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terça-feira, 1 de agosto de 2017

A longo prazo estaremos todos mortos? - O verdadeiro sentido da frase de Keynes.


O que "a longo prazo, estaremos todos mortos" realmente quer dizer?

Muitos comentaristas usam a frase de John Maynard Keynes "a longo prazo estaremos todos mortos" para sugerir que Keynes e, por associação, os economistas que hoje pedem por mais moderação nas políticas de austeridade do governo, não se importava com o futuro. Concluem, portanto, que Keynes e os economistas keynesianos seriam curto-prazistas despreocupados que optariam por benefícios econômicos no presente ao custo de cada vez maiores endividamentos no longo prazo e outros danos legados às gerações futuras.

O historiador e professor britânico Niall Fergusson trouxe essa conclusão à tona numa resposta durante uma recente conferência na Califórnia. Ele foi ainda mais longe ao atribuir que a suposta falta de interesse de Keynes pelo futuro se daria ao fato de que ele não teve crianças, já que ele era gay. Fergunson fez um pedido de desculpas sem reservas pelos seus comentários. Ele admitiu que Keynes (cujo passado gay não está sendo questionado aqui) teria se casado mais tarde e sua esposa, a bailarina russa Lydia Lopokova, havia sofrido um aborto espontâneo.

O Professor Fergusson é uma figura conhecida pelos seus comentários controvesos em conferências e palestras. Com o peso acadêmico de ter lecionado em Harvard, sua franqueza o garante uma audiência certa e disposta a pagar para ouví-lo. No entanto, sua reputação como  foi construída em cima de seu trabalho em história financeira. Ele não é um economista e suas previsões enfáticas a respeito das consequências inflacionárias do alto endividamento do governo federal dos EUA e em relação ao Quantitative Easing do FED tem se mostrado falsas.

Enfim, o importante dessa história é que ele, como muitos outros, compreende mal o argumento que Keynes estava propondo. Aqui está o contexto da referida frase:

"The long run is a misleading guide to current affairs. In the long run we are all dead. Economists set themselves too easy, too useless a task if in tempestuous seasons they can only tell us that when the storm is past the ocean is flat again."

(Tradução livre: O longo prazo é uma bússola desnorteada para os problemas imediatos. A longo prazo estaremos mortos. Os economistas se põem de maneira muito confortável, e de maneira inútil se durante uma temporada tempestuosa eles apenas são capazes de afirmar que quando o temporal passar, o mar voltará a se acalmar.")

Keynes escreveu isso num dos seus primeiros trabalhos, The Tract on Monetary Reform, in 1923. Deve ser claro que ele não está sugerindo que devemos despreocupadamente aproveitar o presente e esquecer o futuro à sorte. Ele era extremamente incomodado com a visão dos economistas convencionais de que a economia é um sistema de equilíbrio que eventualmente retornará a um ponto de equilíbrio, desde que o governo não interfira e se estamos apenas dispostos a esperar. Mais tarde, ele desafiou essa visão em seu trabalho mais importante, The General Theory of Employment, Interest and Money (1935). Argumentando que a economia pode cair num equilíbrio de subemprego de longo prazo do qual apenas a política do governo pode reverter.

O desemprego é o grande flagelo da vida econômica. É muito mais penetrante do que a hiperinflação que Fergusson e outros se preocupam. A hiperinflação é muito rara e geralmente ocorre após guerras ou outras grandes deslocações. Sabemos como pode ser interrompida, por exemplo, a hiperinflação da Bolívia de 1985 foi interrompida em dez dias - esta foi uma das poucas hiperinflações do século 20 a não ser causada por guerra ou revolução. É uma doença muito prejudicial, mas rara.

O desemprego causa enormes danos aos indivíduos e às famílias, reduz o potencial de produção a longo prazo, à medida que as pessoas perdem a habilidade e a motivação, cujos efeitos podem durar muitos anos. As taxas assustadoras de desemprego no sul da Europa estão causando grandes danos neste momento, bem como germinação de graves problemas políticos para o futuro (mais uma vez devo citar o facto de os nazistas terem alcançado o poder na Alemanha devido ao desemprego em massa, não inflação). É nesse sentido que os economistas não devem serem negligentes ao simplesmente dizer que esses países, de alguma forma, eventualmente retornarão ao pleno emprego se formos apenas pacientes. Isso é imoral e incorreto.

Keynes escreveu sobre o futuro da humanidade e as possibilidades que uma maior prosperidade econômica poderia trazer. Ele apreciava uma alta qualidade de vida e queria preservar um sistema capitalista capaz de promover isso contra o perigo de uma tirania coletivista. É um absurdo implicar que ele não teve nenhuma concepção do valor do futuro. E esses muitos economistas de hoje que argumentam que a Europa está desnecessariamente desperdiçando as capacidades e potencialidades da vida humana também não são despreocupados sobre o futuro. Eles têm a teoria econômica e a história do seu lado para argumentar que não devemos permitir.


OBS: Este não é um blogue keynesiano, mas ele procura dialogar com as ideias econômicas vigentes pois crê que nelas há alguma verdade que possa ser útil.

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