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sábado, 25 de novembro de 2017

O "complô" liberal para cooptar os católicos


Fui questionado acerca da veracidade das minhas alegações de que existe hoje um complô liberal para cooptar os católicos que vem crescendo no Brasil devido a expansão da nova direita. Quando digo complô, obviamente não me refiro a uma espécie de seita secreta de liberais  reunidos em lojas maçônicas. Não. Refiro-me a uma tendência entre os católicos a adotarem posições a direita no campo moral, religioso e econômico contra uma ameaça esquerdista e que, muitas vezes, encontra nos argumentos da direita um sustentáculo. Com isso, o resultado acaba sendo uma síntese entre pensamento liberal e católico, o que é obviamente herético. O inverso é também verdadeiro, quando a direita se mostra uma enganação, o movimento inverso tende a ocorrer, foi assim que a teologia da libertação cresceu.

Pretendo, portanto, provar minha alegação em dois pontos distintos:


  1. Demonstrar que há uma tendência internacional de liberais que por alguma razão, encontram-se dentro da Igreja católica, e pretendem instrumentalizá-la para seus grupos políticos e para favorecer suas agendas.
  2. Demonstrar que este fenômeno existe no Brasil.
Não me focarei nas razões pelas quais indivíduos liberais ou socialistas estão dentro da Igreja, já que muitas destas razões são pessoais, insondáveis e de foro na enorme maioria das vezes, íntimo. 
Contudo, tentarei documentar aqui, que liberais no Brasil e fora dele vem tentando misturar a doutrina católica com o liberalismo, seja através da distorção das palavras do magistério, das palavras dos santos e/ou da falsificação historiográfica. A estratégia é ambígua e varia conforme o leitor. Se é um leigo de pouco conhecimento, a estratégia é a do confusão, minorando e diminuindo as distinções entre liberalismo e distributismo, se não mostrando-os como a mesma coisa, pelo menos colocando-os como muito próximos; assim através de uma lógica praticista leva-se o católico a apoiar o liberalismo sem saber ou perceber o erro. 

Quando se trata de um leigo com leitura e bagagem, não tem como esconder o jogo, a ideia é tentar deslegitimar politicamente o distributismo, a ESM ou enfraquecer teologicamente a importância da DSI.  Outras estratégias que já enfrentei foi a alegação de que o Concílio Vaticano II mudou tudo, e que agora tudo é permitido. Enfim, como podemos ver, o catolicismo liberal e libertário é uma forma de modernismo, que apresenta uma lógica dupla, como a língua bífida da serpente, que num lado parece muito católica, no outro é pior que o pior dos hereges.


Ao fim deste texto há uma grande seção de evidências e referências, todas as afirmações feitas estão lá elencadas.


#1

Em que pese tal processo poder ser datado desde os tempos do iluminismo e da revolução francesa, pretendo me focar no século XX. Desde o pós-guerra, os católicos vinham em franca acensão nos Estados Unidos, e ganhavam ano-a-ano mais e mais influência nos meios acadêmicos, midiáticos e políticos. Percebendo isso foi que Murray Rothbard decidiu cooptar este grupo para a causa austro-libertária. Rothbard se infiltrou em grupos neoescolásticos e adaptou sua estratégia de argumentação aos fundamentos do direito natural, só que atribuindo a Santo Tomás de Aquino à idéia de que o direito natural não depende da existência de Deus (distorção da palavra dos Santos) e de que Santo Tomás era antirreligioso[1].


Também foi o introdutor da ideia de que os Escolásticos de Salamanca são os pais ou mentores da Escola Austríaca de Economia, ideia popularizada entre os americanos por autores com Thomas Woods Jr; e trazida à América Latina pelo liberal infiltrado no Opus Dei, Alejandro Chafuen [2]. Tal ideia é contestada por um austríaco, Joseph Schumpeter, e também pelo economista John D. Mueller, que apesar de se dizer distributista é um intelectual que mantém uma boa proximidade com os liberais e pode-se dizer um cripto-liberal. Mueller e Schumpeter demonstrarão que os escolásticos de Salamanca estavam mais próximos dos Walrasianos do que dos austríacos, mas que eles ainda assim, não estavam secularizados e não negavam o conceito de Justiça dentro da tradição escolástica[3].


Essa tentativa de constituir um catolicismo liberal e libertário levou a construção do Instituto Acton. Lord Acton era um maçom e liberal infiltrado na Igreja, que até o último instante manteve-se fiel à sua doutrina liberal a ponto de conspirar contra o Papa. O líder dessa seita liberal nos Estados Unidos é o Padre Robert Sirico, que como eu traduzi aqui, foi um dos primeiros a ler a Centesimus Annus de João Paulo II como se fosse uma encíclica de aprovação ao liberalismo econômico[4]. Seja como for, a bibliografia do "catolicismo liberal e libertário" se espalhou pelos Estados Unidos e, apesar de encontrar resistências, as obras de Chafuen, De Soto, Rothbard e Woods se espalharam através da rede que liga o Acton Institute, o Mises Institute e a Atlas Network influenciando largamente o laicato católico.

Obras como "Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental" e "The Chruch and the Market" de Thomas Woods Jr, popularizaram a ideia de que a teoria econômica mais apropriada para um católico é o liberalismo econômico e que a Escola Austríaca é o seu mais pleno desenvolvimento. As críticas de tomistas e estudiosos sérios, como Christopher Ferrara em "Liberty, the God that failed" e "The Church and the libertarian"; Angus Sibley em "The poisoned spring of economic liberalism"; John Médaille em "Toward a truly free market", Thomas Storck em "An economics of Justice and Charity", de Peter Chojnowski que dedicou uma serie de textos traduzidos por Angueth[5] e em menor grau do já mencionado John Mueller em "Redeeming Economics: Finding the missing element" são respondidos com as erradas ideias de que o Concílio Vaticano II mudou tudo e que, por não ser magistério extraordinário, a DSI não é infalível e que pode ser apropriada por uma leitura libertária.

Como podemos ver, trata-se de falsificação historiográfica e distorção do magistério, como já dito anteriormente. Graças ao esforço destes autores, muitos outros católicos liberais e libertários surgiram com força, como Jeffrey Tucker e Lew Rockwell. Até opiniões como aborto e casamento gay, por serem muito liberais e estarem em consonância com os princípios liberais são discutidos e aceitos como alternativas válidas por estes autores. [6] Jeffrey Tucker, inclusive, já foi escrutinado e esculhambado por este blog por defender que a doutrina da Igreja é libertária ou tem "algo de libertária"[7], claro que isso só foi possível após distorcer textos dos santos e a história.

Todos estes autores tem textos publicados no Instituto Mises Brasil[8], e são de grande influência sobre a nova direita.

#2

Como já demonstrado, estas ideias chegaram ao Brasil e elas são o resultado de católicos rejeitarem a DSI em favor do liberalismo. No Youtube intelectuais pretensamente católicos fazem palestras alegando que a Escola Austríaca é descendente da escolástica medieval e da Tradição católica[9]. Boeira mesmo, no episódio III de Brasil Paralelo: A última cruzada louva uma suposta síntese escolástico-liberal feita pelo Visconde de Cairu [10]. Olavo de Carvalho, hoje uma das grandes influências sobre os católicos leigos mesmo despreza a Doutrina Social da Igreja e o distributismo acusando-a de socialista [11]. Muitos nomes influentes do meio católico leigo como Leonardo Oliveira, o meu amigo Conde; o professor Hermes Rodrigues Nery e o estudioso Carlos Ramalhete são figuras que tem alguma ligação com Olavo. Bruno Garschagen, um dos highheads da Escola Austríaca no Brasil, bem como Helio Beltrão são notórios por aprovarem a síntese entre liberalismo e catolicismo, vide os textos de ambos no IMB ou o livro de Garschagen "Pare de acreditar no governo!". Mesmo nos meios libertários a ideia da síntese católico-liberal está presente, veja o caso de Joel Pinheiro da Fonseca que diz que é possível ser católico e libertário[12], isto para não mencionar o esquisitão Paulo Kogos.

Alex Catharino, outra figurinha carimbada da nova direita, por exemplo, se valerá das distorções de Russell Kirk e de Meira Penna, dois liberais para encaixar a Doutrina Social da Igreja no discurso liberal, e com ele, o distributismo[13]. É notória também as influências dessas ideias sobre membros herdeiros ou não da família Imperial, como Luiz Phellipe de Orléans e Bragança, ou ainda, como por exemplo, Dom Bertrand que em suas falas misturando conceitos da DSI com uma retórica exageradamente antiestatista, acaba por vezes tornando difícil perceber a distinção entre liberalismo e o distirbutismo, uma das interpretações apregoadas pela DSI[14]. No caso de Dom Bertrand, entende-se pelas dificuldades inerentes a ser um tradicionalista pretendente ao trono que tem por base um grupo de liberais e conservadores liberais que dificilmente aceitariam uma retórica tradicionalista que condenasse liberais e socialistas ao mesmo tempo.O caso de Luiz Phellipe, ao contrário, é mais claro. Podemos ainda citar o caso de Adolpho Lindemberg, cuja finalidade é a mesma de Thomas Woods Jr, a de mostrar a plena compatibilidade do liberalismo econômico com a doutrina da Igreja[15], chama a atenção também, o número de autores ligados a Escola Austríaca publicados pela pretensamente católica editora Ecclesiae, número que supera em muito os autores de qualquer outra vertente liberal, e nem precisa-se mencionar as keynesianas, né?[16] Ou seja, não fosse por esse detalhe até dava para dizer que é uma correlação coincidente.



Conclusão

Como já coloquei um monte de vezes, essa tentativa de associar a Escola Austríaca ao pensamento escolástico tardio acaba caindo numa visão materialista, epicurista e nominalista[17], portanto, oferecer essa alternativa como substituta do distributismo ou de outra interpretação da DSI é heterodoxo. Em resumo, há uma tendência de liberais tentarem cooptar católicos dos movimentos distributistas para o liberalismo, fazendo-os cooperar consigo[18] Se não pelos princípios, ao menos na prática pelo medo. Acredito, portanto, que provei meu ponto a respeito desta tendência nefasta de liberais se infiltrarem na Igreja e de cooptarem movimentos católicos associados a DSI e ao distributismo, distorcendo as palavras do magistério, distorcendo as palavras dos Santos e distorcendo a história para nelas encaixar sua narrativa.


//EVIDÊNCIAS//
[1] A tradição tomista, ao contrário, era precisamente o oposto: defende uma filosofia independente da teologia e proclama a capacidade da razão humana de compreender e alcançar as leis da ordem natural, sejam físicas ou éticas. Se a convicção em uma ordem sistemática de leis naturais sujeitas a ser descoberta pela razão humana é antirreligiosa per se, então São Tomás e os últimos escolásticos também eram antirreligiosos, assim como o jurista Hugo Grotius, devoto protestante. A declaração de que existe uma ordem de lei natural, resumidamente, deixa em aberto a questão de se foi ou não Deus quem criou tal ordem; e a afirmação de que a razão humana tem capacidade para descobrir a ordem natural deixa em aberto a questão de esta razão ter ou não sido dada ao homem por Deus.”  Murray Rothbard, A Ética da Liberdade, p. 58


[2] https://historicamenteincorrecto.files.wordpress.com/2014/01/woods-como-la-iglesia-construyc3b3-la-civilizacic3b3n-occidental.pdf, - Cf. p.198, 201, 207)


[3] To their credit, Austrian School scholars stand in less need of such remedial history, thanks for example to the work of Murray Rothbard, who traced the development of Austrian economic theory back through the scholastic thinkers, particularly the latescholastic School of Salamanca (Rothbard, 2006). Despite this valuable contribution, it is necessary to correct Rothbard in one key aspect: when he summarizes, In recent decades, the revisionist scholars have clearly altered our knowledge of the prehistory of the Austrian school of economics. We see emerging a long and mighty tradition of proto-Austrian Scholastic economics, founded on Aristotle, continuing through the Middle Ages and the later Italian and Spanish Scholastics, and then influencing the French and Italian economists before and up till the day of Adam Smith (Rothbard, 2006). What is objectionable is the term “proto-Austrian Scholastic economics,” since it reads history—which runs only forwards—in the wrong direction, by choosing the Austrian School as the summit to which economics was always headed. Joseph Schumpeter similarly considered the scholastics to be “proto-Walrasians.” And I must admit that I also used to share such “Whig histories of economics.” But I had to abandon them about 15 years ago when I realized that they fail to wrap up all the “leftovers.” As Alex Chafuen documented in his excellent book Faith and Liberty, personal gifts and distributive justice were central to scholastic economic theory, early and late. (Chafuen, 2003, pp. 92–93, 101–103) Yet they are not taught in any neoclassical school, including the Austrian School (except by claiming them to be disguised exchanges).


[4] A CENTESIMUS ANNUS REPRESENTA O COMEÇO DO AFASTAMENTO DA VISÃO DE MUNDO DA ECONOMIA DE SOMA ZERO QUE LIDEROU A IGREJA A SUSPEITAR DO CAPITALISMO E ARGUMENTAR POR REDISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA COMO A ÚNICA RESPOSTA MORAL A POBREZA (http://distributistreview.com/o-que-a-centesimus-annus-realmente-ensina/).


[5] http://ge-pgomes.blogspot.com.br/2015/06/seria-escola-austriaca-realmente-filha.html (Créditos: Blog do Angueth)

[6] Lew Rockwell: "The concept you are looking for, which allows righteous indignation against practice of abortion, while not espousing that the practice be defined as crime, is individual sovereignty. A woman may kill her unborn child, and it is a killing of a human being and deserving opprobrium, but our government may have no jurisdiction within the skin of an individual without each of us suffering dire unintended consequences in the long run. A woman literally holds the power of life and death within the bounds of her flesh; because she is sovereign there." (FERRARA, 2010, p.250)

Jeffrey Tucker: "The social, cultural and religious conflicts associated to the gay marriage and adoption would be better solved through laissez faire [...] government should get out of the marriage business. This answer flows directly from general embrace principle of free association: people should be permitted ti do whatever they want provided the aren't violating anyone's rights."
(FERRARA, 2010, p.245)

FERRARA, Christopher. The Church and the libertarian. Remnant Press, 2010.

[7] http://ge-pgomes.blogspot.com.br/2017/05/desmascarando-o-charlatao-e-herege.html

[8] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2684
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=212
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1548

[9] https://www.youtube.com/watch?v=pOCxvUDS-ls
https://www.youtube.com/watch?v=yePCFNckBUI

[10] http://legiaodasantacruz.blogspot.com.br/2017/11/destruindo-o-brasil-paralelo-iii-lorota.html

[11] http://catolicidadetradit.blogspot.com.br/2013/12/a-doutrina-social-da-igreja-e-um-erro.html
https://direitasja.com.br/2013/02/28/capitalismo-e-cristianismo/

[12] http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2014/06/catolico-e-libertario-pode-sim-joel.html

[13] http://sensoincomum.org/2017/03/14/meira-penna-teologia-libertacao/

[14] https://www.youtube.com/watch?v=Cvf7_8YtpQU
https://www.youtube.com/watch?v=NQcjTU5cbzo

[15]http://www.livrariapetrus.com.br/Produto.aspx?IdProduto=334&IdProdutoVersao=346

[16]http://ecclesiae.com.br/index.php?route=product/category&path=155

[17]  The differences devolve to different conceptions of human and divine nature. Classical economists are stoic pantheists, locating ultimate causation in uncreated animate matter, with fate as the governing principle. God is conceived as the world-soul, and man as God’s puppet. Man’s actions are driven by neither means nor ends but by sentiments. The associated theory of knowledge is nominalism. Neoclassical economists are epicurean materialists, seeing uncreated inanimate matter as the ultimate cause and chance as the governing principle. There is no God, and man is a clever animal who chooses means but not ends. Nominalism is the theory of knowledge of neoclassical economics.

E como já visto, John D. Mueller coloca a EA filosoficamente ligada ao neoclassicismo como uma espécie de um gênero. (https://www.gordon.edu/ace/pdf/F&E%202012%20Spring%20-%20Hammond.pdf)

[18] Los demagogos saben que una mentira repetida mil veces se acaba convirtiendo en “verdad”. Así manipulan a las masas, cuando un bulo es una y otra vez afirmado hasta que se convierte en un mantra aceptado, que no en Verdad. Lo consiguieron los enemigos de España con la famosa Leyenda Negra, y hoy en día, y desde hace algo más de un siglo, lo están intentando ciertos sectores del liberalismo conservador con la Doctrina Social de la Iglesia y la Escuela de Salamanca.

http://adelantelafe.com/no-se-puede-catolico-liberal/

O mito do distributismo sem Estado.


Alguns amigos distributistas têm uma visão errada acerca do distributismo, como se ele só pudesse existir pela própria ação da sociedade e como se qualquer ação do Estado resultasse em socialismo. Esta é uma visão errada e contaminada pelo pensamento liberal, sobretudo austríaco, que acredita que as intervenções do Estado são cumulativas, levando inevitavelmente ao socialismo. Ou, até mesmo de deturpações do termo socialismo, como se qualquer ação do Estado fosse per se socialista. Então, é muito comum que eu veja expressões como: "Para haver distributismo a divisão da propriedade deve partir da sociedade, se for pela ação do Estado, é socialismo".

Eu acredito que existam duas razões para crer nisso, basicamente ignorância e malícia. A ignorância é, na maioria dos casos, fruto de má explicação e de leituras apressadas ou inconscientemente enviesadas. E a ignorância, como tal, deve ser eliminada pela argumentação sincera e educada. Realmente, devo admitir, quanto mais orgânico e voluntário for a divisão da propriedade, melhor será para a própria sociedade. Se as pessoas pudessem ser convencidas, a livremente doarem parte de suas posses a quem nada tem; se pudessem ser persuadidas a pensarem comunitariamente nos seus empreendimentos, nossa proposta teria aplicação muito mais fácil e, portanto, teria resultados muito superiores; este seria, sem dúvidas, o melhor cenário possível! Entretanto, as coisas na REALIDADE não funcionam assim, e alguma coerção, ou pelo menos "estímulo" deve ser tomado. E é aí que entra o fator malícia.

Alguns indivíduos que são liberais conscientemente, pretendem convencer a si mesmos e a outros, de que não há nada de errado em conciliar o liberalismo econômico e a doutrina católica; usam deste artifício, e instrumentalizam os ignorantes para levá-los a crer na ideia de que o distributismo só pode ser aplicado de modo totalmente voluntário, ou não deve ser tentado, pois redundará em socialismo. A artimanha é uma falsa dicotomia, óbvio! E é uma tremenda desonestidade.

A ideia por detrás disso, óbvio, é a de se infiltrar em grupos católicos e cooptá-los para o liberalismo, de modo que se não pelos princípios, pelo menos pela prática, por meio do temor em relação um mal maior, o comunismo. Assim, sob pretexto de combater a esquerda, distributistas e liberais se fechariam juntos nas mesmas fileiras de combate, lutando pelo capitalismo liberal. Eis a dialética macabra da modernidade: Para combater os erros de 1848 e 1917, acaba-se caindo nos erros de 1776 e de 1789.

Antes de mais nada, nem o próprio Chesterton acreditava que o distributismo só pudesse ser alcançado por vias não-estatais; diz nosso bom Gilbert (2016, p.74)

"Aqui está, por exemplo, uma dúzia de coisas que promoveriam o processo do distributismo, à parte daquelas em que tocaremos como pontos de princípio. Nem todos os distributistas concordariam com todas elas, mas todos concordariam que elas estão na direção do distributismo."
Segue Chesterton:

"(1) A taxação de contratos a fim de desencorajar a venda de pequenas propriedades a grandes proprietários e encorajar o  rompimento e espalhar de grandes propriedades em pequenas propriedades."

Quem taxa se não o Estado?

"(2) Algo como a lei testamentária napoleônica e a destruição da primogenitura."

Convenhamos que Napoleão Bonaparte não era lá o melhor exemplo de voluntarismo.

"[...] (5) Subsídios para fomentar o começo de tais experimentos."

Quem garantirá estes subsídios se não o Estado? É claro que quanto mais voluntário e orgânico for, melhor. Que tanto mais comunitário e mais próximo da vivenda dos cidadãos, tanto melhor! E que mesmo que se envolva o Estado, que quanto mais perto do ente federado próximo ao cidadão (ao invés do governo federal) ocorrer essa intervenção, muito melhor! Mas não dá para cair no conto romântico de que, de repente, todos compartilharão tudo alegremente e saltitantes de felicidade fraternal.

O Estado pode e deve criar um enquadramento jurídico que estimule a própria sociedade a agir de modo distributista, e deve atuar diretamente fazendo a distribuição pela força em último caso, quando não forem possíveis maiores ou melhores resultados de outra forma, sempre visando a justiça distributiva. Socialismo é a totalidade dos bens de capital estarem nas mãos do Estado e não qualquer ação do Estado; caso assim fosse, liberalismo seria socialismo, pois ele baseia-se na destruição de um enquadramento jurídico orgânico e irracional para a imposição de uma ordenação jurídica racional, universalista e burocrática.

//REFERÊNCIA//

CHESTERTON, Gilbert Keith. Um esboço de sanidade: pequeno manual de distributismo. Ecclesiae, 2016.