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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O que é Democracia Cristã?


O que é a democracia cristã? Essa é uma pergunta pequena para uma resposta longa. Cada vertente do pensamento democrata cristão se manifesta de uma maneira diferente, apesar de manter os princípios fundamentais. A DC Italiana, a DC francesa, a DC alemã e a DC latino-americana possuem características muito peculiares cada uma, e ainda assim conseguem se entender nos seus princípios basilares. Contudo, avançaremos nessa proposição. Primeiramente, para entender o conceito de democracia cristã, a primeira coisa que você deve eliminar da cabeça é a noção de que democracia-cristã é teocracia, como supõe a esquerda progressista ou social-democracia, como supõe a direita liberal. A democracia cristã ocupa no espectro político a posição de centro, e é ao meu ver, o melhor regime não apenas para países desiguais como nosso, mas para garantir a recuperação da moralidade e combater a perda dos valores cristãos do ocidente. Também se esqueça de figuras caricatas como Eymael, que por sua vez, está mais para conservador estatista do que para um democrata-cristão.
União Democrata-Cristã (Cristilich Domokratische Union)
União Democrata-Cristã (Cristilich Domokratische Union)
A democracia cristã é um movimento político cuja origem remonta a Europa do século XIX, especificamente em países como Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Áustria, e Suíça. Organizacionalmente, o movimento tem suas raízes principalmente na tradição católica (DSI – Doutrina Social da Igreja) ao lado de associações e sindicatos, inicialmente sem qualquer pretensão de formar um partido político. Em particular, durante o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial foi que surgiram enfim, os primeiros partidos democratas-cristãos, atraindo e integrando pessoas de várias camadas da sociedade, sendo ligadas umas as outras pelas suas tradições e valores. Em relação à Alemanha, a formação de uma união política composta por cristãos luteranos e católicos em associação com liberais e conservadores tradicionais, ofereceu suporte ao primeiro chanceler alemão da União Democrata-Cristã (CDU), Konrad Adenauer. Ele foi da maior importância para o duradouro sucesso da democracia cristã na Alemanha.
Por décadas os partidos democratas-cristãos têm ajudado a formar as políticas de inúmeros países europeus enquanto ajuda a promover um processo cada vez maior de integração econômica e política entre os países europeus.
Os fundamentos espirituais da democracia cristã tem sua origem na ética social-cristã das igrejas, na tradição liberal do iluminismo, e no cultivo de valores cívicos pautados na ideia de que a menor unidade da sociedade é a famíliaA democracia cristã vê o ser humano dentro de uma perspectiva ontológica e antropológica não apenas compatível com o cristianismo, mas baseada nele.
Assim, em tal crença, cada indivíduo é considerado único e deve ser tratado com dignidade. De acordo com a visão cristã da humanidade, o homem certamente não é um mero membro indistinto de uma classe social particular, tal como exposto pelo marxismo. Além disso, em contraste com as ideologias totalitárias, a idéia cristã de humanidade não se esforça para formar um "novo homem", mas aceita cada pessoa como ele é, incluindo todas as suas virtudes, fraquezas e limitações. Cada ser humano é único e deve ser entendido e defendido como tal. A crença na dignidade inviolável do indivíduo não deve levar a pensar que o homem é apenas uma unidade atomística e insociável. Pelo contrário, a visão cristã da humanidade ressalta dupla natureza do homem: O homem é ao mesmo tempo, um indivíduo com direitos inalienáveis ​​e um ser social que só pode realizar seu potencial através da convivência com outras pessoas. O direito do indivíduo a participar ativamente, de forma igual e com responsabilidade na política e na sociedade é derivada da compreensão da Democracia Cristã da dupla natureza do homem. Eis esta a razão de porque a família, primeiro núcleo social é o fundamento sob o qual a democracia cristã se levanta, em contraste ao liberalismo clássico que enfatiza única e exclusivamente o indivíduo e em contraste ao socialismo que enfatiza unidades abstratas superiores como a classe, a nação ou a raça.
Partindo da crença na dignidade e liberdade de cada um, juntamente com a compreensão do homem como um ser ativo, consciente, responsável e equipado com o poder de discernimento, a democracia cristã postula as seguintes crenças políticas e objetivos fundamentais:
  1. O reconhecimento da democracia-liberal e constitucional como o único sistema político em que os valores fundamentais da democracia cristã podem ser realizados. No debate com os socialdemocratas na virada do século e em especial com os comunistas, a democracia cristã sempre se opôs com convicção de que a melhora da qualidade de vida tem de ser conseguida através de melhorias graduais de desenvolvimento por meios constitucionais que respeitem as liberdades individuais em vez de levantes revolucionários.
  2. O direito legal de lutar livremente pela a auto-realização política e econômica, além da felicidade pessoal, mas sempre agindo com responsabilidade em relação a si mesmo e aos outros. Aí encontram-se ideias fundamentais do liberalismo, do estado de direito e da ética social cristã.
  3. A aceitação da responsabilidade e da vontade de compartilhar a responsabilidade, o princípio da descentralização política e da responsabilidade pessoal como superior ao paternalismo centralizado e autoritário. É aí que reside o princípio da subsidiariedade.
  4. A solidariedade com os mais fracos, como expressão do mandamento da caridade e da razão política. É aí que reside o objetivo de caridade da ética social cristã, incluindo o mandamento de responsabilidade e de ajuda para com os pobres e necessitados, nesse sentido a democracia cristã se aproxima  da social-democracia.² 
Estas orientações políticas e objetivos fundamentais continuam até hoje intactos. Partidos democratas-cristãos contemporâneos continuam a associar as ideias liberais com os valores conservadores e com a ética social cristã. Estes valores fundamentais são a liberdade, a justiça e a solidariedade e são aplicados tanto para o processo político e econômico, bem como para a vida social.
Na esfera da política, a liberdade só é realizável através de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e inalienáveis ​​(direitos fundamentais e liberdades positivas), por exemplo, a liberdade de religião, a liberdade de opinião, a liberdade de reunião, da liberdade de imprensa, a liberdade de associação, bem como o direito ativo e passivo de voto. (Voto facultativo). Na área econômica, a liberdade encontra expressão através do direito de propriedade, o direito ao livre desenvolvimento e expressão da personalidade, a liberdade de trabalhar, e a livre circulação de pessoas. No entanto, como as liberdades individuais não devem prejudicar a liberdade dos outros, elas são limitadas por restrições legais (direitos fundamentais e das liberdades negativas).
Restrições legais são colocadas para impedir a restrição das liberdades de cada indivíduo e de seus outros direitos fundamentais por terceiros, incluindo, por exemplo, a dignidade humana ou o direito à livre expressão e desenvolvimento da personalidade. Esta definição de liberdade é derivada do pensamento liberal e está em conformidade com os fundamentos do Estado constitucional liberal. Além disso, essa definição de liberdade explica por que os partidos democratas-cristãos são defensores de um sistema econômico orientado para o mercado e simultaneamente dedicado à justiça social
A Democracia Cristã verifica que o princípio fundamental da igualdade está enraizado na igualdade de todos os homens diante de Deus, e através de sua dignidade dada por Deus e na sua igualdade perante a lei. No contexto do Estado constitucional liberal, a igualdade garante "justiça igual para todos" e garante que ninguém será julgado favorável ou desfavoravelmente por causa de sua crença religiosa, étnica, de origem ou qualquer outra característica socioeconômica ou humana.
Na esfera econômica e social, as definições democratas-cristãs de igualdade estão em claro, amplo e absoluto CONTRASTE com outras ideologias políticas, como o socialismo, o comunismo e também os movimentos políticos alternativos associados com a socialdemocracia. O objetivo principal das noções democratas-cristãs de igualdade não é a redistribuição radical da propriedade e da renda, com o objetivo de erradicar a desigualdade social. Em vez disso, a Democracia Cristã defende a justiça distributiva, produzindo a igualdade de oportunidades de conseguir mobilidade social ao invés de uniformidade social. Assim, deve ser dada a cada pessoa, a oportunidade de se desenvolver da forma que melhor se adapte seus desejos e habilidades pessoais.
A Democracia Cristã defende tanto, uma estrutura político ejurídica democrática - o Estado constitucional liberal - e um conceito socioeconômico de economia social de mercado pautado no Ordoliberalismo da Escola de Freiburg como a mais viável para atingir esses objetivos. Além disso, a Democracia Cristã prevê opções alternativas para escolaridade, formação profissional e política das famílias a serem tomadas pelos indivíduos de acordo com as suas ambições pessoais e habilidades.
Economia social de mercado é o modelo econômico e sociopolítico da Democracia Cristã.
Este conceito une os valores fundamentais da liberdade e da igualdade. A economia social de mercado foi desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial por economistas como Wilhelm Röpke, Walter Eucken, Alexander Rüstow e Alfred Müller-Armack (que mais tarde tornou-se presidente da Konrad-Adenauer-Stiftung), juntamente com o especialista em direito Franz Böhm. O modelo foi implementado pelo então Ministro Federal da Economia Ludwig Erhard, que passou a se tornar Chanceler da Alemanha e líder da CDU.
Walter Eucken - Ao lado de Wilhelm Röpke, Alexander Rüstow, Ludwig Erhard e Franz Böhm foram os intelectuais responsáveis pelo renascimento da Alemanha pós-guerra.
Walter Eucken - Ao lado de Wilhelm Röpke, Alexander Rüstow, Ludwig Erhard e Franz Böhm foram os intelectuais responsáveis pelo renascimento da Alemanha pós-guerra.
O papel central do conceito de liberdade no pensamento democrata-cristão leva ao seu claro compromisso com uma economia de mercado baseada na propriedade privada, atividades empreendedoras livres e na competição. É certo que, no entanto, nem sempre é possível atingir o objetivo principal de uma economia de mercado, ou seja, o fornecimento ideal da sociedade com bens e serviços, através das instituições de um mercado livre e não regulamentada. Além disso, um mercado livre e desregulado pode às vezes até causar efeitos indesejáveis, tais como crises econômicas e desemprego. Para combater essas possibilidades negativas decorrentes de um mercado livre e não regulamentado, o conceito de economia social de mercado prevê o estabelecimento de um quadro legal por parte do Estado, a fim de orientar as atividades de mercado. Mas acalme-se; não se trata de keynesianismo barato. Tais regras são simples e não intervêm na livre formação dos preços ou na propriedade das pessoas, são apenas alguns tipos de regulação para proteger a livre concorrência, por exemplo, proteger a liberdade de comércio e de contrato, exercer controle sobre os monopólios, ou através da introdução de legislação anti-trust, proteger e promover a pequena propriedade privada, o segundo objetivo da economia social de mercado é a criação de condições de trabalho humanas.
Este objetivo encontra expressão na proibição do trabalho infantil forçado, a regulamentação do horário de trabalho semanal, ou regulamentos diferentes (dependendo do estado federal) sobre a proteção contra violações de direitos humanos nas relações de trabalho. Além disso, o reconhecimento da liberdade de associação e o direito dos sindicatos a participarem de negociações coletivas livres estão firmemente ancoradas no conceito ordoliberal da economia social de mercado.
O princípio da solidariedade é antes de tudo um aspecto do comportamento humano que surge a partir da ideia de uma humanidade e um altruísmo em comum. A ideia de solidariedade obriga o forte de se levantar para os fracos. Solidariedade vem jogar uma economia social de mercado em situações em que os indivíduos são temporariamente impedidos de participar da força de trabalho. Isto pode se aplicar, em particular, para aqueles que estão doentes, mulheres grávidas, os idosos e até mesmo os desempregados. Para fazer jus às suas responsabilidades sociopolíticas - e ao mesmo tempo conhecer outras responsabilidades do Estado, incluindo a garantia da segurança interna e externa, a oferta de educação de qualidade sem, entretanto, tirar a liberdade de escolha das famílias, e o desenvolvimento de infraestrutura - o estado impõe impostos apenas moderados sobre seus cidadãos, juntamente com outros tipos contribuições sociais que dependem do salário do indivíduo ou outras fontes de renda. Através destas contribuições, organizadas de maneira simples e desburocratizada os contribuintes e empregados ganham o direito de apoio do Estado em tempos de necessidade. Esta pode ser uma medida temporária, por exemplo, no caso de doença, gravidez ou desemprego, ou, como no caso das pensões para pessoas inválidas, assumir a forma de apoio permanente. O princípio também se aplica oferecendo por tempo limitado auxílios financeiros a pessoas em situação de extrema-pobreza, sem entretanto deixar que estas medidas se tornem populistas por ser indeterminado no prazo; tais medidas são sempre aliadas a projetos educacionais e de saúde como vouchers e outras medidas que a longo prazo, permitirão tirar estas famílias da situação de extrema-miséria.³ Nesse sentido, a Democracia Cristã apoia instituições de Welfare ainda que moderados e subsidiários.
A política econômica e social da Democracia Cristã apoia o papel de habilitação do estado e ainda rejeita firmemente a sua onipotência. Ele é guiado pelo seguinte princípio: o máximo de envolvimento do Estado é apenas o necessário para garantir a liberdade das pessoas (por exemplo, na forma de criação de um quadro político para assegurar o bom funcionamento da economia de mercado) E ainda a intervenção do Estado deve ser a necessária para garantir que alguém com muito poder no mercado tire a liberdade dos outros. O que pode ser resumido como "In dubio, pro libertate". Em contraste com os modelos sociais e políticos socialistas ou socialdemocratas, as sociedades democratas-cristãs tendem a delegar várias tarefas públicas para instituições menores que são independentes do Estado. Esta abordagem está em conformidade com o princípio da subsidiariedade em que o estado delega determinadas tarefas aos indivíduos ou às unidades menores, desde que eles sejam capazes de realizar com sucesso essas tarefas. Enquanto a Democracia Cristã compartilha um vínculo especial com as igrejas cristãs, seria incorreto descrevê-la como extensão política deste último. A Democracia Cristã defende fortemente a separação entre Igreja e Estado, como pode ser vista na tradição luterana, embora a Democracia Cristã e as igrejas cristãs compartilhem muitos valores em comum.
Estes valores compartilhados incluem o compromisso com a proteção da dignidade da pessoa humana, o respeito à liberdade e à responsabilidade, a proteção do nascituro, a preservação da criação e do estatuto especial da família tradicional, como a menor unidade social.
A Democracia Cristã valoriza o papel das igrejas cristãs na orientação moral e promover dever cívico e do bem comum. E apesar de seu respeito por outras religiões, a Democracia Cristã defende a preservação de símbolos cristãos e feriados cristãos, pois são deles (cristãos) e não os de outras religiões o fundamento mais sólido da sociedade ocidental. São conservadores voluntaristas, acreditam que a moral não deve ser imposta a base da canetada e da "garruchada" da lei estatal, mas sim aceita de livre e espontânea vontade, como reconhecimento da superioridade moral da tradição em desfavor dos progressismos irresponsáveis.
Aí você pergunta:
- Ok, Arthur; mas existe algum partido democrata cristão no país?
Sim, em teoria há. Embora não curta muito o modus operandi dele por ser extremamente proibicionista, mas o PSC é a maior sigla representante deste pensamento no país. Entretanto de isto se dá apenas no plano ideológico, na prática, parte do partido segue o conservadorismo de estado grande e o fisiologismo, e outra parte é liberal-conservadora defendendo um estado muito pequeno e alheio aos dramas sociais do país. Seu candidato à presidência em 2014 foi Everaldo Pereira, que tem propostas liberais e conservadoras para a economia e para a sociedade. Foi orientado pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro, o que fez com que o partido se afastasse da plataforma democrática cristã em favor de uma liberal-conservadora de moldes Thatcheristas. Nesse sentido, pode-se dizer que não há um partido que erga os símbolos da DC na política brasileira de maneira séria. Por outro lado, há um em formação, a UDCdoB, grupo a que este escritor presta apoio.
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Referências
² KONRAD ADENAUER-STIFTUNG. Christian Democracy: principles and policy-making. Saint Augustin. Berlim, 2011.
³ RESICO, Marcelo F. Introdução a Economia Social de Mercado – Ordoliberalismo. Fundação Konrad Adenauer. Rio de Janeiro, 2012.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

As economias sociais de mercado e o conceito de terceira via


Uma das grandes confusões que surgem quando se pretende definir uma terceira via econômica, é sem dúvidas, a volatilidade de tal conceito. Entre o liberalismo absoluto (minarquia) e o socialismo real (URSS) existe um vasto degradé de tonalidades entre o “azul” e o vermelho que podem ser igualmente chamados de terceira via.
Inclusive, o social democrata inglês Anthony Giddens foi muito criticado ao utilizar esta nomenclatura para sua proposta, visto que terceira via também pode se relacionar ao fascismo, que ocupa uma gradação mais estatista e autoritária entre os dois pontos de referência nos extremos.
John Stuart Mill também seria uma terceira via dentro deste quadro, assim como John Maynard Keynes. Mas por critérios metodológicos mais fiáveis, necessitamos precisar o conceito para que ele não se torne tão vasto e, muitas vezes, contraditório.
Uma prova de que dentro da ideia de terceira via cabem muitas propostas diferentes vêm do próprio social democrata Giddens (2001, p.39), que em “The Third Way and its critics” pontuou que existem diferenças entre propostas de terceira via nos países da Europa.
“As reformas do welfare state na Dinamarca em 1993-94 diferem significativamente das que foram realizadas na Grã-Bretanha, mas há muitos aspectos em que se sobrepõem. A “economia negociada” dinamarquesa, o muito discutido “mercado popular” nos Países Baixos e muitas outras mudanças em andamento na social-democracia da Europa continental são de relevância direta para a política de terceira via. […] Um recente trabalho da comissão dos valores básicos do Partido Social Democrata Alemão, distingue quatro diferentes terceiras vias na Europa. Uma é a abordagem “orientada para o mercado” assumida pelo novo Trabalhismo. A abordagem holandesa é orientada para “o mercado e o consenso”. A Suécia está trilhando o caminho do “welfare state reformado”. Conservando grande parte da continuidade do seu passado. A continuidade do desenvolvimento é também aparente na França, que está se aferrando à “via liderada pelo Estado”.”
Como podemos perceber, Giddens explora a noção de terceira via de varias formas diferentes dentro do espectro político da esquerda. Cada uma possui sua especificidade sem, entretanto, perder o seu caráter social democrata.
Por outro lado, a terceira via não existe apenas dentro do espectro político da esquerda, ela também existe dentro de um conjunto de pensamentos que se inclinam à direita, sendo para estes fins de centro-direita e mais próximos do liberalismo econômico. É o que nos ensina a figura de determinados pensadores da economia, sendo os mais notórios deles, Walter Eucken, Wilhelm Röpke e Ludwig Erhard.

Terceira via
O primeiro passo para se entender uma proposta de ESM à direita é pensar que, apesar do estado existir e ser importante, há um elemento mais importante do que ele, o mercado. O mercado não é ninguém em específico, não é apenas o grande empresário; o mercado não é apenas George Soros, Bill Gates e mais uns dois ou três meta-capitalistas. O mercado são todas as pessoas na sociedade. Por tanto uma proposta de Terceira Via democrática e liberal deve entender que o mercado é o mais importante agente de justiça social e não o Estado, embora ele possa desempenhar um excelente papel complementar, entretanto, este papel somente ocorreria nas áreas em que as ações do mercado, ou ainda, da própria sociedade não fossem suficientes para promover o seu próprio bem estar.
Em “Bem-estar para todos”, Ludwig Erhard não nega inteiramente o welfare state, embora mostre um receio para com ele. Para o democrata cristão que foi ministro da economia e chanceler da RFA, o mercado é “social” em si mesmo, desde que ele não fosse relegado a sua própria sorte e a dos agentes do mercado[2]. Erhard sabia que apesar do mercado incluir todas as pessoas, no mercado nem todos são iguais, uns tem mais poder do que outros, visto que nele, os meios de troca, se convertem em meios de ação, e, obviamente, quem tem mais meios de ação, tem mais poder. Erhard compreendia que o livre mercado deixado a própria sorte não imporia limites aos players, o que os levaria, diante de situações como as de crise, ou em mercados novos, a formação de oligopólios e cartéis. A principal função do Estado para Erhard não era a de intervir no processo econômico e tomar recursos de alguns poucos e dar para muitos que não os tem, mas sim, observar e cuidar do mercado, para evitar que alguns “espertalhões” queiram se livrar do regime de competição para estabelecer conchavos de preços; esta seria então, a condição sine qua non para que o mercado pudesse gerar desenvolvimento econômico e prosperidade para toda uma nação. A história não poderia ter dado mais razão a alguém do que deu a Erhard, sua ação firme e impecável como ministro da economia, o levou a se tornar o “ministro do milagre”, e posteriormente, a chanceler da Alemanha Ocidental. Entres os muitos dados impressionantes estão os do consumo interno, que em 1951 era de 4,6 bilhões marcos e em 1961 era de 10,7 bilhões de marcos. Em suma, o consumo das famílias, assim como seu poder de compra, mais do que dobrou.[3] Em 1955, a produção industrial da Alemanha, com apenas metade de seu território, já era superior a de 1938 sob a égide do Nazismo e sua máquina tenebrosa de guerra[4]. No começo do primeiro gabinete de Konrad Adenauer, o desemprego chegava a 1 milhão e meio de pessoas, em 1961, a situação era de pleno emprego, com apenas 95 mil de desempregados[5].
Manuel Wörsdörfer (p.23) comenta que as bases do sucesso da economia social de mercado alemã pode ser percebida já em Walter Eucken, pai do pensamento ordoliberal, o que confirma essa auto limitação do Estado em “não dar o peixe, mas permitir que o lago esteja limpo para que os pescadores façam seu trabalho”. Ele chama a atenção a isto no seu artigo “On the Economic Ethics of Walter Eucken”.
O Estado deve se auto-limitar à formação de regulamentos, ou estruturas; a intervenção do Estado nas peças econômicas do jogo deve ser em razão da conformidade com o mercado, ou seja, não deve prejudicar o funcionamento dos mecanismos de mercado e de preços.
Se há algo com que Erhard realmente se importou ao longo de sua estadia no gabinete de Konrad Adenauer, foi com a estabilidade da moeda. Todos os conflitos que este teve com o Partido Social Democrata, ao menos no início de suas funções no bundestag, tiveram como base a defesa da estabilidade do valor do Deutsche Mark, sua criação. Erhard teve de rebater propostas de controle de preços, expansão do crédito, aumento do gasto público e de desvalorização cambial. Podemos definir a partir do que fora exposto, quais são os cinco pilares fundamentais da economia social de mercado na perspectiva ordoliberal.
  1. Estabilidade da Moeda.
  2. Livre formação de preços.
  3. Mecanismos de prevenção e combate aos cartéis e oligopólios.
  4. Subsidiariedade
  5. Austeridade Fiscal.
Em conclusão, podemos dizer que estes cinco fundamentos, formam as bases sobre as quais se construíram o verdadeiro ideal de liberdade e igualdade que jamais foi alcançado pelo socialismo e nem pelo laissez-faire da economia clássicaResico (2012, p.112-113) resume bem o significado disto. Para ele o núcleo da Economia Social de Mercado é:
“a combinação do princípio da liberdade de mercado com o princípio da equidade social” […] Mesmo assim, pode-se afirmar que, nesse contexto, a Economia Social de Mercado foi desenvolvida como uma alternativa liberal diante da economia planejada e como uma alternativa social à economia de mercado no estilo clássico.
Liberdade e Igualdade sempre estarão em conflito como valores antagônicos; o que a Economia Social de Mercado, como uma proposta de terceira via democrática, se propõe a fazer, é encontrar um ponto de equilíbrio entre esses dois valores. Este é um esforço contrário ao que era comumente abraçado pelos economistas durante o período de polarização da Guerra Fria, onde se tendia a levar um desses valores até suas ultimas consequências em detrimento de seu oposto. Podemos citar como exemplos dessa polarização intensa Ludwig von Mises e F.A. von Hayek no “corner” do liberalismo econômico, e ainda, Oskar Lange e Gunnar Myrdal no “corner” do socialismo.
A proposta à direita de ESM é a proposta ordoliberal, que ao invés de querer combinar o liberalismo econômico com o Estado previdência gigante como se faz nas alternativas a esquerda, pretende confiar, uma vez mais, na liberdade dos indivíduos, onde o Estado apenas age para permitir que essa liberdade seja maximizada e estável e que socorra a quem precise apenas quando a sociedade não puder fazer isto por si própria.
Para concluir, retornamos ao conceito de terceira via, quando Alfred Müller-Armack definiu a ideia central de Economia Social de Mercado como uma terceira via econômica, ele não estava necessariamente se opondo as ideias dos clássicos tal qual elas são; até porque hoje, como muito bem demonstrado por Lionel Robbins, os economistas clássicos se sentiriam muito mais confortáveis perto dos ordoliberais alemães do que dos libertários americanos. Müller-Armack não atacava as ideias presentes nos escritos de Smith, Ricardo ou John Stuart Mill, ele atacava o resultado prático e a implantação prática, real do liberalismo, que divergia em muito daquilo que realmente pensava os liberais clássicos.
Uma atualização do conceito de terceira via seria uma posição de centro, moderada, colocada entre o estatismo fascista e socialista e o fundamentalismo de mercado dos libertários e minarquistas.  
Referências:
ERHARD, Ludwig. Bem-estar para todos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1964.
GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. São Paulo: Editora Record, 2001.
RESICO, Marcelo. Introdução à Economia Social de Mercado. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2012.
RÖPKE, Wilhelm. Os países subdesenvolvidos. São Paulo: Editora Saraiva, 1960
WÖRSDÖFER, Manuel.  On the Economic Ethics of Walter Eucken. Konrad Adenauer Stiftung, 2010.
[1] Graduando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo e graduado em Pedagogia pelo Centro Universitário São Camilo – Espírito Santo. Democrata Cristão, ordoliberal, e apaixonado por história da economia.
[2] Wilhelm Röpke assinala o mesmo em “Os países subdesenvolvidos”.
[3] ERHARD, 1964, p.177
[4] Ibid. p.59
[5] Ibid. p.69

Em breve.