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domingo, 29 de março de 2015

Foucault vs. Scruton - Alguns pontos contra o guru da nova esquerda.


No livro "Os pensadores da nova esquerda", Roger Scruton, um dos mais proeminentes filósofos ingleses, se dedica a analisar o pensamento dos ícones da esquerda contemporânea, àqueles velhos gurus do apoteótico Maio de 1968. Num de seus capítulo de análise e refutação de tais filósofos, Scruton se pega delineando o guru-mor da seita politicamente correta: Michel Foucault.

Michel Foucault
O ponto central de Foucault é aquilo que o filósofo brasileiro Gustavo Corção chamou a atenção de relance em "O século do nada". Se no passado os filósofos, os grandes pensadores e mestres partiam do alguma coisa pra entender o mundo, e apenas alguns partiam do nada; hoje todos partem do nada para o lugar algum. Para Foucault não existe realidade objetiva, não há verdade objetiva, nem moral objetiva, enfim, Foucault parte do nada. Tudo o que chamamos de verdade é sempre uma verdade adaptada a uma episteme, de alcance histórico pequeno e particularizado, que guarda sempre em suas entranhas os interesses da classe dominante.

Assim, criando um pensamento filosófico pretensamente ex-nihilo, fica muito evidente que Foucault tem certezas demais pra quem começa negando toda e qualquer verdade absoluta. A princípio fica claro como destaca o "coleguinha" Scruton que Foucault segue a base fundamental da história "for dummies" do "Manifesto Comunista" de Karl Marx e de seu boneco de ventríloquo Engels (2014, p.64). Assim, separando a realidade em época clássica e em época burguesa, Foucault começa a análises "arqueológica" do "poder". Para quem rejeita verdades absolutas como duração universal e aptas para explica a realidade como um todo independente de cada episteme, Foucault já começa com a universalidade das categorias marxistas do "Manifesto". Começou muito bem... Começou bem...

O "esquerdista caviar-mor" - para imitar Rodrigo Constantino, já que o habitat natural do "gauchiste" eram os cafés de Paris, ambiente tipicamente classe média alta - tem como objetivo (2014, p.59)
"[...] a busca pelas secretas estruturas de poder."
O que isto quer dizer?

Nada, como veremos mais ao final.

Para Foucault, toda "verdade" é na "verdade" um discurso político com vista a exercer poder sobre algum conjunto de infelizes e pobres coitadinhos que não fazem ideia de onde vem o ponta-pé no traseiro, a paulada na cabeça e o julgo de seu sofrimento. Foucault define as estruturas do saber nunca como objetivas, mas sempre como relativas e úteis a uma época específica. A isto ele chama de episteme, isso quer dizer que o conjunto de ideias aceitas como verdadeiras variam de acordo com o interesse da classe dominante. O único critério objetivo na construção dessa "verdade" científica de época é o interesse de uma classe manter o seu poder.

Por isso em "A história da loucura" Foucault trabalha com a ideia de que não existe uma categoria objetiva chamada de "louco". O "louco" é só um indivíduo - por assim dizer - que porta uma "verdade" que não se adapta a uma episteme hegemônica - parodiando Gramsci. Em suma, o louco tem um potencial revolucionário que põe em risco a estrutura de poder vigente, e que portanto, o louco precisa ser anulado, enclausurado e tratado como uma aberração. E como o louco se manifesta como louco em uma determinada época? Por meio de seu discurso afrontador do establishment, é óbvio! Scruton aponta o problema na seguinte ordem (2014, p.62):

Roger Scruton
Era claro no século XVIII, de acordo com Foucault, que, enquanto a loucura era capaz de expressar a si mesma, ela não tinha linguagem na qual fazê-lo se não a que a linguagem oferece. A única fenomenologia da loucura reside na sanidade. Certamente, então, o século XVIII tinha no mínimo uma intuição sensata sobre a natureza da desrazão? A província da linguagem e a província da razão são coextensivas, e se a loucura contém suas próprias "verdades", como Foucault proclama estas são inexprimíveis. Como, então, podemos imaginar corretamente uma "linguagem" da desrazão na qual as verdades da loucura são expressas, e para a qual agora devemos afinar os ouvidos?
Isto é, se a linguagem da loucura guarda sua própria verdade, e ela não pode se expressar pois a única linguagem disponível é a da razão, que por definição não é a linguagem do louco, como podemos nós, se prontificar a entender a verdade da loucura sendo que nós somos apenas seres normais utilizadores da linguagem da razão? Isto é só uma diferença de codificação na linguagem ou uma diferença de lógica? Bem, pelo contexto que Foucault explana bem, fica evidente pra mim que se trata de uma diferença de lógica. Temos aqui um polilogismo. Pior! Temos também uma contradição performativa, pois, a não ser que Foucault se considere louco e, portanto, portador dessa "verdade" da loucura, como pode ele ser o homem capaz de nos demonstrar que existe essa linguagem da não-razão? E mesmo que Foucault se pretendia de fato como um dos loucos que ele tanto louva, como ele pretende através da linguagem da loucura, exprimir para nós, meros seres racionais e normais, a verdade da loucura? E mesmo que ele não pretendesse explicar qual era essa verdade, mostrar simplesmente a existência de uma "verdade" diferente da nossa já pressupõe que de algum modo ele seja capaz de reconhecer um outro padrão (ou não-padrão) lógico. Como isso seria possível sem cair no mesmo mal que diagnostica, que é a impossibilidade de fazer a verdade da loucura chegar ao homem racional sem caminhos de linguagem?

Do ponto de vista da historiografia, Foucault é um hegeliano, um dos raros porém ainda existentes defensores da assim chamada "História Filosófica", cuja marca principal é sua confiança apenas na lógica e na dialética e seu desprezo pelas evidências empíricas, materiais hoje considerados indispensáveis pelo historiador. Bentivoglio e Merlo (2014, p.39) em seu livro "Teoria e Metodologia da História - Fundamentos do conhecimento histórico e da historiografia" resumem essa vertente de pensamento histórico como:
A história filosófica das luzes chegará até Hegel, tendo como base uma filosofia da história, que defende uma história universal, linear, não mais governada pela providência, como na Idade Média, mas pela razão, com um sentido progressivo cujas leis naturais poderiam ser compreendidas. [...] De qualquer modo, há certo desprezo pelas fontes, pela empiria, e uma valorização, sobretudo, da interpretação metafísica na busca de sentidos ou ideias universais como fios condutores da história.
Ou seja, para quem antes dizia que não havia uma verdade universal e sim verdades particularizadas, nos deparamos agora com alguém que se vale de uma lógica universal, linear governada pela razão, história essa cujo motor perpassa e ignora todas as individualidades (objeto de crítica profunda de Kierkegaard). Todos os fatos históricos citados por Foucault estão ideologicamente distorcidos de modo que sirvam aos seus interesses, isso é fácil de se fazer quando não se tem nenhum apreço pela empiria. Não quero com isso dizer que nãos e possa interpretar ideologicamente a informação de um documento, mas sim, que sem esse documento, fica mais fácil distorcer a realidade pra justificar qualquer ideia idiota. Se as evidências destroem minha teoria, pior pras evidências.

Foucault (2014, p.66), segundo Scruton, ainda nos alerta que NADA é feito sem que seja em nome do poder. Então eu lanço uma perguntinha... Será que Foucault escreveu suas obras em nome do poder ou com total despretensão, ou, na melhor das hipóteses, com profundo desejo humanitário de enriquecer o conhecimento humano? Sua obra pretende-se como verdade universal ou ser apenas mais uma episteme serva de algum poder ascendente? Temos aqui novas contradições performativas. 
Provavelmente o "gauchiste" nos diria por representar os oprimidos, os proletários e toda sorte de infelizes que levaram um pé no traseiro da sociedade burguesa, ele possui uma visão objetiva da história, algo que só o proletariado, segundo Marx, poderia ter. Ai ai... Foucault e Marx, proletários como eles só...

Por fim, Foucault diz que o poder é inerente a qualquer tecido social. (204, p.70) Sim, isso é verdade e Scruton rebate: Como acabar com o poder sem então acabar com o tecido social? Foucault não traz resposta. A grande investigação "arqueológica" de Foucault começa do nada e termina no nada.

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SCRUTON, Roger. Os pensadores da nova esquerda. São Paulo: É Realizações, 2014.

BENTIVOGLIO, Julio Cesar; MERLO, Patrícia. Teoria e metodologia da história - fundamentos do conhecimento histórico e da historiografia. Vitória: UFES, 2014.

segunda-feira, 23 de março de 2015

A hegemonia liberal.


Um quarto de século passou-se do Novembro de 1989 em que aquele que fora desde 1961 símbolo concreto, representação física da Guerra Fria e ponto de contato entre os blocos do "Ocidente" de feições liberais e o "Leste" Soviético - o Muro de Berlim - caíra e seus restos tomados por alemães, dos dois lados, a comemorarem. Somente dois anos após, em 1991, a União Soviética se dissolvera, estes eventos marcaram não somente o fim da última das 'guerras'/ disputas ideológicas do Século XX, como também o final deste que fora chamado de "A Era das Ideologias".

No entanto, cada vez mais assistimos a reedições dos discursos, slogans, lemas e clichés que marcaram toda a Guerra Fria, estes sendo proferidos tanto à direita quanto à esquerda, e que nos soam cada vez mais caricatos dado o abismo cada vez maior que os separa da realidade. Essa "nova Guerra Fria" é sintomática demonstrar quão nos órfãos nos tornamos após a "Morte das Ideologias" - estas que fizeram da política a paixão do século XX, por fazer com que as pessoas acreditassem e nutrissem sonhos, esperanças e causas pelas quais lutar. As ideologias que redesenharam as fronteiras e as relações entre os países ao longo de todo o século - agora resta a decepção com o que da política restou, seu caráter fisiológico e 'sujo', incapaz de nutrir esperanças e de mera manutenção do status quo.

Podemos afirmar que o Liberalismo saiu como o grande vencedor do Século XX e que este, ao derrotar seus rivais - o Socialismo, o Conservadorismo e o Fascismo - transcendeu o status ideológico, passando a figurar como a prática ou a nova realidade e que seus valores, práticas e instituições tornaram-se 'globais'. Diferentemente da Guerra Fria em que o Liberalismo estava associado ao alinhamento com os Estados Unidos, hoje não se faz mais necessário tal alinhamento e por ter tornado-se global, não mais o Liberalismo necessita de um "centro difusor" já que em maior ou menor escala todos nos tornamos Liberais.

Desse modo, a luta hoje reside dentro do próprio capitalismo como mostra Michel Albert em "Capitalismo versus Capitalismo". Temos formas de capitalismo que podem ser resumidos, grosso modo, apesar de suas pequenas disparidades em capitalismo neo-americano e capitalismo do Reno.
O modelo neo-americano incluem as vertentes que se apoiam na ortodoxia da Escola de Chicago e da Escola Austríaca ao passo que o capitalismo do Reno se apoia na Escola de Freiburg. Existem modelos mistos como o Keynesianismo invencível da França e a Escola de Estocolmo na Escandinávia, mas representam facções que se alinham politicamente com o capitalismo do Reno. Apesar dessas variações, todas as alternativas representam uma inclinação possível do espectro liberal, desde o purismo da primeira via no modelo neo-americano (Chicago ou Áustria) até o welfare state nórdico e o colbertismo francês (Myrdal e Keynes), passando pela terceira via de mercado dos ordoliberais alemães, cujo o próprio nome subentende algum grau de liberalismo por de trás de uma organização política do Estado no intrincado processo econômico.

Os tradicionalistas e conservadores, devastados pela destruição das falsas promessas de renovação do mundo pelas terceiras posições (fascismos), viram-se forçados a estar alinhados com os liberais, uma vez que temiam mais uma revolução análoga a de 1789 (as revoluções comunistas). Hoje porém, encontram-se abandonados, pois sua aliança politica com os liberais não se faz mais necessária uma vez que o comunismo morreu. E como os verdadeiros conservadores (a exemplo dos Tories britânicos) não possuem um novo modelo econômico adaptado aos complexos ditames do mundo pós-globalização para chamar de seu, estão fora da briga política entres os matizes do capitalismo moderno. Assim sendo, os conservadores apresentam uma estrutura política que é rejeitada tanto por social-democratas quanto por liberais por não se adaptarem aos seus modelos. Partidos conservadores que tentam ressuscitar uma plataforma pré-capitalismo liberal como o Front National  de Marie Le Pen é jogado imediatamente para a extrema-direita. Esse é o dado mais sintomático da morte das ideologias, tanto a esquerda tradicional (marxista-leninista) foi substituída por um embotado de liberalismo e relativismo moral chamado de "Nova Esquerda", muito bem desmascarada, por sinal, pelo liberal inglês Roger Scruton. E a direita foi substituída por um grupo de economicistas cada vez mais anarquistas sem qualquer compromisso com instituições e moral que se auto-intitulam de "Nova Direita", a exemplo do Partido Novo no Brasil. A grande briga hoje é de compadres, a briga do liberalismo com o liberalismo. Uma briga de primos que nos coloca numa nova situação política onde não existe qualquer perspectiva de mudança.

domingo, 22 de março de 2015

Análise do distributismo segundo a percepção de Gustavo Corção sobre Chesterton.


Terminei hoje a leitura do livro "Três alqueires e uma vaca" do democrata cristão Gustavo Corção. O livro é uma obra prima, ao contrário do já comentado aqui "Patriotismo e nacionalismo" ele é muito maior, mas igualmente rico. A forma que o filósofo brasileiro escolheu para expor o pensamento de Gilbert Keith Chesterton (personagem central do livro), foi ordenado e interessante, como quem apresenta uma pessoa, seus fundamentos filosóficos e políticos com o objetivo de localizá-lo no espectro político.

A parte I - "O humanismo em Chesterton" - é uma análise biográfica. Sim, é injusto chamar apenas de biografia, uma vez que Corção dá seus palpites e opiniões como quem conversa com um amigo, por isso mesmo o filósofo brasileiro diz que "escreveu um livro COM Chesterton e não SOBRE Chesterton". É como se Gustavo estivesse apresentando um velho conhecido a um amigo ou parente que o desconhecia. Chesterton é, assim,  apresentado ao leitor, em seus trejeitos, carranca e hábitos.

A parte II - "O homem e suas ideias" - é uma apresentação ou exposição dos princípios filosóficos mais caros e basilares do pensamento político e econômico do grande pensador inglês. Se no primeiro capítulo Corção apresenta Chesterton como um crítico do desumanismo da sociedade moderna que se importa com as partes das pessoas e não com as pessoas em sua totalidade e complexidade, no segundo ele apresenta-nos Chesterton como um legítimo humanista, e para isso Corção por vezes recorrer a Jacques Maritain.

A parte III - "Para não ser doido..." - Corção faz uma abordagem quase epistemológica de Chesterton, a noção de "mistério" (que seria um gap epistemológico) em contraposição a loucura do homem racional. Aqui Chesterton demonstra que o homem moderno é quase um psicopata, pois perdeu tudo: sua humanidade, sua moral e sua dignidade, mas não perdeu a razão. E para Chesterton, um homem que só tem a razão e nada mais é louco. Um psicopata. Corção reconhece alguns desses exemplares no Nazismo e no Comunismo, como quem estivesse se antecedendo ao psiquiatra polonês Andrew Lobaczewski que escreveu "A ponerologia política", um amplo estudo sobre a liderança política na Europa comunista onde todos os lideres eram psicopatas e transformaram o seu próprio povo em um coletivo de histéricos delirantes e subservientes ao discurso do partido.

"O louco é o homem que perdeu tudo, exceto sua razão." - G.K. Chesterton
Chesterton cita como exemplo o cientista behaviorista Henri Pieron, que a fim de testar as associações psicológicas entre alguns estímulos e as respostas a eles, torturou covardemente um bebê ao lado de sua assistente. 

Parte IV - "Para não ser bárbaro..." - O título da quarta parte é sugestivo, se as duas anteriores apresentam os fundamentos filosóficos de Chesterton, a quarta apresenta seus fundamentos políticos, sua defesa da democracia, do respeito a constituição, os contratos, leis e acordos. O bárbaro em sua concepção originária na Grécia e na Roma republicana era aquele homem que vivia sujeito a um rei ou imperador, não sendo portanto, totalmente autônomo e livre, além de ser um sujeito que não falava o grego ou o latim. Assim sendo, no mundo antigo, estes indivíduos não eram considerados civilizados. Para Chesterton e Corção, o homem "esperto", o homem "divorciado" e o "ditador" são similares, pois acreditam que podem destruir todos os contratos e rasgá-los como um punhado de papel vazio ao seu bel prazer. Para Chesterton, há uma reciprocidade nas relações sociais entre o Estado e o povo que deve ser orgânica e natural. O feedback é sempre visível quando as leis "tem o tamanho do homem", isto é, levam em conta a natureza humana e as culturas que dela nascem e quando o homem obedece a essas leis, não por medo, mas por se reconhecer nela.

Assim sendo, se a parte I, II e III é uma pregação contra o übermensch, de Nietzsche, que é um gigantismo sem a medida do homem, a parte IV é uma pregação jusnaturalista de que as leis devem reconhecer e serem reconhecidas pela natureza humana. É a essência de "Três alqueires e uma vaca".

Parte V - "Para não ser escravo..." - a condição mais humilhante, cruel e covarde da força de trabalho de uma sociedade é a de escravo. O temor de Chesterton era que o capitalismo desenfreado como o que ele testemunhou na Inglaterra do "laissez faire" é que o capitalismo liberal viesse a levar as pessoas a serem expulsas de suas já pequenas propriedades em favor dos oligopólios e monopólios das grandes propriedades. Chesterton temia que as pessoas voltassem a escravidão. O gigantismo da propriedade privada assustava Chesterton, assim como o gigantismo do Estado assustava Corção. Para Chesterton, a propriedade, assim como as leis e a própria autoimagem que o homem faz de si devem ter o tamanho do próprio homem, as proporções humanas.
É bem verdade que as ideias dos economistas clássicos, como Adam Smith, John Stuart Mill e David Ricardo serviram de molas propulsoras para as práticas econômicas da época, mas não necessariamente corresponderiam ao que defendiam os supracitados economistas (Cf. Lionel Robbins), mas isto não tira do liberalismo econômico tal como existiu no fim do século XIX e início do XX o resultado inescapável da concentração da propriedade privada nas mãos de enormes conglomerados que expurgavam os pequenos proprietários de suas humildes propriedades. Corção, por outro lado testemunhou o estatismo do Estado Novo, concentrador e corrupto, viu as engrenagens mais perversas da máquina estatal de Getúlio Vargas.

Podemos resumir a posição de Chesterton sobre o capitalismo como sendo o regime econômico onde o capital reside nas mãos de poucos homens que exploram os demais. Nesse sentido, o capitalismo é um vício assim como o comunismo que extirpa a propriedade privada entregando-a toda ao Estado.

O distributismo é, na ética dos extremos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, um justo meio termo, onde a propriedade está distribuída em proporções mais ou menos justas entre o máximo possível de pessoas.

G. K. Chesterton

O distributismo e a Economia Social de Mercado...

A ideia distributista de Chesterton não é utópica, isto é bem verdade... Mas também não se pode dizer que ela é economicamente eficiente. Por ser defensora sempre da pequena fábrica, do pequeno artesão, da pequena propriedade rural, ela ignora as vantagens de industrias úteis e que são grandes por sua própria natureza, como muito bem realça Gustavo Corção. A indústria de trens, bondes, navios, não podem ser reduzidas a pequena propriedade, entretanto são úteis para trazer prosperidade. Por vezes Gustavo Corção faz adaptações destas ideias na realidade em conceitos que muito se aproximam da economia social de mercado. A diferença entre os princípios filosóficos de uma e outra reside num mau suporte teórico do capitalismo oferecido pelos economistas clássicos e na sua interpretação crítica marxista. A revolução marginalista, decisiva para o capitalismo liberal, afetou também a inteligentzia cristã (protestante e católica) que percebeu os erros da velha abordagem econômica, isso levou os democratas cristãos a uma concepção mais realista, moderna e racional do capitalismo que é justamente a Economia Social de Mercado.

Com isto, a própria concepção do distributismo evoluiu para uma nova forma de economia capitalista pois foi afetada pelas descobertas da revolução marginalista, onde fica evidente que o crescimento econômico e o lucro (assegurados pela Igreja ao contrário do que se pensa) não eram mais vistos como resultado da exploração e da mais-valia, mas sim como criação de riqueza "ex-nihilo". Tenho motivos para crer que, caso Chesterton estivesse entre nós hoje, e visse os progressos que os teóricos da Economia Social de Mercado fizeram (e que são muito bem demonstradas por Michel Albert em "Capitalismo versus capitalismo"), teria bons motivos para, se não se tornar um defensor dela, ao menos se tornaria um grande respeitador das ideias ordoliberais.

Concluo esta resenha, com um sentimento de enorme alegria, por ter tido a oportunidade - que creio que era o que Gustavo Corção queria que me sentisse como - de ter sido apresentado a um novo grande amigo, Gilbert Keith Chesterton.

quarta-feira, 18 de março de 2015

A Filosofia política dentro da filosofia popular de Luiz Felipe Pondé


Luiz Felipe Pondé
Após ler três livros de filosofia do cotidiano de Luiz Felipe Pondé, pude fazer uma sistematização, ainda que um tanto atécnica do pensador brasileiro. Inicialmente, fica evidente que Pondé é uma excelente alternativa de conservadorismo para pessoas seculares e até mesmo ateias que acharem que há algo errado com o mundo.

Niilista, secular e conservador. Pondé é a perfeita fusão de Nietzsche e Hume. "Em Guia politicamente incorreto da filosofia", Pondé critica um método de controle coletivo. Em "Contra o mundo melhor", Pondé ataca a finalidade desse método e, somente em "A era do ressentimento" o filósofo vai de encontro ao sujeito agente dos primeiros livros.

Para Pondé, nós somos muitas coisas ruins, mentirosos, ressentidos, invejosos, fracos, etc. E por isso mesmo o mundo melhor é uma ilusão, por outro lado, uma nova filosofia de cátedra nos diz que somos bonzinhos, amigáveis, virtuosos e muito legais. E obviamente tudo que há de ruim no mundo é culpa de alguma agente externo. Na filosofia de Pondé essa mania de terceirizar os vícios e ficar só com as virtudes não passa da confirmação de sua própria teoria. É um analgésico moral para viver fingido ser moralmente superior. Isto fica muito evidente em "Contra o mundo melhor" e no "Guia politicamente incorreto da filosofia", o ressentido (que ele irá trabalhar no terceiro livro) é alguém que em nome de alguma novíssima causa "mui nobre" acredita-se moralmente superior àqueles que questionam a nobreza da mesma.

Para o autor isso é em si mesmo um vício moral, pois além de isto derivar do ressentimento que temos diante do mundo (totalmente desprovido de significado ou sentido), é uma forma de covardia, pois é um artifício utilizado pelas pessoas "inteligentinhas" para se proteger da realidade. Isto é, no desespero de se livrar de um mundo sem sentido, elas escolhem criar o sentido de suas vidas, seja por meio da esquerda pós-moderna (new left), onde se luta por todas as singularidade, individualidades e peculiaridades da sociedade em que vivemos, partindo do princípio de que há uma injustiça ou uma relação desigual de poder na mesma. Ou por meio da velha esquerda que acredita num materialismo histórico dialético que cria, por meio dos embates de classe, o caminho que a história prosseguirá até o comunismo.

Para Pondé, somos - parodiando Nietszche - insetos que do nada surgimos em um planetinha que circunda uma estrelinha, que por acaso desenvolve sua maior riqueza, uma coisa chamada conhecimento e que, por fim, essa estrela se apaga e tudo morre. Para Pondé, diante de todo esse vazio, nos ressentimos, pois nos achamos superiores a esse lack of meaning. Como escreveu Klaus Meine da banda Scorpions:

Humanity, Auf wiedersehn it's time to say goodbye.
The party's over as the last laughter dies an angel cries.
Humanity, It's au revoir to your insanity 
You sold your soul to feed your vanities, our fantasies and lies
You are a drop in the rain, Just a number not a name 
If you don't see it You don't believe it  
At the end of the day You are a needle in the hay  
You signed and sealed it And now you gotta deal with it 
Humanity, humanity Good bye
Quando percebemos que nem o universo e nem a sociedade nos dão o valor que acreditamos ter, nos ressentimos, e com isso, procuramos os analgésicos morais. Este é, talvez o tema central de "A era do ressentimento".

O analgésico moral

O analgésico moral se chama "Politicamente correto". O politicamente correto nada mais é que uma moral secular e provisória, pois varia de acordo com a história e as condições políticas - por isso Pondé diz que a política tomou o lugar da Graça - e que serve de arma política do ressentido. Isto é, diante da completa falta de sentido da existência, da constatação da não-existência de Deus, o homem, em face do ressentimento, decide criar o próprio sentido de sua existência, quase sempre tornar o mundo melhor (seja lá o que isso possa significar, desde Hitler a Foucault passando por Stalin), e para alcançar isso, decide minar a moral tradicional, fundada em pressupostos metafísicos "não-verdadeiros" (para eles) impondo desde cima a nova moral laica. 

Para Pondé, a moral tradicional é superior justamente pelos seus fundamentos. Ao passo que a moral laica (a praga PC) é existencial e historicista, a moral tradicional é essencial e perene e justamente por se amparar na existência de um Deus justo, bondoso e perfeito, ela o leva a reconhecer suas próprias fraquezas e aceitá-las; por isso, reconhecendo-se frágil e pecador, o homem antigo era moralmente superior ao homem ressentido da pós-modernidade. O homem ressentido, não. O homem ressentido se acredita mais especial e virtuoso do que de fato é, por acreditar ser portador de uma suposta verdade santa que deve ser imposta sobre todos para mudar o mundo. Se antes a única coisa que poderia redimir o mundo era a Graça, para o homem pós-moderno é o deus-Estado que é o responsável pela materialização e realização da fé metastática de que fala Voegelin.

Assim sendo, o politicamente correto nada mais é que essa moral secular que serve de arma do homem ressentido para fazer o mundo melhor dos seus sonhos. E é contra isso que Luiz Felipe Pondé se insurge, batendo e atacando tanto os fins, quanto os meios e o próprio autor da ação. Um filósofo essencial para os dias de hoje e pra a compreensão dos fatos políticos que nos cercam.

sábado, 14 de março de 2015

Os males da moeda fraca e da desvalorização cambial.



Ano após ano, ouvimos os mesmos velhos clamores dirigistas do nacional-desenvolvimentismo de que o Real está muito valorizado, de que devemos desvalorizar a moeda, principalmente no que diz respeito a estimular exportações e ajustar a balança comercial. Para estas pessoas a inflação não é um problema desde que não se torne uma hiperinflação. Este raciocínio é a mentalidade mais “anti-pobre” que existe. É claro que não devemos fazer um câmbio 1 real – 1 dólar artificialmente, mas cuidar de manter a moeda num bom patamar de valorização, com oscilações mínimas ditadas pelo mercado. Esta foi e tem sido uma estratégia fundamental para o desenvolvimento de uma nação, o Brasil, por exemplo, com o câmbio flutuante deu um passo fundamental para a solidez monetária inaugurada no Plano Real. Não adianta nada derrubar o valor do Real para R$ 3,00 para 1 dólar, se o estímulo momentâneo a exportação será feito ás custas do empobrecimento da população. Este é ainda um pensamento calcado naquela velha noção, caduca e nacionalista, de “autossuficiência”.

Apesar de alguns austríacos serem radicais, as análises feitas por Leandro Roque e Sidney Silvestre são excelentes. Primeiramente, não é necessária uma desvalorização cambial para estimular as exportações, basta garantir estabilidade monetária, ortodoxia fiscal e uma política de estímulo ao investimento ao invés do consumo, que naturalmente a economia começará a fazer as exportações tão amadas pelos cepalistas que, em nome de Keynes, fazem aberrações que Keynes jamais aprovaria. Prova disso é o gráfico que Roque no vídeo acima "linkado" mostra a partir dos trinta minutos, o aumento das exportações coincidiu com a valorização da moeda, e não da desvalorização da mesma.

Este exemplo em nosso país não é o único, ele funcionou em vários lugares em que a estabilidade da moeda foi a chave-mestra do processo econômico. Em 1937 a moeda alemã era o Reichsmark, o cambio havia sido deteriorado pelos nazistas como parte de sua política de autossuficiência (aumento das exportações e redução das importações), e também havia aumentado a impressão de papel-moeda para financiar sua máquina de guerra. Apenas 10 anos depois do início desse período, a economia alemã estava destruída. Não apenas pela guerra, mas por sua própria política irresponsável; o Reichsmark estava tão desvalorizado que ele já não podia comprar o próprio papel em que era impresso. As pessoas naturalmente preferiam o escambo e as senhas de racionamento ao uso daquela moeda esvaziada de valor e significado, inclusive, essa situação escabrosa chegou a ser defendida pelo SPD[2]. Em 1949 assume o comando da Alemanha o democrata cristão Konrad Adenauer, seu primeiro gabinete cuidou de fazer uma reforma monetária, substituindo o Reichsmark pelo Deutschemark, o marco alemão. O Plano Marshall deu um grande impulso a essa reforma, por que parte das doações americanas aumentaram as reservas cambiais da Alemanha em moeda externa, enquanto outra parte destinou-se a reparação dos danos a Guerra. Após o sucesso da reforma monetária que derrotou a hiperinflação, houve um pequeno surto inflacionário[3], mas que fora preocupante o bastante para colocar em cheque o sucesso da reforma monetária, por exemplo, o custo de vida subiu 68% em relação a 1938, época do nazismo que tinha os resultados econômicos do seu dirigismo ainda no seu auge, entre junho e dezembro de 1948, houve um aumento geral no nível de preços na faixa de 12%, susto similar voltaria a ocorrer com a guerra da Coréia, que criou um pânico econômico em 1951[4] que ajudou a impulsionar uma situação inflacionária que embora, bem menos grave que a hiperinflação antecedente, era bastante incômoda e que fora utilizada várias vezes pelo SPD para pedir a cabeça do ministro Erhard; a prova da vitória definitiva de Erhard sobre a política anti-pobre dos keynesianos ainda esperaria pelo menos 3 anos para ficar clara e evidente como o sol. Porém, ainda em 1950, antes da Guerra da Coréia criar um pânico no mercado, os preços começaram a cair evidentemente, como o próprio ministro Erhard (p.28) nos conta:
"O otimismo a princípio ridicularizado provou, todavia, ser um realismo justo: no primeiro semestre de 1950, o nível geral de preços no comércio a varejo estava cerca de 10,6% abaixo do primeiro semestre de 1949. A Alemanha era assim excluída do número daqueles estados que pareciam ter ser conformado com uma política de preços aumentando continuamente."
Mesmo se tomarmos a crise da Coréia como pontos de referência de um pequeno surto inflacionário, ainda perceberemos que a Alemanha teve resultados muito superiores aos da Suécia e da Noruega e sua social democracia, e também aos apresentados pela Grã-Bretanha liderada pelos conservadores.
Entre 1950 e 1952 o custo de vida na Alemanha subiu 10%, ao passo que na Noruega subiu 26%, na Suécia 25% e na Grã-Bretanha 19%; esta diferença se viria a fazer ainda muito mais notória em 1961, que, se comparado a 1950, registra um aumento no custo de vida na Alemanha de 24% enquanto Noruega registra um aumento de incríveis 63%, Suécia 60% e Grã-Bretanha de 54%... Ou seja, a Alemanha encareceu em 11 anos um valor inferior ao que as Sociais-Democracias encareceram em apenas DOIS anos[5]! Esta é uma vitória fundamental de Erhard e do ordoliberalismo sobre a economia keynesiana e myrdalliana. Mesmo o gabinete de Churchill, um conservador, não obteve resultados similares. Em 1950[6], a Alemanha exportava 697 milhões de marcos alemães, em 1952, já exportava quase 1 bilhão e meio! E para maior espanto, em 1961 as exportações chegariam a incríveis 4,2 bilhões de marcos! Tudo isso foi feito assegurando a estabilidade da moeda, para a tristeza dos nacionais-desenvolvimentistas.

Política anti-pobre ou pró-pobreza?

Não há contradição entre os dois termos, uma política que aumente a pobreza é sempre uma política anti-pobre, pois são estes que mais sofrem e pagam caro por produtos que os ricos - embora igualmente insatisfeitos - também compram, contudo, os últimos têm uma reserva de capital mais forte aos impactos da inflação. Para exemplificar, vamos falar sobre um caso emblemático de nação rica que foi devorada pela inflação... Não, não é o Brasil, mas sim os "hermanos", a Argentina.
Em 1913, a Argentina era um dos dez países mais ricos do mundo. Com exceção da anglofonia, o PIB da argentina era inferior apenas aos de Suíça, Bélgica, Países Baixos e Dinamarca, deixando para trás - e muito para trás! - todos os demais vizinhos latino-americanos. Entre 1870 e 1913, a economia Argentina cresceu mais rápido do que a dos próprios Estados Unidos da América e Alemanha! O país era um mercado tão aberto que tinha tanto capital estrangeiro investido nele quanto o Canadá. Segundo o Historiador Niall Ferguson (2008, p.105), a Argentina era a segunda nação mais rica do “novo mundo” e poderia se declarar os “Estados Unidos da América do Sul”. Se era assim, então, o que aconteceu?

Inflação.

Segundo Ferguson, quando Perón assumiu, ele induziu uma industrialização forçada baseada no aumento do endividamento público e, logicamente, dos gastos, que foram utilizados para subsidiar empresas argentinas. Perón também se valeu da desvalorização da moeda para incentivar a exportação. Isso gerou um enorme êxodo rural para as cidades em busca de empregos industriais que estavam remunerando melhor que os do setor primário. A inflação estratégica começou a sair do controle quando se percebeu que o aumento da força de trabalho urbana/industrial se deu à custa do encurtamento da força de trabalho do setor primário, e como consequência disto, da redução da produção, o que encareceu ainda mais o custo de vida e aumentaram os preços dos produtos de necessidade básica. Os preços começaram aqui a subir acima do planejado. O golpe que destituiu Perón tentou recuperar a economia, mas ao invés disso conseguiu piorá-la, a medida adotada foi mais do mesmo veneno, desvalorizar ainda mais a moeda.
A Argentina passou entre os anos de 1959 e 1988 com o mesmo PIB per capita![7] A inflação subiu de 2% para dos dois dígitos com Perón, e para três dígitos em seu retorno ao poder, quando a mesma atingiu mais de 400%[8] e por fim, a quatro dígitos em 1990, onde acumulou 5.000%!

A "Carmem Miranda inflacionista".

O processo pelo qual a hiperinflação brasileira chegou a um patamar de 2568% ao ano[9] foi semelhante: tudo começou com Getúlio Vargas e depois Juscelino Kubistschek – não é por acaso que as moedas trocaram inclusive o material de cunhagem, adotando-se um mais leve e barato, o objetivo foi, provavelmente facilitar a desvalorização do Câmbio e facilitar a emissão da mesma.

Jango, por sua vez, foi igualmente incompetente no combate a inflação; a inflação disparou, só vindo a ser amenizada (não combatida) com o golpe de 64 e o Regime Militar. Segundo o historiador Marco Antonio Villa em “Ditadura à Brasileira”, isto se deveu a dupla Roberto Campos e Otávio Bulhões durante a administração de Castelo Branco, que logo foi substituída pela de Antonio Delfim Netto no governo Costa e Silva. Governo este que viria a aumentar o déficit público e a favorecer a torragem de um dinheiro que não existia, e através de incessantes empréstimos aos fundos internacionais[10][11]gerando o "monstro inflacionário com bananas na cabeça" que tivemos depois, nos governos de José Sarney e Fernando Collor.

Em países como Brasil e Argentina, onde existe uma tradição de inflação descontrolada, não é uma boa ideia fazer desvalorizações cambiais para estimular exportações ou para poder gastar mais e mais. A estabilidade monetária é, e sempre será o pilar de uma economia sólida e desenvolvida, política macroeconômica voltada para o aumento do consumo apenas cria inflação e desperdício de recursos, seus resultados positivos são sempre de curto prazo, e não duram mais do que um ou dois anos antes de vir a conta amarga de se pagar. É o que o governo Dilma nos ensinou e fez em seus primeiros quatro anos ao lado do inútil Guido Mantega. Mas, felizmente, temos a história da economia ao nosso lado, para lembrar aos gastadores e inflacionistas que crescimento econômico demanda confiança no principal item da economia capitalista, a moeda.

Da Europa à América Latina... Da América Latina de volta a Europa.

A desvalorização cambial faz com que os cepalistas tenha vastas crises de orgasmos múltiplos, haja vista a tão falada "curva em J". Num primeiro momento a economia sofre um baque com a desvalorização, mas na sequência há um "crescendo" enorme que encantam os "hiper-mega-ultra-keynesianos mais keynesianos que Keynes". A desvalorização da moeda não é uma ação virtuosa como fazem crer alguns, Ela costuma criar outros problemas além de inflação. vejamos alguns:

Michel Albert (1992, p.164), o ordoliberal francês, comparando os malefícios da desvalorização cambial na França com o sucesso da Alemanha e da Holanda, donas a época de uma moeda forte, nos mostra que muitas vezes a desvalorização do câmbio cria espaço para a inflação de custos no mercado exportador, pois a desvalorização é uma bomba atômica jogada para resolver problemas localizados, ela rebaixa todos os preços pra exportação, com isso afeta setores muitas vezes indesejados, criando margem para que, uma vez que os preços tenham sido rebaixados numa mesma escala para setores com custos totalmente diferentes, os empresários de alguns destes setores exportadores possam aumentar seus preços numa margem ligeiramente inferior ao da desvalorização a fim de maximizar lucros. Com isso, a desvalorização vê seus efeitos drasticamente reduzidos ou até mesmo cancelados.

Se esse quadro é apenas frustrante, um segundo pode representar um enorme risco à economia nacional, a inflação de importação, onde os preços dos produtos sobem por causa de alguns insumos fundamentais da economia que muitas vezes são trazidos de fora. A título de exemplo, podemos imaginar o que aconteceria numa desvalorização cambial quando um país precisa comprar energia e petróleo de outro. Os aumentos no nível geral de preços seriam enormes, fazendo com que os preços voltassem a subir e que outra desvalorização fosse necessária. No fim, estaríamos num círculo vicioso de desvalorizações monetárias. Foi o que tivemos em grande parte da América Latina, e na França em 1985.

Por outro lado, a moeda forte tem muitas vantagens a longo prazo, que exigem paciência e trabalho duro para serem alcançados, vamos ver algumas delas:

Moeda forte obriga as empresas a serem produtivas. O Japão do fim da década de 80 evidencia isto, a Nissan chegou a registrar um aumento de produtividade de 10% devido a sobrevalorização do Iene. 
A moeda valorizada estimula que as empresas invistam e se especializem em produtos tecnologicamente mais desenvolvidos e de grande valor agregado, pois, como demonstrado na microeconomia, preços altos estimulam o lado da oferta que tentará sempre empurrar o seu produto que lhe ofereça a maior margem de lucro. Produtos de alta tecnologia e de alta qualidade são estimulados, pois a inovação tecnológica é capaz de torná-los altamente comerciais.

Com tantos benefícios, fica difícil defender o inflacionismo dirigista baseado na falaciosa curva de Phillips, já desmascarada na década 70. Porém, a moeda forte no curto prazo impõe certas limitações que são de fato incômodas, mas o prêmio ao final é sempre superior. É necessário também que o Estado tenha uma política industrial clara, voltada ara ciência e tecnologia. Essa política deve incentivar a industria nacional por meio de desonerações no caso das grandes empresas e até mesmo de alguns subsídios no caso da médias empresas. O trabalho coordenado entre o Estado e a iniciativa privada é o único capaz de proporcionar o desenvolvimento econômico do país. É óbvio que isto também envolve flexibilização das leis trabalhistas brasileiras, que são baseadas na falácia socialista de oposição entre capital e trabalho e também em investimentos maciços em educação técnica e profissionalizante. Esse é o caminho das pedras e não o escolhido por Dilma Rousseff e seus falsos magos da economia.

REFERÊNCIAS:

ALBERT, Michel. Capitalismo versus capitalismo. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

ERHARD, Ludwig. Bem-Estar para todos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1964.

FERGUSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro – A história financeira do mundo. São Paulo: Planeta, 2008.

GRIECO, Francisco de Assis. A Supremacia Americana e a ALCA. Rio de Janeiro: Bibliotheca do Exército, 2003.

OTAVIO, Chico. Tribuna do Norte: JK: Inflação, o custo da festa. Disponível em <http://tribunadonorte.com.br/noticia/jk-inflacao-o-custo-da-festa/1174> acessado em 23/11/2014.

ROQUE, Leandro. O que houve com a economia brasileira?. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R5fvo7yBxJo> acessado em 23/11/2014.

SILVESTRE, Sidney. Instituto Mises Brasil: Desvalorização de Câmbio – Um péssimo negócio. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=597> Acessado em 23/11/2014.

VILLA, Marco Antonio. Ditadura a Brasileira: A democracia golpeada a esquerda e a direita. São Paulo: Leya, 2014.
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[2] Cf. ERHARD, 1964, p.92
[3] Ibid. p.26
[4] Ibid, p.60
[5] V. ERHARD, 1964, p.29
[6] Ibid, p.252
[7] Cf. FERGUSON, 2008, p.106.
[8] Ibid. p.107
[9] Cf. GRIECO, 2003, p.187
[10] Cf. KOTKIN, S; GROSS, J.T. Sociedade Incivil: 1989 e a queda do comunismo, São Paulo: Objetiva, 2013.
[11]Cf. FERGUSON, 2008, p.267