faço parte de grupos politicamente organizados, com alvos políticos tangíveis, cujo alcance depende da colaboração pragmática com vários outros grupos com quem se estabelece parcerias para conquista de pontos e postos pragmáticos dentro de uma macro-estratégia geral própria, embora isso não signifique endossar plenamente o programa dos outros grupos. Posso exemplificar isso, por exemplo, na parceria que MBL fez com o PSDB. Tucanos e Liberais discordam em alguns pontos, mas como têm um objetivo em comum unem-se nos pontos em que têm em comum, embora na sua macro-estratégia geral divirjam em pontos que julgam importantíssimos. É o caso de Ayan, Roger, Octavio, membros do MBL, enfim.

Ignorando isso propositalmente, ele decide fazer uma classificação lato sensu de grupos em que se podem agrupar todos os seres humanos da terra em moldes aristotélicos tais quais o estagirita muito bem resume no livro I e livro V da Metafísica e também nos escritos sobre filosofia natural. Nesse sentido, é claro, todo mundo pode ser agrupado em qualquer grupo. Obviamente existem pessoas que negam a laicidade do Estado, e se eu nego, logo faço parte desse grupo. Só que aí entra a picaretagem - sim aqui temos um rótulo como Ayan gosta de dizer - ele fingindo que não entendeu o que quis dizer, coloca-me na "grande conspiração olavette" contra a política, não importando se eu tenho ou não algo em comum, ou objetivos políticos traçados em comum com grupos que de uma forma ou de outra ambicionam o mesmo. 

Existe uma clara diferença entre um acordo entre MBL e PSDB em prol de uma reforma econômica e em favor do impeachment de Dilma Rousseff, ainda que tenham vários outros pontos em discordância, e o desejo por reforma econômica do cidadãozinho que reclama na barbearia que os impostos são altos, ou que a inflação está alta. Obviamente, os supracitados grupos pretendem agir juntos para instrumentalizar o cidadãozinho sem ligações políticas em seu próprio favor, eis aqui a guerra política. Embora o exemplo mesmo ilustre que o cidadãozinho não tenha qualquer plano ou meio de ação para tal fim, e nem sequer desconfie que MBL e PSDB se apropriam de seu discurso para conseguir benefícios próprios nos pontos que têm em comum, ainda que MBL e PSDB não se entendam em outros, ou que o alheio cidadãozinho rejeite ambos os grupos como a peste.

Mas, como eu digo, de homonímia sutil em homonímia sutil, o falastrão enche o papo. Citando ainda Aristóteles no livro I e II da Política, ele endossa o que eu digo que o homem é um animal político, sim, eu concordo com ele! Tanto que no meu texto eu disse:
Política tem a ver (segundo minha percepção) com a concepção clássica de política, ou seja, a administração dos assuntos da polis, que envolve a busca pelo bem comum. Esse conceito que não existe na modernidade, em que o Estado é o fruto contratual da repartição política. Uma sociedade divida em partidos e blocos ideológicos que visam à implantação de programas de Estado e governo, que passam ao largo da ideia de bem comum, já que no fim das contas, quase todos são filhos de Maquiavel, como bem pontuou Jacques Maritain em “Cristianismo e Democracia”. É nesse contexto político que nasce a “guerra política” que Ayan exige e implora que eu faça parte.
Ou seja, ele se aproveita de fazer vistas grossas ao que eu entendo como política na modernidade, ou o que eu chamo normalmente no meu facebook de big politics, com a vida na polis! Ele teria total razão em me chamar de louco se eu negasse isso! O que eu estou negando não é a política enquanto trabalho humano na comunidade, algo que todos temos em comum, exceto talvez se você for um autista em mais alto grau, ou um ser vegetando. O que eu me recuso é em mudar minhas opiniões, refrear minha língua ou o que quer que seja, só porque isso seria contraproducente ou porque a realidade política (realpolitik) exige acordos realistas. Eu, no máximo, tento usar a realidade como contraponto para o que os católicos e cristãos em geral, mas mais especificamente os católicos, devem pensar e defender no intuito de mais agradar a Igreja, sobretudo em sua doutrina social, mas dentro daquilo que EU penso enquanto indivíduo, sem que isso signifique de maneira alguma, de que sou um membro ativo do laicato católico ou tenha uma organização cristã para atuar politicamente em proporstas factíveis no terreno da big politics.

Em outras palavras, aquilo que Ayan diz que eu nego como luta política, é justamente aquilo que ele diz que é negacionista em Maritain, que eu resumo no mesmo texto:

Ele (Jacques Maritain) mostra como as “famílias clânicas”, ao se encontrarem com outras, dão origem às tribos, que pela sua expansão demográfica e econômica, precisam “eleger” para manutenção da ordem, líderes políticos sobre os quais residirão o poder de coerção. É claro que eleger aqui não tem sentido democrático, essas representações nascem organicamente da interação entre as pessoas humanas dentro dessas sociedades, mergulhada na imperceptível teia de símbolos culturais que o abarcam.
Isso seria só uma contradição de quem num momento de fúria e descontrole emocional, haja visto todos os impropérios que lança contra mim, se não fosse pela sua tese de usar desonestidade intelectual grosseira com "boas intenções". Como pode ser a política em seu sentido clássico, uma negação da guerra política e simultaneamente ser um exemplo da guerra política, inclusive com uma mimosa citação do livro de Jó? Mistééério...

Isso para não falar no rótulo de Olavette o qual foi questionado e negado por mim em meu texto, o qual ele reafirma ad nauseam, sem nem nem mesmo entrar no mérito de discuti-lo. Diz ainda que eu me tenho acima da realidade e da importância que eu alego ter, quando no MESMO TEXTO, cita Roger Roberto que de modo bastante gentil pro desdém que lhe é peculiar, se recusa a me citar por que eu aleguei ser um indigno de tamanho quiproquó! Ayan acredita-se uma fortaleza inexpugnável, quando na verdade é cheio de contradições, as quais não apontei antes porque me dediquei ao desabafo.

Tendo pessoalmente a pressupor que o meu oponente erra por não entender, acompanhar ou conceber ainda que hipoteticamente as premissas as quais começo a raciocinar, e também, por desconhecer meus interesses. Por isso tanto no debate com Roger, quanto na conversa com Ayan, decidi expor um pouco do que sou e penso, para que o oponente tente se ater a realidade das minhas intenções. Este não é o caso de Luciano Ayan, obviamente. Como consequência Ayan se torna uma ilha de fúria e descontentamento, pelo simples fato de eu negar, pela mesma lógica dele (embora amparada em outros princípios), aquilo que ele tão entusiasticamente abraça. O próprio fato dele se dedicar com seus "abiguinhos" a me responder de forma tão forte, demonstra que ele dá a mim mais atenção do que eu de fato mereço, embora ele tente negar.

Sobre a laicidade do Estado: Entre o céu e o inferno, entre Marcos e Scar.


Na continuidade de um desnecessário debate envolvendo a hipótese que levantei do estado confessional católico e que gerou uma desproporcional polêmica (envolveu postagens dos ilustres Octavio Henrique, o apolítico mais politizado da existência, Roger Roberto a quem citei apenas a título de exemplo, já que debatemos em outras oportunidades e o pavio de toda essa situação extremamente improfícua, o sr Luciano Ayan, o analista político). O meu amigo de Minuto Produtivo Marcos Aurélio Lannes, a quem eu tenho na mais alta conta, escreveu uma réplica muito sábia, até para desvincular minhas opiniões das opiniões institucionais do site. Peço inclusive a ele, que faça um link para essa resposta na sua postagem, como uma "mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa" por fazer o site parecer algo que ele não é.

Marcos em seu artigo não percebe, mas o ideal de Estado Laico dele é similar ao de Jacques Maritain no livro "Humanismo Integral", em que o aparelho burocrático do Estado é controlado por pessoas desligadas do clero, em outras palavras, leigos, mas que por meio das leis favorecem o cristianismo. O Estado leigo de Maritain é um estado confessional disfarçado, eu, porém, discordo de Maritain e fico com Christopher A. Ferrara, autor dos magníficos "The Church and the libertarian" onde desmonta o "libertarianismo católico", cujas figuras mais emblemáticas são Thomas Woods Jr e Pe. Sirico; e "Liberty, the God that failed", um ataque tradicional católico ao liberalismo e também ao libertarianismo, cuja parte em que fala do Estado laico usei como fundamente para o texto que gerou todo esse quiproquó.

Minha discordância de Maritain é apenas na esfera ideal, isto é, numa hipótese do "mundo das ideias" platônico, numa conjecturação abstrata da Politeia, só que na forma que Santo Agostinho construiu em sua Cidade de Deus. Na realpolitk eu mesmo, caso fosse participar da "guerra política", buscaria o alvo mais tangível que é esse falso estado laico de Maritain. Algo que tanto Octavio e Ayan não entenderam, e que é determinante, é que eu não sou um player da luta política e o que EU FALO diz respeito a MIM MESMO e, no máximo, aos meus leitores. Não sendo, portanto, um personagem da luta política como é o sr. Ayan, não tenho qualquer obrigação de buscar objetivos pragmáticos.

Voltando ao meu caríssimo amigo Marcos, é evidente que ele tem razão, exceto por um ponto. Minha preferência por um Estado confessional, não segue o molde argentino e é uma forma muito sui generis, que tanto o meu grande amigo Renato Siqueira, os meus amigos Maurício Ribeiro e Leonardo Oliveira, quanto ainda o liberal de esquerda Vinicius Littig, com quem discuti outro dia sobre isso, podem constatar.

A minha proposta para quem ACOMPANHA o que posto não só no Minuto Produtivo ou aqui, mas também no meu perfil, é um Estado que mantenha a tripartição dos poderes, contudo, tendo apenas o executivo e o legislativo como laicos, o poder judiciário TODO seria um poder confessional cujos ministros da suprema côrte seriam indicados diretamente pelo sumo pontífice. Ora, mas isso é uma coisa intangível, diriam os "magos" do realpolitik. Sim! São abstrações. Mas como disse acima, eu não sou um player político.

Mesmo leis cristãs (ainda que o Estado não o seja oficialmente), como o caso da Hungria não são o bastante. A Lei Fundamental alemã, doravante constituição, é de derramar lágrimas em qualquer católico. Lê-la é ler um documento profundamente cristão e democrático. Contudo, a Alemanha é um dos países mais secularizados da Europa Ocidental. Contudo, não pode haver por muito tempo um povo cristão sobrevivendo ao lado de um Estado anti-cristão secularista, e por que? Simples, há um compromisso mútuo entre o Estado e o povo, cabe ao povo zelar pela confessionalidade do Estado e cabe ao Estado zelar pela confessionalidade do povo, isto está claro na Doutrina Social. Como o Estado, influenciado por liberais e socialistas dá espaço para o direito de alguém propor uma sociedade política não-cristã, então, ele dá espaço para que grupos possam procurar aquilo que é anticristão. A constituição alemã é precisamente este caso em que o Estado pode ser governado por pessoas que não lêem a constituição com os olhos cristãos que é necessário.

De resto, concordo com meu amigo Marcos, é importante termos instâncias médias cristianizadas para que se surta efeito qualquer pretensão, e temos um forte laicato católico atuando nesse sentido com pretensões políticas bastante claras e abertas ao contrário deste que aqui escreve.

Indo agora em direção Roger Roberto, disseram-me que ele escreveu um texto sem mencionar meu nome todo em respeito a minha autoproclamada insignificância, agradeço-o muito por isso e sinceramente, sem demagogia, e nesse sentido ele é muito superior ao sr. Ayan. A mesma pessoa que pediu a omissão do nome por me trazer  à ciência esse texto, disse que ele acusou-me de teocrata e de fazer o jogo da esquerda, disse ainda que minhas ações maculam a direita como um todo e atrapalham os planos dele, ou algo dessa sorte. E não, não faço name-dropping como o mesmo sugeriu. Falo assim pois não li o tal texto, apenas o que me foi resumido do mesmo pelo meu "abiguinho". 

Bem, eu não falo por ninguém a não ser eu mesmo e, como já disse, escrevo por hobby, não porque queira algo politicamente ou profissionalmente como desejam os demais. Se quisesse, teria aceitado ser escritor da muito visualizada The Distributist Review, de quem recebi convite. 



Se ele acha que eu os prejudico, bem, peço gentilmente que sempre que me usarem como exemplo de "mau direitista caricatural" em argumentações, que mostrem esse meu texto pra eles.

EU NÃO TENHO NENHUMA RELAÇÃO COM QUALQUER UM DELES, NÃO PRETENDO TER, E PREFERIRIA SER ESPANCADO POR COMUNISTAS A PEDIR QUALQUER AJUDA OU MESMO TROCAR MEIA DUZIA DE PALAVRAS COM QUALQUER UM DELES. EU FALO POR MIM, QUEM FALA PELA DIREITA SÃO ELES.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Economia Social de Mercado: Ela é liberal ou socialista?


Sempre que falo da economia social de mercado, liberais tendem a vê-la como uma espécie de social-democracia subsidiária e moralista; sociais democratas a vêem como mais um filhote do bicho-papão "neoliberalismo". Mas afinal, a ESM é liberal ou social-democrata?

Nenhuma das duas alternativas é a resposta. A nível de princípios, a ESM é hostil às premissas filosóficas das quais tanto liberais e socialistas começam seus raciocínios falaciosos. Como sugerida pelo papa João Paulo II na Centesimus Annus, e reforçada pelo papa Francisco na sua recente entrevista ao jornal francês La Croix, a ESM começa a raciocinar a partir dos conceitos de dignidade da pessoa humana, de princípios éticos como o do bem comum, que refletindo as virtudes cristãs, resultam numa economia mais do que livre e justa, mas também ética.

Nem a liberdade e nem a igualdade, como "princípios", encontram eco na ESM, pois nesses postos são apenas filhas do iluminismo e da revolução liberal. Mas sim os princípios da verdade, da moralidade, da justiça e do bem comum. Isso não quer dizer que a ESM aja num esnobismo intelectual pré-moderno negando os acertos que existem nas doutrinas econômicas modernas, ao contrário, elas estudam os erros modernos e extraem deles, alguns elementos da verdade que podem ser inseridos no pensamento da Doutrina Social da Igreja, de modo que estes estejam subjugados pelos verdadeiros princípios da Igreja Católica.

Isso quer dizer, em outras palavras, que não adotamos ideias de Hayek, de Keynes ou de Friedman porque elas são destas ou daquelas escolas de pensamento. Mas sim escolhemos (e também rejeitamos) suas ideias na medida em que elas não afrontam os princípios tomistas e agostinianos que embasam a santa fé católica, e são perfeitamente capazes de explicar a realidade.

Isto não é "ecumenismo modernista", que em nome de pequenos acertos nas heresias, engolem alguns junto com elas, muitas mentiras. Ao contrário, o esforço que tentamos fazer é similar aos dos nossos grandes santos, respectivamente, Santo Tomás e Santo Agostinho, quando estes ao estudarem o pensamento aristotélico e platônico, retiraram deles o que de virtuoso havia, rejeitando entretanto, o que de neles havia de pecaminoso e herético, a saber: o paganismo.

Como disse sabiamente Chesterton, o mundo moderno não está como está por falta de virtudes cristãs, mas sim pelo excesso delas, que desgarradas de sua fonte original, hoje andam por aí, caducas, e causam assim enormes estragos. A nossa proposta é recolher estas verdades e submetê-las de volta às rédeas de sua fonte original, o magistério da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.