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sábado, 16 de dezembro de 2017

Industrialização e Economia Social de Mercado


Um dos grandes problemas da economia brasileira que a faz ficar presa na armadilha de renda média é a sua desindustrialização. Economistas liberais associados à Escola Austríaca negam que a indústria seja importante e até louvam a desindustrialização do país, entretanto não concordo com essa visão. Não entrarei no mérito de porquê, mas caso não queria que o Brasil se limite a commoditties e a paraíso fiscal, abordarei como a ESM pode estipular políticas industrializantes no país.

Primeiro de tudo, temos que entender que financiamentos diretos ou subsídios em espécie são ruins para a economia pois tendem a formar monopólios e são feitos por razões mais políticas do que técnicas. Em que pese existirem casos de subsídio em espécie feita por razões técnicas e seguras como nos mostra Mariana Mazzucatto em "Estado empreendedor", a maior parte dos exemplos por ela listados estão ligados a países com uma maior solidez institucional do que a média dos países latino-americanos ainda infestados de uma corrupção endêmica de seu processo de estatalização. De forma que fico com a posição do professor Marcelo Resico em "Introdução à economia social de mercado" recomenda as isenções tributárias como mais eficientes.

Contudo, isenções significam quedas de receita o que imediatamente nos leva a discutir a parte fiscal do Estado. Isto é, num país como o Brasil, com problemas fiscais crônicos em que magistrados, deputados, embaixadores e altos burocratas constituem quase uma côrte de Luís XIV, dado os luxos e regalias, como abrir mão de receitas?

Antes de estabelecer que a questão fiscal é pressuposto necessário (não pode haver política industrial séria sem superávit), vamos elencar os principais desafios fiscais ao Brasil.

1- Previdência - A previdência está em vias de ser reformada. Ainda não vi e não procurei saber as extensões totais da reforma proposta, mas sem cortar os gastos vultuosos com os marajás que, constituindo 1% do sistema lhe consome 33% dos recursos, não há reforma séria do aparato fiscal do Estado.

2- Dívida pública - Com o montante atual de dívida pública jogada no lixo (e que cresceu enormemente nas administrações FHC e Dilma), não tem como aplicar o princípio de subsidiariedade, o federalismo fiscal e, com isso, o país se vê limitado a gastar a maior parte de seus superávits com juros da dívida e, o restante, com rolagens de dívida (fazer novos empréstimos). Sem resolver a questão da dívida pública, não seremos capazes tão cedo de conceder a Estados e municípios um elevado grau de autonomia política e econômica. Menos ainda, de pensar em política industrial.

Alguns passos importantes foram dados, entretanto:

1- Apesar de ver com ceticismo a atual proposta de reforma previdenciária (e reconheço que devo estudá-la mais a fundo para um juízo definitivo), só de se entender que a reforma da previdência é necessário (algo que o PT com Dilma fingiu que não existia), já é algo positivo. Qualquer que seja a reforma adotada, terá resultado fiscal na economia reduzindo os ônus do Estado. Resta saber qual o custo social dessas medidas e a quem mais "prejudica", espero que não sejam os mais pobres.

2- Teto de gastos públicos - O teto de gastos públicos com ajuste inflacionário é uma boa medida, embora tenha indicado que se devia acrescer ao valor da inflação um plus demográfico para que a taxa de investimento público não caia em termos per capita. E o teto, apesar de achar também exagerada sua duração, foi uma ação muito sensata adotada.

Sendo otimista, o que não costumo ser com frequência, se aceitarmos como pressuposto que todas essas medidas, especialmente a previdenciária, venha a ser feita com mais impacto no alto funcionalismo público, tendo a crer que poderemos pensar em uma política industrial sem grandes preocupações com ônus social.

Política industrial na economia social de mercado

Antes de mais nada, concordo com os economistas novo-desenvolvimentistas (como José Oreiro e Antônio Delfim Netto) que a questão cambial é crucial para o desenvolvimento industrial, e vejo nela a questão central. Embora ambos os supracitados sejam pessoas que saibam bem dos desafios de um enfraquecimento cambial, algumas pessoas tratam o assunto de maneira populista (Não vou falar que é o Belluzzo) em que basta desvalorizar o câmbio (para sei lá, uns 6 reais) e "taca-lhe pau!". Fato é, que se não é possível fazer política industrial séria sem primeiro ajustar o fiscal do Estado, não é possível simplesmente fazer política industrial séria sem arrochos e subsídios (indiretos) e um pacto política com metas e prazos.

Como o economista Wellington Gomes Lucas no seu artigo "Tripé brasileiro em xeque" publicado no livro "Panorama Socioeconômico do Brasil e suas relações com a Economia Social de Mercado" pontua, "com as reformas estruturais implantadas nos anos 1990, vários setores da indústria de transformação apresentaram aumento de participação  insumos importados" (p.171). Isto significa que a desvalorização do câmbio afetará também manufaturados domésticos, tornando-os mais caros. Então, o primeiro passo seria reunir as grandes federações industriais e os pequenos e médios empresários para discutir como estimular a substituição de importação destes insumos, procurando genéricos internos onde existam. Nesse tipo de proposta cabe três tipos de insumos.

1- Não produzidos e insubstituíveis - São aqueles que além de não serem produzidos ou que não existam no mercado nacional, por alguma limitação física, geológica ou de outra sorte, e não possam ser feitos aqui e que necessariamente demandam importação. Desonerações podem vir bem a calhar.

2- Não produzidos e que precisam ser produzidos - Há insumos, que além de não serem produzidos, por questões de mercado não são empreendimento lucrativo ou seu custo de produção é oneroso para entrada novos players. Neste caso, o governo preferencialmente deve oferecer desonerações para tornar o empreendimento no setor atrativo e, em último caso apenas, subsídio direto, dado o que já mencionamos sobre isso acima.

3- Produzidos, mas ineficientes - Por questões de câmbio, custo de mercado e escala das empresas, alguns destes insumos são produzidos no país, mas sua demanda e qualidade não são os melhores no país. Desonerações com prazos e metas são o melhor meio do governo exigir aumento de produção e melhora na qualidade.

Como é evidente, o gasto do governo para ajudar a criar ou a desenvolver estes setores médios, implica em queda de receitas e aumento de investimento público. Razão pela qual o fiscal deve ser um pressuposto necessário. Sem superávit não há certeza de que os ganhos de produtividade e PIB serão capazes de suplantar o crescimento da dívida, o que a longo prazo, inviabiliza o experimento industrial. Fiscal primeiro, industrial depois.

Depois de feito isso, é necessário fazer um novo pacto social em que o salários sofram um pequeno arrocho, a necessidade disso é óbvia. Como o ato final será o desvalorizar do câmbio, ocorrem aumento de demanda por substitutos nacionais. Com isso pressões inflacionárias necessariamente ocorrem, seja por uma oferta minguada frente a um novo grupo de demandantes, seja pela contratação de novos trabalhadores que, recebendo salários mais elevados, aumentarão seu consumo inflacionando os preços. Nesse caso, soma-se inflação de custos e inflação de demanda, isto anularia os efeitos da desvalorização cambial. O arrocho salarial temporário de 0,5% ou 0,75% em relação a inflação produziria um enfraquecimento de demanda, em que apesar do crescimento do consumo interno, este não puxaria os preços muito para cima. Com salários menores, os custos de produção caem, fazendo que o preço não suba e, some-se a isso que, com insumos internamente produzidos já estariam adaptados à nova demanda e estariam sendo produzidos, não haveria acréscimo de preço nos produtos internos, garantindo que os preços dos produtos nacionais seriam mais vantajosos frente aos importados. Com o tempo e o sucesso das medidas (alcance dos objetivos propostos), os reajustes do arrocho poderiam ser dados gradativamente ao longo do ano, recuperando aos poucos o poder de compra controlado no começo; isso dará tempo da oferta se adaptar ao aumento da demanda, provocando menores surtos inflacionários.

A inflação de custos, quando não acompanhada de inflação de demanda enfraquece o crescimento da demanda agregada, o que criaria um cenário de geração de empregos com inflação sob controle. Como já visto na década de 70, a curva de Phillipps que apresentava um trade-off necessário  entre inflação e desemprego não é um bom modelo para apontar qualquer contratempo. Se pode haver estagflação (desemprego e inflação alta), pode haver também inflação baixa e pleno-emprego, e foi o que aconteceu na Alemanha do milagre econômico (1955-1960).

Uma vez que estas duas etapas tenham sido concluídas, pode-se então, passar à desvalorização gradual da taxa de câmbio (não entrarei em qual meio será o mais eficiente, se com algum tipo de imposto, constituição econômica, swaps ou controle de fluxo de capitais), que deve ser feita não de maneira oportunista mas como sinal de mercado de que estamos estabelecendo um novo pacto político-econômico duradouro, em que a moeda flutuará em termos mais próximos do exigido pelas indústrias de maneira estável com o mínimo de intervenções possível. A desvalorização cambial, nesse caso, não produzirá surtos inflacionários, garantindo o crescimento dos manufaturados e da participação da indústria brasileira no exterior. Atualmente o real já flutua numa faixa muito boa, de 3,20 e 3,40, bastaria o governo trabalhar para mantê-lo nesta faixa, sem apreciação, estabelecendo teto e piso entre 2,90 e 3,50; que seria um topo de emergência (2,90) caso necessário, e um valor base (3,50) de emergência e pró-indústria caso necessário também.

Efeitos positivos

Teríamos com isso, crescimento sustentável e de longo-prazo capaz, com isso, de reduzir o volume de endividamento público. Com menor dívida pública, sobraria mais recursos para investimentos públicos de maior necessidade como educação, saúde e estado social. Mais importante que isso, possibilitaria a descentralização administrativa do país, concedendo a estados e municípios maior autonomia política e econômica como exigido pelo princípio de subsidiariedade. Nada disso deve ser feito arbitrariamente, sem diálogo, a previsibilidade é elemento essencial da economia, e deve ser elemento primeiro para uma proposta de política industrial séria.

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