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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Rothbard, seus erros e suas contradições.


Um dos maiores ídolos do libertarianismo e do liberalismo moderno, citado tanto por anarcocapitalistas quanto por liberais como autoridade em suas obras, Murray N. Rothbard é famoso por sua defesa intransigente da liberdade como fundamento único da sociedade.
Em seu livro The Ethics of Liberty o autor defende que os país, pela perspectiva do "direito negativo" podem deixar seu filho morrer de fome, pois a criança é, de alguma forma, propriedade privada dos pais. Na edição americana de 1999, nas páginas 99 até 101 Rothbard diz:

“Suppose now that the baby has been born. Then what? First, we may say that the parents-or rather the mother, who is the only certain and visible parent-as the creators of the baby become its owners. A newborn baby cannot be an existent self-owner in any sense. Therefore, either the mother or some other party or parties may be the baby’s owner, but to assert that a third party can claim his ‘ownership’ over the baby would give that person the right to seize the baby by force from its natural or ‘homesteading’ owner, its mother. The mother, then, is the natural and rightful owner of the baby, and any attempt to seize the baby by force is an invasion of her property right. 
Aqui vemos que para Rothbard, a criança é propriedade dos pais. uma propriedade privada. Contudo, para Rothbard, essa propriedade não é absoluta.

But surely the mother or parents may not receive the ownership of the child in absolute fee simple, because that would imply the bizarre state of affairs that a fifty-year old adult would be subject to the absolute and unquestioned jurisdiction of his seventy-year-old parent. So the parental property right must be limited in time. But it also must be limited in kind, for it surely would be grotesque for a libertarian who believes in the right of self-ownership to advocate the right of a parent to murder or torture his or her children. We must therefore state that, even from birth, the parental ownership is not absolute but of a ‘trustee’ or guardianship kind. In short, every baby as soon as it is born and is therefore no longer contained within his mother’s body possesses the right of self-ownership by virtue of being a separate entity and a potential adult. It must therefore be illegal and a violation of the child’s rights for a parent to aggress against his person by mutilating, torturing, murdering him, etc. On the other hand, the very concept of ‘rights’ is a ‘negative’ one, demarcating the areas of a person’s action that no man may properly interfere with.
Ou seja, a guarda da criança é que é possuída. Em que pese isso guardar uma contradição com trecho superior (que abordarei ao fim do texto), com isso ele já delibera que a criança tem algum autonomia. E como a criança se tornará um adulto em potencial, ela não pode receber danos uma vez que esteja fora da barriga de sua mãe. Logo, os pais não podem torturar uma criança. Contudo, para Rothbard, eles podem fazer vistas grossas ao seu sofrimento, desde que não seja causado por eles, pois o direito é sempre um direito negativo. e sireito positivo seria ao seu ver, coerção, o que é contra os princípios do libertarianismo e vocês podem conferir abaixo.

No man can therefore have a ‘right’ to compel someone to do a positive act, for in that case the compulsion violates the right of person or property of the individual being coerced. Thus, we may say that a man has a right to his property (i.e., a right not to have his property invaded), but we cannot say that anyone has a ‘right’ to a ‘living wage,’ for that would mean that someone would be coerced into providing him with such a wage, and that would violate the property rights of the people being coerced. As a corollary this means that, in the free society, no man may be saddled with the legal obligation to do anything for another, since that would invade the former’s rights; the only legal obligation one man has to another is to respect the other man’s rights.
Prosseguindo...

Applying our theory to parents and children, this means that a parent does not have the right to aggress against his children, but also that the parent should not have a legal obligation to feed, clothe, or educate his children, since such obligations would entail positive acts coerced upon the parent and depriving the parent of his rights. The parent therefore may not murder or mutilate his child, and the law properly outlaws a parent from doing so. But the parent should have the legal right not to feed the child, i.e., to allow it to die. The law, therefore, may not properly compel the parent to feed a child or to keep it alive. (Again, whether or not a parent has a moral rather than a legally enforceable obligation to keep his child alive is a completely separate question.) This rule allows us to solve such vexing questions as: should a parent have the right to allow a deformed baby to die (e.g. by not feeding it)? The answer is of course yes, following a fortiori from the larger right to allow any baby, whether deformed or not, to die. (Though, as we shall see below, in a libertarian society the existence of a free baby market will bring such ‘neglect’ down to a minimum.)” 
Desses princípios, Rothbard concorda que há uma obrigação moral de cuidar de uma criança que é seu filho. Contudo, o autor diz que caso um pai psicopata decida se deleitar diante de seu filho agonizando sem comida e morrendo por inanição, ele não deve ser forçado a alimentar por força (coerção) e nem deve ser punido por isso. 


Disso se conclui ainda que, caso um vizinho sabendo do que o pai psicopata está fazendo ao próprio filho, decida intervir e invadir a casa pra raptar a criança e salvá-la da morte por inanição, o pai psicopata poderia atirar nessa pessoa ou ate denunciá-la a polícia privada, sem maiores problemas para si e com punições para a pessoa caridosas que tentou salvar uma vida. Suponhamos que o pai psicopata mate o nosso vizinho herói, o pai não seria punido por isso, pois apenas defendeu sua propriedade e o que ele faz (ou não faz a seu filho) não é da conta de outros. É óbvio que esta é uma sociedade formada por psicopatas.



  • O primeiro ponto é: A coerção tem um papel social importante desde que controlada..
  • O segundo ponto é: O erro de Rothbard é elencar como o único princípio fundamentador da sociedade, a liberdade individual como sendo agir sem ser coagido.
Se chegamos a conclusão que o direito de invadir a propriedade de outrem é possível para salvar a vida, chegamos a conclusão de que a violação da propriedade é possível e útil, e que a coerção é útil do ponto de vista social.

O segundo é que Rothbard elege um princípio abstrato como valor ao invés de um concreto, que é a liberdade individual. O valor que deve fundamentar QUALQUER sociedade é a dignidade da pessoa humana, princípio da Doutrina Social da Igreja e do Direito Natural Clássico. Neste conceito a liberdade humana, o direito de igualdade perante os outros humanos, bem como a sacralidade absoluta da vida humana já estão garantidos. Sendo a vida sagrada, a pessoa tem o direito de ter uma vida digna, pois ser humano já é condição necessária pra merecer isso. 

Isso significa que pela condição sacral da vida humana, nós temos ordenações positivas e negativas e, logo, obrigações e deveres.

Rothbard ainda se contradiz ao dizer que um recém nascido "cannot be an existent self-owner in any sense,” e na sequencia dizer que um recém-nascido "is therefore no longer contained within his mother’s body possesses the right of self-ownership by virtue of being a separate entity and a potential adult." - Traduzindo: Rothbard diz que de maneira NENHUMA um recém-nascido possui o direito de auto-propriedade. E na sequência diz que uma vez que ele tenha saído da barriga de sua mãe ele já o tem em virtude de ser um adulto em potencial e, logo, um corpo separado do de sua mãe.

Outra contradição se encontra inserida na questão do aborto. Na página 98 o mesmo diz: 

The proper groundwork for analysis of abortion is in every man's absolute right of self-ownership. This implies immediately that every woman has the absolute right to her own body, that she has absolute dominion over her body and everything within it. This includes the fetus. Most fetuses are in the mother's womb because the mother consents to this situation, but the fetus is there by the mother's freely-granted consent. But should the mother decide that she does not want the fetus there any longer, then the fetus becomes a parasitic "invader" of her person, and the mother has the perfect right to expel this invader from her domain. Abortion should be looked upon, not as "murder" of a living person, but as the expulsion of an unwanted invader from the mother's body. Any laws restricting or prohibiting abortion are therefore invasions of the rights of mothers.
Conservadores, tradicionalistas e democratas cristãos têm sistematicamente afirmado ao longo dos séculos a sacralidade da vida humana, e ainda, que o embrião fecundado já é ser humano, não havendo portanto diferença entre um bebê na barriga da mãe e fora dele. Paradoxalmente, alguns grupos pró-aborto concordam, tanto que já defendem o abominável aborto pós-parto com base em uma constatação científica por dois médicos especializados em filosofia. Sim, você acabou de ler exatamente isso! ABORTO PÓS-PARTO, ou se preferir INFANTICÍDIO
Ora, sendo o bebê fora da mãe, indistinto do bebê dentro da mãe, significa que Rothbard criou um precedente para a tortura com base no critério de violação da propriedade privada. Se um pai de repente achar que não quer mais o filho em sua casa, ele passa a ser um invasor na sua casa e pode bater nele e torturá-lo até que ele fuja de sua propriedade ou  o próprio pai o ponha pra fora, assim como você pode abrir fogo num invasor que entra em sua casa pra roubá-lo.

A "Ética da Liberdade" Rothbardiana é, sem dúvidas, a ética da psicopatia.



terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Socialismo: um mundo paralisado.


Ludwig Von Mises, economista austríaco, escreveu que uma economia socialista era totalmente impossível, pois quando tudo fosse estado, seria impossível definir preços. E sendo impossível definir preços, não seria possível planejar a economia, que é a ideia central do socialismo. Sendo assim, uma sociedade que fizesse isso acabaria por ver todas as suas atividades industriais e até mesmo os trabalhos mais simples paralisarem. Quem prova isso é o economista russo Boris¹ Brutzkus², que relata que os pescadores na Rússia socialista não conseguiam pescar seus peixes, porque não conseguiam comprar as redes que precisavam, e não conseguiam comprar as redes, porque os fabricantes não conseguiam comprar o material que as compõe, e estes não eram fabricados, porque os produtores não sabiam o custo do processo de fabricação e nem mesmo dos meios de produção. Para corrigir esse problema, Lênin precisou construir um simulacro de mercado, dando autonomia a empresas publicas a funcionarem como autarquias ou cooperativas, além de aceitar a existência pequenas propriedades privadas (NEP).
Mas não é apenas a paralisação econômica que ocorre dentro do socialismo tal como proposto originalmente por Marx. A sociedade como um todo também acaba estagnando, e por conta disso, revela o que tem de pior no ser humano, seus vícios no lugar de suas virtudes.
Apesar de não ser grande fã de Ayn Rand, a filósofa russa exilada nos EUA, me parece correta no que diz em sua distopia “A revolta de Atlas”; o socialismo por eliminar o mérito individual em favor da classe, elimina também a criatividade e a produtividade. O próprio Norberto Bobbio observa isto, ao ver que os liberais dão preferência à liberdade, ao passo que os socialistas dão preferência a igualdade. Como nem todos os homens são gênios e acima da “média” (palavra que já dá a entender o que vou dizer), o igualitarismo do socialismo tem o inevitável efeito de levar todos a um patamar de igualdade antropológica, podando os mais criativos, inteligentes e sábios em favor dos comuns, ou da “média”.

Quem também nos trás uma constatação similar é o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé em “Guia politicamente incorreto da filosofia”; nas páginas 41 e 42, ele nos diz:
Na minha vida já tive a (infeliz) oportunidade de participar de várias reuniões na universidade, seja como aluno, seja como professor, nas quais estavam presentes muitas pessoas “preocupadas com o coletivo e a igualdade”, e nunca vi tamanha concentração de pensamento a serviço de tanta estupidez e nulidade. Como dizia Tocqueville no século 19, autor do maior livro sobre democracia já escrito, Democracia na América, a igualdade ama a mediocridade. Rand acerta em cheio quando mostra que uma sociedade que só fala no “bem comum” e na “igualdade entre as pessoas” contra as diferenças naturais de virtudes entre elas, está a serviço do mau-caratismo, da preguiça e da nulidade. Ao buscar destruir as “injustiças sociais”, o mundo descrito por Rand destrói a produtividade, fonte de toda a vida, paralisando o mundo.
Não são apenas estes dois filósofos separados no tempo e no espaço que observam isto, o papa Leão XIII, na magnífica encíclica “Rerum Novarum” de 1891, que viria a ser uma das bases da democracia cristã, o pontífice diz:
3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado.”
O papa estava correto. O socialismo foi no final das contas o império dos vícios civis, ao contrário do mundo perfeito que se prometia. E quando digo isso não me refiro apenas aos crimes de estado e aos genocídios. Eles também contam, mas não estão presentes no cerne do que ao que eu quero me referir aqui.

Mas antes de irmos a fatos históricos retorno a Luiz Felipe Pondé que na mesma página comenta outra vez sobre a detestável, porém aqui correta, Ayn Rand, desta vez relacionando ao politicamente correto, que na prática é uma forma de "socializar" a moral:

A distopia descrita por Rand é a melhor imagem do mundo dominado pelo politicamente correto: inveja, mentira, pobreza, destruição do pensamento, tudo regado pelo falso amor pela humanidade.”

Assim como os socialistas, que prometendo um mundo mais amoroso e menos opressivo, criaram o maior sistema de opressão e corrupção já visto sob a face da terra.
Em “Du passé faisons table rase!”, Martin Laar historiador e ex-primeiro ministro da Estônia nos conta nas páginas 279 e 280 que em seu país, os jovens a partir da década de 80 já não entravam mais no PCE por conta de ideais elevados, ele nos traz uma nova perspectiva da adesão partidária.
“No início dos anos 80, toda ilusão já havia se dissipado acerca dos comunistas e do partido comunista. Era difícil encontrar pessoas que acreditassem realmente nos ideais comunistas. [...] Uma outra ilusão também desaparecera, a de que era possível renovar o partido e o sistema soviético a partir de seu interior. Daquele momento em diante, entrava-se no partido exclusivamente por motivações de interesse e de carreira pessoais, mas os ideais comunistas eram desprezados, ironizados.”
O que Laar descreve na Estônia, não foi um fenômeno isolado, na RDA, isto levaria provas claras do congelamento de qualquer governabilidade ou de mobilidade interna do partido. Kotkin e Gross em “Sociedade Incivil” são os que mais observam as causas do fim do regime, e uma das causas da queda do comunismo foi a estagnação da sociedade provocada pelos vícios dos apparatchiks dentro do Partido; entre eles a corrupção, o nepotismo e o fisiologismo.
“Mas, apesar de suas melhores qualificações (em relação a seus pais), os critérios políticos continuavam supremos para o avanço profissional. Resumindo, o estado alemão oriental estava tão repleto de incompetência, corrupção e informalidade quanto qualquer outro estado comunista.” (p.96)
Na página seguinte Kotkin continua:
“A sociedade Incivil da RDA ficou imobilizada por seu próprio avanço. Em 1989, Honecker, que tinha iniciado sua carreira no partido como um jovem agitador da aliança, tinha 77 anos. Willi Stoph (1914-99), primeiro-ministro da Alemanha Oriental desde 1964 (a não ser por um breve interlúdio quando foi chefe de Estado), tinha 75. Erich Mielke (1907-2000), chefe do Stasi desde 1957, tinha 81.”
O Politburo congelou na Alemanha Oriental, tamanha era a corrupção e o fisiologismo dentro do partido.
Em alguns países, o nepotismo era marca principal do funcionamento da “Sociedade Incivil”, Kotkin e Gross (p.126) nos dão o exemplo da Romênia de Ceausescu, onde Elena, a “primeira dama” que sabidamente não tinha nem mesmo o ensino primário, agora tinha subitamente um doutorado em química! Além de Micu Ceausescu, filho do comandante que ocupava a importante posição de ministro da juventude. Tudo isto claro, graças ao tráfico de influências dentro da estrutura do partido-estado.
A jornalista Barbara Demick em “Nada a Invejar – Vidas comuns na Coréia do Norte”, nos conta não apenas muito sobre o pacato povo norte-coreano, mas como também fala sobre a família que manda no país desde sua fundação. A estrutura do estado funciona como uma monarquia hereditária absoluta, passando de pai para filho, de Kim Il Sung, para Kim Jong-il e por fim, Kim Jong-un; membros da família ocupam cargos importantes no partido-estado, como o próprio tio que Kim Jong-un mandou matar.
Kotkin nas páginas 43, 44 e 45 faz tão completa descrição do congelamento da sociedade, que só me resta finalizar este artigo com estas citações diretas.
De fato, o paradoxo da sociedade incivil é que seus membros tinham autoridade e comando ilimitado sobre quase todos os recursos nacionais, porém estavam paralisados. Os establishments que podiam coletivizar os camponeses e nacionalizar um país inteiro viam-se posteriormente incapazes de adotar as menores ações corretivas quando algo não funcionava conforme o plano.”
“A incompetência nos sistemas comunistas era, portanto, estrutural. Para afastar qualquer possível ameaça de serem depostos e para aumentar os laços de dependência, os dirigentes frequentemente preferiam nomear os menos capazes como seus subordinados diretos, algo que se repetia ao longo de toda a hierarquia. Mesmo os de dentro lamentavam a tacanhez e submissão dos que ascendiam no sistema. As pessoas com iniciativa, raciocínio independente e integridade, que tinham se ligado ao partido para levarem vidas politicamente ativas ou para melhorar seus países, eram geralmente eliminadas ou esmagadas. [...] A apropriação indébita tornou-se um modo de vida num sistema em que a propriedade era teoricamente pública, embora, na verdade, estivesse à disposição privada de administradores e dirigentes.”
“Pior que isso, o que Vilfredo Pareto havia observado mordazmente na virada do século, acerca das elites em geral – que as classes dirigeantes (classes dirigentes) transformaram-se em classes digerantes (classes digestivas), fixadas no consumo e autopreservação -, nos sistemas comunistas provou-se hostil à correção. Esta falta de flexibilidade estrutural acrescia-se de uma deficiência nas ferramentas de administração de conflitos.”
Não há dúvidas de que Rand, Pondé e Leão XIII foram certeiros. Os regimes comunistas se converteram nos impérios dos vícios. E para finalizar, fica claro que isto corrompeu a sociedade inteira, principalmente quando você após ver o que ocorria no topo da “cadeia alimentar socialista”, decide parar para observar a sociedade como um todo. Mihai Dorobantu, um romeno que viveu o comunismo na pele, concedeu-me uma entrevista neste blog que vocês podem acessar aqui.
Ele mostra como uma pessoa por pura inveja ou em troca de favores com o estado, poderia denunciar outras pessoas que, muitas vezes eram inocentes. Mostra também que para  conseguir um pouco mais de comida, às vezes era necessário subornar um fiscal ou agente de estado. Penso que, contra fatos, os argumentos em contrário apenas servem de alegoria natalina, fazem a alegria durante a véspera de natal. Mas no outro dia você sabe que o presente da árvore não veio de nenhum Papai Noel e sim de alguém da sua família.
Por fim, podemos ainda citar a excelente obra "A bandeira vermelha: história do comunismo" de David Priesteland, onde ele mostra que mesmo na URSS, sede do modelo de comunismo e provavelmente a mais rica e poderosa nação comunista, a sociedade se converteu em uma sociedade baseada no compadrio, como ele diz na página 206 de sua obra:
"Muitos chefes locais, que haviam conquistado alto status por sua atuação na guerra civil, comportavam-se como "pequenos Stálin", com suas próprias próprias redes de apadrinhamento - os chamados "rabos" - que arrastavam atrás de si quando transferidos de um posto para o outro."
Ronald Reagan não poderia estar mais certo quando chamou a URSS de "Império do Mal".

domingo, 10 de janeiro de 2016

O Impeachment da Dilma, porquê sim?!


A Constituição da República estabelece em seu artigo 85 e 86 sobre o impedimento e a responsabilidade do presidente da república, tratando da seguinte forma:

<< Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I. A existência da União; II. O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais das unidades da Federação; III. O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV. A segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo Único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento>>. [Grifo Nosso]

Inicialmente fica claro o disposto no texto constitucional que é imputável à presidência da república atos exercidos e praticados pelo supremo magistrado da nação contra a Constituição e especialmente, como o próprio texto trata, contra os institutos arrolados, dentre eles a probidade na administração e a lei orçamentária.

O dispositivo do artigo 85, caput, trata em “ato”, o exercício de agir, atuar, fazer sendo definido lexicalmente como:

<<a·ção |àç|
(latim actio, -onis)
substantivo feminino
.Ato ou efeito de agir. 2. Tudo o que se faz. = .ATO, FEITO, OBRA 3. Manifestação de uma força. 4. Operação de um agente. 5. Maneira de .atuar. = .ATUAÇÃO, COMPORTAMENTO, DESEMPENHO, PROCEDIMENTO […] 8. Movimento ou .atividade para obter determinado resultado. 9. Influência ou efeito sobre algo ou alguém. […]>>.
Logo, podemos aduzir da definição alumiada pelo aclamado dicionário Priberan que ação não é meramente atuar, mas exercer ação, o exercício – e a maneira como o faz – do poder constitucional que lhe fora conferido por meio da soberania popular, sacramentado em eleições livres, universais e diretas. Assim sendo, caso a Senhora Presidente da República nos dias atuais exerça ou deixe de exercer como se deve, como se determina a lei maior da nação, ela incorrerá em crime de responsabilidade, não sendo meramente a ação mas também a forma como se deve atuar, ou como se espera.

A Lei 1.079/1950, que trata dos Crimes de Responsabilidade e da Ação e Processo de Impedimento Constitucional – exercendo o papel disposto no parágrafo único, do artigo 85 da Constituição Federal, de norma regulamentadora deste processo e ação constitucional – vai mais além do que aborda o dispositivo constitucional autorizador, trata em seu artigo 4, inciso VII em “A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos”, além do cumprimento da lei orçamentária.

Dispondo a referida lei regulamentadora:

<<Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: […]
4. Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição;[…]
Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
[…]4 – Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. […]6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; […] 9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;>>

Assim sendo, quando a Constituição estabelece que compete privativamente ao presidente da república, com auxílio dos ministros de estado, a direção superior da Administração Federal, ficando então o chefe de estado vinculado as consequências de seus subordinados, pois o exercício do poder é conferido pela Constituição ao Presidente e não aos ministros, existindo a relação direta entre Povo – Presidente, ficando os funcionários do governo, dentre estes os Ministros, Secretários, Diretores e Chefes da Administração Indireta com uma relação indireta ao Povo, porém também devendo prestar explicações a estes.

Caso o Presidente não houvesse corresponsabilidade de seus funcionários (ministros de estado) haveria então a necessidade em constituir um sistema onde nas Eleições também fosse eleito além do Presidente e do Vice mas também de seu gabinete. Ressalto: A Presidência da República é exercida pelo Presidente, sendo assistido pelos ministros por ele nomeado. Logo podemos claramente entender que existe a corresponsabilidade jurídico-constitucional destes.

Conforme disposto no texto legal e constitucional, as ações praticadas pela Presidência da República, no Governo da União, onde os atos exercidos pelo Tesouro Federal, são inicialmente atos previstos no artigo 85, incisos V e VI, pois deixou de agir como se deve esperar a quem está no exercício do cargo, com as nominadas “pedaladas fiscais”, estas que consistem no atraso de repasses às instituições financeiras públicas e privadas que financiariam despesas do governo para pagamento de obrigações legais ou creditícias do Governo Federal.

Tratando também a Lei Complementar 101/2000, que normatiza sobre a Responsabilidade Fiscal:

<< Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.>>.

Restando evidente que o retardamento do pagamento das obrigações do Governo Federal, obrigando às instituições financeiras o seu pagamento, constitui em Crime de Responsabilidade, violando diretamente ao disposto no artigo 167, inciso III da Constituição da República.

Além destes fatos, também incorre em crime de responsabilidade, a abertura de crédito suplementar sem autorização legislativa, conforme dispuseram os decretos sem número, 14.060 e 14.063, de 3 de dezembro de 2014.

A Constituição Federal em seu artigo 86, parágrafo 4º deixa claro que o Presidente da República não pode ser responsabilizado, durante a vigência de seu mandato, por atos estranhos ao exercício de suas funções, assim sendo, é cabível o pedido de impedimento da Senhora Presidente da República na vigência de sua recondução ao Governo da Nação pois foram por atos praticados durante sua administração anterior, mas cujos efeitos sãos continuados e persistem na atual administração, não se tratando em fato ou ato estranho ou alheio ao exercício de seu mandato, pois ele foi feito justamente no exercício deste. Não sendo possível vislumbrar que a execução de atos orçamentários e fiscais são alheios ao mandato da presidência da república, principalmente quando questões fiscais possuem efeito continuado e transpondo a limitação de mandato.

Não trata-se de “recall” ou “moção de desconfiança”, mas no puro e simples impedimento constitucional da Presidente da República pelos crimes de responsabilidade cometidos não somente com o Governo da Nação, mas contra o Estado e o Povo Brasileiro.

Originalmente postado em: JPSDB/SP

sábado, 2 de janeiro de 2016

A solução não é a educação


1.  Introdução
Quando o Arthur Rizzi me convidou para escrever nesse espaço – o que me dá enorme honra e satisfação –, pensei em diversos temas que poderiam interessar ao leitor, ou pelo menos interessar a mim (se algo me agrada seguramente terá maior chance de agradar aos outros, pois se tratará de algo pessoal para mim).
Há bastante tempo venho refletindo sobre a questão da Educação em nosso país (com “e” maiúsculo mesmo, no sentido de ensino) e por isso resolvi tecer para esse artigo inicial, alguns comentários sobre o assunto. Muito se tornou chavão no país, em qualquer situação em que se confronta a possibilidade do endurecimento de projetos de enrijecimento de pena tramitando perante o Congresso Nacional – caso do menino João Hélio, redução da maioridade penal, etc. –, ou simplesmente a abolição de determinada conduta – como o porte de entorpecentes para uso pessoal –, argumentar-se que prisão não é a solução, que a solução é a educação.
Supostamente pela pessoa ser “educada” (seja lá, o que for isso), ela supostamente se tornará menos violenta e mais tolerante (talvez inclusive menos pobre de recursos, se for se considerar haver uma relação entre pobreza e violência). Essa frase se tornou tão clichê e tão utilizada pelos mesmos grupos sociais de sempre, que impossível não indagarmos se ao menos é lhe dado uma reflexão mínima sobre seu significado e alcance. Autoridades como o próprio Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recentemente se manifestaram igualmente nesse sentido, de que a redução não resolve o problema, pois os presídios estão tomados por facções criminosas e quem é preso, saí pior do que entrou, pois tem que se aliar àquelas.
Seguramente, nos treze anos do atual grupo no poder, as o estado de insegurança não melhorou, só piorou. Houve explosão absurda do crime no país, de norte a sul, leste a oeste, nos últimos dez a quinze anos (o que inclui a segunda metade do Governo FHC, com um segundo mandato dentro de uma perspectiva recessiva). O que me levar a crer, se houve redistribuição, ou aumento de renda (e se houve foi muito parcial e baseado no consumo e não em mudanças estruturais), houve ao mesmo tempo uma total perda de valores por parte da sociedade.
E isso não tem nada a ver com o cidadão ter recursos financeiros, ou não, ser classe média, classe alta, ou classe baixa. Isso tem a ver com a educação recebida em casa (não ensino, que é algo que se recebe na escola) dos pais, da sociedade que o cerca. Drogas pesadas que não eram consumidas em diversas regiões, como o norte e nordeste, tal como a cocaína e o crack, passaram a ser consumidas e traficadas (quando em passado recente, no máximo era consumido a maconha entre a juventude local, sem a presença de quadrilhas profissionais de traficantes). Esse fator seguramente ajudou na destruição de nossa juventude, vítima da enorme violência que assola o país.
Talvez essa trajetória de violência na sociedade brasileira – que sempre foi pobre, mas talvez não tão desigual e miserável – decorra do fim do Regime Militar, do final da década de 70/começo da década de 80 – a chamada década perdida –, quando houve a tomada das comunidades carentes pelo tráfico e pelas drogas (o que veio a ser retratado na recente obra-prima do cinema brasileiro, Cidade de Deus). Diversos estudos parecem coadunar com esse sentido. Numa sociedade tão mergulhada em crimes violentos como o Brasil, onde pessoas são mortas em assaltos, a despeito, de entregarem seus pertences a seus assaltantes e, a despeito, de não reagirem (o que vai de encontro ao que se sempre aprendemos de nossos pais e familiares – “nunca reagir num assalto, pois bens podem ser substituídos, a vida não”), cabe a indagação: será que o que faltou para aquele menino que lhe assaltou no farol, e que em outra oportunidade já havia cometido latrocínio (roubo seguido de morte), acesso a uma escola que lhe ensinasse a tabela periódica completa, com todos os elementos químicos?
Será que o problema dos menores de idade que tristemente arrastaram o menino João Hélio por quilômetros do lado de fora do carro dos seus pais, foi porque eles não estudaram o Período da Regência na escola? Ou ainda, será, que a razão do então menor Champinha ter esquartejado o casal Liana Friendebach e Felipe Caffé, quando esses faziam um piquenique no campo, foi por não ter corretamente compreendido as leis da Física propostas por Sir Isaac Newton? E, por fim, se como diz o jargão, “a solução é a educação”, porque então a jovem Suzane Von Richthofen – jovem de ascendência alemã, claramente educada, de família com bases sólidas, pais casados, com bons empregos e estabilidade, ex-aluna de um dos colégios mais tradicionais do país, o Colégio Visconde do Porto Seguro, e estudante do primeiro ano do curso de Direito de uma das Faculdades de Direito mais respeitadas do país, a Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade de Católica de São Paulo (PUC/SP) –, coordenou com seus namorados o assassinato de seus pais a sangue frio (por coincidência a mesma universidade e curso, que este autor frequentou, em período temporal bastante próximo com a agora ex-estudante condenada pela Justiça). 
Podemos concluir pelos exemplos supracitados, que não obstante poder haver elementos individuais de cada criminoso nesses casos, como psicopatia, sociopatia dentre outras perturbações neurológicas ou psicológicas, uma fato faz-se necessário reconhecer: as causas da violência não se resumem a educação e podem se bifurcar em tantos caminhos quanto possíveis de se conceber.
Porém, mais do que a violência de agressão per se, muito se percebe na atual sociedade brasileira, a agressão verbal, tendência a caluniar, difamar e simplesmente injuriar o outro. Talvez esse seja fenômeno mundial, trazido com o advento da internet e maior acesso a redes sociais. No entanto seguramente se não transforma as pessoas, tende a demonstrar o que elas são. Nesse sentido, como observou o sociólogo espanhol, Manuel Castells, o Brasil sempre foi uma sociedade violenta[1], o oposto do chamado “homem cordial”, figura retratada pelo historiador Sérgio Buarque de Hollanda, em sua obra mais conhecida, Raízes do Brasil. Sérgio Buarque, como se sabe, é pai do compositor Chico Buarque, que clama ter sido vítima de intolerância e hostilidade por parte de jovens de classe média, que lhe hostilizaram na saída de um restaurante no bairro do Leblon, no Rio.
Logo, percebe-se, pelos exemplos supracitados, levando em consideração que a educação passa pela tolerância e pelo respeito a quem pensa diferente (além de uma certa sutileza e discrição na forma de expor uma opinião – “chique é ser discreto”, como diria a estilista Glória Khalil), que mais do que se afirmar de forma genérica que a solução é a educação, é indagar que tipo de educação grupos que tanto afirmam que a solução de tudo é a educação, defendem. Ademais, cabe indagar se o atual modelo de educação atualmente existente no país forma cidadãos melhores, independente de sua origem, etnia, ou condição social. No mais, cabem algumas indagações, será que o que se espera que se ensinem na escola, não deveria ser ensinado em casa? Será que não há uma confusão entre valores e educação? Ou será que educação, não está sendo utilizada no sentido lato, quando deveria ser no sentido strictu (no sentido, de instrução/ensino)? Afinal, que tipo de educação queremos? E, afinal, não há diversos sentidos para a palavra “educação” (do latim educareeducere, que significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”)[2]?
Se a educação representa no sentido de ensino/instrução, que é a educação que se obtém nas escolas e nas universidades, esta seguramente fracassou. Basta perceber os altíssimos índices de analfabetismo funcional entre jovens adultos, inclusive muitos que frequentaram escolas e faculdades; péssimas posições de estudantes brasileiros em rankings internacionais; pouca valorização da produção científica produzida no Brasil (chamada por alguns da comunidade acadêmica internacional, por trás dos bastidores, de “lixo científico”); pouco domínio de estudantes brasileiros em idiomas estrangeiros (aliás, pouco domínio do próprio português por muitos – sou da teoria de quem não consegue dominar as regras de seu próprio idioma, não consegue dominar idiomas estrangeiros); baixa premiação de cientistas brasileiros pelo mundo (recordando que nenhum brasileiro jamais ganhou o Nobel e os que ganharam premiações importantes, como a Medalha Fields de Matemática, normalmente construíram sua carreira acadêmica no exterior, ou com o auxílio de entidades estrangeiras – o matemático Artur Ávila, por exemplo, primeiro ganhador daquele prêmio, é financiado pelo CNRS – Centro Nacional de Pesquisa Científica –, órgão de pesquisa do governo francês)[3].
Não é o objetivo desse artigo tratar das dificuldades e problemas do sistema educacional brasileiro, nem buscar as razões de ser um sistema claramente ineficaz na busca de resultados. Referido tema poderá vir a ser trabalhado em futuros trabalhos. O objetivo do presente trabalho é tratarmos de que tipo de educação queremos como sociedade, ou que tipo de educação alguns setores da sociedade desejam.

2.  A Educação Como Instrumento de Doutrinação - Perspectivas Históricas
Em tempos de debate histérico e histriônico, como o atual presente em nossa sociedade, especialmente com o fluxo contínuo de informações fáceis, mastigáveis, e o alcance de redes sociais e da internet, tornou-se lugar fazer-se comparação de tudo com o Nazi-Fascismo. Essas duas ideologias simbióticas (nazismo e fascismo) são utilizadas como lugares comuns diariamente para tentar desqualificar adversários e defender um ponto, sem qualquer consideração com as vítimas daqueles regimes. 
São inclusive utilizadas de forma absolutamente nonsense e repetitiva por gente que se crê como extremamente educada – e que se imaginaria que teriam alguma idéia mais original e menos repetitiva sobre algo (isso igualmente se aplica para os que creem que tudo seja sinônimo de comunismo).
Se o Congresso Nacional toma alguma medida endurecendo penas, como no caso da emenda constitucional prevendo a redução da maioridade penal em caso de crimes hediondos, tal medida é “nazista” (apesar de que durante o período do Nacional-Socialismo, nem parlamento, ou multipartidarismo havia, e de que diversos países no mundo, considerados “desenvolvidos”, adotam idade penal abaixo dos dezoito anos); se políticos do Partido dos Trabalhadores sofrem críticas na rua, trata-se da mesma tática de perseguição que os nazistas fizeram aos judeus (mais uma vez, uma declaração extremamente ofensiva com as vítimas daquele regime, que foram fuziladas a sangue frio e mandadas para campos de extermínio – declaração que inclusive mereceu uma nota pública de repulsa por parte da  Federação Israelita de São Paulo e outras entidades judaicas de caráter nacional); se alguém considera a lei municipal de São Paulo que proíbe a prática de foie gras – a produção de fígado de ganso, iguaria bastante comum na França – inconstitucional, pelo município de São Paulo não ter competência constitucional para regular a produção de alimento – o que realmente não tem –, trata-se de alguém que aceita crueldade contra animais, na proporção da praticada pelo nazismo (detalhe: a Alemanha Nazista foi o primeiro país do mundo, já em 1933, primeiro ano daquele regime, a abolir a prática de foie gras por razões justamente éticas e humanitárias em prol dos animais – quem conhece o mínimo de história sobre o Nacional-Socialismo, sabe que os nazistas eram racistas, supremacistas em relação a determinadas etnias e nacionalistas, porém extremamente ecologistas e adeptos da proteção aos animais – a maior parte dos líderes nazistas tinham inclusive diversos animais de estimação).
Bom, vamos pegar esse último exemplo para tratar do tão falado e diariamente citado Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei) e a questão da educação – interessante observar que os membros daquela ideologia genocida jamais referiram-se a si próprios como “nazistas”, um apelido derrogatório dado por países aliados (EUA, Inglaterra e França), e sim como Nacionais-Socialistas, o que demonstra o caráter coletivista desde sempre daquela ideologia.
Para os que dizem que a educação é a solução de tudo, importante relembrar que os nazistas, e os fascistas na Itália, em menor grau – Mussolini foi jornalista e posteriormente editor de seu próprio jornal, além de ser fluente em alemão –, eram extremamente educados.
Educados e cultos, diga-se de passagem, com gosto refinado por vinhos, literatura, música e obras de arte – Adolf Hitler, um leitor voraz a vida inteira, com profundo interesse pelo oculto e por temas folclóricos e mitológicos (daí seu distorcido nacionalismo), era fascinado pelo até hoje bastante renomado compositor alemão, Richard Wagner. Joseph Goebbels, seu Ministro da Propaganda, e a figura mais importante no controle das artes e da cultura dentro do Governo Nacional-Socialista, era Doutor (PhD) em Literatura. Enfim, os exemplos são múltiplos de nazistas mais, ou menos conhecidos, com enorme acesso a "educação", no sentido formal.
Não só os principais membros do partido eram extremamente educados (educação no sentido de instrução, de títulos acadêmicos), como todas essas doutrinas totalitárias (nazismo, fascismo, franquismo, comunismo, stalinismo – uma variação ainda mais perversa do comunismo) eram extremamente adeptos de educar (leia-se, doutrinar) os filhos de seus cidadãos, em especial descontentes com aqueles regimes. Adolf Hitler costumava dizer aos seus oponentes, que “vocês estão contra mim, mas seus filhos estarão do meu lado” e durante todo seu governo fortemente incentivou a doutrinação de jovens austríacos e alemães através da chamada Juventude Hitlerista (Hitlerjungen), muitas vezes incentivando-os a denunciar seus pais por atividades subversivas.
Porém, não pensem que essa prática de doutrinação trata-se apenas de uma prática “de direita” (se for considerar o Nacional-Socialismo uma ideologia “de direita” – no máximo, com bastante controvérsias, uma doutrina de extrema-direita, sendo esta a direita militarista, não a direita liberal).
A prática de doutrinação, através da educação, foi especialmente forte em todos os regimes comunistas até hoje existentes, sem exceções.  Da União Soviética de Lenin e Stalin, à Cambodia de Pol Pot e seu sanguinário Khmer Rouge (adepto de mandar cambodianos para comunas reeducadoras coletivas no campo), à Cuba dos irmãos Castro, à Venezuela de Hugo Chavez, à atual Coréia do Norte de Kim Il-Sung e seus filhos, aos diversos regimes satélites de países da Europa Oriental pré-queda do Muro de Berlim, à China de Mao Tse-Tung, todos esses regimes fortemente “educavam” (leia-se doutrinavam e perseguiam) suas populações. 
A China de Mao Tse-Tung é outro regime que merece um capítulo à parte. Quando Mao assumiu o poder em 1949, encontrou um país rural, miserável e com traços feudais, após longa guerra contra os japoneses que ocuparam parte de seu território por décadas (em particular, a região da Manchuria), e, posteriormente a sua expulsão, após guerra civil entre os nacionalistas, comandados por Chiang Kai-Shek, e os comunistas, comandados pelo próprio Mao e outros membros de seu partido, como Zhou Enlai, outra figura importante dentro do Partido Comunista.
Mao, que era um brilhante estrategista militar – a guerrilha maoísta, estrangulamento gradual das cidades por grupos guerrilheiros no campo, ainda é bastante utilizada por grupos comunistas/subversivos ao redor do mundo –, no entanto, aparentemente tinha zero noção de economia quando pôs seu ambicioso plano de produção de alimentos, o Grande Salto Para Frente, nas décadas de 50/60. Não só o plano, que requeria enorme contingente de pessoas trabalhando no campo de forma industrial sem levar em considerações as técnicas milenares de produção de alimentos na China, deu miseravelmente errado, como causou fome generalizada naquele continente, queda acentuada na produção de alimentos, milhões de mortes, e, em casos extremos, canibalismo em algumas comunidades rurais.
Prestes a ser afastado do poder por seu partido, devido ao fracasso de seu plano, Mao, através de sua última esposa, Jiang Qing, e de outros aliados (grupo que ficou conhecido como a Gangue dos Quatro), lançou mão da chamada “Revolução Cultural” para expurgar “inimigos” do partido e da revolução.
Dezenas de milhares de pessoas ao redor da China foram perseguidas por suas idéias, professores humilhados, intelectuais mandados para campos de reeducação e pessoas sendo perseguidas simplesmente por usarem instrumentos considerados “burgueses” e “ocidentais”, como óculos de leitura. Esse período macabro da História da China durou por volta de 1966 até 1976, quando da morte do Mao e o afastamento de todos os cargos dos membros da Gangue dos Quatro e sua posterior prisão. Estes devotos seguidores do Camarada Mao acabaram servindo como bode expiatório, e foram culpados perante o Partido Comunista Chinês por todos os “desvios” e “excessos” ocorridos durante a Revolução Cultural (Mao teve sua imagem preservada).
Por último, faz-se interessante observar, que todos os chineses residentes na China Continental eram obrigados a comprar o Livro Vermelho com citações e ensinamentos do Professor Mao – o que o levou a receber royalties por cada cidadão chinês que comprasse seu livro, tornando-se provavelmente o homem mais rico da China em sua época, país, na ocasião, com a população bastante miserável. 
Esse episódio, feito por gente bastante educada – Mao, relembrando era reitor de escola primária/secundária antes da tomada do poder; sua última esposa, Jiang Qing, uma atriz conhecida na China –, demonstra que se educação é a solução, cabe a qualquer sociedade com cerca de preocupação qual tipo de modelo de educação será o proposto. Acima de tudo, poder-se-ia ainda indagar se educação se aprende na escola, ou no seio do convívio familiar. Fazendo um salto para o presente, podemos perceber muitas vezes por pessoas supostamente com responsabilidade institucional, como deputados e senadores, uma preocupação com o tipo de educação que é ensinada nas escolas, e se isso não poderia constituir forma de doutrinação.
No presente, por exemplo, se para deputados evangélicos há verdadeira obsessão com a questão de gênero nas escolas, para o polêmico deputado Jean Wyllis, do PSol-RJ – partido supostamente independente, mas que sempre apoia o PT no segundo turno –, o problema da Educação no país é outro.
Em recente lançamento de livro e debate com líderes evangélicos moderados, o deputado psolista ressaltou que apesar de supostos avanços durante os doze anos do atual grupo no poder no governo federal, nos últimos anos, houve inclusão da população pelo consumo, não pela educação (razão de supostamente haver rejeição de parcela da população mais humilde àquele partido e demais partidos que se declaram de “esquerda” – uma visão, poder-se-ia dizer, arrogante e pretensiosa da realidade – além de no mínimo paternalista)[4]

3.   Conclusão
Em suma, como muitos também concordo que falar que a solução de tudo é a educação é o maior chavão. Educação quando? Em 2050? 2100? E qual educação? Educação para formar jovens com consciência cidadã e cívica? Educação libertária, cívica, técnica, cidadã, espiritual, ou meramente doutrinária?
Também acredito em uma educação que não prepare apenas para o mercado do trabalho, mas uma educação que ensine valores éticos, familiares e comunitários. Que ensine o conceito de cidadania, com seus direitos e deveres. Uma educação que faça o jovem aprender a pensar, a refletir e a chegar a suas próprias conclusões, de forma respeitosa para com os outros e com fundamentos. Há de haver o envolvimento de todos para chegar nesta educação, do governo, da família, da sociedade e do professor (conforme inclusive está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sendo a educação um dever de TODOS), do contrário continuaremos com esses dados alarmantes, sempre sendo chocados pelo próximo crime violento que aparece na mídia.
Porém não acredito em educação para formar pretensos intelectuais, que se acham os donos da verdade do mundo, que não respeitam pais, idosos, religião (especialmente dos outros), ou qualquer pessoa ou entidade que não seja de sua preferência ideológica, como tantos por aí. E que, acima de tudo, não respeitam qualquer opinião que não seja a sua.
Se for esse último caso, acredito ser melhor não ter educação nenhuma. A sociedade estará em melhor situação.

4.       Sites Consultados (parcial)




[1] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/219703-a-imagem-mitica-do-brasileiro-simpatico-existe-so-no-samba.shtml
[4] http://www.quadradodosloucos.com.br/3622/jean-wyllys-os-tabus-e-as-contradicoes-da-questao-evangelica/ 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O que a centesimus annus realmente ensina?

Artigo de Thomas Storck traduzido de The Distributist Review por Arthur Rizzi.
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O título deste artigo, “O que a centesimus annus realmente ensina,” parece implicar que possa haver alguma disputa acerca dos ensinamentos da encíclica Centesimus Annus, a última das três encíclicas sociais escrita pelo nosso Santo Padre, Papa João Paulo II. E isso é correto. Para quando a Centesimus foi lançada em 1991 ela gerou uma pouco usual quantidade de discussões. De fato, certos comentaristas chamaram-na de ruptura radical na centenária tradição da moderna doutrina social Católica, a tradição começou em 1891 com o Papa Leão XIII e sua encíclica Rerum Novarum. Para ver o que I quero dizer, vamos dar uma olhada no que alguns desses comentaristas disseram.
Peter L. Berger escreveu:
Pela primeira vez na história da doutrina social católica, há aqui uma enfática e elaborada aprovação da economia de mercado como o o melhor arranjo econômico no mundo de hoje.
E Kenneth Craycraft opinou:
pela primeira vez na história, um papa explicitamente endossou o livre mercado como “sistema social vitorioso” no mundo, e como o Tipo de economia que deve se proposto em todos os lugares, especialmente o terceiro mundo.
Enquanto Michael Novak citou:
o papa João Paulo II trouxe liberdade econômica… a doutrina social da igreja…
E finalmente, Fr. Robert Sirico:
A centesimus annus representa o começo do afastamento da visão de mundo da economia de soma zero que liderou a igreja a suspeitar do capitalismo e argumentar por redistribuição de riqueza como a única resposta moral a pobreza.
Claramente estes autores veem a Centesimus como um tipo de divisor de águas na Doutrina Social da Igreja. Mas, deixando de lado a questão de se a noção católica de desenvolvimento da doutrina permitiria mesmo tal mudança drástica no seu ensinamento, Eu não penso que o texto da Centesimus Annus apoie estas assertivas. Argumentarei dois pontos nesse artigo: 1) que a interpretação da Centesimus é particularmente difícil, mas que 2) o ensinamento, tomado como um todo, está em linha com a doutrina de Leão XIII, Pio XI, Pio XII, Paulo VI e outros papas cujos proponentes Católicos de um livre mercado não são muito afeiçoados geralmente.
Deixe me iniciar com minha primeira assertiva: A Centesimus is difícil de entender. eu argumentaria que isto é assim por duas razões: Primeiro, A Centesimus ás vezes parecer ser contraditória com sigo mesma. Um escritor pergunta se a Centesimus é “uma encíclica em conflito consigo mesma” e um outro a caracteriza como sendo "esquizoide”. não é difícil encontrar passagens na Centesimus que pareçam contradizer uma a outra. Mas claramente, desde que João Paulo não é burro, nós precisamos assumir que ele sabia o que ele estava fazendo quando ele colocou essas passagens nela, e logo, nós precisamos procurar entender o ensinamento da Centesimus Annus num nível mais fundamental ou geral. E eu creio que isso pode ser feito.
A segunda rasão de porque eu penso que a Centesimus é difícil de interpretar é porque, ao contrário da maioria das encíclicas, João Paulo citou explicitamente que nem tudo nela é para ser considerada como o ensinamento do magistério da Igreja. Na seção 3 nós lemos:
A presente encíclica busca mostrar a frutificação dos princípios enunciados por Leão XIII, que pertencem ao patrimônio doutrinal da Igreja e, como tal, envolvem o exercício da sua autoridade de ensinar. Mas as solicitude pastoral também me impele a propor uma análise de alguns eventos na história recente… De toda forma, tal análise não pretende passar julgamentos definitivos, desde que isso não caia per se dentro do domínio específico do magistério.
Infelizmente, o santo padre nunca disse que passagens da encíclica caem nesta última categoria, isso é, quais são parte das “analíses de alguns eventos da história recente” e que não são parte do ensino do magistério. Mas eu não penso que isso seja fatal aos nossos esforços em entender a Centesimus, contanto que nós apliquemos uma abordagem ampla na nossa interpretação. Então, por ambas as razões que eu mencionei, isso seria um erro ao publicar qualquer passagem demais, especialmente uma passagem tirada do seu contexto ou uma passagem que pareça estar em desacordo com os ensinamentos papais anteriores. Nós precisamos tentar entender os ensinamentos da encíclica como um todo.
Minha segunda assertiva é que o ensinamento dessa encíclica está em consonância com ensinamentos papais anteriores sobre a ordem social. E de fato, é fácil encontrar paralelos á maioria dos conteúdos da Centesimus em ensinamentos papais anteriores, isso é verdadeiro nas maioria das vezes, contendo uma enfase diferente mas os mesmos significados. Mas ao invés de mostrar como a maioria dos alegadamente revolucionários ensinamentos da Centesimus estão de fato em total acordo com a doutrina anterior, eu quero proceder de uma maneira diferente e me concentrar naquilo que parece para mim o coração da questão, o que nós podemos chamar de a logica ou a essência da Doutrina Social da Igreja, uma logica que está totalmente confirmada pela Centesimus, e que contradita a lógica do livre mercado.
As citações que eu dei acima indicam a crença espalhada que João Paulo II teve uma atitude diferente em relação ao sistema econômico do livre mercado em comparação ao que teve seus predecessores. Em sim mesmo, é claro, isso nos põe a perguntar, se João Paulo pode mudar o que papas anteriores ensinaram sobre tão importante matéria, e o que previne papas no futuro de mudar o que João Paulo II ensina? Mas o ponto importante é olhar para o que eu chamei de a lógica do livre mercado e ver como ela se compara com a lógica da Doutrina Social da Igreja Católica, incluindo a doutrina da Centesimus Annus. A lógica do liberalismo econômico eu penso que alguém poderia citar como sendo algo mais ou menos assim:
Os fatores econômicos básicos e mais importantes em uma sociedade, fatores como preços, salários, taxas de juros, taxas de câmbio, etc. devem ser definidos simplesmente por dar e receber influências nas relações de mercado, com idealmente nenhuma interferência por parte do governo ou de qualquer outro poder. E se for necessário o governo intervir ocasionalmente nessas trocas, isso deve ser feito pelo menor tempo possível. Organizações tais como sindicatos, nesta visão, também distorcem os processos naturais de mercado, inflando artificialmente o preço do trabalho. Se ao mercado é permitido fixar estas várias taxas, é portanto, sustentando se que isso levará a prosperidade de toda a sociedade. Há aqui uma básica confiança no trabalhar das forças de mercado e no sentimento que no setor econômico, este é o melhor e mais seguro caminho de regular as coisas. Nessa visão, então, será sempre ou quase sempre, um oxímoro falar em guiar ou orientar o mercado em direção ao bem comum, uma vez que por definição, o mercado sempre tende ao bem comum.
A este ponto de vista o Magistério da Igreja Católica é definitivamente contrária. Antes de olharmos aos ensinamentos da Centesimus Annus, eu irei discutir algumas das mais importantes instâncias disso em ensinamentos papais anteriores, em ordem de demonstrar essa consistente duradoura oposição. Em Rerum Novarum, Leão XIII pontuou que o trabalho de um homem tem que ser recompensado a partir de dois pontos de vista, pessoal e necessário. De toda forma como seu trabalho é pessoal, ele tem o direito de trabalhar por qualquer salário ou por nenhum salário (e.g.: trabalho voluntário), mas ainda, como trabalhar é necessário, isso é, de toda forma como ele depende disso pra sua sobrevivência, “cada um tem o direito a receber o que é necessário pra viver”.1 E então ele faz a pontuação que é um ataque certeiro no coração da posição de livre mercado: “… há o ditar da natureza mais imperioso e mais antigo do que qualquer negociação entre um homem e outro, que a remuneração deve ser suficiente para oferecer ao assalariado um bom padrão de vida”.2 E ele continua adiante e diz que se o trabalhador é forçado a aceitar menos do que precisa pra viver bem, “ele é vítima de coerção e injustiça”.3 Estas assertivas voam em face da ideia, sustentada pelos proponentes do liberalismo econômico, que as forças dos mercados são o melhor caminho pra chegarmos a justiça salarial. Mas Leão XIII ensinou de outra forma e o ensinamento de Leão tem sido repetido até o presente e figura proeminentemente na Centesimus, como nós veremos.
A segunda instância que eu mostrarei dos ensinamentos prévios da Doutrina Social da Igreja (doravante, DSI) está na direta citação de Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno (1931):
Assim como a unidade da sociedade humana não pode ser construída sobre o conceito de  "luta de classes", então a ordem econômica mais apropriada não pode ser deixada ao livre jogo da competição. Dessa fonte, como de uma fonte poluída, procederam-se todos os erros da escola individualista. Esta escola, esquecida ou ignorante quanto aos aspectos morais e sociais das atividades econômicas, consideradas estas como completamente livre e imune de qualquer intervenção da autoridade pública, Para eles, haveria no mercado de competição desregulada um princípio de auto-direção mais adequado para guiá-los do que em qualquer intelecto criado que pudesse intervir. Livre competição, seja como for, embora justificada e útil dentro de certos limites, não pode ser um princípio de controle adequado nos assuntos econômicos. Isso tem sido abundantemente provado pelas consequencias que se seguiram da falta de rédeas das perigosas ideias individualistas.4
E nessa mesma encíclica Pio XI diz que as propostas econômicas dos socialistas moderados de seus dias(1931) “sempre foram as que mais se aproximaram das justas demandas das reformas sociais cristãs”.5
Então é obvio que a tradição dos ensinamentos papais desde Leão XIII não aceita a lógica do liberalismo econômico. Nossa questão é: A Centesimus Annus introduz um novo ensinamento aqui, seria isso (nas palavras de Craycraft) “o endorsar explícito do livre mercado como o ‘ sistema social vitorioso’ no mundo, e como o tipo de economia que deveria ser proposta em todos os lugares”? Eu penso que veremos que não.
Em primeiro lugar, a Centesimus Annus sustenta a doutrina do salário justo ensinado por Leão XIII, Pio XI, Pio XII e outros papas:
… Sociedade e Estado precisam assegurar os níveis salariais adequados para a manutenção do trabalhador e sua família, incluindo um certo montante para poupança”.6
Isso é em sim mesmo uma clara rejeição dos princípios do livre mercado e efetivamente deveria findar o argumento. Mas a Centesimus tem muito mais a dizer sobre o mercado. De fato, ela devota mais espaço à discussão dos mecanismos do mercado do que qualquer encíclica anterior. Ela vê o mercado essencialmente se auto regulando ou como alguma coisa que necessita ser sujeitado ao controle inteligente, um controle que vai além das forças do mercado? Olhando uma série de citações da encíclica, nós estaremos habilitados a responder essa questão.
Depois de discutir uma sociedade justa João Paulo II pontua:
Tal sociedade não é dirigida contra o mercado, mas demanda que o mercado seja apropriadamente controlado pelas forças da sociedade e pelo Estado, então poderá garantir que as necessidades básicas de toda a sociedade sejam satisfeitas.7
Então um pouco depois, o Santo Padre escreve:
É tarefa do Estado prover a defesa e preservação dos bens comuns tais como os ambientes naturais e humanos, que não podem ser salvaguardados simplesmente pelas forças de mercado.8
E na mesma seção:
Aqui nós encontramos um novo limite ao mercado: Há necessidades qualitativas e coletivas que não pode ser satisfeitas pelos mecanismos do mercado. Há necessidades humanas importantes que escapam a sua lógica. Há bens que pelo seu valor muito natural não podem e não precisam ser comprados e vendidos. Certamente os mecanismos de mercado oferecem seguras vantagens…. Contudo, estes mecanismos carregam o risco de uma “idolatria” do mercado, uma idolatria que ignora a existência de bens que pela sua natureza não são e não podem ser meras mercadorias.9
Eu penso que essas três citações deixam muito claro que João Paulo não aceita a premissa básica ou a lógica do livre mercado, nomeadamente, que o mercado é essencialmente um sistema autorrelgulado que não necessita de intervenção humana para corrigir seus resultados. ao contrário, ele é muito claro que o mercado necessita ser controlado, que o mercado não pode gozar de tamanha confiança para salvaguardar certos bens necessários.
Nosso próximo olhar em uma das mais importantes passagens na encíclica, e um punhado de passagens que aqueles que interpretam a Centesimus como um apoio ao livre mercado usam:
Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?

A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade no sector da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.10
O que eu penso que deveria ser notado sobre essa passagem é que independente do NOME dado a esse sistema social, mesmo assim não é o nome, mas o conteúdo que é importante, e aqui novamente o papa clama por “forte enquadramento jurídico” que é, um marco legal, para orientar a economia diante do total de bens da humanidade. Assim, essa passagem não pode ser vista com uma aprovação do liberalismo econômico, e é um apoio do "capitalismo" APENAS SE ALGUÉM PRESTAR BASTANTE ATENÇÃO AO QUE O PAPA QUIS DIZER POR ESSE TERMO. Mais ainda, no próximo e imediato parágrafo, João Paulo II, ao comentar as “multidões … ainda vivendo em condições de grande pobreza moral e material,” diz:
… Existe um risco de se espalhar uma ideologia capitalista radical que se recusa até mesmo a considerar esses problemas, na crença apriorística de que toda tentativa de resolve-la está fadada ao fracasso, e que cegamente confia nas forças do mercado para resolvê-las.11
João Paulo II também inclui na Centesimus comentários sobre as economias capitalistas atualmente existentes no ocidente. Estes comentários são de grande importância para nossos esforços em entender o ensinamento da encíclica sobre o livre mercado.
Os países ocidentais … correm os risco de ver [o colapso do comunismo] como uma vitória unilateral de seu próprio sistema econômico, e assim falhando em fazer as correções necessárias nesse sistema. 12
E nessa discussão de várias respostas das nações ocidentais após a Segunda Guerra Mundial e os comunismo, o santo padre escreve,
Outra forma de resposta prática, enfim, está representada pela sociedade do bem-estar, ou sociedade do consumo. Ela tende a derrotar o marxismo no terreno de um puro materialismo, mostrando como uma sociedade de livre mercado pode conseguir uma satisfação mais plena das necessidades materiais humanas que a defendida pelo comunismo, e excluindo igualmente os valores espirituais. Na verdade, se por um lado é certo que este modelo social mostra a falência do marxismo ao construir uma sociedade nova e melhor, por outro lado, negando a existência autónoma e o valor da moral, do direito, da cultura e da religião, coincide com ele na total redução do homem à esfera do económico e da satisfação das necessidades materiais.13
Isto é o que João Paulo II pensa da operação da nossa economia na prática! (N.do.T.: Refere-se a economia dos Estados Unidos da América)
De forma a ser justa com a Centesimus e com meus leitores, eu irei discutir agora as principais passagens na encíclica que alguns tem sustentado constituir um abraço do livre mercado pela Igreja. Nós já vimos uma dessas passagens. Vamos examinar brevemente os princípios restantes e ver até que ponto eles exigem ou permitem tal interpretação:
Tanto a nível da cada Nação, como no das relações internacionais, o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades. Isto, contudo, vale apenas para as necessidades «solvíveis», que gozam da possibilidade de aquisição, e para os recursos que são «comercializavéis», isto é, capazes de obter um preço adequado. Mas existem numerosas carências humanas, sem acesso ao mercado. É estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por elas oprimidos.14
Pode-se ver que o que parece ser uma aceitação incondicional do livre mercado é imediatamente qualificada e limitada.
A próxima passagem nós voltaremos nossas atenções ao seguinte trecho: Os negócios nas economias modernas tem aspectos positivos. Ele se baseia na liberdade humana exercitada no campo econômico, assim como é exercitada na maioria dos outros campos”.15 Alguns negariam estas palavras do Sumo Pontífice, mas elas são quase revolucionárias no contexto da DSI. Os negócios feitos nas economias modernas tem aspectos positivos, mas dizer isso dificilmente constitui um abraço da economia de livre mercado.
Um pouco mais tarde, depois de uma discussão sobre ataques contra a vida familiar e sobre as crianças, João Paulo diz:
Estas críticas, são dirigidas não tanto contra um sistema económico, quanto contra um sistema ético-cultural. De facto, a economia é apenas um aspecto e uma dimensão da complexa actividade humana. Se ela for absolutizada, se a produção e o consumo das coisas acabar por ocupar o centro da vida social, tornando-se o único valor verdadeiro da sociedade, não subordinado a nenhum outro, a causa terá de ser procurada não tanto no próprio sistema económico, quanto no facto de que todo o sistema socio-cultural, ignorando a dimensão ética e religiosa, ficou debilitado, limitando-se apenas à produção dos bens e dos serviços.16
E um pouco depois ele pontua:
A Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática…. Estas considerações gerais reflectem-se também no papel do Estado no sector da economia. A actividade económica, em particular a da economia de mercado, não se pode realizar num vazio institucional, jurídico e político. Pelo contrário, supõe segurança no referente às garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de garantir esta segurança, de modo que quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do próprio trabalho e, consequentemente, se sinta estimulado a cumpri-lo com eficiência e honestidade.17
Estas duas últimas passagens são provavelmente as mais difíceis de harmonizar de maneira inteiramente satisfatória com a mensagem predominate da Centesimus. Mas como eu disse previamente, nós precisamos tomar a encíclica como um todo, olhando seu ensinamento geral e não empurrando ou forçando demais uma parte em específico, especialmente se isso parece contradizer outras partes da encíclica ou doutrinas papais prévias.
Umas das mais importantes, porém ainda mais difícil de entender nos temas da Centesimus Annus é o conceito de liberdade. Para nós, americanos, liberdade é normalmente entendido como ausência de coerção, deixar todos fazerem o que bem quiserem com suas vidas e propriedades. Mas isso não é o que João Paulo II quer dizer por liberdade. Na Centesimus ele escreve: “… liberdade está ligada ao seu pleno desenvolvimento apenas pela aceitação da verdade” (§46). Ao contrário da noção de liberdade como sendo habilitação para fazer o que bem lhe der na telha, (N.do.T.: usei essa expressão para dar a ênfase necessária ao trecho). 
João Paulo II constantemente liga a liberdade com a verdade. Ele diz que a liberdade religiosa é “o direito de viver na verdade de uma fé e em conformidade com uma dignidade transcendente como uma pessoa”.18 No longo trecho que eu já citei sobre se o capitalismo deveria ser considerado como o sistema social vitorioso,19 o Santo Padre diz que “liberdade no setor econômico precisa ser circunscrita dentro de um forte enquadramento jurídico que coloque a economia a serviço do da liberdade humana na sua totalidade…” Eu penso que esse difícil conceito no pensamento João Paulo II precisa ser entendido como significado que independente de tempo, qualquer coisa externa a pessoa humana, sejam forças econômicas, regimes políticos totalitários, ou nada do gênero, distorce o homem, a liberdade do homem logo é distorcida. Isso não é assim porque o homem não pode fazer tudo aquilo que quer, mas porque sua natureza humana é atacada por sua liberdade naturalmente limitada. Mas “liberdade humana em sua totalidade” não é limitada pela intervenção do governo nos processos de mercado, mais do que em qualquer liberdade para dirigir é limitada pela placa de "Pare" e o semáforo.
Um outro ponto que eu penso deveria sempre ser mantido em mente, é que a vída (do pontífice) na Polônia Comunista é o fundo constante da encíclica. João Paulo II alude mais de uma vez a quebra da responsabilidade, da ética do trabalho e da confiança pública mais básica que o comunismo causou, e então no chamado para a criação dessas realidades e criticando economias comunistas, ele não está clamando por livre-mercado como nós entendemos nos Estados Unidos, mas reagindo contra a pesada mão do planejamento central e da burocracia.
João Paulo claramente condena a ordem comunista, o que ele chama de “socialismo real” Mas em contraste a isso, que tipo de ordem economica estaria a Igreja promovendo? Estaria a Igreja promovendo algum sistamea econômico? A seguinte citação pode ser relevante aqui:
A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das diversas situações históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos os seus aspectos sociais, económicos, políticos e culturais que se entrelaçam mutuament. A esse empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal indispensável, a própria doutrina social que — como se disse — reconhece o valor positivo do mercado e da empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que estes sejam orientados para o bem comum.20
Esta é uma interessante passagem. Alguns, olhando-a, apenas pelo começo da sentença, tem apontado que a Igreja está basicamente dizendo que o capitalismo é a única coisa que sobrou:
…Com a centesimus annus, a doutrina social da Igreja abandonou qualquer proposta por uma terceira alternativa entre ou além de capitalismo e socialismo.
mas eu não penso que é isso o que a Centesimus Annus está dizendo aqui. Ao contrário ela está reagindo aos esforços de alguns católicos desde os anos 30, e até antes, seguindo a encíclica de Pio XI, Quadragesimo Anno, pra esboçar no papel ao invés de grandiosos modelos a priori uma terceira alternativa economica que não seriam nem capitalistas e nem socialistas. O que João Paulo II está dizendo é, de fato o que Pio XI mesmo já estava dizendo, que este é um caminho errado para proceder. Modelos não podem ser criados a priori, eles precisam surgir “desntro de um enquadramento de diferentes situações históricas” Após tudo, na Idade Média, nenhum filósofo ou teologo sentou-se pra esboçar um sistema econômico baseado em guildas. Essa quintessencial abordagem Católica da economia nasceu da luta das pessoas pra aplicar os princípios da moral Católica a situação econômica real de seus tempos.
Relevante a isso também é uma seguinte passagem negligenciada na Centesimus, que faz claro o que João Paulo não decidiu que a opção capitalista é tudo o que sobrou: “Nós temos visto que é inaceitável dizer que a derrota do assim chamado "Socialismo Real" deixa o capitalismo como o único modelo de organização econômica”.21 De fato, se algum sistema econômico existente recebe louvores na Centesimus Annus, é a "economia social de mercado" da Alemanha Ocidental.
Deste modo eu penso que, tomada como um todo, as numerosas qualificações colocadas no funcionamento do mercado por João Paulo II na Centesimus indicam claramente que ele não aceita totalmente a lógica do livre mercado. Na encíclica João Paulo II tentou dar um guia ao reinante capitalismo de nosso tempo, tanto quanto Pio XI procurou fazer uma amigável crítica e dar um aviso a economia Fascista italiana na Quadragesimo Anno. A DSI de fato é adaptada a cada época, mas é adaptada de um núcleo fixo de princípios; princípios que, porque foram tirados da natureza do homem e da sociedade, não são alteráveis. As mais diferentes fundamentações filosóficas que delineiam a economia de livre mercado e a DSI necessariamente opõem o abraço tardio desta última. Então, sendo o que for que o futuro guarde pra nossa sociedade, os ensinamentos papais na economia continuarão a fluir dos mesmos princípios básicos como animaram Leão XIII, Pio XI e João Paulo II, até o fim dos tempos, quando no retorno de nosso Senhor como nosso Juíz e Salvador.
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Notas de rodapé:

  1. RN, no. 34.
  2. Ibid., no. 34.
  3. Ibid.
  4. Ibid., no. 88.
  5. Ibid., no. 113.
  6. CA, no. 15.
  7. Ibid., no. 35.
  8. Ibid., no. 40.
  9. Ibid.
  10. Ibid., no. 42.
  11. Ibid., no. 42.
  12. Ibid., no. 56.
  13. Ibid., no. 19.
  14. Ibid., no. 34.
  15. Ibid., no. 32.
  16. Ibid., no. 39.
  17. Ibid., nos. 47-48.
  18. Ibid., no. 47.
  19. Ibid., no. 42.
  20. Ibid., no. 43.
  21. Ibid., no. 35.
SOBRE O AUTOR:Thomas Storck é o autor de Foundations of a Catholic Political OrderThe Catholic Milieu, e Christendom and the West. Seu recente livro é From Christendom to Americanism and Beyond. Sr. Storck serve na equipe editorial Ethika Politika e The Chesterton Review. Um arquivo de seu trabalho pode ser encontrado em www.thomasstorck.org.