Nesses
dias, conversando com o amigo Leonardo de Oliveira, popularmente conhecido como
Conde Loppeux de la Villanueva, ele me apresentou um excelente intelectual
conservador espanhol, o Dr. Miguel Ayuso. No vídeo aqui referenciado ele pontua uma crítica a Jacques Maritain.
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Miguel Ayuso |
Maritain
quando aceita a declaração de direitos humanos apenas pelos seus fins práticos,
não queria com isso que o individualismo moral se impregnasse no ocidente tal
qual vemos hoje, ao contrário, ele assim aceita a situação devido a uma série
de fatores históricos que ele julga apenas parcialmente bem. O fim da Segunda
Guerra Mundial e os horrores do Nazismo servem de impulso a declaração forçando
a aceitação da mesma na esperança de que tal catástrofe jamais volte a
acontecer na história humana. As reuniões para a elaboração de tal documento
envolviam segundo o próprio Maritain divergências de fundamento, pois se
ajuntaram nações e povos de origens culturais e ideológicas tão amplamente
distintas que qualquer discussão acerca dos fundamentos criavam barreiras
enormes a tal declaração. Com isso em mente, Maritain propõe que se foque apenas
os aspectos práticos cabendo a cada povo justifica-los com seus próprios
métodos derivados de suas culturas.
A
declaração de direitos humanos é muito similar a de 1789, o que indica já um
predomínio ocidental do iluminismo. Eis um dos pontos de erros de Maritain, ao
levar em consideração apenas a Segunda Guerra (o que faz acertadamente), ele se
esquece que a Revolução Francesa introduziu no mundo o racionalismo
materialista e que na sua versão britânica ele surge com o individualismo essencialista
devido ao protestantismo. A situação ainda era relativamente equilibrada desde
1789 até o fim do belle époque em
1914, devido à oposição sistemática entre os dois liberalismos como já havia
mostrado neste outro texto. A ascensão do comunismo na Rússia
em 1917 e o poder crescente dos Estados Unidos que uniu princípios dos dois
liberalismos no seu Estado, mas com maior predomínio do francês como visto no
texto acima referenciado, essas ideias, que já tinham relativa força no
ocidente começam a ganhar cada vez mais força.
As
nações católicas desde então, vinham tentando fazer arremedos de estilo
maritainiano a essas ideias às quais elas eram hostis. Se tomarmos a Carta
Constitucional do Império do Brasil em 1824 nós veremos esse tipo de conduta,
ao mesmo tempo que o país era um Estado Confessional Católico, ele combinava
esses princípios com ideias liberais. Essa adaptação de fins práticos naquele
período em que havia o embate de liberalismos na Europa (naquele período a
Inglaterra era o centro do mundo político e econômico, e não os EUA) anulava os
efeitos perniciosos do liberalismo em países católicos.
Contudo,
ao fim da primeira guerra mundial, os Estados Unidos, que uniu o individualismo
liberal britânico com o racionalismo laico do liberalismo francês na forma do seu
Estado, sai como grande potencia econômica do mundo, e como tornou-se
referência dos regimes republicanos nascentes naquele período (no Brasil a
força desagregadora foi uma união entre liberais e positivistas em 1889),
passa-se a adotar cada vez mais os contornos norte-americanos nos mais variados
países. Na América Latina esses efeitos são vistos antes mesmo da primeira
guerra, pois a república oligárquica já era de estilo americano antes da mesma.
Entretanto esse processo ganha força no Oriente a partir da primeira guerra
mundial.
Com
a Segunda Guerra mundial, os Estados Unidos saem ainda mais fortalecidos como
força hegemônica do ocidente, mas agora têm um novo rival, a União Soviética
com o materialismo marxista radical e o totalitarismo genocida de Estado. O
medo do comunismo nos países católicos agora corroídos pela simbiose franco-britânica
do liberalismo resultado da forma do Estado americano e sua ação imperialista,
começa a levar à desagregação a cosmovisão católica tradicional devido à
aliança entre liberais e conservadores mundo afora na intenção de se proteger
do comunismo. Esse fator acelera a decomposição da sociedade, culminando na
França, berço do liberalismo francês, materialista, republicano e ateísta, ao
Maio de 68. Esse resultado Maritain não previu. Graças a isso o liberalismo
torna-se força hegemônica no ocidente devido a hegemonia das nações do ocidente
protestante.
Maritain
acreditava que, mesmo na hipótese de que a cosmovisão ocidental iluminista
viesse a adentrar em sociedades que com ela não concordavam, ela seria apenas
uma corrente minoritária sem aceitação geral como ele mesmo diz na página 95 do
livro “O homem e o Estado”.
Tal síntese filosófica, mesmo que conseguisse exercer uma importante influência sobre a cultura, ficaria, por essas mesmas razões, como uma doutrina entre as outras, aceita por certo número e rejeitada pelos demais, não podendo pretender de fato, uma ascendência universal sobre o espírito dos homens. (MARITAIN, 1959, p.95)
Maritain
desconsiderou a guerra fria que ali nascia. O comentário de Ayuso sobre a
descristianização da Itália sob a batuta da Democrazia
Cristiana é despropositada. A descristianização da Itália é resultado da
associação entre conservadorismo e fascismo, o que deu enorme força a grupos
socialistas e materialistas, efeito muito parecido com o que ocorreu na Espanha
franquista como chama a atenção Orlando Fedeli. Ao contrário disso, Alcide De Gasperi da Democrazia Cristiana fez uma reforma agrária que ajudou famílias camponesas a pararem suas ondas migratórias em massa e também atuou na proteção da moralidade pública. A maioria dos
partidos associados a democracia cristã são em geral fortes defensores da
moralidade cristã e da influência da religião na sociedade, podemos citar como
exemplo aqui no Brasil a Frente Parlamentar Evangélica como resistência moral
aos avanços do progressistas do petismo, com grande apoio do laicato católico. Basta
lembrar que os principais partidos que compõem a mesma são de fundamentação
democrata cristã, como o PSC, o PSDC, o PHS, o PTC. Na Alemanha a CDU de Angela
Merkel e sua parceira da Bavária, a CSU, é contraria a todas as pautas
progressistas oferecendo muito mais resistência ao gayzismo do que o
Conservative Party de David Cameron que aceitou e aprovou o casamento gay.
Outro
ponto fatal de Maritain em que seu erro fica evidente ao desconsiderar a
hegemonia das nações protestantes liberais reside no fato de jogar para um órgão
supranacional como a ONU a tutela desses princípios, que inevitavelmente
julgará as questões das mais variadas nações com base nas interpretações
liberais individualistas hegemônicas, visto que ela congrega nações diferentes
que se aglutinam em dois blocos distintos: Aliados dos Estados Unidos e aliados
da União Soviética. Temos o mesmo problema do Estado Laico que mencionei no primeiro texto acima referenciado, só que com influências por todo o orbe.
Ayuso
se mostrou certo devido aos contextos históricos. Caso ao invés da ONU fosse a
Igreja Católica neste posto de juiz universal da legitimidade dos Estados e
suas ações (como foi no passado), a situação fosse talvez outra. Mas não nos cabe aqui perguntar o
que teria sido o mundo se as coisas fossem diferentes. Ayuso está certo talvez
não pelas razões que acredita que está, mas está certo.
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MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1959.
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MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1959.
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