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sábado, 19 de agosto de 2017

Nazi-fascismo: Direita ou esquerda? um breve tratado.


Um dos aspectos mais caricatos dessa discussão é a tentativa de jogar para o lado do rival ideológico "tudo aquilo que não presta", com isso, escolhe-se arbitrariamente uma característica justificadora (ação normalmente tomada a posteriori quando em relação ao choque emocional do nome "nazismo") e pimba! carimbaço! Nazismo vai da direita à esquerda como uma bola de tênis transita de uma diagonal a outra da quadra.

Vamos entrar em alguns pontos importantes sobre a discussão:

1- Direitas e esquerdas não são categorias aristotélicas, não são elementos ontológicos/epistemológicos ou whatever, essenciais a ciência política. Direitas e esquerdas surgem na ruptura da revolução francesa como substitutivo das categorias anteriores, que eram ortodoxia e heterodoxia.


A diferença é clara, enquanto uma se fundamenta em princípios abstratos que são separados de outros ou reforçados em detrimento de outros (liberdade x igualdade), o outro s fundamenta numa doutrina moral que transparece através de uma doutrina religiosa. Enquanto o máximo de referência que direita e esquerda fazem a Deus é no máximo como um moral background reserve, ortodoxia e heterodoxia são questões diretamente ligadas a legitimidade que Deus concede a ordem temporal.

Assim, para a política moderna não há certos e errados oficiais, isto é, o Estado liberal-democrático aceita esquerdas e direitas como corretos embora seus partícipes (sendo eles de direita ou esquerda) acreditam que suas facções detém o monopólio ideal da verdade, embora possam se unir em questões práticas.



No caso da ordem anterior, baseada no conceito de katechon, a ordem política é radicalmente oposta a esse conceito de cooperação pragmática, o erro (heterodoxia) só pode ser tolerado na melhor das hipóteses.

Como direitas e esquerdas nascem da ruptura da cristandade (processo cumulativo que data da revolução protestante), elas são um produto histórico que basicamente versam sobre dois conceitos interligados, o de progresso e manutenção bem como transcendência e imanência. A esquerda é aquela que quer mudar a sociedade e crê que de alguma forma o que virá será algo melhor pois é fundada não numa norma apolítica e transcendente, mas sim numa vontade política imanente. A direita é aquela que, ao contrário da primeira, recorre a uma visão apolítica transcendente para exigir a manutenção de algo.

Obviamente há aí elementos que são dominantes e outros recessivos, e a medida que o tempo passa alguns critérios dominantes tornam-se recessivos. Na primeira direita, os elementos dominantes eram a transcendência e a manutenção era recessiva, a medida que o tempo passa, a transcendência passa a ser recessiva, ao passo que a manutenção dominante.

Pensemos nos conservadores do altar e trono, que hoje conhecemos por tradicionalistas ou reacionários, são a extrema-direita. Eles defendem em geral não mais a manutenção, mas o regresso. Eles se fundam hoje em dia no retorno da transcendência como base dominante de sua doutrina, e o aspecto de manutenção é descartado em favor de uma oposição diametral ao progresso. Por isso são reacionários. Nos tempos da revolução francesa, os defensores do antigo regime eram a direita da época, pois queriam manter as coisas como estavam, mas sob uma doutrina transcendente. Basta ler De Bonald, De Maistre e outros. Como a França era católica, a direita coincidia com a defesa da noção de ortodoxia vigente no conceito de katechon.

Na Inglaterra, berço da direita moderna, ocorre a supremacia do Estado (política) sobre a religião (transcendente), fruto da revolução luterana (1517) que se espalhou como um vírus até Henrique VIII. Como o transcendente vira capacho do político, então passa não mais importar o certo e o errado, mas sim a cooperação pragmática em função de fins imanentes. Assim, na direita inglesa liderada por Burke, passa a vigorar a dominância da manutenção sobre uma transcendência recessiva. Isso é importante pensar, pois se na França a transcendência legitima a manutenção, na Inglaterra a manutenção legitima a transcendência, de modo que se instrumentaliza o nome de Deus apenas como justificativa esporádica da doutrina política e da ordem política.

É uma distinção sútil, mas fundamental, enquanto na França do antigo regime as coisas eram do jeito que eram pois eram certas daquele jeito e tinham que ser mantidas assim, na Inglaterra as coisas eram como eram não porque eram certas, mas porque o dano às estruturas sociais fundadas numa noção de transcendência poderiam ser graves com a mudança.

Então, percebemos aí que existe um buraco bem profundo nessa questão ao questionar o nazismo nessa óptica. A direita moderna tem um amor pela manutenção muito maior que pela transcendência, esta última recessiva, de modo que ser um liberal clássico implica em descartar a transcendência quando convém. Mas ao fazer isso já se percebe que a doutrina é em si imanente.

A esquerda sempre preferiu a mudança, o progresso e sua doutrina é imanente sempre. É imanente porque a mudança não vem da Jerusalém celeste, não vem do escathon, mas sim da força do braço humano agindo na história. Os girondinos e os jacobinos são precisamente esse caso. Os girondinos queriam uma mudança branda feira pelo braço humano, os jacobinos uma mudança radical feita pelo braço humano. A esquerda moderna quer a mesma coisa, ela quer trazer o paraíso subjetivista relativista onde cada subjetividade se sinta confortável e realizada através da práxis política, então é um imanentismo dominante com uma mudança recessiva. Isto é, o discurso da mudança é menos enfático do que o da práxis e serve apenas de reforço, pois uma vez que se abra mão do transcendente, o essencial, sobra apenas o histórico-existencial que é sempre evolutivo, mutável.

2- Então, onde o nazismo se enquadra?

O nazismo, primeiramente, era uma altermodernidade. O nazismo não queria voltar ao passado, só queria uma alternativa ao mundo liberal, e para isso estava tendendo a mudar tudo na força do braço humano, mas ele tinha uma teoria de base pagã misturada com elementos cientificistas para dar a essa narrativa pagã-mitológica um alicerce. Com isso o nazismo seria uma espécie de mudança dominante com uma transcendência recessiva. O fascismo italiano, por sua vez, queria restaurar as glórias do Império Romano, nesse sentido seria uma imanência dominante com um regresso recessivo. 

Como se pode ver, ele não se encaixa no paradigma direita e esquerda que demonstrei. Por isso eles seriam melhor entendidos nos seus próprios termos, como uma terceira posição. Pois misturam elementos da direita e da esquerda. Mas como Aristóteles coloca na página 44 da edição Martin Claret de "Ética a Nicômaco", alguns extremos aproximam-se mais dos meios termos do que outros. Assim, como ambos são imanentes (dominantes como fascismo e mais recessivo como o nazismo), se aproximam mais das esquerdas, porém, também não está tão distante da direita moderna. Em comparação com o altar e trono católico, a política do katechon, a diferença é substancial.

3- Dominante e recessivo não tem o mesmo significado biológico, mas sim transmitir a informação extremamente importante do que é o elemento mais essencial de uma doutrina política específica, se é a enfase na mudança social (progresso) ou se é o foco no niilismo e na materialidade do mundo. Desta forma, o elemento sempre qualitativo é a transcendência, a transcendência dominante joga para a direita, ao passo que sempre que ela for recessiva, joga para a esquerda. É possível uma transcendência aliada a mudança? Sim. Mas isto seria algo que viria de uma autoridade superior, um santo, um anjo ou do próprio Deus, pois somente ele poderia exigir o progresso como algo benéfico. Uma reforma como a de São Francisco de Assis poderia ser dita um progresso transcendente, ou o próprio escathon, o juízo final, seria o progresso transcendente. Nenhum homem exceto um iluminado por Deus poderia fazer tal coisa, porque quer diretamente como no juízo final, ou indiretamente como num milagre, não seria o homem mesmo que faria a mudança, mas o próprio Deus. Ao homem caberia o papel de instrumento nas mãos do Altíssimo. Desta forma, transcendência progressista só acontece com intervenção da Providência!

Assim, não pode haver filosofia política transcendente que pregue o progresso, mas apenas a manutenção ou o regresso, pois o regresso sendo uma mudança invertida, vai em direção daquela doutrina que foi dada diretamente pela divindade, o katechon.

Assim, em conclusão, os conservadores modernos (liberais-conservadores), apenas são esquerdistas moderados na prática. A velha ordem do katechon só voltará a existir quando deixar de haver a mentalidade imanentista que vê Deus como reserva moral de fundo, para se ter uma disputa fundamentalmente teológica na política.

3 comentários:

  1. http://informadordeopiniao.blogspot.com.br/2016/11/o-sistema-mundial-cuidado-com-quem.html
    O que me diz sobre esse texto ,Arthur ?

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    1. O texto é excelente e enfoca a importância de se construir uma via média entre a ESM e as doutrinas de Keynes.

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