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segunda-feira, 29 de abril de 2019

Os tipos de Liberalismo

Texto da obra "O liberalismo é pecado" de Dom Félix Sardá y Salvany, que fora fortemente embasada no Syllabus de Pio IX e recebeu louvores da Santa Sé.

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Nesta variedade, ou melhor, confusão entre matizes e meias-tintas que oferece a variedade família do liberalismo, haverá sinais ou notas características com que distinguir facilmente o que é liberal do que não é? Eis outra questão muito prática também para o católico de hoje e que de um modo ou de outro o teólogo moralista tem de resolver frequentemente.

Dividiremos para estes fins os liberais (sejam pessoas ou escritos) em três classes:


  1. Liberais avançados;
  2. Liberais moderados [1];
  3. Apenas eivados de liberalismo[2].

1- Liberais Avançados:
Ensaiemos uma descrição semi-fisiológica de cada um destes tipos. É estudo que não carece de interesse. O liberal avançado conhece-se desde logo, porque não trata de negar nem encobrir sua maldade. É inimigo formal do Papa e dos padres e de toda a gente da Igreja; basta-lhe que qualquer coisa seja sagrada para excitar seu desenfreado rancor. Procura dentre os periódicos os mais desbragados; vota  entre os candidatos, os mais abertamente ímpios; aceita seu funesto sistema até as últimas consequências. Faz gala de viver sem prática alguma de religião, e a muito custo a tolera em sua mulher e filhos. Costuma pertencer a seitas secretas e morre geralmente sem socorros alguns da Igreja.

2- Liberais Moderados:
O liberal moderado ou manso costuma ser tão mau como o primeiro, porém cuida bastante em não parecê-lo. As boas formas e as conveniências sociais são tudo para ele; salvo este ponto, não lhe importa muito o resto. Incendiar um convento não lhe parece bem; apoderar-se do solar do convento incendiado é para ele coisa já mais regular e tolerável. Que um jornaleco qualquer desses de bordel venda suas blasfêmias em prosa, verso ou gravura a dez réis é um excesso que ele proibiria e até lamenta que não o proíba algum governo conservador; porém, que se diga o mesmo inteiramente em frases cultas, um livro de boa impressão ou em um drama de sonoros versos, sobretudo se o autor é um acadêmico ou semelhante, já não oferece inconveniente[3]. Ouvir falar em clubes dá-lo calafrios, porque ali, diz ele, se seduzem as massas e se subvertem os fundamentos da ordem social[4]; porém, ateneus livres podem muito bem consentir-se. porque a discussão científica de todos os problemas sociais, quem há de estranhar? Escola sem catecismo é um insulto ao país católico que a paga; porém, Universidade católica, isto é, com sujeição inteira ao catolicismo, quer dizer, ao critério da fé, isso deve deixar-se para os tempos da Inquisição. O liberal manso não aborrece ao Papa, e só não acha bem certas, pretensões da cúria romana e certos extremos de ultramontanismo que não condizem bem com as ideias de hoje. Gosta dos padres, sobretudo dos ilustrados, isto é, dos que pensam à moderna como ele; porém os fanáticos ou reacionários, evita-os ou lastima-os. Vai à Igreja e recebe até os sacramentos; porém sua máxima é que na Igreja se deve viver como cristão, mas fora dela convém viver com o século em que nasceu e não se obstinar em remar contra a corrente. Vive assim entre duas águas, costuma morrer com o sacerdote ao lado, porém com a biblioteca abarrotada de livros proibidos.

3- Eivados de liberalismo
O católico simplesmente eivado de liberalismo conhece-se em que, sendo homem de bem e de práticas sinceramente religiosas, respira, todavia liberalismo falando ou escrevendo ou trazendo-o entre as mãos. Poderia dizer ao seu modo como Mme. Savigné: "Não sou a rosa, mas estive junto dela e tomei algo de seu perfume". O verdadeiramente eivado discorre, fala e obra como liberal deveras, sem que ele mesmo, o pobrezinho, o deixe de ver. O seu forte é a condado; este homem é a caridade em pessoa. Como aborrece as exagerações da imprensa ultramontana! Chamar de mau a um homem que difunde más ideias parece a esse singular teólogo um pecado contra o Espírito Santo. Para ele não há mais que extraviados. Não se deve resistir nem combater: o que se deve é atrair. "Aforgar o mal com a abundância de bem" é a sua fórmula favorita[5], que leu um dia em Balmes e foi a única coisa do grande filósofo catalão que lhe ficou na memória. As invectivas espantosas contra o farisaísmo dir-se-ia que as tem por excessos de gênio e de zelo do divino Salvador; apesar de que sabe usá-las ele mesmo rijamente contra os irritáveis ultramontanos, que com suas exagerações comprometem a cada dia a causa de uma religião que é todo paz e amor. [...]

Não conhece outra tática senão a de atacar de lado, que em religião costuma ser a mais cômoda, porém não a mais decisiva. Bem quisera ele vencer, porém a troco de não ferir o inimigo, nem causar-lhe mortificação ou enfado. O nome de guerra irrita-lhe os nervos, mas acomoda-se ele a pacífica discussão. Está pelos círculos liberais, onde se discursa e se delibera mais do que pelas associações ultramontanas, onde se dogmatiza e censura. Numa palavra, se por seus frutos se conhece o liberal fero ou manso, por suas afeições se distinguirá, principalmente o eivado de liberalismo.[...]

4- Conclusão:
Resumindo em poucas palavras os traços mais característicos de sua respectiva fisionomia, diremos que o liberal avançado ruge com o seu liberalismo; o liberal moderado esconde, o pobre eivado de liberalismo suspira e faz lamúrias.
Todos são maus, como dizia de seus pais aquele velhaco da fábula; porém ao primeiro paralisa-o muitas vezes o seu próprio furor; ao terceiro a sua condição híbrida, de si infecunda e estéril. O segundo, o pior, é o tipo satânico, por excelência, o que em nossos tempos produz o verdadeiro estrago. 
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Notas de rodapé:
1 - Os assim chamados conservadores ou conservadores liberais.
2- Por eivado de liberalismo, refere-se a um tipo de  liberalismo prático, em que a afeição pessoal e o apreço pela respeitabilidade pública  suplanta o amor pela Verdade.
3- Há um certo apreço por tradições humanas e por uma ideia de alta cultura.
4- Aqui é uma possível referência a Edmund Burke, que em suas "Reflexões sobre a revolução na França", critica como agitadores os membros do clube de Old Jewry.
5- O Concílio Vaticano II seria um concílio eivado de liberalismo.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Por que anti-liberais devem entrar no debate econômico.

Por Bóris

Quase sempre vejo os meus amigos nacionalistas e tradicionalistas criticando o liberalismo econômico, muitas vezes - talvez a maioria delas - de forma muito acertada e, n;ao raramente, se dando bem em alguma discussão com algum liberal. Só há um problema nisso: Os nacionalistas conservadores e os tradicionalistas quase sempre vencem por meio de uma argumentação meta-econômica.

Eu, como qualquer pessoa cuja visão de mundo de ampara no respeito à tradição, à religião e ao nosso modo de ser como povo, não desconsidero a importância da metafísica e dos conceitos de justo, injusto, bem e mal, aplicados ao domínio econômico. Hoje em dia, até economistas progressistas como o pós-keynesiano Richard Chase e o novo keynesiano Dani Rodrik se preocupam com estes aspectos. Contudo, impugnar do ponto de vista moral, teológico e metafísico o liberalismo econômico não basta.

Você pode dizer a um gatuno que roubar é um pecado,  que é um atentado ao sétimo mandamento; mas se sua situação dele for de pobreza, e se sua sociedade acima de tudo preza pelo consumismo ostentador, e se ele for uma pessoa psicologicamente abalável, as condições que permitem que ele furte bens e dinheiro, continuarão a existir.

Você pode agir como o teólogo moral e dizer - muito acertadamente - que ele deve contentar-se com o pouco que tem, pois, "de que vale ao homem conquista o mundo e perder a sua alma?" (Mt 8, 36). Mas vai se esquecer que, por vezes, a opulência dos ricos é motivo de escândalo para os pobres, e por isso mesmo, que se suas posses são razão de pecado, que é melhor abster-se dela. Não é o próprio apóstolo São Mateus que nos diz: "Se um dos teus olhos te faz pecar, arranca-o, e lança-o fora de ti, pois melhor é entrares na vida com um olho só, do que, tendo os dois, seres lançado no fogo eterno" (Mt 18:9)? Ou esquecer-nos do jovem rico? "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus "(Lc 18, 24-25).

Esse é o poder transformador social do cristianismo, é a única religião que entende que embora o pecado seja individual, que um homem não peca sozinho. Afinal, foi Eva quem levou Adão a pecar. Logo, o cristão deve reformar a sociedade segundo os princípios do evangelho, pois mais facilmente almas se salvarão se assim o fizer.

A economia:

Assim, quando se argumenta apenas por critérios teológicos e morais, o cristão apenas invalida algo, mas nada propõe para por no lugar. Isso tem dois resultados:
1- No caso do liberal-conservador, que tem mais afeto a uma ideia de tradição do que à verdade moral transcendente, e que vê a religião como adorno de uma cultura e de um dasein duginiano; a consequência é que ele apelará ao pragmatismo, a praticidade e ao curto-prazismo para continuar a pregar seu erro.
2- No caso do católico liberal, que enfrenta um drama emocional e existencial de casar modernidade e tradição, estará dando a ele a oportunidade de, igual ao liberal-conservador, de sustentar o liberalismo como a solução prática "mais próximo do ideal" católico manifesto na DSI. É óbvio que isto se trata de um viés cognitivo, pois nas abordagens trabalhistas clássicas também existem respingos da verdade, tantos quanto os liberais. É bem verdade que o comunismo é um pecado maior que o liberalismo. Contudo, o socialismo mitigado é condenável na mesma proporção do liberalismo, tanto que ao passo em que nada a Igreja reconheça de justo no comunismo, a Igreja ao menos reconheceu alguns respingos de verdade no trabalhismo:
Por este caminho podem os princípios deste socialismo mitigado vir pouco a pouco a coincidir com os votos e reclamações dos que procuram reformar a sociedade segundo os princípios cristãos. Estes com razão pretendem que certos géneros de bens sejam reservados ao Estado, quando o poderio que trazem consigo é tal, que, sem perigo do mesmo Estado, não pode deixar-se em mãos dos particulares. Tão justos desejos e revindicações em nada se opõem à verdade cristã, e muito menos são exclusivos do socialismo. Por isso quem só por eles luta, não tem razão para declarar-se socialista. (Pio XI - Quadragésimo Anno)
Em outras palavras, o católico liberal em nada é melhor que o teólogo da libertação.
Por fim, é importante argumentar economicamente, pois assim dar-se-á respostas práticas para problemas práticos. E também, se ocupa para a verdade cristã mais um espaço - da praticidade e da realpolitik - impedindo assim que o erro se instale no seio dos movimentos em consonância com a tradição cristã, sejam eles mais focados na nacionalidade ou na tradição, sob o pretexto do realismo político.