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A Igreja concebe o Estado como indispensável ante a condição pecadora do homem dentro do contexto da cristandade e da teoria dos dois gládios |
"O Evangelho nos ensina que há na Igreja e no poder da Igreja dois gládios: o espiritual e o temporal. Quando os Apóstolos disseram: “Temos aqui dois gládios'' – aqui, isto é, na Igreja – o Senhor não respondeu: “É demasiado”. Pelo contrário, respondeu: “isto basta”. Por certo, aquele que nega que o gládio temporal esteja no poder de Pedro, desconhece a palavra do Senhor que disse: “Recoloca tua espada na bainha. Portanto, um e outro gládio estão no poder da igreja, o espiritual e o temporal; mas este deve ser tirado para a Igreja, aquele pela Igreja; um pela mão do sacerdote, o outro pela mão dos reis e dos soldados, mas com o consentimento e o beneplácito do sacerdote." - Bula Unam Sanctam, apud Marie-Hippolyte Hemmer, verbete Boniface VIII, in “Díctionnaire de Théologie Catholique”, Tomo II, col. 999s.
Há
um debate hoje em curso no mundo sobre o papel do estado que põe de
um lado aqueles de tendência mais liberal e do outro os de espírito
coletivista; no primeiro caso defende-se um modelo de estado mínimo
que vai desde uma visão de liberalismo clássico – onde o estado
intervém pouco na economia, no máximo estipulando uma ou
outra norma legal para assegurar a propriedade privada e o processo
de acumulação de capital por parte da burguesia – até o mais
extremado anarcocapitalismo que chega a defender o fim, puro e
simples, de qualquer organização estatal; no segundo caso
postula-se o estado máximo indo dos socialdemocratas, favoráveis a
uma intervenção contínua do estado seja na economia, seja na
organização da sociedade, até os mais extremados coletivistas que
querem um estado francamente socialista, ficando aí a propriedade
privada sob controle total da organização burocrática. Dizia Ezra
Pound : “criam
duas mentiras e nos fazem discutir qual delas é a verdade".A frase de Pound nos remete ao falso dilema contemporâneo do“estado
mínimo x estado máximo”.
O dilema é falso porque mais importante que o tamanho ou a forma do
estado é o seu conteúdo. Platão deixa evidenciado no diálogo “As
Leis” que
a discussão sobre a natureza do poder político, exige, antes de
tudo a discussão sobre as leis que darão forma substancial ao
mesmo. O debate político atual está alienado da realidade das
coisas: antes de analisarem quais são as leis sobre as quais um
estado deve estar fundado, discutem seu tamanho – se deve ser mais
liberal ou mais intervencionista – ou sua estrutura – monárquica,
republicana, democrática, etc. Tal contexto demonstra a ilusão
sobre a qual se fundam as considerações hodiernas sobre política:
deixando de lado todo aspecto moral do Estado os sujeitos que formam
a opinião pública reduzem toda a discussão a um falatório sobre
preços, mercados, liberdades, produção, formalismos( como a
defesa, em si e, tomada abstratamente, da monarquia ou da
democracia, desvinculadas de qualquer apreciação prática,
histórica ou moral sobre a viabilidade de tais regimes), etc. É
preciso, então, que partamos de outros pressupostos para entender
qual a autêntica natureza do estado. O primeiro pressuposto a ser
considerado é que o homem é um ser social. Isso é de tal
evidenciabilidade que não é preciso insistir muito sobre tal ponto.
A sociabilidade do homem funda, desde suas origens, um conjunto de
laços de dependência: um homem largado a si mesmo, no bojo do mundo
natural teria pouquíssima chance de sobreviver. A tese iluminista de
um estado natural do homem, anterior ao estado social, é
insustentável. Todo homem nasce dentro de um quadro de relações
que o antecede e que torna possível sua sobrevivência em meio a
natureza hostil. A tese liberal da liberdade do indivíduo não
passa de uma abstração abusiva e falsa. A pura liberdade do
indivíduo, que decide por si mesmo entrar num pacto social, só
existe como idéia, nunca como coisa real. A liberdade humana se
articula entre pessoa e sociedade, no interior de uma relação e não
como algo em si. Tal pressuposto nos leva a conclusão de que o
estado não nasce de uma decisão arbitrária dos indivíduos, de uma
criação humana, de um acordo prévio. O estado não nasce de um
contrato. Não nasce de uma escolha. O estado nasce de uma
necessidade natural, por um lado, e de uma necessidade moral por
outro lado.
Santo
Agostinho em sua obra “A
cidade de Deus” explica
que, em termos políticos há três níveis de organização: a casa,
a urbe, o orbe. A casa remete a família e a tribo, a urbe remete a
cidade, e o orbe remete a noção de império universal. Agostinho
viveu entre o século IV e V D.C., no fim do Império Romano. Era um
grande conhecedor da história romana, sobre a qual se debruça na
obra supra citada. A idéia de relacionar o poder político a estes
três níveis faz todo o sentido quando entendemos o que foi a
história do desenvolvimento de Roma que inicialmente fora um “estado
tribal” no Lácio, ou seja, uma federação de famílias extensas
aparentadas entre si que organizaram um poder público para regular
suas relações. Vemos aí uma relação orgânica entre a cidade
romana e as famílias romanas, entre casa e urbe. Na civitas romana
antiga o poder era dividido entre os patriarcas – os chefes de
família e líderes tribais – e organizado em torno do “Senatus”(
Senado: de senil ou velho, quer dizer o conselho, o órgão
legislativo de Roma formado pelos mais velhos). O estado tribal
romano nascera, então, da“fraternitas”(
da irmandade, da ascendência comum, dos laços de sangue): ele foi
uma expressão orgânica da estrutura familiar, das necessidades das
tribos do Lácio de organizaram uma defesa de seu território,
recursos, vida, propriedade, costumes, leis, etc. Aqui não
encontramos o “indivíduo” das teorias liberais que busca, por
meio de um pacto social, assegurar sua liberdade e propriedade;
encontramos famílias e tribos, nas quais os indivíduos são
integrados, não como átomos, mas como pessoas com responsabilidades
e papéis distintos, pessoas que só tem sua liberdade e propriedade
asseguradas no interior da “fraternitas” tribal da qual depende e
para a qual vive. Nesse contexto a fidelidade a pátria e ao estado
faz todo sentido: o estado aí é a extensão da casa paterna, a
pátria é a terra dos pais, onde seus costumes são respeitados como
sacrossantos. O estado aí é um poder que existe para proteger a
família; a urbe existe para a casa. Além destes três níveis de
organização do poder político, Santo Agostinho ressalta o papel do
estado perante a condição de pecado do homem. Ou seja: além do
estado nascer de uma organicidade natural, de uma ordem exigida para
a manutenção das “casas”, há uma razão de ordem moral para
sua existência: a concupiscência humana, ou seja, nossa tendência
ao mal e a desordem. Agostinho em sua filosofia dá um peso decisivo
à vontade humana; o homem é o que ama ele dirá. E os amores
humanos são variados, múltiplos, opostos e conflitivos. Segundo
Sto. Agostinho a vida comunitária ou social, para que se funde numa
boa ordem e na justiça, depende de uma régua de valores objetivos;
a ordem exige que cada coisa esteja no seu devido lugar; a ordem do
corpo é o ajustado funcionamento de suas partes, a da alma é a
calma de seus apetites e paixões(moderação); a ordem justa, em
termos sociais, exige uma dupla norma: não fazer mal a ninguém e
socorrer a quem padece necessidade. Estas normas exigem que se dê
primeiro cuidado aos próprios familiares, mantendo a paz doméstica.
O marido deve cuidar da esposa, os pais dos filhos, os patrões dos
criados. Agostinho assevera que é dever do pai de família castigar
os que perturbam esta paz. As mesmas regras devem presidir a família
do estado. Agostinho deixa claro que o estado tem função moral
precípua. Mais importante que discutir se ele deve ser máximo ou
mínimo, monárquico ou republicano, é fulcral entender seu papel
moral e em que lei deve fundar sua ética. A vida moral, para Sto.
Agostinho, se traduz em atos pelos quais tomamos posição ante as
coisas: ou fruímos delas ou nos utilizamos; fruir é afeiçoar-se a
uma coisa por amor a ela mesma. Usar é servir-se de algo para
atingir um fim. Mas nem todos os objetos são dignos de serem amados.
O uso ilícito é abuso. Há amores de coisas más e uso de coisas
más. O papel primário das leis é proibir o usufruto do que é mal.
O papel das leis é fomentar a virtude. O papel do estado é criar um
ambiente social tal onde a virtude seja premiada e o vício
castigado. Como o homem é um ser que tende ao amor das coisas más,
a necessidade de um poder público que castigue o pecado e mantenha
uma ordem moral mínima é um corolário moral. Dentro de uma
perspectiva cristã o estado se faz essencial para a boa ordem da
sociedade. Sem um poder que reprima o vício e que proteja a casa e a
urbe não há verdadeira paz ou justa ordem num mundo decaído e
sempre ameaçado pelo poder do pecado. A bondade natural do homem foi
perdida em Adão; as teses liberais se alimentam da miragem de
Rosseau sobre a pureza de nossa natureza que, deixada a si, faria tão
só o bem. Essa miragem é que sustenta o liberalismo político de
direita – que imagina que, de um pacto livre das vontades( ou
seja, das liberdades democráticas), nasceriam somente leis justas e
boas – e os coletivismos de esquerda – que sonham com uma
humanidade futura onde o estado desapareceria de vez, substituído
por um cooperativismo anarquista, uma sociedade perfeita sem a ameaça
do mal ou do vício. No fim das contas as duas cosmovisões políticas
almejam o mesmo: um paraíso anarquista. Não nos deve surpreender,
portanto, que as sementes do comunismo germinem no solo do mundo
liberal-burguês. A solução para tais erros desastrosos é a
concepção católica de estado.
Bibliografia
Platão.
Diálogo “ As leis”. Aguilar Ediciones, Madrid, 1966.
Boehner,
Philoteus. História da Filosofia Cristã. Vozes, Petrópolis, 2009
Caro amigo,
ResponderExcluirExcelente texto,muito bem escrito e fundamentado, gostaria somente de fazer alguns adenos quanto a parte que se refere ao libertarianismo de direita.
Em primeiro lugar, volto a ressaltar, ficou extremamente claro a sua proposta e o seu ponto de vista na justificativa da existência de um estado; porém, suas fontes justificam e mostram a necessidade de leis/normas/regras, algo que escritores liberais já assumiram que acontece naturalmente (F.A. Hayke explica muito bem isso em seus escritos sobre a ordem natural), o que não interfere na idéia libertária, pelo contrário, a reforça.
Outro ponto chave para mostrar a necessidade moral de um estado, foi pela natureza má e pecadora do homem, mas esse pensamento, assim como o anterior reforça o as ideias de um sistema anárquico, homens de natureza pecadora governando pecadores, nossa natureza falível nos torna incapazes de governar outras pessoas.
Além disso, o texto está excepcional, meus parabéns.
Att, Filipe Melo
Pax et Bonum.
Filipe agradeço os elogios. Sobre a questão levantada por ti os homens pecadores que governarão, neste sistema, serão aqueles que, tocados pela graça divina, tomaram consciência de que a lei deverá ter como fonte a revelação divina. Assim antes de mais nada deverão sujeitar a própria alma a Deus a fim de que possam guiar o corpo social com justeza. Tal sistema implica num regime da graça fecundando a sociedade política. Um regime onde o homem é redimido pelo poder de Cristo.
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ResponderExcluirSó esclarecendo, mesmo o homem tocado pela graça divina nunca será perfeito como Cristo, que é Deus em forma de homem. A crença na pureza absoluta do homem que governa é herege, é baseada nos textos de Rousseau. Como o Filipe disse acima esse problema não existe sob a perspectiva liberal, a única perspectiva totalmente fundamentada na Bíblia e no cristianismo por reconhecer que só Jesus é a salvação, ao invés de um estado, presidente ou ditador. Uma das premissas liberais é que não existe salvação em algum outro homem a não ser em Cristo, o homem é pecador por natureza, e o mundo jaz sob o maligno. Todo pensamento baseado na fé na natureza humana ou na fé no estado é herético.
ResponderExcluirAtt, L. Neumann
Pax et Bonum.
A visão liberal é essencialmente herética e anticatólica por se fundamentar na soberania do indivíduo.
ExcluirCatólico ? Esse Rafael Queiroz ameaçou de morte um cidadao brasileiro. Publicou no dia 09/07/21 ameaças contra o Olavo de Carvalho. Tenho os printes , seu canalha !!!Você é da Igreja do Capeta.....
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