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terça-feira, 2 de maio de 2017

Desmascarando o charlatão e herege Jeffrey Tucker - O velório.



É com enorme desprazer que começo este texto, primeiramente porque já fui alguém que no passado tentou defender ou casar o liberalismo a doutrina católica e os textos mais antigos deste blog não me deixam mentir. Verdade ainda que me converti de verdade, e aprendi que o bom filho da Igreja não tem que ter opinião diante da verdade. A verdade não é matéria de opinião e diante dela, todas as nossas opiniões são varridas por terra.

Por isso mesmo, pelo dever de defender a sã doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana é que trago neste texto a refutação deste panfleto que se pode encontrar no site do Instituto Mamom Brasil, no qual o falsário, herege, charlatão, picareta e vigarista Jeffrey Tucker num texto para lá de desonesto (e contraditório) tenta pregar na Igreja a pecha de liberal ou até mesmo libertária. Não é portanto, por outra razão, que me proponho a defendê-la de seus detratores, mas também daqueles que visam instrumentalizá-la para fins políticos, como fazem pequenos lúciferes tais quais Leonardo Boff, Frei Betto, Pe. Robert Sirico e Jeffrey Tucker.

Comecemos este texto vergonhoso no qual Tucker no bom e velho "jus sperniandi" reclama do sumo pontífice corretamente e seguindo a VERDADEIRA TRADIÇÃO da Igreja, condenar o libertarianismo, que apesar de diferenças acidentais, é na verdade um liberalismo radical. Tucker já nos primeiros parágrafos solta essa pérola:

"Permita-me oferecer a minha própria e extremamente sucinta definição de libertarianismo. Trata-se da teoria política que diz que a liberdade, a harmonia e a paz servem ao bem comum de maneira mais efetiva que a violência e o controle estatal. O libertarianismo defende uma regra normativa: sociedades e indivíduos não devem ser molestados em suas associações voluntárias e em seus relacionamentos comerciais caso não estejam ameaçando fisicamente terceiros. Estou praticamente certo de que a maioria dos pensadores da tradição liberal estaria satisfeita com essa definição."

O que Tucker finge não saber para convencer seus já enviesados leitores, bem como também os incautos, é que a violência e a coerção não são a essência do Estado, algo como se fosse sua própria definição. O que não é verdadeiro e provarei em texto posterior. Tucker, perceba caro leitor, usa as palavras "violência" e "controle estatal" como se fosse o controle estatal em si mesmo, uma forma de violência. Perceba ainda, caro leitor, que o termo violência não foi posto ali como mero enfeite, é um adjetivo de enquadramento, ou como diz o MAV-Liber Luciano Ayan, é um truque linguístico de "mudar o frame". Tucker já começa querendo jogar mais com o emocional do que com o conteúdo real do que diz.

Continuando, porém, Tucker afirma que sua definição de libertarianismo está condizente com a dos pensadores de tradição liberal. Guarde isso em mente, caro leitor! O fato é que pela agressão a lei natural e divina, é possível também molestar outros, e isso está perfeitamente dentro do que pensa e entende a doutrina católica, bem como sua tradição. Christopher Ferrara em The Church and the libertarian comentando os ensinamentos sociais da Igreja diz que por ser o homem criado a imagem de Deus, ele é destinado a um fim que é a visão beatífica, logo a total liberdade de mercado sem restrições morais é um problema que coopera para prejudicar esse fim. A economia é um ramo da ação humana e, esta como tal, está sujeita a lei moral, e não seria diferente às ações econômicas.


"Por exemplo a venda de bens imorais tais como pílulas abortivas, drogas mortais como heroína e PCP, contraceptivos e pornografia seriam proibidos, assim como a provisão de serviços imorais tais como aborto e prostituição.(Tradução livre, p.277)"
Isso assim é, pois como visto neste texto de nosso mentor Perillo Gomes, o liberalismo (e os autores de tradição liberal certamente concordarão) é fundado nas liberdades modernas, que partem do conceito da soberania humana que resulta na liberdade absoluta de associação, de expressão, de imprensa, a soberania nacional, a soberania do indivíduo e a soberania popular. No caso do libertarianismo, ele é reduzido a defesa de quatro desses quesitos, que são soberania do indivíduo, liberdade absoluta de associação, de expressão e de imprensa e, talvez, a depender de como se estabelece e fundamenta essa doutrina, é possível ver nela também a soberania popular, uma vez que se houver uma derrubada revolucionária e violenta do Estado, isso só pode se dar por uma consciência soberana da população que a ele servia.

TUCKER: "Ora, a lei humana é feita para a multidão dos homens, composta em sua maior parte por homens de virtude imperfeita. Por isso, ela não proíbe todos os vícios — dos quais só os virtuosos se abstêm —, mas só os mais graves, dos quais é possível à maior parte da multidão se abster. E proíbe principalmente os vícios que causam dano a outrem, ou aqueles sem cuja proibição a sociedade humana não pode subsistir; assim, a lei humana proíbe o homicídio, o furto e atos semelhantes."

Aqui, malandramente, o embusteiro Jeffrey Tucker cita Santo Tomás de Aquino. Claro, não há católico e pseudo-católico que não o cite numa argumentação. O doutor angélico quando corretamente interpretado e lido, isto é dentro da TRADIÇÃO APOSTÓLICA, é um nome de muitíssimo peso! Na citação veja que há dois tipos de vícios, um mencionado (contra propriedade como homicídio e furtos) e outro não mencionado (causam dano a outrem). Curiosamente Tucker não fala dos primeiros. Que vícios serão esses? Como vistos acima, se tratam dos vícios contra a moral, aliás, se é pra citar o Aquinate...


"Se os próprios cidadãos (nativos) se dedicarem ao comércio, dar-se-á entrada a muitos vícios. Como de fato, o intuito dos negociantes visa, mormente o lucro, pelo hábito do comércio, introduz-se nos corações dos cidadãos, a ambição. Advém, por aí, que tudo se torna venal na cidade, e, desaparecida a lealdade, se abre lugar às fraudes e, com menosprezo do bem público, cada qual serve ao interesse individual a mingua a devoção a virtude, já que é conferida indiferentemente a todos a honra que só à virtude se deve." Santo Tomás de Aquino - De regimine principum, capítulo III.
A doutrina de Santo Tomás se funda na aristotélica percepção de que o comércio não guarda em si mesmo a virtude de seu fim. O bom marceneiro fará bons produtos de marcenaria, contudo o bom vendedor apenas vende bem, independente da qualidade do produto vendido. Ou seja, os vícios morais como os pecados capitais também se infiltram pelo mercado, de forma que ele não pode ser totalmente livre como pregam os libertários, tanto quanto mais safados como Jeffrey Tucker.

Continua o doutor angélico:


"Não se devem todavia, os negociantes ser excluídos completamente da cidade, dado que não se pode com facilidade encontrar local de tal forma transbordante em todosos gêneros necessários à vida, que não necessite alguns importados de alhures. [...] Por isso, importa que uma cidade perfeita use comerciantes, mas com moderação." Santo Tomás de Aquino - De regimine principum, capítulo III.
E aqui cai por terra o liberalismo econômico que Santo Tomás supostamente defendia. Outra coisa que Tucker não fala, inclusive em decorrência disso, é que Santo Tomás nada mais está a falar do que a velha doutrina da tolerância, que ao contrário do que os liberais pensam não é uma virtude, mas um mal menor. Isto é, como nos mostra o grande tomista brasileiro Perillo Gomes, quando as condições para combater um vício impõem circunstâncias nas quais o procedimento de combatê-lo causará danos maiores ou iguais ao próprio vício, aplica-se a tolerância. O comércio em função da impossibilidade do ideal de "autarquia" seriam um mal menor que deveria ser tolerado. O comércio só é bom se retamente ordenado, isto é, se houverem meios de assegurar a justeza dos preços e reta moralidade dos bens e serviços fornecidos, caso contrário ele corrompe o reino. E o fato é que, segundo a própria percepção de autores ligados ao peripatetismo essa justeza não está na essência da atividade comercial e só é atingida acidentalmente.

TUCKER: "a Igreja Católica começou um longo afastamento de suas tendências constantinianas no primeiro milênio, gradualmente abrindo mão da aspiração de unificar a Igreja e o Estado e abraçando a então emergente tradição liberal."

Tradição liberal no Império Romano e na primeira Idade Média? Tucker com certeza furmou alguma erva daninha com maconha, só pode. Atribuir a doutrina liberal ao período que vai de Constantino até a Alta Idade Média, passando pela antiguidade tardia/primeira idade média é ou burrice, ou desonestidade. Aliás, julgar que qualquer forma de organização institucional que permita maior fluxo de mercado em períodos passados da história com liberalismo é um anacronismo brutal! 
(quanto ao tal livre-mercado desse período é algo que não me parece correto, e comento mais adiante) É consenso acadêmico entre historiadores que uma das falácias mais graves em historiografia é atribuir ou medir uma época por idéias, construtos ideológicos ou filosofias de outro tempo, exceto quando, pela sua estrutura mesma, denotam universalidade. Ora, o liberalismo pode se amparar aqui e ali em um preceito universal, mas no seu geral, como um todo, ele é um produto de uma época construído por forças políticas e conceitos filosóficos que no referído período nem sequer existiam!

Mais que isso! Qualquer estudioso medíocre de Idade Média sabe que no referido período de transição entre o Império Romano e o medievo ocorreu na verdade uma profunda morte do comércio e as relações de troca reduziram-se a economia in natura, fazendo com que houvesse uma ruralização das atividades econômicas. Mesmo que Tucker se refira ao Império Romano, dificilmente podemos dizer que o que havia lá era algo de longe parecido com livre-mercado, ao contrário, havia profundo controle do aparato governamental sobre a economia e inflação. William Carrol Bark em "Origens da Idade Média" relata (1966, p.57)



"Outro indício da confusão monetária que reinava no século IV é a tentativa de deflação pela emissão de grandes quantidades de moedas de cobre e de cobre banhado de prata. O valor de tais moedas, que constituíam o grosso do dinheiro em circulação modificava-se constantemente, e sem dúvidas as melhores peças eram guardadas. As tentativasde reforma resultaram em nada, graças a perturbações permanentes e à incerteza social. O resultado final foi antes inflação do que deflação."

Mais do que isso! Como o economista alemão Alfred Muller-Armack, o ordoliberal, notou, existe uma vasta diferença entre REGIME ECONÔMICO e POLÍTICA ECONÔMICA. Apesar de Müller-Armack ser também alguém vinculado a tradição liberal, como veremos a seguir, é ponto pacífico entre os estudiosos sérios (não propagandistas fuleiros como Tucker, cujos trabalhos não devem servir nem para limpar bunda de gato) de que a economia social de mercado alemã é o construto econômico moderno que mais se aproxima das exigências da Doutrina Social da Igreja, isto é, com muito esforço e custo, ela consegue ser um aprazível mal menor. Assim, Müller-Armack um dos proponentes da economia social de mercado diz que regime econômico é a relação entre instituições e a divisão e alocação dos recursos escassos, isto é, como o governo, a sociedade e suas instâncias moldam e asseguram as atividaes produtivas e o comércio. Política econômica é a orientação filosófica ou ideológica que guia essas instituições. No passado, por exemplo, na república romana havia economia de mercado, mas não liberalismo econômico. Aliás, afirmar isso seria um baita anacronismo de rasgar diplomas.

Voltando a economia social de mercado, como dito acima, é público e notório o apoio da Igreja a este modelo como mal menor. O tomista e distributista muito respeitado Thomas Storck diz no seu artigo "O que a Centesimo Anno realmente ensina?" o qual traduzi para este site e para a própria The Distributist Review.
"De fato, se algum sistema econômico existente recebe louvores na Centesimus Annus, é a "economia social de mercado" da Alemanha Ocidental."

A mesma Economia Social de Mercado que o desenvolvimentista ultra-keynesiano vulgar Luiz Gonzaga Belluzo considera neste vídeo como sendo uma versão moderada do consenso keynesiano do pós-guerra por ainda que por outros meios e defender o pleno emprego e ser favorável ao welfare state. A mesma Economia Social de Mercado que o economista Simon Wren-Lewis considera mais compatível com a doutrina novo-keynesiana de Mankiw do que com o liberalismo econômico, embora não fosse tão compatível com o keynesianismo de sua época. 
Many people have heard of ordoliberalism. It would be easy to equate ordoliberalism with neoliberalism, and argue that German attitudes simply reflect the ideological dominance of neo/ordoliberal ideas. However, as I once tried to argue, because ordoliberalism recognises actual departures from an ideal of perfect markets and the need for state action in dealing with those departures (e.g. monopoly), it is potentially much more amenable to New Keynesian ideas than neoliberalism.

A mesma economia social de mercado que outro grandes tomista americano, Christopher A. Ferrara reserva alguns elogios como no caso do economista Wilhelm Röpke no já citado "The Church and the libertarian". A mesma Economia Social de Mercado elogiada PELO PRÓPRIO PAPA FRANCISCO e, por fim, a mesma ECONOMIA SOCIAL DE MERCADO CONDENADA por Ludwig von Mises.


Os partidários da mais recente série de intervencionismo, a alemã "sozialemarktwirtschaft" [isto é, pós-Segunda Guerra Mundial, a economia social de mercado na Alemanha], "estão corretos quando que consideram a economia de mercado como sendo o melhor sistema possível e mais desejável de organização econômica da sociedade, e que eles são contra a onipotência do governo do socialismo. Mas, é claro, todos esses defensores de uma política de meio do caminho enfatizam com o mesmo vigor, que eles rejeitam manchesterismo e o laissez-faire... Todos estes campeões do intervencionismo não conseguem perceber que o seu programa implica, assim, o estabelecimento de supremacia total do governo em todas as questões econômicas e, finalmente, provoca um estado de coisas que não diferem do que é chamado em alemão de padrão de Hindenburg, ou do nacional socialismo (referência ao nazismo). Se é da jurisdição do governo decidir se quer ou não condições definitivas de economia para justificar a sua intervenção, nenhuma esfera de operação ficará a cargo do mercado. Em seguida, isso significa que não é mais o consumidor quem acaba por determinar o que deve ser produzido, e em que quantidade, de que qualidade, por quem, onde e como, mas sim, o governo. Pois tão logo o resultado provocado pelo funcionamento do mercado livre difere do que as autoridades consideram "socialmente" desejável, o governo interfere. Isso significa que o mercado é livre, desde que ele faça exatamente o que o governo quer que ele faça. Ele é "livre" para fazer o que as autoridades consideram ser as coisas "certas", mas não fazer o que eles consideram as coisas "erradas"; a decisão sobre o que é certo e o que é errado cabe ao governo. Assim, a doutrina e a prática do intervencionismo em última análise, tendem a abandonar o que originalmente os distinguia socialismo definitivo e adota totalmente os princípios de planejamento de conjunto totalitário"(Mises, 1996: 723-724).

Em outras palavras, para Mises, não há diferença de qualidade entre terceira via e comunismo. Chesterton dizia, que "quando um elefante tem tromba é uma coincidência, quando dois elefantes têm, se trata de uma conspiração". Quando vários economistas seculares reduzem o componente liberal da Economia Social de Mercado a um keynesianismo mitigado; quando vários tomistas reservam a ela o elogio de ser o mal menor; e quando DOIS PAPAS ao que tudo indica por interpretes autorizados seus, a apoiam por ser a solução MENOS LIBERAL dentro das possibilidades da subsidiariedade no Estado moderno, é porque temos sinal de pelo menos duas coisas: Ou a ESM que prega mecanismos anticartel e welfare state está mais próxima da Igreja por esses mesmos ítens previamente citados, ou Tucker está sendo vítima de uma nefasta conspiração que envolve economistas seculares, filósofos tomistas respeitados nos meios tradicionais e dois papas da Igreja Católica, dos quais um já é morto. A coisa "tá" ruim, não é Tucker?


TUCKER: "Tudo ocorreu primeiramente no âmbito do sistema bancário, quando a Igreja serviu como defensora da causa bancária dos Medici contra as forças reacionárias que tentavam impedir o surgimento da vida comercial moderna. Ela, por exemplo, liberalizou suas regras contra a usura e defendeu os direitos de propriedade e comércio entre as nações."

Pera aí, Tucker? Reacionários? Eu costumo ouvir isso em gritaria de manifestação esquerdista, vai comprar mesmo essa agenda linguística? Aliás, a Igreja não mudou as regras contra a usura, foi a sociedade como um todo que mudou. E mudou economicamente pelo renascimento da moeda como veículo principal das torcas econômicas, mudou pelo renascimento das cidades (os burgos, de onde advém a palavra burguês), e mudou também pela perda de influência da Igreja na sociedade abrindo espaço para idéias gnósticas florescerem nesse meio. Esse é o mesmo argumento utilizado por Joel Pinheiro da Fonseca e que eu rebati nesse artigo do Minuto Produtivo.

TUCKER: "Os escolásticos tardios espanhóis e portugueses, com suas escritas e filosofias sociais, são frequentemente creditados como sendo os criadores da própria ciência econômica. [...] Eles gradualmente descobriram que os interesses do indivíduo não apenas não estavam em conflito com o bem comum, como também poderiam ambos ser realizados por meio da liberalização de todas as esferas da sociedade."
A mentira de que os escolásticos de Salamanca eram liberais é bem difundida hoje em dia, ou de que eles são autores que serviram de base para a escola austríaca. Na verdade, essa é uma asserção enormemente falsa, e que foi desenvolvida por Murray Rothbard de forma poder cooptar a intelligentsia católica americana que durante as décadas de 50 e 70 cresceu exponencialmente assim como o número de católicos.

Numa maravilhosa série de artigos para a The Distributist Review e traduzida pelo blog do Angueth, Dr. Peter Chojnowski refuta completamente essa falácia mostrando como os escolásticos de Salamanca tratavam a questão da usura, vista como pecado grave, o preço justo e a licitude de determinados mercados. E quem quer que leia, perceberá que a doutrina católica não mudou a esse respeito e a escolástica ibérica apenas reafirmou e desenvolveu mais a teoria católica da economia. No fim das contas, em essência, a escolástica de Salamanca apenas defende uma versão moralmente extendida daquilo que os ordoliberais defendem e que Mises condena. A verdadeira continuidade da escola de Salamanca, hoje, aliás, está em autores distributivistas e solidaristas como Pe. Ávila, John C. Médaille e John D. Mueller.

Agora, quando foi que os escolásticos de Salamanca defenderam a liberalização de TODAS as esferas da sociedade? Quando foi que a Igreja assim agiu? Nunca! Isso é uma farsa e vai contra a doutrina da liberdade que vem desde a patrística! Mais ainda, as ideias de liberalização de TODAS AS ESFERAS DA SOCIEDADE viriam a ser condenadas ainda no Concílio Vaticano I, muitos anos após a escolástica de Salamanca, o que mostra a falácia de que a Igreja "seguiu o progresso".

Os liberais tratam a liberdade como sinônimo de livre-arbítrio, logo, se o homem tem a possibilidade de fazer o bem e o mal, não há o que se falar e logo o homem deve ser livre pra fazer o bem e o mal, haja visto que nem Deus impede o homem de agir mal. Isso é exegese de protestantismo raso, baixo-clero e de botequim.

O livre-arbítrio é um dado ontológico do ser humano que enuncia a possibilidade física de uma acção, que pode ser dita virtuosa ou viciada; contudo, ao qualificar como boa ou má, virtuosa ou viciada uma dada acção, empregamos aqui não mais uma terminologia puramente descritiva do homem, mas passamos a uma nova terminologia, esta prescritiva e normativa. Falamos do juízo de valor, deixamos o campo do ser pro dever-ser.

Isto é, o homem pode agir mal, mas é certo que ele aja mal? Obviamente não. Logo, do certo, do que julgamos como moralmente correcto designamos que o homem pode agir mal, mas que ele não tem direito a agir mal. Ele não tem direito ao erro. Santo Agostinho divide os bens humanos em três categorias. Primeiramente os bens supremos, que qualificam o summum bonum, à saber, as virtudes cardeais e teologais, tais bens são necessariamente bons. Secundariamente em bens intermediários, que são necessários à natureza do homem mas que não guardam em sua essência a virtude, podendo, portanto, serem mal ou bem empregados. Eles são, segundo ele, a vontade, a inteligência e a sensibilidade.

Terciariamente, temos os bens ínfimos ou vulgares, que não são necessários à natureza humana, assim são os bens materiais, que embora bens, não são necessários nem guardam em si quaisquer virtudes, por exemplo: um carro, uma casa, uma bola, etc. Ora, a liberdade é uma espécie do gênero livre-arbítrio que, como vimos acima, é uma derivação da natureza humana, e logo, como nos mostra Santo Agostinho, uma derivação da vontade. Em outras palavras, a liberdade é o direito que temos entre escolher os vários bens de acordo com nossas possibilidades existenciais reais.

É evidente, logo, que a liberdade assim, rectamente compreendida, é boa, é ortodoxa, é verdadeira e é católica. Que é pois, o liberalismo então? O liberalismo é nada mais nada menos do que a separação do fato e do valor, isto é, é análise da possibilidade de escolher do homem descolada do juízo de valor. Para que isso ocorra é necessário que não haja mais um modelo de acção sobre o qual nos miraremos. É necessário que se derrube os padrões objetivos de moral, e que a moral se torne decisão puramente individual, da cabeça, de cada um. O valor que lhe dá na telha. Algo, aliás, defendido por Ludwig von Mises.

Em outras palavras, o homem age bem ou mal de acordo com o que ele julga como bem ou mal, e logo, ele só pode ser julgado segundo seus padrões morais e não o de nenhum outro homem.
Resumimos isto em duas considerações:

A primeira e mais importante, o conceito fundamental do liberalismo, seu princípio não é a liberdade, mas a soberania. A soberania do indivíduo.

Segunda, o liberalismo introduz já na sua etapa fundamental, mesmo que teísta ou deísta, por má exegese (voluntária ou involuntária), o subjetivismo e o relativismo. Por isso o princípio enunciado acima, de que o homem só pode ser julgado pela sua própria consciência é em si um valor objetivo, logo contrdizendo a sentença mesma. Desta forma, percebemos que a liberdade para que seja como tal, guarda em si mesmo sua própria sustentação, pois a acção virtuosa sustenta-se no tempo e implica em relacções humanas saudáveis. Ao passo que os vícios levam à escravidão. Escravidão dos próprios desejos, ou dos desejos de outrem. Por isso dizemos que a liberdade não é um fim em si mesmo, mas tem seu fim em outra coisa.

O liberal nem mesmo entende esse enunciado, e quando toma a liberdade individual como princípio não percebe que ele não está falando de liberdade, mas de soberania. E é a soberania o princípio, e não a liberdade.

"TUCKER: Acima de tudo, escreveu ele, os socialistas estavam errados em "atacar o direito de propriedade sancionado pela lei natural". E vaticinou: "Embora se digam desejosos de cuidar dos necessitados e de satisfazer os desejos de todos os homens, eles querem confiscar tudo o que foi adquirido por terceiros por meio do trabalho, da herança legal, da poupança e do intelecto"."
Confusão proposital entre existência de estado e socialismo, a Igreja defende o Estado, o governo é um elemento fundamental para a reta ordenação moral da sociedade e o bem comum de acordo com São Tomás de Aquino, e mais! A Quadragesimo Anno dá suporte até a um modesto welfare state


Com efeito a luta de classes, quando livre de inimizades e ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa concorrência honesta, fundada no amor da justiça, que se bem não é aquela bem-aventurada paz social, por que todos suspiramos, pode e deve ser o princípio da mútua colaboração. Do mesmo modo a guerra à propriedade particular, afrouxando pouco a pouco, chega a limitar-se a ponto de já não agredir a posse do necessário à produção dos bens, mas aquele despotismo social, que a propriedade contra todo o direito se arrogou. E de facto um tal poder não pertence aos simples proprietários mas à autoridade pública. Por este caminho podem os princípios deste socialismo mitigado vir pouco a pouco a coincidir com os votos e reclamações dos que procuram reformar a sociedade segundo os princípios cristãos. Estes com razão pretendem que certos géneros de bens sejam reservados ao Estado, quando o poderio que trazem consigo é tal, que, sem perigo do mesmo Estado, não pode deixar-se em mãos dos particulares. 
Tão justos desejos e revindicações em nada se opõem à verdade cristã, e muito menos são exclusivos do socialismo. Por isso quem só por eles luta, não tem razão para declarar-se socialista. (Quadragesimo Anno - Papa Pio XI)
Em outras palavras a defesa de um Estado de bem-estar social não é uma causa socialista ou que te torne socialista, mas uma reclamação justa da ordem social reta. Para que não se diga que essas doutrinas foram canceladas pelo "liberalíssimo" Concílio Vaticano II, cito um documento que é fruto imediato dele. Os artigos 164, 166 e 168 do "Compêndio de Doutrina Social da Igreja" delimitam que é dever também do Estado agir no combate à pobreza. Respectivamente eles defendem a existência de bens públicos (164), serviços públicos voltados ao bem-estar social (166), e os mesmos sendo também dever do estado (168).

A Igreja nunca foi contra o direito de propriedade, tanto que àqueles que não tinham esse direito, ela garantia as terras comunais da Igreja para que eles tivessem um solo para construir suas casas, plantar e comer. Já os liberais - Ah! A tal de "magnífica tradição liberal" - nasceu da reforma protestante na qual um rei frustrado no casamento, para conseguir o divórcio, além - é claro - da cobiça para com os bens da Igreja, mancomuna-se com as elites e toma as propriedades da Igreja. Momento ímpar no qual depois, a elite whiggamore inglesa (nobres liberais) viriam quase um século depois iniciar o cercamento dos campos exporpriando e expulsando camponeses de suas propriedades comunais. Thomas Woods Jr; sim, o amiguinho de Tucker, tentou contra-argumentar nesse ponto num debate com Christopher Ferrara e simplesmente, se quebrou! Quem quiser procurar pelo debate achará no google, no site do Woods e na The Distributist Review.

TUCKER: "A apoteose do espírito liberal no catolicismo foi belamente afirmada nos documentos do Concílio Vaticano II. O Concílio representou o aceitamento final do liberalismo, algo que já vinha sendo ensaiado há séculos. Foi neste Concílio que a Igreja finalmente, e dogmaticamente, afirmou o direito à liberdade religiosa como um pilar dos direitos humanos."
E como de costume, não podia faltar o apelo ao "Espírito do Concílio Vaticano II". Tanto comunistas quanto libertários se apegam a ele para distorcerem as ortodoxas palavras nele contido e enxertar significados nada católicos nos pontos em que ele é dúbio. Não mintamos para nós mesmos, esse concílio foi problemático embora eu tenda a pensar que seu mal é mais acidental e está mais na cabeça de quem tentou distorce-lo do que nos documentos propriamente ditos. Se há problemas, são problemas que não tangem a infalibilidade papal pois residem em documentos meramente pastorais e não dogmáticos. É falso o entendimento de que a Dignitatis Humanae adere ao conceito liberal de liberdade religiosa, em outras palavras ela se encarregra de completar o texto da Syllabus (a qual mencionarei ainda depois).

Vamos ler o que um interprete autorizado tem a dizer sobre o texto da Dignitatis Humanae. Pe. Brian Harrison, O.S, num artigo chamado "Dignitatis Humanae: Um desenvolvimento não contraditório" afirma que o princípio enunciado é válido apenas secundariamente no que se refere "a códigos de direitos humanos" e não um direito entendido como "um dever moral", que é precisamente a diferença entre uma lei canônica da Igreja e uma "lei positiva humana". Em resumo, o que a DH diz é que o Estado não tem o direito de forçar a conversão de ninguém, algo que a Igreja através do Papa já afirmava desde os tempos da bula "Sicut Judaeis non" no século XII! E pela tradição apostólica, até mesmo desde antes! Mais adiante, o próprio Pe. Brian vai dizer que "Se ele também teria ou não um verdadeiro direito a reprimir A (culto não-cristão) é uma questão distinta. Em alguns casos teria, em outros não."

Ou seja, O Estado não pode converter ninguém a força, mas em alguns casos, ele teria o direito de reprimir um culto não cristão. Em quais situações? Continua Pe. Harrison, O.S.: Nas situações em que tal culto pusesse em risco: a) os direitos dos cidadãos (e isso inclui o de ouvir o Evangelho); b) a paz pública, c) a moralidade pública (lei natural/moral).

Bem, nada liberal, não é mesmo?

Lembra do que falamos sobre a tradição liberal? Então, essa mesma tradição foi condenada no Syllabus de Pio IX! E todos os seus defensores estão excomungados. Isso significa que, todos os autores liberais que avalziam a opinião de Tucker sobre o libertarianismo estão excomungados assim como o próprio Jeffrey Tucker!

TUCKER: "Considere as palavras do homem que é amplamente considerado o principal gênio libertário do século XX, Ludwig von Mises. Em seu livro Liberalismo - Segundo a Tradição Clássica, de 1927, ele argumenta que somente o liberalismo busca o bem de todos, jamais querendo satisfazer apenas os interesses de um grupo especial!"

É mesmo Tucker? Será que você não tem nada a esconder? Como essas citações de Mises sobre Jesus Cristo


...Seu zelo pela destruição dos laços sociais não conhece limites. A força motriz por trás da pureza e do poder de tal completa negação é uma inspiração extática e uma esperança entusiástica de um novo mundo. Daí seu ataque apaixonado a tudo quanto existe. Tudo pode ser destruído porque Deus, em Sua onipotência, vai reconstruir a futura ordem. É desnecessário examinar se alguma coisa pode ser reaproveitada na passagem da velha para a nova ordem, porque essa nova ordem erguer-se-á sem auxílio humano. Ela não demanda de seus partidários, portanto, nenhum sistema ético, nenhuma conduta particular em qualquer direção positiva. Fé, e apenas fé, esperança, expectativa – isso é tudo o que é necessário. Ele [o homem] não precisa contribuir em nada para a reconstrução do futuro, Deus Ele mesmo o sustentou. O mais claro paralelo moderno à atitude do cristianismo primitivo de completa negação é o bolchevismo. Os bolcheviques, igualmente, desejam destruir tudo quanto existe porque eles o consideram algo desesperadamente mau. Mas eles têm em mente planos – por mais indefinidos e contraditórios que eles possam ser – para uma futura ordem social. Eles exigem não apenas que seus seguidores devem destruir tudo quanto exista, mas também que eles adotem uma linha de conduta definida, que conduz em direção ao Reino futuro com o qual eles sonharam. O ensinamento de Jesus a esse respeito, por outro lado, é somente negação. (Ludwig von Mises - Socialismo, capítulo 29.)
Entendeu? o cristianíssimo Mises achava que Jesus não era melhor do que um Bolchevique como Lênin ou Stalin.
TUCKER: Para ser claro, de maneira nenhuma estou dizendo que a tradição católica no pensamento político equivale ao libertarianismo. Há muitas anomalias e contradições que impedem que tal afirmação seja feita. O que estou dizendo é que a Igreja já se provou capaz, ao longo de uma longa história, de falar de liberdade e de política com um grande sotaque libertário. E isso tem um motivo: a fé genuinamente acredita que a verdade irá libertar o mundo.

O texto se contradiz vergonhosamente, visto que ele tenta provar que a Igreja aderiu ao liberalismo e ao libertarianismo, e no fim diz que ela não aderiu. Tucker está errado mesmo quando acha que acerta, como visto acima, a Igreja nem de longe chegou a aderir as liberdades modernas, mas sim ao reto conceito de liberdade, que para um liberal, nada mais é que autoritarismo. Contudo, não acaba aqui, texto seguinte trarei ainda mais uma bola de demolição contra o que sobrou do cadáver do vigarista Jeffrey Tucker.


Jeffrey Tucker

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Equidade e recessão - A excessiva desigualdade é sim, ruim.


Muitas vezes vejo os amigos de direita que ao invés de aderir a uma forma distributista de economia como por exemplo o distributismo mesmo ou a Economia Social de Mercado, aderem ao liberalismo radical dizerem: "O problema não é a desigualdade, e sim a pobreza!". É verdade, mas apenas em parte. Isto é, a desigualdade causa sim problemas. Quando o montante da renda nacional está majoritariamente acumulada nas mãos de um pequeno grupo detêm o capital e aqueles que dependem dos salários ficam com uma porção consideravelmente menor, você tem problemas com a demanda agregada.

Isto é, o empregado tem poder de compra reduzido em face do poder de produzir do "capitalista", o resultado é que nem tudo é vendido e, com o declínio de preços subsequente, o custo de oportunidade para produzir medido por uma grandeza chamada eficiência marginal do capital se torna desfavorável, levando a paralização da atividade produtiva e ao corte de gastos pra esquilibrar orçamentos. Tais cortes de gastos advém das demissões, o que, na ausência de salários cria maior ausência de consumo e, logo, piora a recessão.

Isto assim é, pois como já demonstrado por keynesianos, distributistas como John Médaille e até mesmo alguns ordoliberais como Wilhelm Röpke, a lei de Say é só parcialmente válida. Isto é, ela é criada pelas instituições e sua validade depende das mesmas. No coração da lei de Say existe a teoria incerta e muito provavelmente falsa da taxa natural de juros, que pela sua própria condição de incognoscibilidade faz com que, na verdade, as taxas de juros sejam valores quase arbitrários como já dizia Delfim Netto.

A economia capitalista apresenta tais problemas com recessões e depressões causadas por insuficiência de demanda, não (apenas e nem em todos os casos) por ação estatal always and always como pregam os austríacos, mas sim pelo seu problema fundamental diagnostificado por Chesterton: "Muito capitalismo não significa muitos capitalistas, mas muito poucos". Isto é, o capitalismo é baseado numa plutocracia da qual a maior parte da sociedade está destituída de qualquer capital, ao passo que poucos tem capital. Esta distinção faz com que a desigualdade natural do processo econômico na qual o capital recebe o seu pagamento mais o seu excedente como recompensa por poupar, se torne uma transferência brutal de recursos que poderiam ser parte do consumo do trabalhador. Para entender como isso ocorre, veja a teoria ropekana dos ciclos econômicos neste link.