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quinta-feira, 13 de julho de 2017

Economia Moral de Mercado - Princípios Fundamentais



Quem acompanha meus trabalhos na internet já sabe que há algum tempo estudo e investigo a doutrina social da Igreja e seus desenvolvimentos. As manifestações da doutrina dos papas sobre a esfera temporal podem ser percebidas na história desde os primeiros padres da Igreja, mas só se cristalizam como princípios políticos corporificados em magistério a partir de Leão XIII e sua Rerum novarum, de forma que só no final do século XIX temos as primeiras tentativas de pensar uma nova forma de cristandade. O ponto acima exposto é de acordo comum das mais variadas correntes de pensamento mais ou menos modernistas, mais à direita ou mais á esquerda, sejam elas ortodoxas ou não. É a partir daqui, deste ponto, que começam as divergências.

Quando comecei a estudar as interpretações da doutrina social da Igreja, o ponto principal pelo qual comecei a análise foi a filosofia econômica do distributismo, a partir deste passamos a interpretações modernas mais inseridas no debate econômico como o ordoliberalismo alemão e a Economia Social de Mercado, observei seus pontos fortes e fracos respectivamente, e acredito que sou capaz de esboçar uma síntese. Após a publicação e exposição de minha monografia (História/UFES) que será sobre a democracia cristã alemã, posso pensar em elaborar uma proposta mais concreta nesse sentido. Por hora, manterei na forma de esboços em texto.

Conforme prometi em postagem anterior, especificarei aqui melhor e desenvolverei mais eficientemente aqui os princípios fundantes do conceito que estou buscando cunhar que é o da Economia Moral de Mercado (doravante EMM). Dos elementos da ESM tomei sua estrutura econômica realista voltada para a situação hodierna, e seus modelos econômicos depois de passar por um filtro para anular os excessos e os irrealismos de sua fundamentação neoclássica, para isso me vali de Keynes na economia mainstream e de John Médaille, hoje um dos poucos homens que podem se gabar de dar continuidade a verdadeira escola de Salamanca.

Do distributismo tomei a ideia de reforçar o princípio da distribuição da propriedade, mais que simplesmente redistribuição de renda (ESM), e da busca da lei moral na economia. Não se trata de uma mera amputação do liberalismo no projeto ordoliberal, mas sim uma nova ideia que reforça os componentes subsidiários no que tange à estrutura da propriedade privada. A ESM contribui com sua teoria das instituições do Estado moderno na economia, isto é como fazer uma burocracia pró-subsidiariedade naquilo que importa à sociedade civil e que sejam mais descentralizadas na sua própria estrutura. Do distributismo pegaremos o "espírito" favorável às reformas agrárias e urbanas, bem como das leis morais que devem reger a economia.

Eu divido os princípios da EMM em três: Princípios Estruturais, Princípios Funcionais e Princípios Morais; todos os princípios deverão se converter em instituições de Estado que visam atuar sobre a sociedade de maneira subsidiária de forma a estimular a subsidiariedade na própria sociedade, ou quando não sendo necessário estímulo, proteger os corpos sociais de qualquer violação de entes públicos e privados.

Os princípios morais visam cortar o principal defeito que Angus Sibley e Christopher Ferrara detectaram na Economia Social de Mercado. Isto é, no que se refere aos direitos de propriedade a ESM cumpre o que propõe, mas ela não protege a moral pública contra os erros modernos que se espalham pelo "livre" mercado. Com a corrupção dos costumes acontece também a corrupção das instituições que poderão então ser instrumentalizadas para fins contrários ao "espírito" das mesmas.

Tal defeito se dá pois Wilhelm Röpke, Walter Eucken e Ludwig Erhard atingiram apenas um aspecto acidental do problema, conservando entretanto a sua essência, o liberalismo. O liberalismo permite que o erro e a verdade coexistam com plena igualdade de direitos, e ele aceita o subjetivismo moral que impede que o Estado aja de modo a combater o erro que inevitavelmente se espalhará pela sociedade na forma de bens e serviços.

Assim, o Estado deve criar instituições cujas funções sejam fiscalizar e censurar do ponto de vista da lei moral os produtos e serviços vendidos, e procurar os melhores meios para se não se impedir sua comercialização, ao menos dificultar seu comércio. Tais órgãos devem ser regionalizados, tendo como meta exercer sua autoridade de modo mais próximo do cidadão e das peculiaridades de cada região, para que se obedeça assim ao princípio da subsidiariedade, tão necessário a uma sociedade e a um governo sãos.

Os princípios funcionais se referem, por sua vez, àquelas instituições que de nós já são conhecidas através da ESM. Um orgão de defesa econômica para coibir cartéis em pontos estratégicos e fomentar a competição sadia onde ela não existe. Obedecendo ao princípio da subsidiariedade, devem ser também órgãos regionais de jurisdição limitada, de forma que em cada região do país sejam capazes de fiscalizar e deter os abusos do poder econômico e também político.

Bancos comerciais com jurisdição regional podem ser úteis, de preferência cooperativos, seu objetivo é fomentar o desenvolvimento econômico e social em cada região tendo em vista as especificidades de cada realidade local e estando seu controle e transparência ao acesso do cidadão comum. Esses órgãos serão também responsáveis por projetos de reforma urbana, regularização de propriedades, projetos habitacionais, distribuição de terras devolutas e reforma agrária, de forma a garantir a todos a posse da própria propriedade onde possível, e onde não sendo, estimular a participação dos trabalhadores no capital, nas ações e no lucro através dos princípios da justiça distributiva, ainda que por vezes, por meios redistributivos.

Por fim, os princípios estruturais se referem àqueles que estão diretamente ligados a estrutura do capitalismo atual que demanda centralização de algumas atividades econômicas no Estado. Para evitar os excessivos abusos que isso por vezes poderia gerar, aplica-se aqui também a subsidiariedade. Os órgãos que compõem tais mecanismos são o banco central, a bolsa de valores e os bancos de desenvolvimento.

Esses três mecanismos são indispensáveis para que haja a plena autonomia do corpo político nacional em relação aos demais corpos políticos que compõe as outras nações. Como na economia atual sem estes órgãos os estados-nações se convertem em joguetes do imperialismo das super-potências dou de órgãos supranacionais, é necessário que estes órgãos existam e operem de acordo com o bem comum.

Como dito, órgãos como o banco central, a bolsa de valores e os bancos de desenvolvimento devem funcionar de modo descentralizado e regionalizado de modo que possam elaborar políticas econômicas, mobilizar capital e investir em empresas estratégicas à sociedade de modo regionalizado. Tais métodos são imprescindíveis num cenário de capitalismo com empresas globais. Desta forma, cada órgão supracitado tem a missão de elaborar e cooperar da melhor forma possível para o desenvolvimento econômico e social de cada região e localidade na sua particularidade histórica.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Charlie Gard e o problema da Soberania


"Corremos assim o perigo de esquecer que nenhuma instituição humana tem, em virtude de sua própria natureza, o direito de governar os homens." [...] "A lei não precisava ser justa para ter força de lei. A Soberania tinha um direito a ser obedecida, qualquer que fosse seu mandamento". [...] "Deus é a própria fonte da autoridade na qual o povo investe esses homens ou essas repartições, mas nem por isso são eles vigários de Deus. São vigários do povo e nessa qualidade, não podem ser separados do povo por qualquer atributo essencial superior. A Soberania significa uma independência e um poder que são supremos de modo separado ou transcendente, exercendo-se sobre o corpo político como que de um plano superior." 
(MARITAIN; 1959, 56-63)
O caso Charlie Gard tem sido questão de debate forte na mídia e nas redes sociais, o fato é que alguns grupos liberais e libertários usam o argumento de que fosse o sistema de saúde britânico público, Charlie Gard não teria sido condenado a morte. Tal argumento, embora possa ter o mérito econômico (algo que não analizaremos aqui), não o tem em sua essência, pois o poder que um órgão privado tem jamais pode se opor no Estado moderno às decisões judiciais.

Ou seja, o argumento da dialética "Público x Privado" não passa de cortina de fumaça. O ponto verdadeiro da questão, verdadeiro e decisivo é o que citamos acima através de Jacques Maritain no seu brilhante "O homem e o Estado". Não é o fato de haver uma estrutura burocrática que envolve o corpo político a fornecer saúde de maneira socializada que leva Charlie Gard à morte, mas sim o fato dessa estrutura requerer o poder divino, recometer o pecado de Adão. Decidir per se e en se o bem e o mal.

O caso Charlie Gard é apenas mais uma manifestação do problema da Soberania. O Estado existe para servir ao homem, não o homem ao Estado. O Estado detém potestas, não majestas como pontua Maritain corrigindo Jean Bodin; assim, o corpo político detém a supremacia legal sob suas instâncias inferiores mas não detém o poder de por si mesmo decidir o que é o bom e o justo, ao contrário, somente a lei natural e divina, exercida através do Sumo Pontífice o tem.

Estivesse Charlie Gard na Polônia provavelmente ele estaria recebendo seu tratamento alternativo, pois ao contrário do governo inglês, o polonês nessa mantéria não requer o poder divino. A importância de um supra-poder é não só moral, mas também geopolítica como ressalta nosso patrono Perillo Gomes n'O Liberalismo:
"Esse poder de controle foi reconhecido na pessoa do Papa. Deste modo, na Idade Média, os povos tinham um recurso pacífico para solucionar as desgraças de uma tirania - o apelo à mediação do Pontífice Romano. Modernamente há só o recurso do desespero, isto é, o recurso à guerra e à revolução." (GOMES, 1933, p.134)
 Assim, importa também a Igreja ser esse poder soberano sobre todas as nações para não só proteger os povos contra a imoralidade de um "deus imanente" chamado Estado Soberano, como também proteger os povos contra os poderes supranacionais que tentando ocupar o vácuo da Igreja, legisla em favor da heresia e do erro, sendo um outro poder humano soberano sobre todas as nações (globalismo).