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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O que é Democracia Cristã?


O que é a democracia cristã? Essa é uma pergunta pequena para uma resposta longa. Cada vertente do pensamento democrata cristão se manifesta de uma maneira diferente, apesar de manter os princípios fundamentais. A DC Italiana, a DC francesa, a DC alemã e a DC latino-americana possuem características muito peculiares cada uma, e ainda assim conseguem se entender nos seus princípios basilares. Contudo, avançaremos nessa proposição. Primeiramente, para entender o conceito de democracia cristã, a primeira coisa que você deve eliminar da cabeça é a noção de que democracia-cristã é teocracia, como supõe a esquerda progressista ou social-democracia, como supõe a direita liberal. A democracia cristã ocupa no espectro político a posição de centro, e é ao meu ver, o melhor regime não apenas para países desiguais como nosso, mas para garantir a recuperação da moralidade e combater a perda dos valores cristãos do ocidente. Também se esqueça de figuras caricatas como Eymael, que por sua vez, está mais para conservador estatista do que para um democrata-cristão.
União Democrata-Cristã (Cristilich Domokratische Union)
União Democrata-Cristã (Cristilich Domokratische Union)
A democracia cristã é um movimento político cuja origem remonta a Europa do século XIX, especificamente em países como Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Áustria, e Suíça. Organizacionalmente, o movimento tem suas raízes principalmente na tradição católica (DSI – Doutrina Social da Igreja) ao lado de associações e sindicatos, inicialmente sem qualquer pretensão de formar um partido político. Em particular, durante o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial foi que surgiram enfim, os primeiros partidos democratas-cristãos, atraindo e integrando pessoas de várias camadas da sociedade, sendo ligadas umas as outras pelas suas tradições e valores. Em relação à Alemanha, a formação de uma união política composta por cristãos luteranos e católicos em associação com liberais e conservadores tradicionais, ofereceu suporte ao primeiro chanceler alemão da União Democrata-Cristã (CDU), Konrad Adenauer. Ele foi da maior importância para o duradouro sucesso da democracia cristã na Alemanha.
Por décadas os partidos democratas-cristãos têm ajudado a formar as políticas de inúmeros países europeus enquanto ajuda a promover um processo cada vez maior de integração econômica e política entre os países europeus.
Os fundamentos espirituais da democracia cristã tem sua origem na ética social-cristã das igrejas, na tradição liberal do iluminismo, e no cultivo de valores cívicos pautados na ideia de que a menor unidade da sociedade é a famíliaA democracia cristã vê o ser humano dentro de uma perspectiva ontológica e antropológica não apenas compatível com o cristianismo, mas baseada nele.
Assim, em tal crença, cada indivíduo é considerado único e deve ser tratado com dignidade. De acordo com a visão cristã da humanidade, o homem certamente não é um mero membro indistinto de uma classe social particular, tal como exposto pelo marxismo. Além disso, em contraste com as ideologias totalitárias, a idéia cristã de humanidade não se esforça para formar um "novo homem", mas aceita cada pessoa como ele é, incluindo todas as suas virtudes, fraquezas e limitações. Cada ser humano é único e deve ser entendido e defendido como tal. A crença na dignidade inviolável do indivíduo não deve levar a pensar que o homem é apenas uma unidade atomística e insociável. Pelo contrário, a visão cristã da humanidade ressalta dupla natureza do homem: O homem é ao mesmo tempo, um indivíduo com direitos inalienáveis ​​e um ser social que só pode realizar seu potencial através da convivência com outras pessoas. O direito do indivíduo a participar ativamente, de forma igual e com responsabilidade na política e na sociedade é derivada da compreensão da Democracia Cristã da dupla natureza do homem. Eis esta a razão de porque a família, primeiro núcleo social é o fundamento sob o qual a democracia cristã se levanta, em contraste ao liberalismo clássico que enfatiza única e exclusivamente o indivíduo e em contraste ao socialismo que enfatiza unidades abstratas superiores como a classe, a nação ou a raça.
Partindo da crença na dignidade e liberdade de cada um, juntamente com a compreensão do homem como um ser ativo, consciente, responsável e equipado com o poder de discernimento, a democracia cristã postula as seguintes crenças políticas e objetivos fundamentais:
  1. O reconhecimento da democracia-liberal e constitucional como o único sistema político em que os valores fundamentais da democracia cristã podem ser realizados. No debate com os socialdemocratas na virada do século e em especial com os comunistas, a democracia cristã sempre se opôs com convicção de que a melhora da qualidade de vida tem de ser conseguida através de melhorias graduais de desenvolvimento por meios constitucionais que respeitem as liberdades individuais em vez de levantes revolucionários.
  2. O direito legal de lutar livremente pela a auto-realização política e econômica, além da felicidade pessoal, mas sempre agindo com responsabilidade em relação a si mesmo e aos outros. Aí encontram-se ideias fundamentais do liberalismo, do estado de direito e da ética social cristã.
  3. A aceitação da responsabilidade e da vontade de compartilhar a responsabilidade, o princípio da descentralização política e da responsabilidade pessoal como superior ao paternalismo centralizado e autoritário. É aí que reside o princípio da subsidiariedade.
  4. A solidariedade com os mais fracos, como expressão do mandamento da caridade e da razão política. É aí que reside o objetivo de caridade da ética social cristã, incluindo o mandamento de responsabilidade e de ajuda para com os pobres e necessitados, nesse sentido a democracia cristã se aproxima  da social-democracia.² 
Estas orientações políticas e objetivos fundamentais continuam até hoje intactos. Partidos democratas-cristãos contemporâneos continuam a associar as ideias liberais com os valores conservadores e com a ética social cristã. Estes valores fundamentais são a liberdade, a justiça e a solidariedade e são aplicados tanto para o processo político e econômico, bem como para a vida social.
Na esfera da política, a liberdade só é realizável através de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e inalienáveis ​​(direitos fundamentais e liberdades positivas), por exemplo, a liberdade de religião, a liberdade de opinião, a liberdade de reunião, da liberdade de imprensa, a liberdade de associação, bem como o direito ativo e passivo de voto. (Voto facultativo). Na área econômica, a liberdade encontra expressão através do direito de propriedade, o direito ao livre desenvolvimento e expressão da personalidade, a liberdade de trabalhar, e a livre circulação de pessoas. No entanto, como as liberdades individuais não devem prejudicar a liberdade dos outros, elas são limitadas por restrições legais (direitos fundamentais e das liberdades negativas).
Restrições legais são colocadas para impedir a restrição das liberdades de cada indivíduo e de seus outros direitos fundamentais por terceiros, incluindo, por exemplo, a dignidade humana ou o direito à livre expressão e desenvolvimento da personalidade. Esta definição de liberdade é derivada do pensamento liberal e está em conformidade com os fundamentos do Estado constitucional liberal. Além disso, essa definição de liberdade explica por que os partidos democratas-cristãos são defensores de um sistema econômico orientado para o mercado e simultaneamente dedicado à justiça social
A Democracia Cristã verifica que o princípio fundamental da igualdade está enraizado na igualdade de todos os homens diante de Deus, e através de sua dignidade dada por Deus e na sua igualdade perante a lei. No contexto do Estado constitucional liberal, a igualdade garante "justiça igual para todos" e garante que ninguém será julgado favorável ou desfavoravelmente por causa de sua crença religiosa, étnica, de origem ou qualquer outra característica socioeconômica ou humana.
Na esfera econômica e social, as definições democratas-cristãs de igualdade estão em claro, amplo e absoluto CONTRASTE com outras ideologias políticas, como o socialismo, o comunismo e também os movimentos políticos alternativos associados com a socialdemocracia. O objetivo principal das noções democratas-cristãs de igualdade não é a redistribuição radical da propriedade e da renda, com o objetivo de erradicar a desigualdade social. Em vez disso, a Democracia Cristã defende a justiça distributiva, produzindo a igualdade de oportunidades de conseguir mobilidade social ao invés de uniformidade social. Assim, deve ser dada a cada pessoa, a oportunidade de se desenvolver da forma que melhor se adapte seus desejos e habilidades pessoais.
A Democracia Cristã defende tanto, uma estrutura político ejurídica democrática - o Estado constitucional liberal - e um conceito socioeconômico de economia social de mercado pautado no Ordoliberalismo da Escola de Freiburg como a mais viável para atingir esses objetivos. Além disso, a Democracia Cristã prevê opções alternativas para escolaridade, formação profissional e política das famílias a serem tomadas pelos indivíduos de acordo com as suas ambições pessoais e habilidades.
Economia social de mercado é o modelo econômico e sociopolítico da Democracia Cristã.
Este conceito une os valores fundamentais da liberdade e da igualdade. A economia social de mercado foi desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial por economistas como Wilhelm Röpke, Walter Eucken, Alexander Rüstow e Alfred Müller-Armack (que mais tarde tornou-se presidente da Konrad-Adenauer-Stiftung), juntamente com o especialista em direito Franz Böhm. O modelo foi implementado pelo então Ministro Federal da Economia Ludwig Erhard, que passou a se tornar Chanceler da Alemanha e líder da CDU.
Walter Eucken - Ao lado de Wilhelm Röpke, Alexander Rüstow, Ludwig Erhard e Franz Böhm foram os intelectuais responsáveis pelo renascimento da Alemanha pós-guerra.
Walter Eucken - Ao lado de Wilhelm Röpke, Alexander Rüstow, Ludwig Erhard e Franz Böhm foram os intelectuais responsáveis pelo renascimento da Alemanha pós-guerra.
O papel central do conceito de liberdade no pensamento democrata-cristão leva ao seu claro compromisso com uma economia de mercado baseada na propriedade privada, atividades empreendedoras livres e na competição. É certo que, no entanto, nem sempre é possível atingir o objetivo principal de uma economia de mercado, ou seja, o fornecimento ideal da sociedade com bens e serviços, através das instituições de um mercado livre e não regulamentada. Além disso, um mercado livre e desregulado pode às vezes até causar efeitos indesejáveis, tais como crises econômicas e desemprego. Para combater essas possibilidades negativas decorrentes de um mercado livre e não regulamentado, o conceito de economia social de mercado prevê o estabelecimento de um quadro legal por parte do Estado, a fim de orientar as atividades de mercado. Mas acalme-se; não se trata de keynesianismo barato. Tais regras são simples e não intervêm na livre formação dos preços ou na propriedade das pessoas, são apenas alguns tipos de regulação para proteger a livre concorrência, por exemplo, proteger a liberdade de comércio e de contrato, exercer controle sobre os monopólios, ou através da introdução de legislação anti-trust, proteger e promover a pequena propriedade privada, o segundo objetivo da economia social de mercado é a criação de condições de trabalho humanas.
Este objetivo encontra expressão na proibição do trabalho infantil forçado, a regulamentação do horário de trabalho semanal, ou regulamentos diferentes (dependendo do estado federal) sobre a proteção contra violações de direitos humanos nas relações de trabalho. Além disso, o reconhecimento da liberdade de associação e o direito dos sindicatos a participarem de negociações coletivas livres estão firmemente ancoradas no conceito ordoliberal da economia social de mercado.
O princípio da solidariedade é antes de tudo um aspecto do comportamento humano que surge a partir da ideia de uma humanidade e um altruísmo em comum. A ideia de solidariedade obriga o forte de se levantar para os fracos. Solidariedade vem jogar uma economia social de mercado em situações em que os indivíduos são temporariamente impedidos de participar da força de trabalho. Isto pode se aplicar, em particular, para aqueles que estão doentes, mulheres grávidas, os idosos e até mesmo os desempregados. Para fazer jus às suas responsabilidades sociopolíticas - e ao mesmo tempo conhecer outras responsabilidades do Estado, incluindo a garantia da segurança interna e externa, a oferta de educação de qualidade sem, entretanto, tirar a liberdade de escolha das famílias, e o desenvolvimento de infraestrutura - o estado impõe impostos apenas moderados sobre seus cidadãos, juntamente com outros tipos contribuições sociais que dependem do salário do indivíduo ou outras fontes de renda. Através destas contribuições, organizadas de maneira simples e desburocratizada os contribuintes e empregados ganham o direito de apoio do Estado em tempos de necessidade. Esta pode ser uma medida temporária, por exemplo, no caso de doença, gravidez ou desemprego, ou, como no caso das pensões para pessoas inválidas, assumir a forma de apoio permanente. O princípio também se aplica oferecendo por tempo limitado auxílios financeiros a pessoas em situação de extrema-pobreza, sem entretanto deixar que estas medidas se tornem populistas por ser indeterminado no prazo; tais medidas são sempre aliadas a projetos educacionais e de saúde como vouchers e outras medidas que a longo prazo, permitirão tirar estas famílias da situação de extrema-miséria.³ Nesse sentido, a Democracia Cristã apoia instituições de Welfare ainda que moderados e subsidiários.
A política econômica e social da Democracia Cristã apoia o papel de habilitação do estado e ainda rejeita firmemente a sua onipotência. Ele é guiado pelo seguinte princípio: o máximo de envolvimento do Estado é apenas o necessário para garantir a liberdade das pessoas (por exemplo, na forma de criação de um quadro político para assegurar o bom funcionamento da economia de mercado) E ainda a intervenção do Estado deve ser a necessária para garantir que alguém com muito poder no mercado tire a liberdade dos outros. O que pode ser resumido como "In dubio, pro libertate". Em contraste com os modelos sociais e políticos socialistas ou socialdemocratas, as sociedades democratas-cristãs tendem a delegar várias tarefas públicas para instituições menores que são independentes do Estado. Esta abordagem está em conformidade com o princípio da subsidiariedade em que o estado delega determinadas tarefas aos indivíduos ou às unidades menores, desde que eles sejam capazes de realizar com sucesso essas tarefas. Enquanto a Democracia Cristã compartilha um vínculo especial com as igrejas cristãs, seria incorreto descrevê-la como extensão política deste último. A Democracia Cristã defende fortemente a separação entre Igreja e Estado, como pode ser vista na tradição luterana, embora a Democracia Cristã e as igrejas cristãs compartilhem muitos valores em comum.
Estes valores compartilhados incluem o compromisso com a proteção da dignidade da pessoa humana, o respeito à liberdade e à responsabilidade, a proteção do nascituro, a preservação da criação e do estatuto especial da família tradicional, como a menor unidade social.
A Democracia Cristã valoriza o papel das igrejas cristãs na orientação moral e promover dever cívico e do bem comum. E apesar de seu respeito por outras religiões, a Democracia Cristã defende a preservação de símbolos cristãos e feriados cristãos, pois são deles (cristãos) e não os de outras religiões o fundamento mais sólido da sociedade ocidental. São conservadores voluntaristas, acreditam que a moral não deve ser imposta a base da canetada e da "garruchada" da lei estatal, mas sim aceita de livre e espontânea vontade, como reconhecimento da superioridade moral da tradição em desfavor dos progressismos irresponsáveis.
Aí você pergunta:
- Ok, Arthur; mas existe algum partido democrata cristão no país?
Sim, em teoria há. Embora não curta muito o modus operandi dele por ser extremamente proibicionista, mas o PSC é a maior sigla representante deste pensamento no país. Entretanto de isto se dá apenas no plano ideológico, na prática, parte do partido segue o conservadorismo de estado grande e o fisiologismo, e outra parte é liberal-conservadora defendendo um estado muito pequeno e alheio aos dramas sociais do país. Seu candidato à presidência em 2014 foi Everaldo Pereira, que tem propostas liberais e conservadoras para a economia e para a sociedade. Foi orientado pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro, o que fez com que o partido se afastasse da plataforma democrática cristã em favor de uma liberal-conservadora de moldes Thatcheristas. Nesse sentido, pode-se dizer que não há um partido que erga os símbolos da DC na política brasileira de maneira séria. Por outro lado, há um em formação, a UDCdoB, grupo a que este escritor presta apoio.
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Referências
² KONRAD ADENAUER-STIFTUNG. Christian Democracy: principles and policy-making. Saint Augustin. Berlim, 2011.
³ RESICO, Marcelo F. Introdução a Economia Social de Mercado – Ordoliberalismo. Fundação Konrad Adenauer. Rio de Janeiro, 2012.

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