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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Distributistas de coração


Após meu último artigo acerca do parecer da The Distributist Review sobre o ordoliberalismo ou economia social de mercado, em que eu disse que o parecer foi favorável, surgiram pontuações em contrário de que na verdade o parecer não teria sido tão favorável assim e que na verdade a ESM seria um mal menor.

Sim, é verdade. A Igreja é contra o liberalismo irremediavelmente, contudo a ordem liberal vigente está consolidada e derrubá-la é quase impossível sem uma grande tragédia social ou geopolítica. Como não temos perspectivas do crepúsculo da ordem liberal em um curto prazo, nem mesmo em longo prazo talvez, só nos resta manter a fé no colapso dessa ordem social para o tempo de Deus. Mas nem por isso devemos deixar de agir no agora para entregar às pessoas uma ordem social mais equilibrada, socialmente mais equitativa e economicamente mais livre. E dentro da ordem liberal só é possível através da Economia Social de Mercado. E é visando tratar da pessoa humana dentro dessa realidade que a democracia cristã age. Não é porque somos todos distributistas de coração que devemos esperar sentados até que o desmoronamento da ordem geopolítica comandada pelo liberalismo caia. Não temos previsões nem perspectivas de quando isso será possível e nem sabemos se teremos força política para substituir essa ordem social por uma economia localista e distributivista.

Falta ainda ao distributismo uma abordagem científica a nível macroeconômico e microeconômico para que ele seja uma proposta viável, remanescendo a teoria portanto como uma forma de filosfoia sobre a economia.

Portanto, não há contradição entre defender a economia social de mercado e distributismo. Se um dia a ordem social liberal cair eu também proporei o distributismo, mas até lá somos todos ordoliberais. Distributistas de coração, ordoliberais de prática.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Sugestões sobre como proceder em um ambiente partidário fragmentado


Desde que fui convidado a escrever para o Grupo de Estudos Ludwig Erhard, venho tentando encontrar um tema pertinente para discorrer. Após pensar (e dispensar) diferentes temas, decidi escrever sobre algo que já vinha estudando a algum tempo e que diz respeito muito mais a prática política cotidiana: a organização das forças políticas de direita, ou como formar uma “frente”.

Pessoalmente não alimento nenhuma falsa ilusão, porém não é segredo para ninguém que a Direita no Brasil é extremamente fragmentada, sendo mais ou menos representada por um partido de acordo com cada região. No sul do Brasil, onde resido, a força partidária significativa mais inclinada para a direita é o Partido Progressista, que por acaso sou filiado. Mas isso não se repete, por exemplo, no nordeste, onde é o Democratas (e o Partido Progressista é aliado do PT). Onde eu quero chegar com isso?
Se as correntes alternativas ao consenso político esquerdista atual querem fazer-se fortemente presentes na política nacional em um médio prazo, serão necessárias algumas ações pragmáticas para ganhar momentum. Existem necessidades organizacionais que vão desde a de um veículo partidário nacionalmente coeso, até programas de governo realistas para executar quando um democrata-cristão chegar ao poder em um município, por exemplo.

Não é coerente negar a superioridade dos movimentos de esquerda na questão organizacional na América Latina. Qualquer PCO da vida tem núcleos de estudos bem divididos para várias questões pertinentes a eles, além de um veículo noticioso (geralmente na internet) que dá sua versão para os fatos cotidianos e políticos sob o prisma de sua corrente política. Aprendamos com eles. Além disso, as esquerdas atuam em entidades como sindicatos, grêmios acadêmicos, cooperativas agrícolas e até em igrejas. Fazem política 365 dias por ano, enquanto as correntes de direita ou anticomunistas “saem das tumbas” de quatro em quatro anos  - para apoiar candidatos que não gostam ou confiam completamente. 

Grupos extrapartidário podem ajudar a superar fragmentação

Uma das maneiras que podem ser usadas para a superação deste problema da pulverização ideológica da direita é a criação de um ou mais grupos extrapartidários. Este think tank já é um grupo extrapartidário, visto que congrega pessoas de diferentes filiações partidárias e até com certa divergência ideológica. Mas a fundação do grupo extrapartidário com outras atribuições, como propaganda ideológica, ação social, atuação em partidos estabelecidos e criação de núcleos da Democracia Cristã dentro dos mesmos, criação de site de notícias e opiniões, entre outras iniciativas, podem levar a democracia cristã a influenciar os partidos, de fora para dentro, a adotar a democracia cristã como norte de atuação.
Como já foi exposto por Arthur Rizzi em outros artigos, acredito que a Democracia Cristã e o Ordoliberalismo são as orientações políticas ideais para a direita no Brasil, país majoritariamente Católico apesar de forte presença Protestante, e também pelas características do Estado Brasileiro. Porém duvido que a formação de uma nova legenda partidária somaria em algo atualmente, devido ao excessivo número de partidos e os interesses particulares que dominam cada uma delas regionalmente.

Mas apenas o grupo da Democracia Cristã seria insuficiente. São necessários diferentes grupos extrapartidários em diferentes temas (economia, política externa, estudo de conflitos militares recentes, problemas sociais) para a formação de uma “organização guarda-chuva” da direita, que desta forma pode servir como embrião de um partido de centro-direita. Não é realista para o momento histórico-político que as forças anti-socialistas atuem de forma descoordenada pelo simples fato de ainda serem insipientes.

Basta lembrarmos que partidos europeus, como o Partido Popular espanhol, o CDU/CSU Alemão, CDS-PP português, entre outros, nasceram desta maneira   com diversas correntes (liberais, conservadores, nacionalistas moderados, democratas cristãos) representadas, dentro de um contexto histórico de forte ofensiva esquerdista contra estas correntes. Assim, através de grupos extrapartidários, que influenciem os partidos desde fora (a atuação político partidárias dos membros torna-se essencial, mas apresentando as propostas do grupo extrapartidário dentro de sua legenda de preferência) pode ser uma das formas de dar algum tipo de coordenação ou base comum aos conservadores, liberais e democratas cristãos espalhados por tantas legendas nos quatro cantos do país.   
  Eis algumas atividades que poderiam ser realizadas pelo grupo extrapartidário:

1 - Grupo de estudos para adequação das propostas da Democracia Cristã à realidade nacional

São necessários estudos de viabilização e adequação das propostas Democracia Cristã ao ordenamento jurídico que rege a administração pública no Brasil. A centralização do Estado Brasileiro, o pacto federativo atual e até a intromissão dos Ministérios Públicos nas gestões municipais e estaduais limitam e muito a margem de discricionariedade dos ocupantes de cargos executivos. Afinal de contas, o espaço de manobra para um prefeito ou governador implantar algo diferente do que é feito atualmente é muito pequeno.

Observação: As vinculações das peças orçamentárias dos entes federativos à saúde e a educação, por exemplo, além da folha de pagamento (que gira em torno de 50% de uma prefeitura economicamente “saudável”) é um entrave para qualquer aporte de maior monta a investimentos ou programas inovadores e/ou ideologicamente orientados em direção diversa. O resultado é a necessidade dos prefeitos e governadores buscarem financiamentos e aportes de receita proveniente do Governo Federal e do legislativo, o que em muitos casos gera a “castração ideológica” da maioria deles. 

2 – Atuação Social  

Um grupo extrapartidário Cristã poderia e deveria atuar em ações sociais. A internet facilitaria a difusão de conteúdo, documentos em .pdf ou audio/vídeo, educação à distância, entre outras ações. Além é claro atuação em outras entidades da sociedade civil que o membro pode estar inserido (igreja, universidade, sindicato).

3 – grupos de pressão

A Democracia Cristã pode atuar com outros grupos em diversas demandas. Diminuição do estado junto dos liberais, ações pró-vida com grupos conservadores e religiosos, entre outras demandas com outros aliados.  O livre trânsito de ideias é necessário para uma opção política marginalizada possa encontrar aliados potenciais em suas diversas visões.

4 – Propaganda e contrapropaganda (autoexplicativo).

Este não é nenhum modelo fechado e as formas de atuação podem variar de acordo com a  disponibilidade de tempo ( até de dinheiro) dos membros do grupo. Mas acredito neste modelo de atuação como forma de aprofundar a ação política dos democratas-cristãos, assim como outras correntes “marginalizadas” no Brasil, já que estas técnicas podem ser empregadas por qualquer ideologia. É um pequeno passo. Quem sabe, estes grupos podem ser o embrião de um grande partido de centro-direita para o Brasil. Qualquer sugestão ou crítica a estas linhas é muito bem vinda.

Em tempo, aproveito o espaço para desejar um feliz ano de 2016 para todos os leitores do Grupo de Estudos Ludwig Erhard e aos simpatizantes da Democracia Cristã no Brasil. Agradeço também ao Arthur Rizzi pelo convite para escrever neste espaço e paciência para com a demora de postá-lo.



domingo, 27 de dezembro de 2015

The Distributist Review sobre o Ordoliberalismo.


Os amigos e leitores desse blog sabem que sou um estudioso da Economia Social de Mercado e do Ordoliberalismo de Freiburg e, por tabela, do distributismo. Um dos sites que muito leio sobre o distributismo é o The Distributist Review, um site de inegável qualidade e de ainda mais notáveis estudiosos e colunistas sobre a Doutrina Social da Igreja.

Curioso com o parecer dos mesmos sobre o Ordoliberalismo fiz uma pergunta a eles pela página do facebook que foi gentilmente respondida. A pergunta em síntese era: Qual a opinião da revista eletrônica ou de seus autores e colaboradores sobre outras formas de economia que, embora não sendo distributistas, receberam influências da doutrina social da Igreja como o Ordoliberalismo e a Economia Social de Mercado?

A resposta do site tradicionalista católico manteve a diferença entre democracia cristã e tradicionalismo católico, mas foi notoriamente positivo quanto a economia social de mercado/ordoliberalismo. Confira!
In the U.S., Msgr. John Ryan and the New Deal are pretty much the same thing. The basic idea is that the market (liberalism) must be ordered to the common good by positive government action. 
Ordoliberalism enshrines liberalism, which is unfortunate, but if you have to have liberalism, this is the only kind that works. I don't think a distributist, qua distributist, can be an ordoliberal; but insofar as he or she is a citizen of a liberal state, he must be an ordoliberal as a kind of pragmatic sanction; it is the only kind of liberalism that actually works. At least this kind of liberalism puts limits on itself, and unrestricted liberalism would be the destruction of all society. 
One could argue that ordoliberalism could serve as a halfway house to distributism, or at least a means of maintaining and protecting distributist endeavors from capitalist predators. Whether that is true or not could be determined, I suppose, by examining Germany, Switzerland, and similar economies to see if it actually does.

Em resumo, traduzindo a parte central: "O ordoliberalismo santifica o liberalismo, o que é uma infelicidade, mas se você tem que ter liberalismo, essa é a unica forma que funciona. Eu não penso que um distributista possa ser um ordoliberal, mas enquanto ela ou ele for cidadão de um estado liberal, ele deve ser ordoliberal por razões pragmáticas. Pois pelo menos esse tipo de liberalismo põe limites em si mesmo e o liberalismo irrestrito seria a destruição de toda a sociedade."


O ordoliberalismo tenta enquadrar o livre mercado dentro de um ornamento legal e jurídico que tenha fundamentação ética e moral, concorda em completá-lo com um estado social subsidiário e levanta-se em defesa da concorrência e da pequena propriedade, como demonstra a reforma agrária feita da Alemanha Ocidental.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Por que a democracia cristã é a alternativa mais eficiente na luta contra a degeneração social?


A análise que a redijo é baseada nas análises combinadas da história das ideias econômicas de Alceu Amoroso Lima, um prodigioso democrata cristão brasileiro, e do historiador David Priestland, um especialista em comunismo mas que escreveu um maravilhoso livro-ensaio chamado "Uma nova história do poder: guerreiro, comerciante e sábio" em que analisa a história dos grupos que detêm o poder no mundo a partir da ótica do conflito entre castas que existem desde o início das mais variadas civilizações, mas que com o passar dos anos e o avançar da técnica e da cultura foram se tornando mais flexíveis e imateriais.

Alceu Amoroso Lima nos revela a grande chave da compreensão da interrelação entre economia e moralidade social em "Introdução a economia moderna", livro publicado em 1933 mas que apesar das atualizações que lhe necessitariam ser feitas, mantém sua tese central incólume: Quando a economia (economismo nas palavras de Alceu) se torna o centro da vida social, a sacralidade que permeia a vida e as relações humanas decaem, e decaindo com ela, a moralidade pública. Há uma enorme coincidência de períodos de ascensão e queda do economismo com os períodos e que o comerciante (e suas variáveis no tempo) governou no mundo de acordo com a análise de Priestland em sua obra. O valor do comerciante é o economismo e a dessacralização, de modo que a busca incessante pelo lucro a todo custo o faça procurar eliminar as barreiras sociais que o impedem de alcançar seu fim. Essa oposição entre o economicismo e a sacralidade da vida, do homem e da Terra também pode ser vista no livro "O Rosto de Deus" de Roger Scruton. No esquema que veremos abaixo, isto ficará claro e como barrar o comerciante embora necessário nessa área não é suficiente se não nos defendermos da esquerda.

O período atual é marcado pelo questionamento feito a aliança entre o sábio-criativo sacramentado com a queda da URSS em 1991, o sábio-criativo é notadamente progressista culturalmente, porém receoso (mas não muito) com o mercado [liberais-sociais] e o comerciante brando, tipicamente cosmopolita e alheio (ou mesmo progressista) a critérios morais e culturais, porém fundamentalista de mercado. De acordo com Priestland, o sábio-criativo começou a preencher os partidos de centro-esquerda na década de 90 como resposta ao sucesso que o cosmopolitismo do comerciante brando teve contra a velha esquerda tendo o liberalismo econômico como sua bandeira. O comerciante brando cosmopolita, influenciado por Ayn Rand, como mostra Priestland, invadiu em peso os partidos conservadores durante a década de 80 a ponto de tornar confusa a distinção entre libertário, liberal e conservador nos países anglófonos. O resultado é que após no decorrer da década de 90, com a velha esquerda derrotada, uma aliança surgiu em torno do sábio-criativo e do comerciante-brando em detrimento do trabalhador, do guerreiro, do comerciante firma e do aristocrata.

O sábio-criativo, progressista, cria todos os dias formas novas do comerciante brando lucrar às custas da degradação cultural e moral da sociedade, o comerciante brando, alheio ao conteúdo moral e cultural (ou favorável a corrosão da moral religiosa como apoiado por Ayn Rand), que é profundamente preenchido por valores religiosos vê com os bons olhos o resultado prático dessa aliança. Grandes empresários descobriram que o aborto é lucrativo, que mercantilizar o corpo humano como no caso da Planned Parenthood é benéfico às suas economias. O público gay tem um enorme potencial de consumo, por isso a Boticário e as empresas de cosméticos vêem com bons olhos que eles saiam do armário em números cada vez maiores. O empresário lucra com a destruição da moral e da tradição e emprega o sábio-criativo nessa empreitada.

Mas é claro, este movimento é tipicamente anglo-saxão, em alguns países o comerciante brando não tem tanta força, como resultado a parceria é entre o sábio-tecnocrata e o comerciante brando. Se nos EUA e na Inglaterra o comerciante emprega o sábio-criativo no estilo Steve Jobs, comandando-o. Na Escandinávia o comerciante brando é o engordador do Estado progressista. Na Suécia o estado é que é a força de corrosão moral; isso se deve ao fato de que somente a democracia cristã e a social democracia segundo Priestland conseguiram oferecer resistência ao avanço do comerciante.

Contudo se no acordo liberal novo clássico dos Estados Unidos e da Inglaterra a moral está sendo destruída diuturnamente, no acordo social-democrata escandinavo é inclusive pior, pois é feito pelo Estado. Na democracia cristã o sábio-tecnocrata fez um acordo com o trabalhador, com o comerciante brando e com o aristocracia paternalista (PRIESTLAND, 2014, p.162), e graças a isso conseguiu colocar em contato a moralidade forte do aristocrata-paternalista e do trabalhador no governo das ações do comerciante brando. O exemplo especialmente dado pelo autor são a Alemanha e a Itália no pós-guerra.

Contudo, ao invés de ficarmos apenas em termos abstratos, vamos materializar essas castas. A aristocracia paternalista é a classe política remanescente da República de Weimar, o sábio-tecnocrata (embora sábio-ideólogo também fosse aplicável) representa os grupos democratas-cristãos e ligados a Igreja Luterana e Católica. Os trabalhadores, inicialmente, eram majoritariamente os trabalhadores do campo, com o tempo de governo da CDU, contudo, o apoio a democracia cristã começou a ganhar espaço nos sindicatos de trabalhadores urbanos também, majoritariamente aliados ao SPD. O comerciante brando, temeroso quanto ao socialismo correu em busca da proteção dos democratas cristãos e graças a isso nasceu um acordo que simultaneamente tinha preocupações com a economia de mercado, com o estado de bem-estar social e com a moralidade social. 

Para testar a efetividade dessa acordo na hipótese de Priestland, decidi consultar os mapas do censo alemão, pois a CDU foi o partido que mais gabinetes teve desde o fim da segunda guerra mundial. E para surpresa a religião ainda tem uma força considerável na Alemanha ocidental, especialmente na Bavária.


Alguns dados podem ser coletados desse mapa:

1- A pregação materialista-dialética marxista e a perseguição a religião teve efeito enorme na antiga RDA.
2- As regiões mais fortemente protestantes são as que sofrem com um processo de secularização mais rápido.
3- Se excluirmos a antiga RDA da média, o número de religiosos atinge proporção similar a de países como Itália, Portugal e Espanha onde o catolicismo é mais forte.

Em suma, o mundo ocidental hoje tem como alternativas o liberalismo/libertarianismo que não se importa e até incentiva a corrosão moral, a social-democracia que assim como a primeira incentiva a corrosão moral via impostos e a democracia cristã como a única que conseguiu barrar a elite econômica liberal nesse processo. Os velhos conservadores-liberais britânicos por depositarem sua fé no comerciante brando sucumbiram, haja visto que o Partido Conservador britânico liderado por David Cameron legalizou a união civil gay em seu país, coisa que Angela Merkel tem evitado a todo custo fazer na Alemanha. O comerciante firme que poderia dar alguma ajuda aos conservadores liberais agora procuram apoio em partidos tidos como nacionalistas e mais próximos das castas guerreiras, como a Frente Nacional na França e o UKIP na Inglaterra. Os operários que se sentiram esmagados pela austeridade procuram apoio ou em partidos nacionalistas como a Frente Nacional ou em partidos de extrema-esquerda como Syriza. Na Alemanha, a crise alterou pouco o status da CDU que conseguiu manter o pacto social da Economia Social de Mercado que lhe deu o posto de partido que mais governou a Alemanha desde 1948.

Grupos nacionalistas e velho trabalhistas certamente são grupos válidos enquanto alternativas, mas possuem uma aura autoritária que podem se tornar indesejáveis a longo prazo. Por essa razão, hoje mais do que nunca, a Democracia Cristã é o melhor caminho na luta contra a degeneração social. Contudo somente se proteger do comerciante não basta, é necessário se proteger da esquerda também, para que o que ocorreu na RDA e na Social-Democracia dos burocratas aconteça conosco também.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Não há uma terceira via?

Este texto é uma tradução do texto "No third way" feita pelo amigo Guilherme Pöttker.

Liberais econômicos na Igreja Católica freqüentemente citam a encíclica social Centesimus Annus (doravante, CA) do Papa São João Paulo II para afirmar que a Doutrina Social da Igreja Católica não é uma "terceira via" entre e além do comunismo/socialismo e o capitalismo. Na verdade, depois da publicação da CA, o falecido Pe. Richard John Neuhaus, escrevendo para The Wall Street Journal, chamou essa perspectiva de terceira via de "um sério erro". No vigésimo aniversário da encíclica, George Weigel triumfantemente proclamou na First Things que a CA "abandonou fantasias de 'terceira via católica". Posto que a expressão "terceira via" não aparece em lugar algum da CA, a base textual dessa afirmação é questionável. Geralmente, os liberais econômicos citam o seguinte:

« Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?


A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade no sector da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa. (...)(§42)


A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das diversas situações históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos os seus aspectos sociais, económicos, políticos e culturais que se entrelaçam mutuamente [84]. A esse empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal indispensável, a própria doutrina social que — como se disse — reconhece o valor positivo do mercado e da empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que estes sejam orientados para o bem comum.(...)(§43) »

O problema com essa e outras passagens da CA que superficialmente parecem endossar o capitalismo de livre mercado é que elas são freqüentemente divorciadas do resto do texto e, de facto, do resto do magistério social da Igreja. Como escreve Thomas Storck no seu excelente 'What Does Centesimus Annus Really Teach?' (N.T.:'O que a Centesimus Annus Realmente Ensina?'), publicado no Distributist Review em 21 de Fevereiro de 2009, essas passagens não endossam a plenos pulmões o capitalismo desregulado, e, na verdade, o texto da CA indica que o ocaso do socialismo não implica o triunfo do capitalismo. Eis o que afirma Storck:

« Relevante a isto também é a seguinte passagem ignorada na Centesimus, que realmente esclarece que João Paulo não decidiu que a opção capitalista é a única que restou: "Como vimos lá atrás, é inaceitável a afirmação de que a derrocada do denominado «socialismo real» deixe o capitalismo como único modelo de organização económica." Na verdade, se alguma economia atual é elogiada na Centesimus Annus, é a "economia social de mercado" da Alemanha Ocidental. »

Richard Aleman, noutro texto excelente, 'The Continuity of Centesimus Annus' (NT.: 'A Continuidade de Centesimus Annus'), publicada no Distributist Review em 22 de Setembro de 2011, põe à prova aquela supracitada alegação de Weigel, argumentando, contra os liberais econômicos, que a CA é uma continuação do magistério dos Papas Leão XIII e Pio XI, ao invés de uma ruptura radical. Ao fazê-lo, Aleman permanece fiel ao chamado do Papa Emérito Bento XVI à leitura do magistério da Igreja segundo uma hermenêutica de continuidade. Em que pese muitos liberais econômicos insistam que esse é o modo correto de interpretar o Concílio Vaticano II, muitos parecem implicitamente rejeitar tal hermenêutica na esfera social. Por quê? Seria porque pontífice algum jamais aceitou a sua cosmovisão liberal, que totaliza o mercado e alega - falsamente - que as "descobertas" da "ciência econômica" superam as prescrições morais da Santa Igreja Católica? Qualquer que seja seu raciocínio, persiste o facto de que liberais econômicos, mais do que nunca, estão-se esforçando para manter a aparente pureza de suas questionáveis doutrinas a despeito de freqüentes lembranças pelo Papa Francisco de que a lógica da ganância, amparada numa perspectiva utilitarista, não é aceitável em um mundo onde Deus ainda reina como Senhor e Rei.

domingo, 29 de novembro de 2015

Você como PIB sim! – Parte dois.


Uma pessoa que é muito especial para mim, me perguntou esses dias o porquê dos alimentos estarem tão caros, e me citou o caso do açúcar que na região dela, num curto período de tempo subiu seu valor na bagatela de três reais. Inspirado pela pergunta dela, decidi fazer uma segunda versão do artigo "Você come PIB sim!".

Para analisar o conjunto da obra devidamente, precisaríamos de dois artigos desse, mas vamos aos efeitos primários sobre o preço. Ou seja, aqueles que são mais imediatos antes de entrarmos nas divagações macroeconômicas que muito me alegram.

O leitor cristão deve estar familiarizado com a história de José, hebreu que se tornou governador no Egito. José após sete anos de bonança estocou alimentos para os sete tenebrosos anos de seca e fome que se abateriam sobre as terras do Egito. A medida tomada por José garantiu a sobrevivência dos egípcios e dos hebreus nesse período. Nosso governo, bem como o egípcio viveu anos de bonança, mas não fez a lição de casa como José.

Embora não falte comida para as pessoas, a disponibilidade dos alimentos ficou menor e, portanto, mais caro comprar a cesta básica. Seca, combustível e câmbio são os fatores determinantes desse encarecimento. Parte da culpa é da natureza, mas não podemos eximir o governo de culpa também.
Primeiro de tudo. É ano de El Niño, o que produz pouca chuva nas regiões sudeste, parte do centro-oeste e no nordeste onde o cultivo da cana-de-açúcar é maior que no sul e no norte. Com isso, há menos água a disposição para as plantações e o plantio da cana-de-açúcar consome muito mais agua que o Eucalipto, por exemplo. Um verdadeiro bebedor! Com menos água a disposição de uma cultura tão necessitada deste elemento, o desenvolvimento do plantio não segue seu curso ótimo. Com isso a oferta de açúcar cai substancialmente. Quando a oferta cai, porém a demanda mantem-se inalterada, os preços sobem.

Com a diminuição da oferta de cana-de-açúcar a indústria do etanol passa a competir por esse recurso escasso na produção de combustível, some-se a isso o encarecimento da gasolina devido aos inúmeros impostos colocados sobre ela, além do reajuste natural dos preços depois de um congelamento improfícuo feito pelo governo. Ou seja, como a gasolina está cara, as pessoas (que desde 2005 compraram preferencialmente os carros flex, que usam tanto gasolina quanto álcool) escolhem o álcool que também está mais caro. Ou seja, sobe-se a demanda por um produto que, embora caro, ainda está mais barato que a gasolina. O aumento da demanda pelo etanol encarece ainda mais os derivados da cana-de-açúcar.

Gasolina, óleo diesel e etanol mais caro encarecem também o transporte rodoviário. Com isso o frete sobe e, com isso, os preços administrados ao consumidor também. Outro fator que encarece é de ordem macroeconômica, o câmbio. Com o câmbio desvalorizado (o dólar pode comprar hoje quase quatro reais), adubos e pesticidas que são importados ficam mais caros, com isso, para compensar a diferença o produtor adiciona o desnível ao preço. Outro fator que encarece a produção é a energia elétrica. Como a demanda por eletricidade é majoritariamente inelástica, de forma que alterações no preço não provocam reduções substanciais de consumo, a tendência é que o consumo siga mais ou menos estável na cadeia produtiva provocando o encarecimento do custo de produção. Com a produção ficando mais cara, é claro que o produtor descontará a diferença nos preços administrados ao consumidor.

Mesmo o feijão ou o café sofrem influências. A produção das embalagens são feitas com compostos plásticos oriundos do petróleo que como mencionei acima se tornaram mais caros. E para a sua produção demanda-se energia elétrica, que se tornando mais cara, agrega custo ao produto. O maquinário responsável pela produção das embalagens, por exemplo, também possui peças fabricadas no exterior, que para serem compradas ou reparadas demandam a conversão do real em dólar que está hoje num cenário desfavorável. Desde 1999 com a adoção do tripé macroeconômico, a economia brasileira prosperou bem até meados de 2009, que com a crise dos Estados Unidos, fez com que o governo usasse esse evento como desculpa para inserir uma nova matriz econômica baseado em aumento de gasto público, juros baixos e concessão de crédito e políticas públicas voltadas para estimular o consumo, como o caso do programa Minha Casa Melhor.

Essa alteração fez com que dinheiro novo inundasse o mercado empurrando a inflação para cima, o governo para evitar que a inflação passasse o teto da meta, começou a controlar o câmbio com mais constância, e ainda aumentou o gasto público em programas como o PAC. Os resultados foram apenas de curto prazo. Em 2010 o governo registrou um crescimento de 7,5% do PIB. Ilusão que serviu de gritaria governista.

Primeiro, porque em 2009 o governo veio de uma base muito baixa, uma retração de 0,3% do PIB provocada pela crise de 2008. A crise representou apenas um contratempo no comércio mundial, entretanto como o capital físico e a infraestrutura já existiam, ficou fácil retomar o crescimento no ano seguinte. Contudo, em 2011 a desilusão veio. O PIB crescera apenas 2,6%, o governo encarou como se fosse normal um crescimento abaixo de 3% se ignorarmos a recessão de 2008, algo que não se repetia desde 2002, quando o governo ainda enfrentava a “crise Lula” e os estilhaços da recente crise Argentina.

Em 2012 o cenário se deteriorou mais ainda, o PIB cresceu apenas 0,9%. Segundo Marco Antonio Villa em “Década Perdida”, o crescimento foi apelidado pela oposição de PIBinho. A situação em 2013 melhorou um pouco com os sinais de recuperação da Zona do Euro, novamente o PIB fecharia na casa dos 2%, contudo por pouco tempo. As “Jornadas de Junho” derrubaram a popularidade da presidente, instaurou um clima de desconfiança política no país. A China desacelerava substancialmente seu crescimento e passava a reduzir drasticamente sua compra de commoditties brasileiras. O intervencionismo, a corrupção e a política de monopolização artificial de mercado (política de campeões nacionais) retiraram o restante de confiança na economia brasileira. O resultado? O PIB encolheu novamente, 0,1% em 2014.


E por fim, chegamos a 2015, onde o governo luta com o congresso para passar um ajuste fiscal que seja mais complexo do que a simples subida de impostos feita no desespero pelo ministro Joaquim Levy. Em suma, os anos de bonança passaram e diferentemente de José, o governo nada fez. Desde de 2014 ingressamos na era das vacas magras e as previsões mais otimistas para sairmos dela estão nos distantes 2017 e 2018. Em 2015 o resultado a economia está selado: Queda de 3,5% no PIB. Isso significa menos bens e serviços em circulação e com inflação alta! Tal cenário é conhecido como estagflação. Eis onde estamos.

sábado, 28 de novembro de 2015

EDITORIAL - Por que não somos liberais?

Obviamente somos liberais em economia, fazemos parte de uma das mais influentes escolas de economia da Europa: A escola de Freiburg e o ordoliberalismo, do qual nasce a Economia Social de Mercado. Muitos de nossos melhores autores trabalharam com Friedrich Hayek como é o caso de Wilhelm Röpke e Walter Eucken. 

Então, por que esse título?

Simples. Desde 2013 o termo liberal vem sendo designado para todos aqueles que defendem um estado mínimo, uma minarquia (libertário e liberal vem se tornando sinônimo por aqui), como se alguém que defendesse uma economia de mercado aberta e competitiva, mas que adicionasse outras funções ao Estado fosse um comunista. No Brasil adotou-se essa mentalidade de que a ala mais radical da Escola Austríaca de Mises e seus seguidores como Robert Nozick fossem o verdadeiro liberalismo enquanto quem pensasse diferente fosse um socialista.

Nesse sentido não somos liberais.

1- Acreditamos em impostos moderados limitados a no máximo 40% do PIB.
2- Acreditamos num Estado Social Subsidiário.
3- Acreditamos em mecanismos de observação e fiscalização do mercado bem como no combate aos monopólios orgânicos e artificiais.

Contudo, adotamos muitos postulados do pensamento neoclássico:

1- Acreditamos no livre mercado.
2- Acreditamos que o Estado não deve ser empresário, mas sim observador do mercado.
3- Acreditamos na estabilidade de preços, no combate a inflação e numa moeda estável.
4- Acreditamos na desburocratização e na facilitação do empreendedorismo.
5- Acreditamos na subsidiariedade e na descentralização administrativa.
6- Acreditamos que o Estado deve ter um orçamento equilibrado e responsável, sem gastar de mais nem de menos.

Se você concorda com esses postulados você é um ordoliberal. Nos consideramos liberais em economia, contudo, o crescimento do radicalismo imaginativo de certos grupos nos faz ficar mais próximos do centro do que dos porta-vozes de grupos que se dizem economicamente liberais.



Socialismo x Economia Social de Mercado - Um paralelo histórico-econômico.

"O que acontece quando se junta as lições distributistas da DSI com a fundamentação econômica neoclássica?"

Como demonstrei nesse artigo (também publicado no nosso site parceiro Minuto Produtivo) a Economia Social de Mercado da Alemanha Ocidental era muito mais eficiente do que os socialistas supunham, de modo que as acusações de que a vitória se devia exclusivamente a RFA ter recebido suporte dos Estados Unidos é falsa.

Embora de fato o Plano Marshall tenha tido influência positiva, ainda no começo já era possível ver a superioridade alemã ocidental sobre a Alemanha Oriental. Segundo o historiador Stephen Kotkin (2013, p.88), em 1956 a RDA – Alemanha Oriental – emitiu seu primeiro boletim econômico, e para surpresa de todo o Politbüro, a renda dos alemães ocidentais já era superior à dos alemães orientais E muito! Quase duas vezes!

Ambos os lados da Guerra Fria herdaram uma economia arruinada pela guerra e pelo nazismo. O que afinal havia acontecido? Além do Plano Marshall, algo com que a RDA não pode contar, a RFA tinha um modelo mais eficiente economicamente do que sua contraparte comunista. Segundo Kotkin (2013, p.89-90) a Alemanha Ocidental estava registrando crescimentos na casa dos dois dígitos enquanto a Alemanha Oriental não conseguia acompanhar o mesmo ritmo, segundo as próprias palavras do mandatário do Partido Comunista da República Democrática Alemã:
Em última análise, não podemos escolher contra quem gostaríamos de competir [...] A expansão econômica na Alemanha Ocidental, que é visível a todo cidadão da RDA, é o principal motivo pelo qual cerca de 2 milhões de pessoas deixaram nossa república ao longo dos últimos dez anos.
O processo econômico que em 1961 viria a levar o SED (Partido Comunista) a erguer o temível Muro de Berlim, que ceifou a vida de mais de novecentas de acordo com Courtois (2006) pessoas que tentaram o atravessar, estava fadado a acontecer inevitavelmente, devido à superioridade da economia social de mercado em relação ao planejamento centralizado na burocracia estatal do partido.

Tal fracasso econômico do socialismo é aceito até mesmo pelos sociais democratas da Alemanha Ocidental, como nos mostra o historiador da economia francês Jacques Brasseul (2010, p. 263):
As teorias marxistas perdem definitivamente a partida no Ocidente quando,em 1959, no congresso do SPD alemão, são abandonados dois pontos essenciais da doutrina a luta de classes e a coletivização dos meios de produção. Embora essa revolução reformista tenha começado com Eduard Bernstein desde o final do século XIX, só nessa altura, com Willy Brandt e Helmut Schimidt, será encetada a adoção de um socialismo liberal:[...]
O surgimento de um consenso entre democratas cristãos e sociais democratas em relação ao capitalismo, fez com que a eficiência da economia social de mercado em se portar como uma terceira via entre o laissez faire e o socialismo fosse reconhecida pelos alemães por uma palavra: wirstchaftswunder – milagre econômico.

De acordo com o economista Antônio Delfim Netto (1990, p.90), o milagre foi de tal monta que garantiu uma média de crescimento bastante elevada, comparáveis aos da China na última década. Pois, de acordo com ele “nesse período, o crescimento real da Alemanha foi de 7,0% ao ano, o dobro das demais economias desenvolvidas. E, por isso, foi chamado de o "milagre alemão".” Entretanto, esse consentimento só veio a existir após anos de sucesso econômico ordoliberal, o que não impediu uma oposição feroz dos sociais democratas nos anos iniciais.

O colapso da RDA ocorreu num passe de mágica, subitamente e para a surpresa de todos, não por acaso sendo chamado (assim como 1991) de annus mirabilis. Contudo aquele era um colapso que, mais dia menos dia, não se poderia mais evitar. Durante décadas, o regime da RDA conseguira ocultar a situação econômica desastrosa em que se encontrava o país. A RDA: décimo maior país industrializado do mundo? Não passava de propaganda política! Em suas memórias, Helmut Kohl chama isso de uma “das dez maiores manobras de engodo do século XX.”

Alguns dados mais podem ser obtidos com Bernhard Vogel (2009, p.12) que complementa a inferioridade econômica da RDA com comparações entre a pujança industrial do ocidente em relação ao oriente.
No início, ninguém podia saber ao certo como a realidade ali realmente era tenebrosa. Hoje sabemos: em 1990, apenas dois por cento das empresas da RDA eram competitivas no mercado internacional. A produtividade da economia alemã-oriental – dependendo da estimativa – representava de 13 a 30% da economia alemã-ocidental. Os equipamentos industriais já se encontravam fortemente obsoletos: em 1988, o seu tempo de utilização alcançava em média cerca de 26 anos. Em 1989, mais de 50% dos equipamentos tinham mais de 10 anos (na Alemanha Ocidental: 30%), apenas 27% tinham menos de 5 anos na Alemanha Ocidental: 40%). Se não tivesse chegado a “virada”, não mais teria sido possível ocultar “a declaração juramentada de insolvência” do país. 
E não obstante tamanho fracasso o sucessor do SED, o Die Link (Um PSOL piorado devido ao seu passado negro), durante a crise de 2009 elevou o coro contra a economia social de mercado proclamando a morte do capitalismo social da Alemanha. Mero delírio, a Alemanha sobreviveu e sobreviveu bem a crise, pois no fim das contas, foi a única que fez o dever de casa corretamente.

Há, portanto, uma esperança para o Brasil. Não podemos aceitar discursos alucinados de minarquia libertária de malucos delirantes da escola austríaca nem o socialismo desumano, cruel e ineficiente. A sociedade não é um experimento social para aplicarmos modelos fracassados como se por passe de mágica fossem dar certo da noite para o dia. De 1822 a 1930 o estado brasileiro tinha uma taxa de impostos que mal chegava a 10% do PIB e o país vivia numa penúria terrível. Na Venezuela vemos o caos, o autoritarismo e a miséria crescente promovida pelos socialistas bolivarianos. Por isso, apoio uma terceira via para o Brasil. Terceira via nascida da junção entre o distributismo e sua filosofia de descentralização de poder político e econômico e da fundamentação teórica da economia neoclássica, em suma,  uma economia de mercado verdadeiramente social.

  • REFERÊNCIAS
BRASSEUL, Jacques. História Econômica do Mundo: Das origens aos subprimes. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2010.

COURTOIS, Stéphane; NEUBERT, Erhart et al. Cortar o mal pela raiz! História e memória do comunismo na Europa: Os crimes da RDA. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006


KOTKIN, Stephen; GROSS, Jan T. Sociedade Incivil: 1989 e a derrocada do comunismo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2013.



NETTO, Antônio Delfim. Moscou, Freiburg e Brasília. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990.

VOGEL, Bernhard. Cadernos Adenauer: Economia Social de Mercado e crise dos bancos. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, edição número 3, 2009.

domingo, 8 de novembro de 2015

Descentralizar sim, pero no mucho.

Já discuti bastante isso com meus amigos, inclusive com o Arthur, presidente do Grupo de Estudos e ao que parece chegamos a uma conclusão. No nosso país a descentralização é importante, mas não pode ser feita agora e nem nos moldes liberais.

Digo, é importante descentralizar, mas essa descentralização administrativa deve ser feito onde haja suficiente desenvolvimento humano e segurança pra propriedade privada, para que assim se evite o coronelismo, o voto de cabresto.


Arthur Rizzi neste brilhante artigo demonstrou que a descentralização precipitada feita pelos estúpidos liberais no Império criou o coronelismo. Ele está certo. Hoje a descentralização deve proceder de maneira gradual e onde haja maior urbanização, maior educação, onde a propriedade privada seja melhor resguardada e onde ela esteja melhor distribuída. Após analisar alguns dados chego à conclusão de que somente no sul e no sudeste isso pode ser feito satisfatoriamente. No centro-oeste pesam algumas dúvidas. Lá ainda é um território muito dominado pelo latifúndio, embora a urbanização tenha crescido muito no país e especialmente lá desde a construção de Brasília, nossa nova e anti-popular capital. O desenvolvimento humano nessa região segundo os dados do IBGE constituem um meio termo entre sul-sudeste e norte-nordeste. Talvez a descentralização faça bem a essa região, mas pode dar errado, isto dependerá de qual dos dois lugares ela se aproxima mais. Do centro desenvolvido do país, o eixo Sul-Sudeste ou do eixo subdesenvolvido do país, o eixo Norte-Nordeste.

O Norte e o Nordeste são casos complexos. A urbanização nessas regiões é menor que no restante do país, é nelas também que se encontram nossos piores indicadores sociais, o latifúndio e coronelismo ainda existem nessa regiões, especialmente no sertão e no interior da Amazônia. A descentralização seria prejudicial a estas regiões, de modo que estaríamos cometendo velhos erros. É imperioso descentralizar primeiro o sul e o sudeste antes do norte e o nordeste, assim o Estado poderia se concentrar nessas duas regiões pensando alternativas econômicas para equipará-las economica e socialmente às demais.


A existência do município ainda me parece outra questão de debate. Sou favorável ao estado/província distribuindo gestores regionais internos. Isto é, substituir a autoridade municipal por autoridades regionais ou distritais em que cada região ou distrito corresponderia a vários municípios. Seguem assim algumas ponderações sobre como o conservadorismo á brasileira tipicamente saquarema veria a geopolítica nacional hoje.

Comunicado


Em breve receberemos um novo membro em nossa equipe. Seu nome é Marcos Erlanes Siqueira, ums sujeito de opiniões fortes que muito já rodou no espectro político e se encontrou aqui, na Democracia Cristã e na Terceira Via.

Espero que gostem. Seus textos começarão a ser publicados na próxima semana.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O contexto historico que nos leva a democracia cristã, ao carlista Miguel Ayuso e a Jacques Maritain.


Nesses dias, conversando com o amigo Leonardo de Oliveira, popularmente conhecido como Conde Loppeux de la Villanueva, ele me apresentou um excelente intelectual conservador espanhol, o Dr. Miguel Ayuso. No vídeo aqui referenciado ele pontua uma crítica a Jacques Maritain. 

Miguel Ayuso
Maritain quando aceita a declaração de direitos humanos apenas pelos seus fins práticos, não queria com isso que o individualismo moral se impregnasse no ocidente tal qual vemos hoje, ao contrário, ele assim aceita a situação devido a uma série de fatores históricos que ele julga apenas parcialmente bem. O fim da Segunda Guerra Mundial e os horrores do Nazismo servem de impulso a declaração forçando a aceitação da mesma na esperança de que tal catástrofe jamais volte a acontecer na história humana. As reuniões para a elaboração de tal documento envolviam segundo o próprio Maritain divergências de fundamento, pois se ajuntaram nações e povos de origens culturais e ideológicas tão amplamente distintas que qualquer discussão acerca dos fundamentos criavam barreiras enormes a tal declaração. Com isso em mente, Maritain propõe que se foque apenas os aspectos práticos cabendo a cada povo justifica-los com seus próprios métodos derivados de suas culturas.

A declaração de direitos humanos é muito similar a de 1789, o que indica já um predomínio ocidental do iluminismo. Eis um dos pontos de erros de Maritain, ao levar em consideração apenas a Segunda Guerra (o que faz acertadamente), ele se esquece que a Revolução Francesa introduziu no mundo o racionalismo materialista e que na sua versão britânica ele surge com o individualismo essencialista devido ao protestantismo. A situação ainda era relativamente equilibrada desde 1789 até o fim do belle époque em 1914, devido à oposição sistemática entre os dois liberalismos como já havia mostrado neste outro texto. A ascensão do comunismo na Rússia em 1917 e o poder crescente dos Estados Unidos que uniu princípios dos dois liberalismos no seu Estado, mas com maior predomínio do francês como visto no texto acima referenciado, essas ideias, que já tinham relativa força no ocidente começam a ganhar cada vez mais força.

As nações católicas desde então, vinham tentando fazer arremedos de estilo maritainiano a essas ideias às quais elas eram hostis. Se tomarmos a Carta Constitucional do Império do Brasil em 1824 nós veremos esse tipo de conduta, ao mesmo tempo que o país era um Estado Confessional Católico, ele combinava esses princípios com ideias liberais. Essa adaptação de fins práticos naquele período em que havia o embate de liberalismos na Europa (naquele período a Inglaterra era o centro do mundo político e econômico, e não os EUA) anulava os efeitos perniciosos do liberalismo em países católicos.

Contudo, ao fim da primeira guerra mundial, os Estados Unidos, que uniu o individualismo liberal britânico com o racionalismo laico do liberalismo francês na forma do seu Estado, sai como grande potencia econômica do mundo, e como tornou-se referência dos regimes republicanos nascentes naquele período (no Brasil a força desagregadora foi uma união entre liberais e positivistas em 1889), passa-se a adotar cada vez mais os contornos norte-americanos nos mais variados países. Na América Latina esses efeitos são vistos antes mesmo da primeira guerra, pois a república oligárquica já era de estilo americano antes da mesma. Entretanto esse processo ganha força no Oriente a partir da primeira guerra mundial.

Com a Segunda Guerra mundial, os Estados Unidos saem ainda mais fortalecidos como força hegemônica do ocidente, mas agora têm um novo rival, a União Soviética com o materialismo marxista radical e o totalitarismo genocida de Estado. O medo do comunismo nos países católicos agora corroídos pela simbiose franco-britânica do liberalismo resultado da forma do Estado americano e sua ação imperialista, começa a levar à desagregação a cosmovisão católica tradicional devido à aliança entre liberais e conservadores mundo afora na intenção de se proteger do comunismo. Esse fator acelera a decomposição da sociedade, culminando na França, berço do liberalismo francês, materialista, republicano e ateísta, ao Maio de 68. Esse resultado Maritain não previu. Graças a isso o liberalismo torna-se força hegemônica no ocidente devido a hegemonia das nações do ocidente protestante.

Maritain acreditava que, mesmo na hipótese de que a cosmovisão ocidental iluminista viesse a adentrar em sociedades que com ela não concordavam, ela seria apenas uma corrente minoritária sem aceitação geral como ele mesmo diz na página 95 do livro “O homem e o Estado”.
Tal síntese filosófica, mesmo que conseguisse exercer uma importante influência sobre a cultura, ficaria, por essas mesmas razões, como uma doutrina entre as outras, aceita por certo número e rejeitada pelos demais, não podendo pretender de fato, uma ascendência universal sobre o espírito dos homens. (MARITAIN, 1959, p.95)
Maritain desconsiderou a guerra fria que ali nascia. O comentário de Ayuso sobre a descristianização da Itália sob a batuta da Democrazia Cristiana é despropositada. A descristianização da Itália é resultado da associação entre conservadorismo e fascismo, o que deu enorme força a grupos socialistas e materialistas, efeito muito parecido com o que ocorreu na Espanha franquista como chama a atenção Orlando Fedeli. Ao contrário disso, Alcide De Gasperi da Democrazia Cristiana fez uma reforma agrária que ajudou famílias camponesas a pararem suas ondas migratórias em massa e também atuou na proteção da moralidade pública. A maioria dos partidos associados a democracia cristã são em geral fortes defensores da moralidade cristã e da influência da religião na sociedade, podemos citar como exemplo aqui no Brasil a Frente Parlamentar Evangélica como resistência moral aos avanços do progressistas do petismo, com grande apoio do laicato católico. Basta lembrar que os principais partidos que compõem a mesma são de fundamentação democrata cristã, como o PSC, o PSDC, o PHS, o PTC. Na Alemanha a CDU de Angela Merkel e sua parceira da Bavária, a CSU, é contraria a todas as pautas progressistas oferecendo muito mais resistência ao gayzismo do que o Conservative Party de David Cameron que aceitou e aprovou o casamento gay.

Outro ponto fatal de Maritain em que seu erro fica evidente ao desconsiderar a hegemonia das nações protestantes liberais reside no fato de jogar para um órgão supranacional como a ONU a tutela desses princípios, que inevitavelmente julgará as questões das mais variadas nações com base nas interpretações liberais individualistas hegemônicas, visto que ela congrega nações diferentes que se aglutinam em dois blocos distintos: Aliados dos Estados Unidos e aliados da União Soviética. Temos o mesmo problema do Estado Laico que mencionei no primeiro texto acima referenciado, só que com influências por todo o orbe.


Ayuso se mostrou certo devido aos contextos históricos. Caso ao invés da ONU fosse a Igreja Católica neste posto de juiz universal da legitimidade dos Estados e suas ações (como foi no passado), a situação fosse talvez outra. Mas não nos cabe aqui perguntar o que teria sido o mundo se as coisas fossem diferentes. Ayuso está certo talvez não pelas razões que acredita que está, mas está certo.

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MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1959.

domingo, 20 de setembro de 2015

O colapso romano aos olhos da história econômica


Muito já se debateu sobre as razões da desagregação do Império Romano, de modo que o que eu direi aqui pode ser encontrado, de certa forma, em vários artigos e livros, mas de forma a sintetizar este aspecto econômico e institucional da decadência daquele que foi um dos maiores impérios da terra, farei este texto apontando os problemas econômicos que foram mais decisivos para que em 476 d.C, Rômulo Augusto fosse deposto por Odoacro, o rei dos hérulos, fato que pôs um ponto final às instituições do Império Romano.

Efígie de Rômulo Augústulo

Apesar das migrações bárbaras terem de fato sua contribuição na queda de Roma, é necessário lembrar que elas se devem mais a insurreições e guerras contra Roma do que pelas razões temidas hoje pela União Européia, que é o colapso orçamentário dos estados, uma vez que a imigração gera uma demanda por obras públicas e por gastos sociais. Neste período da história, embora já existisse de certa forma uma espécie "welfare state" muito tímido, o maior peso sobre o orçamento estava depositado nas forças armadas que consumiam até 60% dos impostos e tributos. Essa é a razão pela qual Niall Ferguson em "A lógica do dinheiro" chama os sistemas anteriores à Idade Moderna de "Warfare State".

Roma tornou-se um polo tão grande de migrações bárbaras que até hoje a maior densidade populacional de uma cidade já registrada no mundo foi romana. 66 mil pessoas por quilometro quadrado, mais que o dobro de Mumbai na Índia, com 30 mil pessoas por quilômetros quadrado nos dias de hoje. Roma era a personificação do warfare state. As forças armadas não só representavam a maior parte do orçamento do Estado, mas como também concedia enorme prestígio social aos seus membros. Para que qualquer cidadão tivesse acesso ao cursus honorum (hierarquia das magistraturas), ele deveria primeiro servir dois anos nas forças armadas imperiais, só então, podendo se candidatar à questura. A economia romana a partir da república e continuando no império era uma economia em constante estado de guerra.

De acordo com o historiador Mario Curtis Giordani, na página 53 do seu livro "História de Roma", o tribunato da plebe deu apoio ao cônsul Caio Mário nos anos finais do século II a.C para uma reforma militar que transformaria as forças armadas de uma mera convocação pontual de cidadãos para auto-defesa em um posto de trabalho. O soldado enquanto profissão começa ainda na república. Num período histórico em que em qualquer reino que se olhasse, o orçamento militar era sempre o maior, obviamente se conclui que esta reforma aumentara o custo militar no orçamento enormemente. Isto, entretanto era necessário para a forma de economia expansionista escolhida por Roma.

Assim como hoje em dia os governos da antiguidade tinham duas maneiras de se financiar, sendo eles os impostos e as dívidas. A dívida pública ainda não existia no formato atual, que só viria a tomar tal forma a partir do fim da Idade Média, porém seus efeitos eram muito similares. Nos períodos de guerra, Roma expandia seus gastos militares em ordem de fabricar mais e melhores armas e de manter por mais tempo os soldados no front através da construção de estradas, de estímulos a produção de alimentos e da construção de transportes mais rápidos e mais eficientes para levar esses mantimentos aos soldados no menor tempo possível até o limes onde as forças militares se encontravam em constantes combates. Para este fim, aumentavam-se os impostos e contraía-se dívidas. O Estado por vezes se endividou com a oligarquia e a nobreza para custear as ações militares.

Quando as guerras terminavam rapidamente a situação era facilmente resolvida, e o Estado pagava os nobres com o espólio de guerra. Contudo, quando a guerra se estendia muito no tempo a situação se complicava. No caso das guerras púnicas, Roma teve que fazer uma aliança com os gregos de modo em que parte dos espólios iriam para eles também, reduzindo-se assim o prêmio da guerra conseguido por meio de saques. Diminuía-se a perspectiva imediata de ganhos para pagar as dividas de guerra. O aumento dos impostos por vezes era extorsivo de modo que os mais pobres tinham que pagá-los in natura. sendo isso com produtos naturais (o que diminuía seus recursos pessoais ou mesmo suas vendas) ou pagá-los com pedaços de suas terras.

As cobranças in natura eram os que mais puniam os mais pobres, pois além de prejudicarem o seu ganha pão (tanto na agricultura de subsistência quanto na pequena agricultura para o mercado), elas concentravam terras nas mãos do Estado. Para pagar as dívidas junto a nobreza, quando os espólios não eram suficientes, o estado recorria a essas terras confiscadas. A consequência óbvia disso é a criação de uma oligarquia de latifundiários cada vez mais ricos, enquanto os pobres estavam cada vez mais miseráveis. Se o índice de GINI existisse naquele momento, provavelmente, ele registraria um aumento enorme da desigualdade.

Outro meio que o Estado se valia para custear suas ações era a depreciação da moeda. De acordo com Alexandre Versignassi no seu livro "Crash! Uma breve história da economia", a partir do século III a.C, a república Romana começou a se valer incessantemente da inflação como forma de custear as ações do Estado, principalmente no que se refere às incursões militares. Embora a moeda como nós a conhecemos tenha surgido efetivamente no reino grego da Lídia, por volta do século VII a.C; os primeiros registros de uso da moeda no Lácio datam do século IV a.C. A primeira moeda romana foi o "ás", que era uma enorme esfera de bronze. Com o tempo e a necessidade de aumentar os gastos do Estado, ela foi diminuída de tamanho, como forma do Estado reter o metal e poder emitir mais moeda.

A ciência econômica nos mostra que para que a inflação monetária não gere crescimento nos preços, é necessário que o PIB cresça junto. Embora a noção de PIB seja muito contemporânea para economias com enorme diversidade bens e serviços, a utilizaremos aqui como significado de agregação valorativa de bens e serviços produzidos dentro dos limes do território romano. Se houver margem para que os bens e serviços cresçam de tamanho, a inflação monetária gera aumento dos bens e serviços dentro da república ou do Império, sem necessariamente incorrer em aumento de preços no longo prazo. Normalmente o aumento de preços ocorre no momento inicial quando a demanda e a oferta estão num patamar e a demanda aumenta subitamente. Logo quando demanda e oferta novamente se equilibram, os preços voltam ao normal.

Quando a república e o Império avançavam e entravam em campanhas militares, o Estado realizava a depreciação monetária como forma não apenas de custear os bens e serviços necessários para a manutenção das tropas, mas também para equipar os soldados. Ao vencer a guerra, Roma anexava o território dominado, saqueava e espoliava a cidade, utilizava este saque para pagar as dívidas e os soldados e, ao se apropriar do território se apropriava também de seus recursos naturais que seriam utilizados pelo Império como fonte de recurso. No caso de minas de ouro, prata e cobre o Estado usava como fonte para a cunhagem de moedas, podendo assim continuar a emitir dinheiro. Roma não ganhava só isso, ganhava também força de trabalho a mais, não apenas da população local livre, mas também de prisioneiros de guerra que se convertiam em escravos. Os escravos eram representavam mais força de trabalho para o Estado e para os latifundiários, o que ajudaria a aumentar a produção e com isso a renda nacional.

No período das guerras a demanda por comida aumentava exponencialmente e como as terras se acumulavam nas mãos de uma elite de latifundiários, gradativamente o abastecimento interno, considerado por Giordani (1981, p.128) a alma do sucesso romano, passou às mãos dos grandes latifundiários, pois eles eram os únicos com recursos e capital suficiente (a terra era o capital majoritário na época) para abastecer não apenas as tropas, mas também o império; isso tornou mais difícil, inclusive, uma reforma agrária no pós-guerra. Uma reforma agrária não apenas criaria atritos com a elite, mas prejudicaria a própria economia do império.

Durante o século II d.C, o imperador Adriano desiste do expansionismo militar e decide construir fortificações na Bretanha (Muralha de Adriano) e estabelecer postos militares fortes no limes como forma de proteger o império. Essa foi uma decisão crucial para a economia romana, pois a força de trabalho escrava começou a se esgotar já que o Estado não mais se envolvia em guerras expansionistas, e não se anexava outros territórios e portanto, não se realizavam mais saques nem se exploravam novas minas e recursos naturais. Por outro lado, o Estado nunca deixou de emitir moeda. Se por um lado isso se converteu em uma inflação galopante, por outro lado gerou espaço para a entrada de bárbaros que vinham de longe em busca de melhores condições de vida. Neste ínterim surgem três palavras que serão fundamentais para a sobrevivência econômica do império: colonii, mercenarii e foedus.

Os colonos ou colonii seriam a mão-de-obra que viria a crescer neste período, o sistema de funcionamento do colonato, muito se assemelhava a servidão feudal. O colono não podia ser vendido, ele não era uma commoditty, mas estava preso a terra. O foedus são acordos firmados com os povos bárbaros em que em troca de apoio militar, eles recebiam frações de terra do Estado para cultivo. Os bárbaros, assim como todo e qualquer escravo pagavam impostos diretos (o que era considerado uma indignidade pelos romanos) e, por vezes abusivos. Não cabe aqui explanar muito profundamente sobre isso, mas devido a esses impostos, não foram raras as vezes em que os povos germânicos se rebelaram contra o Império. Faz-se necessário mencionar, que os impostos no Império eram profundamente regressivos, a maior parte dos impostos eram indiretos e os impostos diretos eram pagos pelos estrangeiros e povos colonizados.  Embora em menor escala, o trabalho assalariado também cresceu em decorrência da crise do modelo escravista, fazendo com que houvesse uma absorção parcial do aumento da base monetária, em especial no setor industrial (manufaturas artesanais), surgia assim uma terceira palavra: mercenarii. A princípio, essa absorção é uma parte do que ainda deu alguma sustentação a economia romana.

A deterioração econômica, os insucessos militares em deter invasões bárbaras, e o crescimento do latifúndios e a crescente animosidade social ajudaram a criar o cenário em que viria ocorrer a chamada "Anarquia militar", onde golpes de estado, assassinatos, mortes em combate ajudariam a deteriorar a outra ponta que segurava a solidez romana. As instituições. A anarquia militar ajudou a abalar ainda mais a economia romana, pois de acordo com Versignassi (2011, p.61) não apenas a corrupção passou a corroer as instituições, mas como ela levou a uma queda da arrecadação.
Com essa zona institucionalizada, o governo perdeu boa parte de sua maior fonte de renda: os impostos dos territórios conquistados. A sucessão de grupos no poder tornava impossível a tarefa de coletar o ouro dos "contribuintes" e fazê-lo chegar ao governo central. Vazava tudo pelos ralos da corrupção.
Como resposta os impostos subiam e a emissão de moeda continuava, entre os séculos II e III d.C a inflação acumulada chegava a 2000%. A queda na arrecadação diminuía as obras públicas, a abertura de novos portos e estradas além da manutenção das já existentes. A infraestrutura romana nas províncias era bastante precária, o que aumentava os custos de transação aprofundando a crise econômica que no início do século IV d.C começava a se agravar. Apesar de um ligeiro desenvolvimento industrial, a industria romana era pouco desenvolvida. Parte considerável dos bens com maior valor agregado vinham de fora pelas rotas que vinham da Índia, da China e da África subsaariana, como podem comprovar Giordani e Moses Finley.

No início do século IV d.C, Diocleciano, tentando conter a inflação tornou as coisas ainda piores. Estabeleceu um intenso congelamento de preços. O controle de preços gerou escassez. Diminuiu a arrecadação, pois impulsionou o mercado negro. Os que não recorriam ao mercado negro não vendiam, pois os preços estava defasados e vender significava tomar prejuízo. A economia derreteu ainda mais ajudando a impulsionar a inflação. Membros da burocracia passaram recorrer também ao mercado ilegal, o que sugere uma expansão sem precedentes da corrupção na estrutura de estado na historia romana. Diocleciano, entretanto, diluiu seus próprio poderes e dividiu o império em duas partes, o Império Romano do Ocidente (decadente àquela altura) e o Império Romano do Oriente (porção mais rica do Império).

Com Constantino, o grande, começou um período de saneamento monetário que garantiria ao império uma breve trégua na crise. Constantino atrelou o valor da moeda ao ouro e criou o "sólido", uma moeda de ouro mais pesada que o áureo, que era a moeda usada pela elite, em pouco tempo a inflação havia sido batida. Para se ter a exata proporção da inflação, era necessário 275 mil asses para comprar um sólido (1). Constantino ainda viria a transferir a sede do Império para Bizâncio, que se tornaria Constantinopla e aderiria ao cristianismo como religião oficial do Império ajudando na pacificação social. Onde Constantino podia controlar a situação a solidez monetária deu impulso a economia, após Constantino Bizâncio se tornaria a capital do Império Bizantino. O estado bizantino se tornou o legítimo herdeiro de Roma durando quase 1000 anos.

No ocidente a situação de bonança durou pouco, a corrupção do Estado fez com que logo Roma precisasse novamente voltar a emissão de moedas para subornar os invasores, custear as debilitadas forças armadas, evitar revoluções internas causadas por bárbaros, e mesmo assim isso não foi o bastante. Em 410, início do século V d.C Roma é saqueada por Alarico I, rei dos Visigodos e, por fim em 476 d.C, no fim do século V, Roma desaparece enquanto Estado após a deposição de Rômulo Augusto por Odoacro, rei dos hérulos. De acordo com William Carrol Bark em seu livro "Origens da Idade Média", a queda de Rômulo Augusto não foi recebida com muita tristeza, ao contrário, o Estado romano espoliava tanto os cidadãos, especialmente os mais pobres, que há textos de época que sugerem que Odoacro foi saudado pelo populus. Textos de Santo Agostinho de Hipona, um contemporâneo da crise e desagregação do Império, também enfatizam a corrupção e a degenerescência moral no Império, inclusive imputa-se a isso a deterioração das instituições romanas.

Este artigo, ao meu ver sintetiza as principais causas econômicas e em menor parte, institucionais, da queda do Império Romano do Ocidente. Com ele é possível considerar para tempos modernos (aqui sem risco de incorrer em anacronismo já que as leis econômicas são universais), a importância do combate a desigualdade social, o cuidado com o endividamento público, os impostos moderados e uma moeda sã. Seja em Roma, seja na Alemanha, seja na Hungria, seja no Brasil, enfim, o cuidado com a inflação e a defesa de uma moeda sólida deve ser fundamental para qualquer Estado em qualquer tempo.

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(1) Dados extraídos do livro "Crash! uma breve história da economia" de Alexandre Versignassi.

sábado, 19 de setembro de 2015

Você come PIB, sim!

(Fonte da Imagem: Revista do factoring)
Diante da hecatombe econômica que o Brasil vive, velhos discursos do tempo da eleição voltam a tona, como o famoso #NãoComoPIB, sentença baseada na frase infeliz da petista economista (ela é mais petista do que economista) Maria da Conceição Tavares. A frase é digna de uma ignorância econômica que só poderia mesmo vir de um petista. Explico.

O PIB - Produto Interno Bruto - é erradamente descrito como soma de todas as riquezas do país, isso não é verdade. O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais dentro do país. Sua fórmula clássica é Y(PIB) = C + I + G + (X - M), onde C é o consumo, o I o investimento, o G o gasto do governo, o X a exportação e o M a importação. Em outras palavras, sendo o PIB o resultado de todos os bens e serviços existentes num país, ele inclui obviamente a produção de alimentos, isso é óbvio, logo você come PIB sim. Embora o PIB também inclua outros tipos de bens não comestíveis, como carros, jóias, eletrodomésticos, remédios, etc; todos esses bens permitem não só que você coma, mas como outros milhares de pessoas comam. 

Os carros permitem o transporte dos alimentos em maior velocidade, poupando tempo e reduzindo o custo de transação; com isso, mais pessoas podem se alimentar já que a redução do tempo de entrega e dos custos de produção geram um superávit que permite o aumento da produção e isso resulta na queda dos preços dos alimentos. Alimentos mais baratos significa mais alimentos na mesa dos mais pobres. Mas não apenas isto, nenhum dos bens e serviços se fazem ou se servem sozinhos, pessoas precisam trabalhar para que eles sejam produzidos, e com isso recebem salários que serão gastos na compra de comida.

Por incrível que pareça o que deveria ser óbvio é causa de escândalo para os petistas. Alexandre Versignassi no seu best seller "Crash! Uma breve história da economia" (p.43) pode simplificar para os petistas entenderem:

A diferença entre um PIB que cresce 5% ou 7% ao ano parece pífia. Mas não. No caso de um aumento de 7% ao ano, o PIB duplica depois de 10 anos. Num rítimo de 5%, demora 15 anos. Diminuindo esse número para o ritmo moroso com o que o Brasil crescia nos anos 80, a diferença fica ainda mais clara. Naquela época o PIB aumentou, em média, 1,7% ao ano. Ficando nessa toada mansa, levaria quase meio século até o PIB dobrar. Faz toda a diferença para a sua vida: quando a economia dobra de tamanho, a tendência é que você se veja com um carro e uma casa que, lá atrás, custavam duas vezes o que você podia pagar.
O que Versignassi explica é muito simples, é a chamada regra do 72. Para saber quanto tempo demorará para uma economia dobrar de tamanho basta fazer essa simples equação onde 72 = R x T.
R é a taxa de crescimento real da economia e T o tempo. Se você acrescenta o tempo, descobre qual o valor percentual que o PIB deveria crescer para que ele dobre no tempo estipulado. Se se acrescenta a taxa de crescimento, descobre quanto tempo ele demorará para dobrar com o valor estipulado de crescimento médio. Em resumidas contas, usando-se políticas responsáveis, quanto mais o PIB cresce, mais as pessoas ficam ricas, pois mais bens e serviços elas podem adquirir ou contratar.

Com a atual recessão em que a economia está encolhendo, as pessoas estão empobrecendo. Isso significa que elas provavelmente jamais poderão adquirir os bens e serviços que gostariam e que hoje são restritos aos mais endinheirados. Pior! Se o ritmo continuar assim, a probabilidade é que as pessoas comecem a ter um padrão de vida cada vez pior! Ou seja, mesmo no mundo magico da mitologia petista...

...Você come PIB, sim!