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domingo, 20 de dezembro de 2020

O Discurso do "Tudo muda"


O presente artigo de autoria de Augusto Pola Júnior, faz parte os arquivos do Instituto Shibumi, e fora publicado site do grupo em meados de 2013.

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Se há uma retórica estranha presente nas discussões atuais é o discurso de que tudo muda. Em qualquer tema de cunho social ou político, a tentativa de argumentação em cima do “tudo muda” provavelmente estará presente, seja de forma direta ou indireta. Tudo muda, logo não há problema em assassinar vidas inocentes nos ventres maternos. Tudo muda, logo tem que ser aprovado o casamento gay. Tudo muda, logo tem que censurar as manifestações religiosas em vias públicas. Enfim, tudo muda, então [insira qualquer coisa aqui].

Este tipo de retórica é falaciosa. A premissa do argumento permite que qualquer absurdo possa ser justificado. Não é um argumento, mas um sofisma. É o que se pode chamar de falácia non sequitur (“não se segue”), sentenças onde não há conexão entre a premissa inicial e a conclusão. A malandragem está em confundir condições suficientes com condições necessárias. Se houve determinada mudança (ex: abolição da escravatura), isso não significa que é necessário aceitar a descriminalização do aborto.

O contexto dessas falácias frequentemente está presente nas polêmicas contra a Igreja. Dizem os críticos que “a Igreja tem que se adaptar aos tempos modernos”, então tem que apoiar o casamento gay, aprovar o aborto, sexo antes do casamento, enfim, qualquer item anticristão e agradável a agenda que se autodenomina “progressista” (que na verdade é regressista). Note que o discurso do “tudo muda” está presente neste tipo de crítica e disfarçado em meias-verdades. De fato, a Igreja tem que se adaptar aos tempos modernos – ninguém melhor do que uma instituição com mais de 2000 anos de história para saber isso – mas sem abrir mãos das verdades ensinadas por Jesus Cristo. A Igreja possui verdades imutáveis, reveladas por Deus.

O que está por trás deste tipo de discurso “progressista” (que de progresso só carrega o paganismo) é o perigo do que o Papa emérito Bento XVI nos alertava e que já foi relembrado pelo atual Papa Francisco: a ditadura do relativismo. Cada vez mais o relativismo tenta se moldar como o norte do pensamento da sociedade pós-moderna. Conforme explica Stanley J. Grenz em seu livro “Pósmodernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo”, o pós-modernismo é marcado por uma organização paradoxal do qual as pessoas estão globalizadas, decorrente do que se pode chamar de ‘era da informação’, e divididas, segundo interesses ou gostos, em diferentes tribos. A característica marcante destas tribos é que cada uma tem as suas verdades, ou seja, o critério da verdade passa a ser o que é mais bem aceito a cada grupo. Pode-se trocar de verdade como se troca de roupa.

A leitura de Grenz convergente com uma estratégia política arquitetada por Antônico Gramsci. Temos no teórico comunista um plano de obtenção de poder a ser precedido pelo domínio da hegemonia. Esta seria obtida de forma lenta e gradual pela ação de intelectuais orgânicos que, atuando nas mais diferentes áreas da sociedade, principalmente na cultura, trabalhariam para a mudança “senso comum”, moldando um poder invisível. O gramscismo não está preocupado com noção de verdade ou mentira, com o certo ou errado. O critério de escolha é o que é bom ou ruim ao detentor do poder. Muitos gostam de chamar esta forma de atuação de hipocrisia do governo, mas, na realidade, é apenas um eufemismo que camufla um perverso projeto de poder.

O discurso “tudo muda”, portanto, não se trata apenas uma falha lógica, mas é sintoma de uma sociedade rumo à aceitação de qualquer idéia, mesmo que contraditórias entre si. A falta de sentido tenta esconder um projeto de poder cuja intenção é revogar a percepção da realidade.

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