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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Breve resumo da Teoria ordoliberal dos ciclos econômicos


A teoria ordoliberal também é conhecida como teoria röpkeana, assim a nomeou, pelo menos, o professor Marcelo Resico da Universidade Católica Argentina em seu livro: "La estructura de una economia humana: reflexiones en cuanto a la actualidade de Wilhelm Röpke", publicado em 2009 pela editora da UCA. Ela se constitui em um meio termo entre a teoria austríaca e a teoria keynesiana e é muito interessante, como notou o professor de economia espanhol Adrián Ravier.

Wilhelm Röpke - Economista da Escola de Freiburg
A teoria de Röpke, assim como a austríaca, começa com a expansão do crédito (só que não necessariamente por meios artificiais [1]). Quando a taxa de juros cai, as empresas contraem empéstimos, que decidem investir em bens de capital. A inovação tecnológica faz com que tecnicas mais eficientes de produção resultem em grandes lucros, que serão investidos (microeconomia - supply side) na produção e, em menor escala, em salários/contratação de pessoal. Assim, os salários sobem em proporção inferior à produção de bens de consumo, o que resulta numa superprodução. Daqui chegamos ao conceito de propensão marginal a consumir (PMgC) que será detalhado ao final.

Aqui a crise se arma por dois lados, o da queda dos preços para ajustar-se a demanda global, e o crescimento dos juros. A medida em que as empresas tomam recursos emprestados, o pool de poupança cai, e o crescimento do consumo embora não seja equivalente a toda a renda, forma uma poupança que ajuda a empurrar o juro para cima, fazendo com que os juros subam de modo a atrair poupança dos ofertantes, mas como veremos abaixo, esse empurrãozinho é limitado, mas forte o bastante para atrasar a queda posterior da taxa de juros. Só que isso encarece o custo do capital e reduz a expectativa de lucros futuros (ver teoria keynesiana da EMgC), a queda dos preços para ajustar-se a demanda ajuda a empurrar a expectativa de lucro futuro (EMgC) para uma situação desfavorável ao investimento. - Até aqui é o que Röpke chama de crise primária, em que basta um ajuste microeconômico para resolver o problema; diminuindo investimentos e aumentando salários ou contratando pessoal, aumentando assim o consumo e reduzindo a produção, sustentando os preços no alto. Porém, se a crise for ignorada, a situação pode piorar.

A crise primária dura até a estagnação do investimento e da contratação de trabalhadores; e ações macroeconômicas neste momento são prejudiciais. Após isso, começa a crise secundária, que levará problemas generalizados e ao crescimento do desemprego. O resultado é o aumento do desemprego. Com o aumento do desemprego, se cai o consumo e a crise se aprofunda. Pois os custos de se produzir são muito altos e os preços muito baixos para forçar a saída do estoque preso. Neste caso, a intervenção do Estado é bem vinda.

Röpke (apud Resico, 2009, p.148) diz:
“La única forma adecuada de caracterizar la deflación secundaria es apuntar a la contracción de la demanda total, especialmente como se expresa por la contracción del crédito monetario... Esta contracción de la demanda total –que se produce detrás de la cortina de un volumen constante de moneda– es el hecho esencial, el motor primero de a depresión secundaria. Está estrechamente conectado con la contracción de los ingresos y, también, aunque no tan estrechamente, con la contracción de costos, y termian en la contracción general de la producción que, a su vez, reacciona contrayendo la demanda y los ingresos. Este mecanismo de la depresión secundaria opera a través de un doble rezago que es autosostenido en la medida en que el círculo vicioso de la depresión permanece intacto: primeramente la contracción de la producción tiende a rezagarse dertás de la caída de precios la cual significa una caída de los ingresos y de la demanda, y en segundo lugar, la contracción de costos tiende asimismo a rezagarse detrás de la caída de los precios." 
Prossegue então Röpke com o ponto de distinção entre crise primária e secundária:
"En el primer caso, e la desproporción entre la oferta y la demanda, y en el segundo se trata de la desproporción entre costos y precios, es decir, la falta de rentabilidad, que tiende a mantenerse de manera continua."
Para Röpke, a lei de Say existe, mas não é uma lei que funciona em todos os casos, para que a lei de Say opere, Röpke diz que deve haver um enquadramento jurídico que estimule as empresas a fazerem os ajustes microeconômicos apropriado, assim, a Lei de Say opera formidavelmente. Se esses mecanismos jurídicos não existem, o funcionamento da mesma vai depender da incerteza e da irracionalidade parcial dos agentes econômicos, podendo funcionar num momento e não funcionar em outros posterios, pressupondo-se assim, é claro, a continuidade do ciclo.

Resico (2009, pg.149) diz:
"La siguiente cuestión que encara el autor es la de la diferencia conceptual y temporal entre la ‘depresión primaria’ y la ‘depresión secundaria’. En este sentido descarta la cuestión de los precios, si bien toda ‘depresión secundaria’ está asociada a un proceso continuo de caída de los precios, o sea un proceso deflacionario, esta no es la cuestión crucial. Para Röpke la ‘depresión secundaria’ comienza cuando la primaria ha terminado, y este hecho lo señala en forma definitoria el fenómeno de que los niveles de desempleo se hacen significativamente altos.
Com o aumento do desemprego, como dissemos acima, ocorre o enxugamento (queda) do consumo, reduzindo a demanda total da economia.

Para estas situações expostas na crise secundária, Röpke aponta soluções tipicamente keynesianas, como pontua Ravier (s.d; p.3)
Röpke distinguía claramente la depresión primaria de la depresión secundaria. La primera es aquella depresión normal, que surge en todo ciclo económico y que es necesaria para liquidar la sobre inversión generada en la etapa del auge. Ante esta situación Röpke se podría denominar como un “liquidacionista”, en el sentido que no propone aplicar políticas para paliar tal situación. La segunda es aquella depresión que va un poco más allá de la necesaria liquidación de los comentados errores de inversión. Se trata de una depresión que se retroalimenta por sí misma, y que lleva consigo una destrucción de capital innecesaria, y que es imperioso detener. Ante esta situación es que Röpke sugiere aplicar políticas expansionistas, tanto monetarias como fiscales, como hoy sugieren los keynesianos. Explica Röpke que la expansión monetaria puede no tener la fuerza suficiente para detener la depresión secundaria, y por ello, debe ir acompañada de políticas fiscales que aseguren que habrá una mayor demanda de los créditos que la política de dinero fácil introduzca en el mercado.
A propensão marginal a consumir nos mostra que parte do que é ganho na forma de salário pelo trabalhador não é consumido e converte-se em poupança, essa poupança a princípio parece compensar a queda do pool de poupança no período de crescimento, mas isto é apenas aparente. Tudo que o empresário toma emprestado ele vai aplicar ou no capital ou em salários, seja em aumentos, seja em contratação de mão-de-obra, portanto, apenas uma parte do valor que se toma emprestado cira salários e, ainda, apenas uma parte dos salários vira consumo, o que resulta em que apenas uma parte do que foi originalmente tomado emprestado junto aos bancos retorna a eless. Portanto, a saída de recursos dos bancos na bonança é superior a entrada de recursos, porém, se essa entrada de valores não ajuda a manter os juros baixos, ao menos atrasa a subida dos juros, e consequentemente, atrasa a queda dos mesmos. A resiliência que a taxa de juros apresenta a cair pode ser curta o suficiente para não causar problemas, mas pode ser longa o bastante diante do que Keynes nomeou incerteza para permitir a transição da crise primária para a secundária, da forma que Prebisch colocou em seu livro.


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[1] O professor Röpke em Crises and cycles dá a entender que as reservas fracionárias podem perfeitamente criar o ciclo e que elas independem de bancos centrais.

Referências.



RESICO, Marcelo. La estructura de una economia humana: reflexiones en cuanto a la actualidade de Wilhelm Röpke". Buenos Aires: UCA, 2009.

RAVIER, Adrián. Comentario al trabajo de Marcelo F. Resico:“La Teoría del Ciclo Económico de W. Röpke”. Madrid: Universidad Rey Juan Carlos de Madrid, s.d.

PREBISCH, Raúl. Keynes, uma introdução. Brasília: Editora Brasiliense, 1991.

Emprego e Distribuição de Renda em Keynes.

Continuando minha série sobre Keynes, decidi reublicar aqui um excelente artigo do professor José Luís Oreiro

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No capítulo 24 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (doravante Teoria Geral), John Maynard Keynes afirmou que as duas principais falhas do sistema econômico da sua época (as quais certamente continuam sendo as falhas dos sistemas econômicos modernos) eram a sua incapacidade de proporcionar o pleno-emprego para os fatores de produção – notadamente o trabalho – e a extrema desigualdade na distribuição de renda e de riqueza. Essa desigualdade, por sua vez, não é apenas um problema ético ou moral do capitalismo, mas pode atuar também como um dos fatores que reforçam a tendência intrínseca do sistema ao equilíbrio com desemprego da força de trabalho. Dessa forma, políticas econômicas que visem a redução da desigualdade da distribuição de renda também poderiam atuar no sentido de elevar o nível de emprego e de utilização dos recursos produtivos da economia.
A principal inovação trazida por Keynes na sua Teoria Geral foi o Princípio da Demanda Efetiva segundo o qual o nível de emprego da economia como um todo é determinado no ponto em que a curva de demanda agregada – que relaciona as receitas que os empresários esperam obter com a venda no mercado da produção resultante do nível de emprego por eles oferecido – se intercepta com a curva de oferta agregada – que relaciona o nível de emprego com a receita mínima que os empresários desejam obter com a venda no mercado da produção correspondente ao mesmo. Esse ponto de intercessão foi denominado por Keynes de ponto de demanda efetiva. Supondo que as expectativas dos empresários sejam realizadas, ou seja, que os empresários acertam o ponto de demanda efetiva, então o nível de emprego terá sido determinado pelo volume efetivamente realizado de vendas, as quais correspondem – numa economia fechada e sem governo – a soma entre consumo e investimento.
Para Keynes os gastos de consumo obedecem a uma “lei psicológica fundamental” segundo a qual à medida que a renda aumenta, o consumo aumenta, mas em menor proporção. Essa relação entre consumo e renda for denominada por Keynes de “propensão a consumir”. Essa, por sua vez, depende de uma série de fatores objetivos (distribuição de renda, taxa de juros, variações imprevistas na riqueza dos agentes, estrutura tributária, etc.) e subjetivos (impaciência intertemporal, precaução contra imprevistos, deixar heranças para os filhos, etc.). O investimento, por sua vez, depende do “estado de expectativas de longo-período”, as quais definem a escala de eficiência marginal do capital – a qual é definida como a taxa de desconto que iguala o fluxo de caixa esperada de um projeto de investimento com o preço de oferta do equipamento de capital recentemente produzido – e da taxa de juros. A taxa de juros, por sua vez, depende da preferência pela liquidez dos agentes econômicos – a qual reflete o grau de desconfiança que os mesmos têm com relação as suas próprias previsões, fruto da incerteza que circunda o processo de tomada de decisão numa economia capitalista – e da política monetária, a qual define a quantidade de moeda existente na economia num dado ponto do tempo.
O argumento de Keynes a respeito da tendência das economias capitalistas a operar com desemprego involuntário da força de trabalho se baseia na ideia de que dados os parâmetros do modelo de determinação do nível de emprego da economia como um todo, ou seja, dados a propensão a consumir, o estado de expectativas de longo-período, a preferência pela liquidez e a política monetária – não há nenhuma razão pela qual se deva esperar que a curva de demanda agregada se intercepte com a curva de oferta agregada exatamente no ponto que corresponde ao pleno-emprego da força de trabalho. Dessa forma, o pleno-emprego será apenas uma posição de equilíbrio entre muitas possíveis, todas as demais n-1 posições de equilíbrio serão caracterizadas pelo desemprego (involuntário) da força de trabalho.
De que forma a desigualdade na distribuição de renda pode atuar no sentido de aumentar a propensão do sistema a operar com desemprego da força de trabalho? Para responder a essa pergunta temos que analisar mais detalhadamente os determinantes da propensão a consumir.
Segundo Keynes a distribuição de renda e de riqueza afeta a magnitude da propensão a consumir, uma vez que as famílias com maior renda tenderiam a gastar uma proporção menor de qualquer acréscimo de renda do que as famílias com renda mais baixa. Dessa forma, se a renda estiver muito concentrada nas mãos dos indivíduos e das famílias mais ricos, a propensão a consumir será mais baixa comparativamente a uma situação onde a renda estivesse menos concentrada. Daqui se segue, portanto, que quanto maior for a desigualdade na distribuição de renda, menor será, ceteris paribus, a propensão a consumir, fazendo com que a intercessão entre as curvas de demanda e de oferta agregada se dê num nível de emprego mais baixo do que poderia ocorrer caso a renda fosse melhor distribuída.
Aqui cabe uma observação importante a respeito do tipo de desigualdade na distribuição de renda que preocupava o autor da Teoria Geral. Para Keynes, a distribuição funcional da renda entre salários e lucros não era particularmente relevante para a determinação da magnitude da propensão a consumir (Carvalho, 1991). Em outras palavras, não é a fonte de renda (se salários ou lucros), mas a sua magnitude, que influencia a propensão a consumir. Daqui se segue, portanto, que o foco de atenção deve ser a distribuição pessoal da renda.
Face a essas considerações qual deve ser a política que o governo deve adotar para proporcionar o pleno-emprego da força de trabalho? A partir do modelo teórico apresentado na Teoria Geral, podemos observar as políticas de estímulo ao aumento do nível de emprego podem ser divididas em duas categorias, a saber: (i) políticas que visam o aumento da propensão a consumir; (ii) políticas que visem o aumento do incentivo a investir.
O aumento da propensão a consumir pode ser obtido por intermédio de mudanças na distribuição de renda que sejam induzidas por intermédio da taxação direta, particularmente pelo imposto de renda (progressivo) e pelo imposto sobre heranças. Mas esse não era o curso de ação preferido por Keynes. Num artigo escrito em 1934, Keynes afirma que o ajuste da propensão a consumir por intermédio da taxação direta sobre as classes mais abastadas deve ser feito apenas após o esgotamento de todas as oportunidades lucrativas de investimento em capital físico decorrentes da redução da taxa de juros para patamares muito baixos. Nas suas palavras:
Se a taxa de juros cair a um nível muito baixo e permanecer nesse patamar por um período suficientemente longo de tal forma que não seja mais lucrativa qualquer construção de equipamento de capital, mesmo a taxas de juros muito baixas; então eu direi que os fatos apontam para a necessidade de mudanças sociais drásticas direcionadas ao aumento do consumo. Pois nesse caso ficará claro que teremos o maior estoque de capital que poderemos empregar de forma útil” (1934, p.491) [Tradução nossa].
A política de estímulo a geração de demanda efetiva e criação de empregos preferida por Keynes era, portanto, a redução da taxa de juros até o assim chamado nível neutro, ou seja, o nível da taxa de juros que, dada a propensão a consumir, seria compatível com o pleno-emprego da força de trabalho. Keynes acreditava que em função da incerteza inerente ao processo de tomada de decisão numa economia capitalista, a preferência pela liquidez dos agentes econômicos definiria um valor para a taxa de juros que seria mais alto do que aquele compatível com o pleno-emprego. Nas suas palavras:
Qualquer taxa de juros aceita com suficiente convicção como provavelmente duradoura será duradoura; sujeita, naturalmente, em uma sociedade em mudança a flutuações originadas por diversos motivos, em torno do nível normal esperado. Em particular, quando M1 aumenta mais depressa que M, a taxa de juros subirá e vice-versa. Mas pode flutuar durante décadas ao redor de um nível cronicamente elevado demais para permitir o pleno emprego“(Keynes, 1936, p.204) [Tradução nossa].
Keynes acreditava que a redução da taxa de juros até o nível neutro não apenas poderia manter a economia funcionando num estado bastante próximo ao pleno-emprego ao longo do tempo como ainda poderia levar a “eutanásia do rentista” no longo-prazo. Com efeito, o capital proporciona uma remuneração positiva para os seus donos unicamente por ser “escasso”, ou seja, por existir em quantidade insuficiente com respeito ao tamanho do mercado. Á medida que o estoque de capital aumenta em função dos efeitos cumulativos dos investimentos em capital fixo, ocorre uma redução gradual das margens de lucro em função da saturação crescente da demanda pela produção resultante desse equipamento de capital. Isso produz uma redução paulatina da eficiência marginal do capital, fazendo com que o número de projetos de investimento cuja rentabilidade esperada é maior do que a taxa de juros seja cada vez menor. Eventualmente, todos os projetos de investimento cuja rentabilidade esperada seja igual ou superior ao valor neutro da taxa de juros irão se esgotar, fazendo com que a manutenção do pleno-emprego só seja possível, a partir desse ponto, por intermédio do aumento da propensão a consumir.
Para que o processo descrito acima leve a “eutanásia do rentista”, contudo, não basta que a taxa de juros seja mantida por um período suficientemente longo de tempo num nível igual ao neutro. Além disso, é necessário também que o valor da taxa de juros neutra seja próximo de zero. Nessas condições, a fração da renda nacional que será apropriada na forma de juros tenderá a zero e o rentismo terá se mostrado uma fase puramente temporária no capitalismo. Para que a taxa de juros neutra seja próxima de zero, a propensão a consumir, por seu turno, deve ser razoavelmente baixa. Essa condição era quase certamente atendida na década de 1930 do século passado, em função da desigualdade existente na distribuição de renda e de riqueza. O avanço do “Estado do Bem-Estar Social” nos países desenvolvidos no pós-segunda guerra, no entanto, se encarregou de aumentar o valor da propensão a consumir, aumentando assim o valor da taxa de juros neutra. Dessa forma, a inversão do timing de adoção das políticas de estimulo a criação de emprego propostas por Keynes acabou por impedir a realização da sua profecia a respeito da “eutanásia do rentista”.
Referências Bibliográficas:
Carvalho, F.C. (1991). “Distribuição de Renda, Demanda Efetiva e Acumulação”. Revista de Economia Política, Vol. 11, N.3.
Keynes, J.M. (1934). “Poverty in Plenty: is the Economic System Self-Adjusting?” In: Moggridge, D (org). Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume XIII. Macmilan: Londres.
Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Macmillan: Londres..

sábado, 12 de novembro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 6


Em diálogo no facebook me foi objetado o uso da política fiscal nas recessões com a objeção do crowding out effect. O problema desse agumento, que mostrarei mais abaixo, é que ele parte da premissa falsa de que o interesse dos agentes econômicos é constante e simplesmente varia conforme o câmbio e o juro. Então, a ação estatal segundo esta óptica expulsaria (crowd out) o investimento privado.

Na verdade, durante as recessões e depressões, o grau de desconfiança e "susto" cria uma prudência excessiva e até que as coisas pareçam mais calmas no mercado, a tendência é que a taxa de investimento decline. Como já foi demonstrado inúmeras vezes (e a zona do Euro atualmente não deixa mentir) baixar os juros apenas não basta para que o investimento retome. Na União Européia adota-se a política do juro near-zero e entretanto, os empreendimentos não só não retomaram seu nível pré-2008, como boa parte do dinheiro do QE ainda está preso nos bancos. A isso Keynes chamou de liquidity trap.

Então não há risco do Estado afastar os investidores, afinal, eles mesmo se afastaram. Mariana Mazzucato (p.32), prestigiada economista italiana, no seu livro Estado empreendedor, descreve perfeitamente como funciona o crowding out.
Em economia, a hipótese do crowding out é usada para analisar a possibilidade de a elevação nos gastos do Estado reduzir investimentos do setor privado, uma vez que ambos competem pelo mesmo pool de poupança (através de empréstimos), o que poderia resultar então em taxas de juros mais elevadas, algo que reduziria a disposição das empresas para fazer empréstimos e, consequentemente, investir.
A análise é verdadeira apenas se estivermos em situação de pleno-emprego. O que não é o caso na maior parte do tempo e, pelo menos agora na Europa, não é o caso na maioria dos países (cf. Mazzucato, 2014, p.53). Contudo, em situações de crises profundas deflacionárias, como a grande depressão e a crise do subprime, a ação do Estado não causa crowding out. Além do mais, o próprio argumento pressupõe um governo responsável, o crowding out tem efeito bem reduzido em governos que amortizam o impacto nas poupanças simplesmente emitindo enorme quantidade de moeda sem lastro (não que eu defenda uso intensivo e contínuo dessa medida, deixe-se claro.).

A eficiência de tais medidas é aceita mesmo por alguns autríacos, como Ludwig Lachmann, Friedrich von Wieser, De Soto, Hayek e o meio keynesiano e meio austríaco, George Shackle. Portanto, nós ordoliberais, não temos que ter o medo e o purismo que alguns austríacos do mainstream da EA em geral têm de dialogar com outras escolas econômicas. Como nos mostra o professor Simon Wren-Lewis, professor de macroeconomia em Oxford, onde a ESM dialoga com os novos keynesianos.
Many people have heard of ordoliberalism. It would be easy to equate ordoliberalism with neoliberalism, and argue that German attitudes simply reflect the ideological dominance of neo/ordoliberal ideas. However, as I once tried to argue, because ordoliberalism recognises actual departures from an ideal of perfect markets and the need for state action in dealing with those departures (e.g. monopoly), it is potentially much more amenable to New Keynesian ideas than neoliberalism.
John C. Médaille e Marcelo Resico são outros que pensam em uma economia cristã dialogando com ideias keynesianas.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 5


Os ordoliberais, os adeptos da Economia Social de Mercado, enfim, sempre designaram como papel mais importante na economia moderna para o Estado supervisionar a competição entre os playeres econômicos, intervindo o mínimo possível, e quando assim for necessário, em ocasiões de cartéis (a serem desmontados) ou na regulação de monopólios que tiram vantagem de seus preços. Há uma certa corrente ideológica da economia da nova direita que diz ser impossível surgir um monopólio no livre-mercado. Outros, dizem que é possível, mas que são monopólios de eficiência ou monopólios criados pelo Estado. Segundo alguns, é impossível o Estado destruir um monopólio e que qualquer intervenção estatal gerará monopólios.

Cabe então a este artigo dar a versão da Escola de Freiburg sobre essa assunto. Alguns austríacos, por exemplo, dizem que agências reguladoras e agências contra cartelização na verdade criam cartelização ao invés de evitar. Ludwig von Mises, inclusive, criticou a ESM nesse sentido como já demonstrei aqui.

Como disse bem Alfred Müller-Armack "Dizem bem aqueles que afirma que o Estado pode criar monopólios. Mas é curioso que segundo os mesmos, ele não possa desfazê-los!Hong Kong e Cingapura são, normalmente usados como exemplos de "capitalismo austríaco", entretanto, estes países são, segundo a The Economist recordistas de cartelização, ao passo que a Alemanha do Bundeskartellamt é exemplo de riqueza oriunda do mercado. Segundo ainda o economista Ha-Joon Chang, no seu livro "23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo", em Cingapura e Hong Kong, de 20 a 30% do PIB das ilhas é gerado por empresas estatais, dos 70% restantes, 35% apenas é formado por pequenos e médios negócios. Ao passo que a Alemanha tem 95% de seu PIB graças a pequenos e médios negócios. A Alemanha tem mais de 1000 bancos de crédito cooperativos!


Em 2014, a revista já havia feito um ranking similar e o texto é esclarecedor, mas explicaremos mais. Primeiramente, o texto da Economist não trata apenas de propina (embora seja importante e eu vou tratar disso a seguir), mas também de empréstimos em condições desiguais que possuem apenas a influência política como justificativa. Segundo, nunca em toda a história humano houve desenvolvimento de ações privadas que não tivessem de alguma forma, maior ou menor, participação do Estado. Durante a era do laissez faire em que a taxa de impostos raramente passava de 10% do PIB, já haviam enormes cartéis, oligopólios e monopólios mantidos pelo Estado, e também, que se sustentavam naturalmente. As influências políticas, informações privilegiadas, subornos, tráfico de influência era comum, tudo isso sem que houvesse agências anti-cartel ou legislações contrárias a isso. 

No estado liberal isto é ainda mais evidente. De acordo com Niall Ferguson em "A Lógica de Dinheiro" o estado de direito moderno existe em função do acordo ou troca de parte da elite econômica de uma fração de seus recursos na forma de impostos por representação política. Não só Ferguson brilhantemente demonstra isso como Christian Edward Cyril Lynch demonstra isso no seu livro "Da monarquia a Oligarquia: história Institucional do estado brasileiro", a elite política parlamentar, os funcionários públicos de maior escalão são oriundos da média e grande burguesia, e possuindo uma vida estatal pública e uma vida empresarial privada fazem uso dessas relações que se confundem nas mesmas pessoas para beneficiar amigos, parentes ou a si mesmos. A não ser que você seja um anarcocapitalista que prega a completa abolição do Estado, você vai ter que reconhecer que isso é inevitável.

A diferença que o texto mostra é que, ao contrário do que se sugere na escola austríaca, de que a existência de legislação anti-cartel cria monopólios, ela na verdade torna setores pouco competitivos por natureza em setores mais competitivos. Aqui se aponta apenas parcialmente bem a questão geológica e geográfica de Hong Kong como um fator que cria corporativismo, mas se esquece que lá não existe instituição voltada para fiscalizar e punir corruptos e corruptores. Não, a ideia de que o mecanismo anti-cartel acredita num Estado virtuoso e num capitalista malvado não é verdadeira. Sabe-se que ambos possuem influência e podem ser corruptores e corruptos. A diferença é que em países cuja legislação anti-cartel é assegurada por instituições fortes esse tipo de prática é coibida mesmo em setores cuja competição é mais limitada. A pré-condição para que a legislação anti-cartel funcione é solidez institucional, para evitar que os funcionários do governo responsáveis por isso sejam prevaricadores cooptados.

Por isso a Alemanha com instituições sólidas e agência anti-cartel não possui setores corporativos relevantes, e Hong Kong possui. A Alemanha possui um sistema sólido para investigar e punir políticos e empresários ao passo que Hong Kong não, apesar de ter uma boa solidez institucional. Quem coloca esses termos bem é também Niall Ferguson em "Civilização: ocidente x oriente" muito bem resumido nesta palestra no TED. Assim:
"Sectors that are cronyish in developing countries may be competitive in rich ones: building skyscrapers in Mumbai is hard without paying bribes, and easy in Berlin."
Essa citação é central pois confirma, junto ao gráfico que liberdade econômica, instituições sólidas e leis nesse setor ajudam a evitar e punir esse tipo de situação depreciativa. Isto é, países em que setores corporativistas não têm leis de observância, mais facilmente empresas se convertem em monopólios e cartéis, do que setores com legislação de observação. Mas é claro que isso depende da solidez institucional como um todo. Por isso países desenvolvidos são mais competitivos mesmo sem setores em que há corporativismo, pois o governo é capaz de detectar e punir. As propinas criam situações de monopólio, vantagens econômicas como resultado por se burlar leis. Quando o Estado passa uma proibição é que ele não quer alguma atividade qualquer ali naquela área. Isso não anula os empresários assanhados por mercados e como ou têm representação institucional por meio de um cargo público-eletivo ou possui contatos, parte para o lobby. Ou o político, a fim de ganhar dinheiro para campanha oferece uma brecha fake legal para um empresário em busca de investimentos. Cabe a legislação anti-cartel ou antitruste investigar, coletar evidências e fazer valer a lei. 

Existem algumas razões pelas quais um monopólio naturalmente pode vir a surgir num mercado sem qualquer interferência do governo. Veremos algumas nesse texto. Mas antes é importante lembrar que mesmo o anarcocapitalista Murray N. Rothbard abria espaço para essa hipótese. Sempre que uma determinada comoditty estiver em posse de um ou alguns poucos empresários, temos um monopólio/oligopólio.

Eles podem surgir através da limitação da comoditty, como uma comoditty rara. Elas podem surgir em mercados que estão surgindo a pouco tempo, como demonstrado aqui, e podem ainda emergir de situações de economia de escala, e em economias que tenham holdings com competição limitada entre suas empresas, como apontado por Ha-Joon Chang. Por várias razões que sejam, seja pelo caso da limitação da comoditty, seja pelo mercado novo, seja por uma questão de utilidade cardinal, as empresas podem se tornar monopolistas naturalmente. Vou abordar alguns casos.

1- Mercados novos.

Toda e qualquer inovação técnica dificilmente surge em quantidades exponenciais, e sim em experimentos localizados e restritos. Em mercados novos, uma empresa naturalmente detém o monopólio da área, do capital, da ideia e/ou do know-how, ainda que temporariamente, de modo que no período de tempo em que ela goza desse benefício, ela possa ganhar avanços tecnológicos que a permitam produzir em massa e a custos médios baixíssimos, como é o caso de economia de escala.

2- Economia de Escala.

Isso depende, é claro, do grau de competência da empresa e de seus empresários para alcançar inovações e reduções de custo em pouco tempo. Mas uma vez que ela alcance um grau enorme de produtividade, seu custo marginal de produção se torna tão baixo, que qualquer empresa menor posterior tem enormes dificuldades competitivas. Isso aumenta significativamente o custo de entrada no mercado. (ver mais aqui)

Aliás, o custo de entrada em determinados mercados normalmente é muito alto. Uma coisa é conseguir abrir uma padaria, outra coisa é querer competir com os irmãos Koch. São poucos os que têm cacife para entrar em mercados assim. Uma vez em condição de monopólio, uma empresa pode oferecer enquanto estiver em posição de segurança produtos a preços mais caros do que seu custo normal. É verdade que a ascensão de um concorrente (a depender do concorrente) pode forçar o monopolista a baixar o preço, mas a entrada tardia também é complicada, pois a primeira empresa já tem vários contratos e clientes além de bastante dinheiro para queimar, podendo forçar dumpings e dificultar a entrada. Argumenta-se que dumpings são prova de que os benefícios de um monopólio que decida tirar proveito de sua posição não dura em um mercado livre, já que o preço baixo. Porém, esse argumento é falacioso. O dumping não é uma queda de preço para o preço de competição, mas uma medida para evitá-la. As empresas estreiantes se não tiverem uma carta na manga podem não resistir no mercado. Como se sabe, os fatores de produção macroeconômicos são terra, capital, trabalho e empreendedorismo (qualidade). Se a qualidade dos empreendedores para lidar com essas medidas não forem boas o bastante para dar margem de competitidade a empresa novata, eles podem não suportar a pessão e abandonar o mercado. Como em empresas de alto custo a entrada de novos concorrentes não é tão frequente quanto em pequenas, a maior parte do tempo há poucas grandes empresas e pouco ameaçadas a maior parte do tempo.

3- Holding

A empresa maior pode ainda comprar as menores entrando no mercado e, com isso, formar uma holding, com intervenções pontuais nas empresas adquiridas, fazendo com que elas compitam entre si mas dentro de limites adimitidos pela holding,  o que lhe dá mais maleabilidade como demonstrou Ha-Joon Chang em seu livro "Bad Samaritans". A empresa que já iniciou no mercado e prosperou pode ainda engloba as menores num cartel, tudo depende do interesse dos empresários envolvidos e a probabilidade de entrar novos playeres no mercado. Seja como for, situações assim são menos seguras do que a do tradicional monopólio e cartel assegurado pelo Estado, contudo, não são impossíveis. Graças a utilidade cardinal, é possível saber que um real nas mãos de alguém enormemente rico tem menor utilidade que nas mãos de alguém mais pobre, de modo que a entrada em alguns mercados tendem a ficar mais caros proporcionalmente ao tamanho das empresas nele presente.

Nesses casos, como mostram Walter Eucken em "Fundamentos de Economia Política", uma agência anti-cartel pode ser de grande valia para garantir preços saudáveis ao consumidor, mesmo em tempos que não houver ameaça a vista da(s) empresa(s) dominante(s).

sábado, 15 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 4


Nos dois textos anteriores nós vimos como crises podem acontecer naturalmente dentro de uma sociedade capitalista sem qualquer interferência do Estado. Aqui, nós demonstraremos que algumas outras alegações de que a culpa é do "Estado malvadão" são falsas. Uma muito comum é a crítica à reserva fracionária. Rothbard acusa a mesma de ser uma fraude e que ela é a causa de ciclos econômicos. Em outras palavras, os bancos centrais ao adotarem o sistema de reservas fracionárias cria o boom and bust.

Primeiramente, temos que nos lembrar que as reservas fracionárias surgiram muito antes dos bancos centrais e que mesmo antes do sistema bancário moderno, já havia ciclos econômicos. Richard Goddard em seu livo "Credit and Trade in later medieval England: 1353-1532" mostra-nos que nos séculos XIV e XV, muito antes do surgimento da moderna instituição bancária e das reservas fracionárias, já haviam ciclos econômicos perceptíveis. No capítulo "Theoretical approaches: Long waves, shocks and asset bubbles", Goddard chama a atenção para um fato interessante:
Cíclos de negócios são usualmente compreendidos como movimentos ondulatórios na economia caracterizados como períodos de expansão e contração na atividade econômica, com efeitos na inflação, no crescimento e no emprego. Ciclos de expansão e contração podem ocorrer em muitas atividades econômicas diferentes simultaneamente. Em referência aos dados medievais, são aqueles que se referem às ondas longas ou ondas de Kondratieff, as quais foram também observadas e apoiadas pelo economista austríaco Joseph Schumpeter. [...] Estes foram ciclos que duram tipicamente entre 54 e 60 anos [...]  (p.130)
 A contração monetária acredita-se, cobriu os períodos de 1395 a 1415, com contrações ainda maiores e acudas entre as decadas de 1440 e 1450, em outras palavras no mesmo período em que o crédito tornou-se muito difícil de se obter. Todas as dívidas necessitaram ser pagas em dinheiro, a fome do ouro teve um efeito depressivo sobre o montante de crédito a disposição sendo estendido aos mercadores, que começaram a ter muita dificuldade para pagar suas dívidas. (p.139)
Apesar de que não necessitamos voltar tão longe no tempo quanto a idade média para achar exemplos em contrário. Alexandre Versignassi em seu livro "Crash! uma breve história da economia" conta o caso da bolha das tulipas na Holanda, que nada tem a ver com bancos centrais ou reservas fracionárias. Em suma, como Daniel Kuehn pontuou, "o sistema de Minsky funciona em si mesmo". Algumas outras acusações são de que num sistema de reservas totais (lastro integral) ou de competição de moedas (free banking), não haveriam bolhas de ativos. Como já demonstrado aqui e aqui, isso não passa de ilusão. Nesse caso, o que Chang pontuou bem no último parágrafo no texto passado continua válido. 

Quanto às reservas fracionárias em si, ainda não tenho opinião definitiva, mas ao que ouvi falar e li por aí, a ideia de que ela é fraudulenta não é consenso nem mesmo entre os libertários. Michael S. Rozeff, um libertário, fez uma crítica interessante a acusação de Rothbard de que as reservas fracionárias são um tipo de fraude na Independent review. Para ele, na ausência de lastro, o depósito a vista é na verdade um empréstimo do indivíduo ao banco, razão pela qual ele lhe paga juros e ganha crédito com a instituição, de modo que não é subtração de bem alheio, mas sim o pleno uso do direito de propriedade do banco. Quando se deposita uma jóia de ouro com seu nome num banco do século XVI, você deveria retirar a mesma jóia de lá quando quisesse. Hoje você deposita um valor e o banco não necessariamente precisa devolver as mesmas cédulas ou moedas que você depositou, mas sim uma quantia idêntica à que você depositou (principal) acrescido do juro. Seja como for, a ideia de que o bust, a crise, vem só nas condições de intervenção do governo é ilusório e não é factual.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 3


A melhor explicação para a crise de 2008, segundo os principais economistas, foi a dada por Hyman Misnky, razão pela qual a crise foi chamada de "Minsky moment". A Hipótese da Instabilidade Financeira de Minsky pode ser considerada a antítese da hipótese dos mercados eficientes dos novos clássicos. A hipótese da instabilidade financeira começa com a descrição de uma economia que experimenta um período de expansão estável em que as expectativas de produtores e investidores raramente são frustradas. Inicialmente investidores cautelosos financiam externamente a aquisição de novos ativos apenas modestamente assegurando-se que seus fluxos de caixa futuros sejam suficientes para cobrir completamente suas obrigações financeiras. Minsky classificou esta posição financeira em que o devedor consegue arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem recorrer a novo endividamento de finanças hedge. Neste caso, a expectativa de lucro futuro é superior ao principal e aos juros. A persistência da relativa bonança econômica faz com que agentes econômicos comecem a subestimar a possibilidade da ocorrência de retrações inesperadas de renda. Em outras palavras, a estabilidade constante do mercado e a alta previsibilidade de que o "amanhã" não guarda grandes surpresas, motiva no regime competitivo que os empreendedores assumam riscos mais ousados. 

Para investidores, a economia em expansão cria oportunidades de obter retornos futuros generosos que por vezes exigem a contração de empréstimos mais arriscados. Embora as obrigações financeiras totais compostas de juros e pagamentos de principal superem nestes casos a capacidade de pagamento dos investidores em cada período, seus fluxos de caixa são suficientes para que ao menos os juros sejam pagos. Assim, ocorre investimentos mais ousados em que os empresários e investidores contraiam empréstimos em que a expectativa de lucro não cobre o principal, mas pelo menos os juros, o que pode adiar o pagamento do principal, ganhando tempo assim, para que os investimentos retornem lucros maiores. Minsky classificou a posição financeira em que o devedor realiza apenas pagamentos de juros sobre sua dívida mantendo estável o tamanho de seu passivo de finanças especulativas. 

A prosperidade econômica caracterizada por estáveis taxas de retorno sobre o investimento reduz o prêmio de liquidez e conseqüentemente o custo de obtenção de crédito novo alimentando a demanda por ativos menos líquidos. A competitividade do mercado e o medo de "ficar para trás" impulsiona os investidores e empresários a buscarem inovações e novos investimentos. Esse "up and up!" cria um mercado próspero para especuladores, que prometem retornos grandes em curto espaço de tempo. O mercado financeiro passa a ser dominado por touros e a persistente tendência de inflação dos preços de ativos alimenta mais ainda a demanda especulativa por esses ativos. Na ausência de regulação e políticas contracíclicas uma bolha financeira inevitavelmente acaba se formando. 

Detentores de ativos em apreciação têm agora a opção de refinanciar suas dívidas ainda que seus fluxos de caixa sejam insuficientes até mesmo para cobrir o pagamento de juros. Minsky classificou a posição financeira em que o devedor adiciona à sua dívida existente o valor de juros vencidos de finanças Ponzi. Neste cenário, os investimentos dependem da valorização da confiança de terceiros nos ativos que foram recém comprados. Confunde-se a valorização de um ativo (preço nominal) com seu valor real. Uma hora os preços declinarão e retornaremos a realidade, e no caso de instituições em situação financeira de Ponzi a não obtenção de refinanciamento para as suas dívidas é fator suficiente para que se tornem insolventes. 

De acordo com Minsky, economias capitalistas se tornam mais frágeis financeiramente na medida em que aumenta o número de instituições especulativas Ponzi. Porque a sobrevivência financeira de entidades financeiras Ponzi depende da apreciação de seus ativos usados como colateral para o refinanciamento de dívidas vencidas, o adiamento do colapso financeiro em economias com predominância de entidades Ponzi depende da existência de alguma bolha inflacionária. No caso da crise do mercado subprime, o colapso financeiro pode ser adiado enquanto continuaram subindo os preços dos imóveis, o que permitiu que mutuários Ponzi refinanciassem suas hipotecas. Em resumo, no estado final, os empréstimos tomados só podem ser honrados enquanto o preço dos "ativos tóxicos" estiverem em alta numa bolha especulativa, e quando são dados em pagamento aos bancos como refinanciamento de dívidas, a bomba fica nas mãos dos mesmos, e aí temos a situação em que se encontrava o Lehmann Brothers em 2008 e hoje, o Deutsche Bank.

Frank Shostak do Mises Institute questionou a teoria de Minsky, ao dizer que Minsky descreve o processo mas não sua causa. Essa afirmativa é falsa, entretanto, pois o sistema de Minsky não necessita de reservas fracionárias ou de moeda fiduciária para funcionar, nem de queda artificial de juros (o que também não ocorreu). Daniel Kuehn rebateu Shostak eficazmente em seu artigo, citação abaixo:

O que Shostak realmente quis dizer, é claro, é que Minsky não ofereceu a explicação que Shostak queria que ele desse. O sistema de Minsky funciona em si mesmo. A teoria da escolha intertemporal simplesmente nos dá a razão de porquê o financiamento através de dívidas acontece. Uma vez que haja financiamento por meio de dividas, tudo o que você precisa é de emprestadores com motivos múltiplos e métodos mais variados (Fundos hedge, especulativos e Ponzi ), e o sistema funcionará por si mesmo: boom e bust, boom e bust. [...] Não estou certo de porque Shostak não pôde perceber isso, o que é desnecessário mencionar - o fato é que ele queria que Minsky acusasse o Banco Central pela crise, o que Minsky não fez. 
Niall Ferguson em "A Ascensão do Dinheiro" demonstra que os gastadores americanos e os poupadores chineses fizeram uma verdadeira quimera econômica na década passada, em que os chineses poupando e investindo em títulos americanos, fizeram com que o volume de "dinheiro" do FED crescesse proporcionando uma queda na taxa de juros. Portanto, não houve decréscimo artificial da taxa de juros, mas sim um decréscimo real. Nesse sentido, Ha-Joon Chang, economista coreano, foi muito feliz em seu "23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo", ao demonstrar que a regulação do mercado financeiro pode ser útil, não porquê o governo seja clarividente, mas simplesmente porquê o governo tendo a responsabilidade quanto a administração da sociedade, é o mais apto para perceber e julgar se há um enorme leque de inovações no mercado financeiro cujos mecanismos não são totalmente conhecidos e, proibindo-se os mesmos até maiores estudos, ou pelo menos, limitando-os, resume-se as alternativas dos agentes econômicos apenas às alternativas conhecidas ou pelo menos da maior parte deles, a mecanismos conhecidos.

Citando Rumsfeld, Chang (2013, p.241) prossegue: 
"Existem dados conhecidos. Existem coisas que sabemos que sabemos. Existem incógnitas conhecidas. Existem coisas que sabemos que não sabemos. Mas existem também incógnitas desconhecidas. Existem coisas que não sabemos que não sabemos."
 Nossa racionalidade é limitada não pela ausência de informações apenas, mas também pela nossa dificuldade em processá-las, bem como pelos nossos inúmeros vieses auto-confirmativos que nos "ajudam" a persistir em caminhos irracionais, criando justificativas a posteriori. Peter Ubel em "Free Market madness", David McRaney em "Você não é tão esperto quanto pensa" e o premio Nobel de economia Hebert Simon já demonstraram que a nossa racionalidade não é perfeita como supõe neoclássicos, novos clássicos e austríacos. Rodrigo Feijó, economista austríaco que escreveu um magnífico livro sobre Carl Menger, Friedrich August von Hayek e Ludwig von Mises chamado "Economia e Filosofia na Escola Austríaca" ressalta que em parte de nós há uma tendência à irracionalidade, que é um dos aspectos em que a praxeologia misesiana enfrenta problemas.
Mises considera que toda escolha é comportamento propositado ou não se trata de escolha mas de reação automática a um estímulo. No entanto, a fronteira entre escolha e comportamento automático não é tão nítida como ele sugere. O condicionamento simples (ou reflexo) detectado pelas experiências “pavlovianas” não seria considerado ação pela praxeologia de Mises. Mas o que dizer do “comportamento operante”? Sabemos que processos de condicionamento operante por uso de recompensas e punição (reforço positivo e negativo) aumentam ou diminuem a probabilidade de vários comportamentos e introduz vários padrões de extinção. Os “behavioristas” aplicam seus princípios a vários tipos de comportamento que a praxeologia chamaria de ação propositada. Portanto, a fronteira entre ação e comportamento automático é borrada, problematizando o significado da categoria austríaca de ação. (FEIJÓ, 2000, p.191)
É precisamente por isso que segundo Chang o ser humano tem uma tendência bem menor do que parece à inovação.
Quase todos nós criamos rotinas na nossa vida para não ter que tomar muitas decisões com excessiva frequência. A quantidade ideal de sono e o cardápio ideal para o café da manhã diferem todos os dias, dependendo de nossa condição física e das tarefas que temos diante de nós. No entanto quase todo mundo vai para a cama sempre na mesma hora, acorda na mesma hora e come coisas semelhantes no café da manhã pelo menos nos dias de semana (p.241). 
O mercado demanda sempre inovações em curto prazo, o que nem sempre nos leva a tomar a melhor decisão, já que há uma tendência na natureza humana a optar pelos caminhos mais seguros. E é só isso o que basta para que "Minsky moment" aconteça,

REFERÊNCIAS:

CONCEIÇÃO, Daniel Negreiros. Resgate de pensadores - Nota Técnica Introdutória ao artigo “A Hipótese da Instabilidade Financeira”, de Hyman P. Minsk. Rio de Janeiro: Oikos, v.8; n2; 2009.

CHANG, Ha-Jonn. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. São Paulo: Cultrix, 2013.

FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austríaca. São Paulo: Nobel, 2000.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 2


A correção e ajuda na saída de crises econômicas é uma das ações do governo que podem melhor ser executadas através de um aparato estatal. Para os liberais e libertários toda e qualquer crise é obra única e exclusivamente do Estado, muitos chegam mesmo ao cúmulo de dizer que sem a existência de Estado as crises jamais existiriam. Então cabe a este texto demonstrar como naturalmente as crises econômicas podem acontecer sem qualquer interferência governamental (lembrando sempre que embora Estado e governo sejam coisas distintas, na realidade ambas se manifestam em conjunto).

Segundo os clássicos, neoclássicos e austríacos não pode existir a crise de superprodução, pois existe uma igualdade no que é produzido e consumido. Isto é, a oferta ao remunerar um trabalhador ajuda a criar ou a manter seu próprio mercado, então, o consumo e a demanda deste mesmo empresário dependem do volume de pessoas por ele empregadas. De forma que tudo o que é produzido é de certa forma consumido, esta é em resumo, a lei de Say. A lei de Say é dividida em duas categorias que podem ser chamadas:
  1. Identidade de Say - que afirma que toda mercadoria produzida se constitui ipso facto em uma commodity que pode ser trocada por outra, uma vez que ninguém retém nada por tempo indeterminado, e isso inclui dinheiro.
  2. Igualdade de Say - que admite que períodos de desigualdade da demanda e da oferta podem teoricamente acontecer, mas que são raríssimos e que logo desapareceriam.
A lei de Say é hoje considerada falsa, embora ela mesma denote uma ligação que muitos austríacos decidem negar, a paridade demanda-emprego, algo que já era conhecido até mesmo pelo grandíssimo G.K. Chesterton que em "The outline of sanity" diz:
Quando a maioria dos homens é assalariada, torna-se mais difícil que a maioria deles se tornem clientes. Pois o capitalista está sempre tentando cortar o que seu funcionário lhe exige e, ao fazê-lo, está a cortar o que seu cliente pode gastar. Assim que vê seu negocio em dificuldades, como é o caso atual do ramo de carvão, ele tenta reduzir seus gastos nos salários, e ao fazê-lo acaba por reduzir o que os outros tem pra gastar com carvão. [...] É um círculo vicioso no qual a sociedade assalariada há de finalmente afundar ao começar a abaixar lucros e abaixar salários;[...] (CHESTERTON, 2016, p.30)
Para entendermos porque este mecanismo possibilita as crises, é necessário entender a eficiência marginal do capital (doravante EMgC) que, servirá de mecanismo que nos possibilitará entender a teoria dos juros. Para compreender a EMgC, é primeiro necessário compreender o conceito de utilidade marginal, que nos diz simplesmente que a adição progressiva de unidades de um determinado bem de consumo ou investimento em um mercado o torna menos útil em face de uma dada demanda. Por exemplo, se você tem vontade tomar garapa, porque, por alguma razão, trabalhou muito o dia todo debaixo do sol quente e está morrendo de sede, quando você ver o primeiro copo, você ficará louco por ele, e tenderá a dar um valor maior de dinheiro por ele, mas após o primeiro copo, sua necessidade do segundo se tornará menor, e assim o terceiro, o quarto, e como consequência disso, você estará menos disposto a pagar o mesmo valor por mais um copo.

O conceito da EMgC funciona de modo análogo, pois se a função do capital é a produção, temos que nos perguntar qual é o objetivo mesmo da produção? O lucro. Então, em resumo a EMgC é a utilidade de um bem de investimento (capital) em função da sua possibilidade de gerar lucros. Como expliquei neste texto sobre John Maynard Keynes:

 A EMgC é a diferença entre o custo do capital (quer para comprar uma unidade extra, quer pra substituir ou reformar uma antiga), a taxa de juros e a expectativa de lucro futuro deste mesmo capital. A longo prazo, a tendência da EMgC é cair, não só pelo avanço tecnológico, mas também pelo aumento da oferta e, consequentemente, da posse deste capital, por exemplo: 
Se um empresário qualquer compra uma máquina inovadora que é capaz de produzir mais que seus concorrentes pelo mesmo custo de uma máquina anterior menos eficiente, a EMgC desse capital aumenta, já que o custo deste capital (pressupondo uma taxa de juros favorável ao investimento) é pequeno em face da expectativa de lucro futuro. Como este empresário produzirá mais pelo mesmo custo, o aumento da oferta fará os preços de seus produtos baixarem ganhando assim mercado em face de seus concorrentes. Contudo, à medida que seus concorrentes também forem equipando suas empresas com esse maquinário mais moderno e eficiente, os empresários concorrentes passarão também a baixar os seus custos recuperando parte do mercado que perderam outrora, fazendo cair assim à expectativa de lucro do primeiro empresário e reduzindo a sua EMgC.

Assim, podemos definir que a EMgC pode ser corretamente exposta como sendo:


L= Lucro - C = capital - i = juros
Quem também percebe essa relação entre a quantidade de capital e a taxa de lucros é o neoclássico Robert Solow, que formulou sua famosa função da seguinte forma:

Função de Solow
Assim, percebemos que a EMgC tende a cair com o tempo, resultando obviamente que as taxas de lucro cairão, então, para que o investimento continue sendo rentável é necessário que a taxa de juros caia também. Então você pensa; O raios! Se a expectativa de lucro futuro cai, então o investimento tenderá a ser menor, o que fará com que nem todo o capital seja investido, resultando, obviamente, em uma poupança. Mas, se a poupança aumenta, a taxa de juros cai, certo? Bem, nem sempre cai na proporção necessária, e aí entra a teoria dos juros. 

Para compreendermos o porquê dos juros não caírem, precisamos compreender ainda dois termos, que são liquidez e incerteza, e após isso, entender que a natureza mesma do dinheiro dificulta a queda da taxa de juros. A incerteza é a impossibilidade de definir com certeza os eventos futuros e que pode ser maior ou menor a depender do cenário econômico. Já a liquidez é a disponibilidade do dinheiro no menor tempo possível. Obviamente quando o dinheiro está aplicado num título de capitalização, sua liquidez é menor que quando na poupança, que por sua vez é menor que quando ele está em mãos. Assim, a taxa de juros é o preço da moeda na medida em que é o preço pago para que alguém abra mão da liquidez.

O outro ponto é a natureza mesma da moeda. O dinheiro é um produto cuja demanda sofre de uma inelasticidade que lhe é inerente. Para melhor compreensão, este artigo é fundamental, pois se a demanda por dinheiro aumentar (provocando alta nos juros), os bancos simplesmente não produzem mais moeda, ou pelo menos não através da contratação de trabalhadores. A fabricação de moeda pelos bancos privados depende das reservas fraccionárias, não de mão-de-obra, portanto, não se enquadra no que é necessário para maior elasticidade. Como consequência temos o resultado de que as pessoas são obrigadas a usar a moeda independente de seu preço (juros). É claro que a demanda por moeda varia de acordo com seu preço, mas varia muito menos do que os preços dos bens convencionais por estes terem maior elasticidade. O juro subirá ate um certo ponto em que o aumento do preço não modificará a demanda, e cairá do mesmo jeito. Em outras palavras, imaginemos um produto qualquer sem substitutos; se por alguma razão a demanda por ele cresce, seu preço subirá, a empresa contratará mais funcionários, fabricará mais desse produto e o aumento da produção fará o preço voltar ao normal, os salários pagos farão que o consumo cresça novamente. O mesmo não ocorre com o dinheiro, os bancos não produzem mais dinheiro e o resultado é que o preço dele (juro) resiste a cair na proporção necessária para usar toda a poupança, pois os banqueiros não têm interesse em baixar demais os juros por não poder repor o pool de poupança. Com isso, a taxa de juros cai pouco, pois em dado momento a demanda por dinheiro não se altera em função da taxa de juros, ponto em que surge a liquidity trap.

Assim, nem sempre taxa de juros acompanha na mesma proporção a queda da EMgC, e como resultado, acontece o entesouramento progressivo de dinheiro, o que leva a criação de uma crise deflacionária marcada pela queda acentuada da demanda agregada. Então, a intervenção governamental pode ser útil para forçar a queda da taxa de juros. Mas esta não é a única forma em que as crises podem ser endógenas. Na parte 3, veremos algumas outras consequências do não-intervencionismo liberal e do abolicionismo estatal libertário.


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? (1/6)


A onda da nova direita elevou ao palco do debate virtual um antiestatismo absolutamente irracional, financiado, é claro, por grupos políticos liberais clássicos e libertários, como o Instituto Liberal, o Instituto Millenium, o Instituto Mises Brasil, os Estudantes pela Liberdade e, por fim, o Movimento Brasil Livre. Quando os membros da nova direita não são "abolicionistas estatais" são minarquistas, e defendem um estado guarda noturno. Não entrarei aqui em aspectos puramente doutrinários da Igreja Católica, embora possa abordá-los eventualmente, vou tentar dar boas razões laicas para quem ainda não está convencido de que o Estado (ou governo) é necessário.

Primeiramente vamos definir o que entendo por Estado. Estado é em essência um corpo burocrático em sentido weberiano, composto por um grupo de administradores profissionais cujas ações não são livremente decididas, mas são guiadas por objetivos racionalmente traçados expostos em leis e regimentos internos com uma mentalidade utilitária e marginalista. Os meios de acesso a esses cargos são mais ou menos impessoais, por meio de critérios seletivos como provas e concursos. No Estado a pessoalidade é resumida ou reduzida a nomeações políticas e acordos políticos personalistas apenas a nível políticos mais elevado, como no parlamento ou no executivo e seus ministros. Em todo o restante da cadeia predomina uma impessoalidade administrativa empresarial. A centralização administrativa expansiva acaba sendo uma característica do Estado em decorrência disso. Essa concepção de governo (estatalizada) nem sempre existiu na história, ela é fruto da mentalidade utilitarista e racionalista moderna, razão pela qual o chamamos de Estado moderno. O que caracteriza o Estado como o conhecemos não é tanto o seu monopólio da força, embora seja uma de suas características, uma vez que o governo não depende de monopolizar a força para ser legítimo, como no caso do medievo, mas sim sua estrutura despersonalizada e sem rosto. Esse é o órgão social que Jacques Maritain em "O homem e o Estado" definiu como sendo a "cabeça" do corpo político e a menos importante em grau administrativo. 

Essa burocracia não é necessária para haver governo, uma vez que na maior parte da história o governo não foi burocrático (medievo e primeira modernidade) ou foi muito pouco burocrático (Egito Antigo, Império Romano e Bizantino). Entre os tradicionalistas essa é a face da qual eles são inimigos, como no caso do politólogo Victor Nieto García, do meu amigo Leonardo Oliveira, o Conde, ou do jurista espanhol Miguel Ayuso. Tenho uma desconfiança similar com a burocracia, contudo, a técnica moderna e a estrutura política que herdamos do mundo pós-iluminista inviabiliza ou até mesmo impossibilita um governo não-burocrático. Essa é a razão pela qual vejo que os maritainianos têm mais razão nesse ponto que meus amigos tradicionalistas. Então, cabe a nós que misturamos elementos da democracia cristã com do tradicionalismo, sufocar e reduzir ao mínimo possível a importância da burocracia no governo, como bem pontuou Maritain.

O governo mesmo é essencial à natureza humana. Todas as sociedades humanas desenvolveram governos. Desde uma tibo indígena de menor importância no Brasil pré-cabralino, até civilizações altamente complexas como os mexicas, os maias e incas. É da estrutura mesma da humanidade, desde a estrutura familiar, o governo e o poder legítimo de coerção. Quem reconhece isso é, inclusive, um libertário, Stephan Molyneux. Ora, todos aqueles que proclamam que imposto é roubo não podem estar certos. Se o Estado entendido como qualquer governo (e não como um meio de governar) é imoral, então, a natureza humana é imoral, pois nossa natureza é moldada para governar e ser governado. Ora, se o ser humano é um animal moral, sua essência não pode ser imoral. Kierkegaard, o filósofo, no livro "O desespero humano" muito acertadamente pontuou que o "pecado" (entendido aqui como imoralidade) não pode ser um elemento da essência do homem, mas de sua vontade (voluntas) e, portanto, elemento existencial. Essa definição, inclusive, remonta a Santo Agostinho de Hipona.

Se é natural do homem usar a técnica para facilitar sua vida, não seria de se condenar que ele também dela fizesse uso para governar. Razão pela qual alguma artificialidade acaba sendo necessário no governo, e, portanto, ao menos alguma burocracia. Em suma, a soberania individual - o indivíduo libertário - não pode existir simplesmente porque ele é um erro abstrativo da condição ontológica real do homem. O homem não existe por si mesmo, ele não vem-a-ser independentemente, ele depende de outros "homens" para existir. Ele precisa da decisão de um homem e de uma mulher para que venha ao mundo. Portanto sua individualidade não é absoluta, e como tal essa individualidade limitada só pode se expressar por um uso limitado de sua vontade. Jacques Maritain acabou tendo sua exposição sobre a formação da sociedade política confirmada empiricamente pelos psicólogos evolucionistas como Robert Wright, inclusive. Portanto, se você não consegue levar Deus a sério nem mesmo como hipótese, pelo menos isso mostra que duas áreas diferentes de estudo concordam num ponto. 

Maritain mostra como as “famílias clânicas”, ao se encontrarem com outras, dão origem às tribos, que pela sua expansão demográfica e econômica, precisam “eleger” para manutenção da ordem, líderes políticos sobre os quais residirão o poder de coerção. É claro que eleger aqui não tem sentido democrático, essas representações nascem organicamente da interação entre as pessoas humanas concretas dentro dessas sociedades, mergulhada na imperceptível teia de símbolos culturais que os abarcam. Maritain derruba todo o contratualismo numa só tacada. Assim sendo, o governo (essência) é da natureza mesma do homem e o Estado (acidente) é apenas um meio de governar. Sendo o homem um animal essencialmente moral, não pode ele ser essencialmente imoral ou amoral, sendo a imoralidade uma ação ou da vontade (Kierkegaard/Santo Agostinho) ou fruto da ignorância (Sócrates/Aristóteles). Caso o homem fosse um animal imoral, sua existência estaria condenada a desaparecer, já que ele seria eliminado pela sua própria mesquinharia e autodestrutividade. Mas se o homem ainda existe é, porque de alguma forma, ele procura o que ele julga ser o bem ou o que é bom para si e para aqueles com quem ele se importa.

Portanto, a objeção ao Estado é útil enquanto ele é um meio mau, o que não estou certo quanto a ser em todos os casos, embora guarde em si a semente de sua expansão, o que redobra a necessidade da força constante e da vigilância constante quanto á sua expansão. E a objeção ao governo só é sensata e justa quando o governo é despótico e não visa estabelecer o bem comum, entendido aqui num sentido moral de justiça, como na justiça comutativa, justiça geral, justiça distributiva e justiça social, conforme no direito natural clássico. (Para melhor entender estes termos, recomendo a leitura do livro liberalismo e justiça social de Ubiratan Borges de Macedo, escolhi esse por não ser um livro de teor religioso).

1- Todo governo que é regido pelo bem comum é legítimo.
2- A existência de um Estado é uma forma de governar.
3- Quando o Estado exerce o governo regido pela busca do bem comum, ele é legítimo.

Em breve, a segunda parte do texto. Aguardem.



domingo, 9 de outubro de 2016

Por que a teoria marxista do valor-trabalho está errada (em poucas palavras)

A teoria do valor-trabalho, como apresentada na primeira parte do primeiro volume d'O Capital, está errada pelas seguintes razões: (1) o argumento a priori a favor da teoria do valor-trabalho, no primeiro volume d'O Capital de Marx, é um non sequitur e, depois, se contradiz; (2) Marx enfrenta o problema de reduzir todo heterogêneo trabalho humano a uma homogênea e abstrata unidade de tempo de trabalho socialmente necessário; ele, porém, não explica adequadamente como isso ocorre; (3) mesmo que Marx pudesse superar (1) e (2), ele enfrenta os problemas de definir o valor-trabalho nos casos de produção conjunta, em que é possível que o valor-trabalho de uma commodity possa ser indefinido, nulo, ou negativo; (4) não há razão pela qual o trabalho assalariado de homens livres deveria ter um poder especial que animais, escravos ou máquinas não tenham, sem que se recorra ao idealismo quebrando a base fundamental do materialismo dialético; (5) a moeda fiduciária moderna impugna a teoria marxista do dinheiro, e também sua teoria do valor-trabalho, porque, na teoria de Marx, o dinheiro deve ser uma commodity produzida; há muito tempo, porém, deixou de sê-lo, conforme sabemos; (6) a realidade empírica é que os preços não são firmados por meio do abstrato tempo de trabalho socialmente necessário de commodities, ou do dinheiro enquanto commodity produzida; e (7) o problema de que o valor excedente do trabalho (se este conceito sequer pudesse ser adequadamente defendido) não explicaria, de fato, os lucros financeiros, porque tais lucros podem existir numa economia escravista e, muito provavelmente, inclusive numa economia em que as máquinas realizem boa parte do trabalho. Esses pontos, em conjunto, são devastadores para a teoria do valor-trabalho; porém, basta que um só seja verdadeiro para que se demonstre que a teoria de Marx, tal como aparece no primeiro volume d'O Capital, é equivocada. Abaixo, hei de rever alguns dos problemas mais importantes. 

No ponto (1), pode-se ver que o argumento de Marx em favor da teoria do valor-trabalho é um non sequitur. Não é óbvio de modo algum que as trocas de commodities constituam uma igualdade tal como Marx as vê. De fato, ele depois admite, no Capítulo 1, que em algumas sociedades humanas as commodities podem simplesmente ser trocadas, enquanto valor de uso, por valor de uso (Marx 1906: 75) e, no Capítulo 3, que a maioria das commodities, normalmente, não são trocadas em seus iguais e verdadeiros valores de trabalho (Marx 1906: 114). Bem, há uma igualdade nas trocas no sentido de que, digamos, 2 ovelhas podem ser trocadas por 1 vaca; e só se trocam duas ovelhas, nada mais, e vice-versa. Mas este é um sentido trivial de igualdade, que não ajuda Marx. Seu salto à conclusão de que deve haver uma adicional, fundamental unidade de tempo de trabalho homogêneo, em que ambas as commodities podem ser medidas quantitativamente, e pela qual ambas podem ser mostradas como sendo equivalentes, simplesmente não decorre: é um non sequitur. É possível que não exista o valor-trabalho como Marx o definia; seu argumento era desonesto, e cometia uma singela falácia lógica. Posteriormente, ele admite que o valor-trabalho não pode ser completamente separado ou “abstraído” do valor de uso, de modo que o argumento inteiro se contradiz. 

No ponto (2), Marx sustenta que todo trabalho qualificado ou especializado é um múltiplo do simples trabalho abstrato, e que todo trabalho é redutível a uma significativa, comum unidade de trabalho homogênea. Ele não explica adequadamente como fazer isso. Primeiro, sugere que se pode conduzir a redução do trabalho especializado a uma simples unidade de trabalho abstrato de um modo físico ou científico, examinando o “dispêndio de inteligência, nervos e músculos humanos”. Mas então Marx declara que: “A experiência mostra que essa redução está sendo feita constantemente. Uma commodity pode ser produto do trabalho mais qualificado, mas seu valor, que a equipara ao produto do simples trabalho não-qualificado, representa uma quantidade definida tão só deste último. As diferentes proporcões em que os diferentes tipos de trabalho se reduzem ao trabalho não-qualificado como seu padrão, são estabelecidas por um processo social que se desenrola por trás das costas dos produtores e, em consequência, parece ser fixado pelo costume” (Marx 1906: 51-52). No entanto, porquanto Marx admite que a maioria das commodities sequer são trocadas por seus verdadeiros valores de trabalho, esse argumento não funciona. E tanto mais porque contradiz sua abordagem anterior: se o único modo efetivo de determinar o valor do trabalho qualificado não é senão olhando para a troca mercantil real dos produtos do trabalho qualificado pelos produtos do trabalho não-qualificado, então por que se preocupar em explicar a diferença em termos de “dispêndio de inteligência, nervos e músculos humanos”? Além do mais, se pode-se usar a troca dos produtos do trabalho qualificado pelos produtos do trabalho não-qualificado para determinar o valor do trabalho qualificado como um múltiplo do trabalho simples, então o argumento é circular. Os valores de troca determinam os valores de trabalho, mas supõe-se que os valores de trabalho sejam uma fonte dos valores de troca. 

No ponto (3), a teoria do valor-trabalho enfrenta o problema da produção conjunta: se um processo de produção produz mais que uma commodity, senão duas ou várias, então como se calcula o tempo de trabalho socialmente necessário? (veja-se Brewer 1984: 23; Nitzan e Bichler 2009: 101-102) Em particular, Ian Steedman sustentava que a produção conjunta deixa aberta a possibilidade de que alguns valores de trabalho de commodities produzidas mediante produção conjunta podem ser indefinidos, nulos, ou negativos (Nitzan e Bichler 2009: 101). 

No ponto (5), a moeda fiduciária moderna refuta totalmente a teoria de Marx do valor-trabalho, porque, para que sua teoria funcione, o dinheiro precisa ser uma commodity produzida, com um valor-trabalho. Mas o dinheiro, há muito tempo, cessou de ser uma commodity produzida e é, agora, moeda fiduciária. Esse é um dos problemas devastadores quanto à teoria marxista; e é suficiente, em si mesma, para refutar tal teoria , como se mostra aqui e aqui. Por exemplo, Marx pensava que os preços são determinados (pelo menos) [1] pelo valor-trabalho de longo prazo do ouro, conforme determinado pelo abstrato tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do ouro e [2] por como isto se relaciona, em câmbio, com o valor-trabalho de outras commodities (Marx 1906: 108). Essa ideia, todavia, se levada a sério, requereria que o valor de troca real do ouro, enquanto dinheiro, contra outras commodities, gravitasse em torno do valor de longo prazo do abstrato tempo de trabalho socialmente necessário para produzir-se o ouro. Esse ponto é importante, e enfraquece totalmente as alegações dos apologistas marxistas, segundo as quais Marx nunca pretendeu, no primeiro volume d'O Capital, que o valor-trabalho fosse um determinador dos preços individuais das commodities. Mas agora, no mundo moderno, temos a moeda fiduciária, e tal teoria é inútil: a teoria de Marx, de como os valores de trabalho determinam os preços, é de todo impossível. Tudo considerado, não se pode levar a sério a teoria marxista do valor-trabalho: é equivocada, ou sub-determinada de tantas formas, bem como refutada pela realidade da moeda fiduciária moderna. 

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Artigo traduzido do socialdemocracy21stcentury.blogspot por Carlos Magno.

sábado, 8 de outubro de 2016

Brasil, eleições, mal menor e Doutrina Social da Igreja.


Não tive tempo nem inspiração para escrever esse artigo antes das eleições, quando era mais necessário, portanto, peço aos irmãos perdão por esse erro. Mas posso escrevê-lo ainda a tempo do segundo turno que acontecerá em alguns estados. Assim, talvez, possa indicar o caminho que menos agride a fé cristã àqueles que votarão ainda mais uma vez esse ano. Menos mal, não é mesmo?

E por falar em mal menor, temos que nos lembrar que num mundo que já não conta mais como o reinado social de Cristo, escolher em eleições o caminho menos ofensivo á Doutrina Social da Igreja nem sempre é tarefa fácil. Primeiro porque nem sempre aquilo que um candidato diz em debate, em propaganda ou no seu programa de governo é necessariamente verdade. Segundo, porque em geral, todas as doutrinas políticas em voga (quando se tem alguma, pelo menos) são heréticas, de modo que escolher o mal menor nem sempre é algo que se visualiza num primeiro olhar.

Desde 2002 o Brasil passa por um momento muito esquerdista, com propaganda comunista às claras e o PT só não conseguiu chegar efetivamente ao socialismo - que deveria ser aplicado segundo os cânones do modelo bolivariano aplicado na Venezuela - porque não conseguiu desmontar a máquina fisiológica e maquiavélica da dupla PMDB-PP. Digo maquiavélico não no sentido pejorativo de maldoso, mas sim no sentido filosófico da palavra. Todo fisiologismo é um adesismo do poder, que é visto ou como fim em si mesmo, ou como meio de saquear o povo e pô-lo ao seu serviço. Seja de uma forma ou de outra, Santo Tomás de Aquino no De regimine principum (De regno) já havia demonstrado que estas são formas degeneradas de governo, pois não têm como fim o bem comum.

Além do mais, o socialismo já foi criticado em inúmeras encíclicas, seja como ideia ou ideologia, seja como caso concreto; através do qual posso citar tanto a Divini Redemptoris de Pio XI, ou ainda o Decretum contra communismum do Papa Pio XII, quanto na Notre Charge Apostolique em que há a condenação da parte de Pio X a um caso concreto na França de um movimento "socialista cristão", o Sillón. Felizmente, a partir das afamadas "Jornadas de Junho" em 2013, o quadro começou a mudar.

Mas será que a alternativa que nasceu de 2013 que levaria aos protestos de 2015 e ao impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff e o fim de 13 anos de petismo representa o mal menor? Se observado em termos relativos, sim, sem dúvidas! Não há dúvidas de que a coalizão liberal formada pelo MBL, pelo EPL e pelos think tanks liberais como o Instituto Mises Brasil são menos ruins que o comunismo e o socialismo. Mas eles NÃO são o que há de menos ruim a disposição. Muitos ditos católicos são libertários ou liberais clássicos, adeptos do laissez faire promovido pelos supracitados grupos. Se esquecem, contudo, de que a Igreja condena fortemente o liberalismo, basta consultar as encíclicas Mirari Vos do papa Gregório XVI, Quanta Cura e Syllabus de Pio IX, Rerum Novarum de Leão XIII e Ubi arcano Dei consilio de Pio XI. E como já mostrei neste artigo que traduzi para a The Distributist Review, tal orientação não mudou após o Concílio Vaticano II. O papa Francisco outro dia mesmo reafirmou isso em advertência à vários bispos.

Ora, se liberais não são o caminho, qual é o caminho então? Depende! No Brasil temos hoje pelo menos quatro formas de pensar a política e especialmente a economia. Temos a decadente via socialista/comunista, que como já vimos é anticristã e quem a defende sabendo de todas as implicações filosóficas do marxismo, acaba excomungado lata sententiae. O liberalismo não está muito atrás, razão pela qual o muito prestigiado historiador Thomas Woods Jr; que escreveu o bom livro "Como a Igreja Católica construiu a civilização Ocidental", acabou se tornando persona non grata para os católicos americanos, ao desdenhar e torcer e retorcer a lógica para inserir o libertarianismo dentro da DSI e da escolástica, como em "The Church and the market". Consta que recentemente o mesmo desistiu disso e passou a desdenhar a própria doutrina social e, inclusive, negar a infalibilidade papal nessa matéria. O que é muito triste, mas não deixa de ser uma amostra do que a adesão ao liberalismo pode fazer com um cristão. Para quem quiser mais informações a respeito, recomendo a excelente obra de Christopher A. Ferrara, "The Church and the libertarian" onde se refutam todas as falácias heréticas de Woods.

As outras duas alternativas que sobram é a economia social de mercado e um vago consenso keynesiano à brasileira (um nacional-desenvolvimentismo fiscalmente responsável). Os partidos que defendem uma terceira via econômica, a economia social de mercado são, a saber, o PSDB, o PSDC, o PSC, o PRB, o PHS e o DEM. O primeiro tem uma visão correta da economia, mas é adepto do progressismo moral. Pautas como aborto, casamento homossexual, liberação da maconha, entre outras coisas nos impedem de aderir a este partido excepto em último caso. O DEM parece ter uma visão menos progressista nessa matéria e sua proposta é de terceira via, e, portanto, pode ser uma alternativa factual. O problema, porém, é que o partido está quase sempre numa coligação com o PSDB, o que inviabiliza sua candidatura não só a pleitos nacionais, da qual não participa independentemente a mais de 25 anos, mas também em locais, onde quase sempre está a reboque dos tucanos.

PSC, PRB, PHS e PSDC são os partidos que mais têm compromisso com pautas cristãs, o primeiro, porém, está cada vez mais adepto do liberalismo econômico e é dominado por evangélicos, mas se constitui ainda assim, num mal menor. A sua adesão gradativa a um liberalismo econômico cada vez mais radical é preocupante, contudo. PHS e PSDC mantêm suas bandeiras tradicionais, mas são partidos nanicos e de nicho, o que torna difícil que alguém proponha uma economia social de mercado com chances reais de vencer. Mas se você tiver a sorte de encontrar os dois últimos em pleitos independentes, vote neles. O caso do PRB é ainda mais complicado, pois é um partido associado à tenebrosa igreja Universal do reino de Deus do bispo Macedo. O PRB, ainda por cima se afasta um pouco da ESM em sua doutrina econômica, já que tende mais a um keynesianismo vulgar do que à terceira via. Contudo, todos os quatro, em vista de socialistas do PT, PSOL, PCdoB e ultraliberais como os candidatos do MBL, do NOVO ou do PSL-Livres, são males menores. O caso do Rio de Janeiro é o exemplo mais notório, o católico não pode se omitir, deve votar em Crivella.

A economia social de mercado tem sido a única apoiada pela Igreja de maneira mais enfática dentro do capitalismo, tanto o papa Francisco, como João Paulo II, segundo Thomas Storck, professor de Doutrina Social da Igreja, a tem apoiado formalmente.

PMDB, PSD, PP, SD, além de outros partidos são adeptos do pensamento keynesiano; PMDB, PSD e SD são novos keynesianos, PP, herdeiro da ARENA, é adepto do "desenvolvimentismo conservador", razão pela qual foi talvez um dos maiores adeptos do social-desenvolvimentismo que o PT implantou a partir do segundo governo Lula. O pensamento keynesiano está um pouco afastado da DSI quando comparado à economia social de mercado, mas na sua versão novo-keynesiana é aceitável e têm pontos de intersecção muito interessantes. O keynesianismo desenvolvimentista se afasta mais e, portanto, só deve ser escolhido caso as alternativas seja o socialismo/comunismo. O professor de teologia moral da Universidade do Texas e especialista em Doutrina Social da Igreja, John Médaille, em seu artigo para a The Distributist Review, "The Politics of Ingratitude", pontuou que o católico entre um liberal clássico e um keynesiano moderado ou entre um socialista/comunista e um keynesiano moderado ou desenvolvimentista, deve optar pelo keynesiano, pois se ele erra no entendimento do bem comum pelos princípios utilitários, ao menos acerta nos fins e nas intenções. Esse é o caso de Crivella e Freixo no Rio de Janeiro. Espero que essas considerações tenham sido úteis aos amigos, e que aqueles que a lerem votem conscientemente.

Que a graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco através das mãos de Nossa Senhora Aparecida, e da intersecção de Santo Agostinho de Hipona e de Santa Mônica!