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sábado, 14 de março de 2015

Os males da moeda fraca e da desvalorização cambial.



Ano após ano, ouvimos os mesmos velhos clamores dirigistas do nacional-desenvolvimentismo de que o Real está muito valorizado, de que devemos desvalorizar a moeda, principalmente no que diz respeito a estimular exportações e ajustar a balança comercial. Para estas pessoas a inflação não é um problema desde que não se torne uma hiperinflação. Este raciocínio é a mentalidade mais “anti-pobre” que existe. É claro que não devemos fazer um câmbio 1 real – 1 dólar artificialmente, mas cuidar de manter a moeda num bom patamar de valorização, com oscilações mínimas ditadas pelo mercado. Esta foi e tem sido uma estratégia fundamental para o desenvolvimento de uma nação, o Brasil, por exemplo, com o câmbio flutuante deu um passo fundamental para a solidez monetária inaugurada no Plano Real. Não adianta nada derrubar o valor do Real para R$ 3,00 para 1 dólar, se o estímulo momentâneo a exportação será feito ás custas do empobrecimento da população. Este é ainda um pensamento calcado naquela velha noção, caduca e nacionalista, de “autossuficiência”.

Apesar de alguns austríacos serem radicais, as análises feitas por Leandro Roque e Sidney Silvestre são excelentes. Primeiramente, não é necessária uma desvalorização cambial para estimular as exportações, basta garantir estabilidade monetária, ortodoxia fiscal e uma política de estímulo ao investimento ao invés do consumo, que naturalmente a economia começará a fazer as exportações tão amadas pelos cepalistas que, em nome de Keynes, fazem aberrações que Keynes jamais aprovaria. Prova disso é o gráfico que Roque no vídeo acima "linkado" mostra a partir dos trinta minutos, o aumento das exportações coincidiu com a valorização da moeda, e não da desvalorização da mesma.

Este exemplo em nosso país não é o único, ele funcionou em vários lugares em que a estabilidade da moeda foi a chave-mestra do processo econômico. Em 1937 a moeda alemã era o Reichsmark, o cambio havia sido deteriorado pelos nazistas como parte de sua política de autossuficiência (aumento das exportações e redução das importações), e também havia aumentado a impressão de papel-moeda para financiar sua máquina de guerra. Apenas 10 anos depois do início desse período, a economia alemã estava destruída. Não apenas pela guerra, mas por sua própria política irresponsável; o Reichsmark estava tão desvalorizado que ele já não podia comprar o próprio papel em que era impresso. As pessoas naturalmente preferiam o escambo e as senhas de racionamento ao uso daquela moeda esvaziada de valor e significado, inclusive, essa situação escabrosa chegou a ser defendida pelo SPD[2]. Em 1949 assume o comando da Alemanha o democrata cristão Konrad Adenauer, seu primeiro gabinete cuidou de fazer uma reforma monetária, substituindo o Reichsmark pelo Deutschemark, o marco alemão. O Plano Marshall deu um grande impulso a essa reforma, por que parte das doações americanas aumentaram as reservas cambiais da Alemanha em moeda externa, enquanto outra parte destinou-se a reparação dos danos a Guerra. Após o sucesso da reforma monetária que derrotou a hiperinflação, houve um pequeno surto inflacionário[3], mas que fora preocupante o bastante para colocar em cheque o sucesso da reforma monetária, por exemplo, o custo de vida subiu 68% em relação a 1938, época do nazismo que tinha os resultados econômicos do seu dirigismo ainda no seu auge, entre junho e dezembro de 1948, houve um aumento geral no nível de preços na faixa de 12%, susto similar voltaria a ocorrer com a guerra da Coréia, que criou um pânico econômico em 1951[4] que ajudou a impulsionar uma situação inflacionária que embora, bem menos grave que a hiperinflação antecedente, era bastante incômoda e que fora utilizada várias vezes pelo SPD para pedir a cabeça do ministro Erhard; a prova da vitória definitiva de Erhard sobre a política anti-pobre dos keynesianos ainda esperaria pelo menos 3 anos para ficar clara e evidente como o sol. Porém, ainda em 1950, antes da Guerra da Coréia criar um pânico no mercado, os preços começaram a cair evidentemente, como o próprio ministro Erhard (p.28) nos conta:
"O otimismo a princípio ridicularizado provou, todavia, ser um realismo justo: no primeiro semestre de 1950, o nível geral de preços no comércio a varejo estava cerca de 10,6% abaixo do primeiro semestre de 1949. A Alemanha era assim excluída do número daqueles estados que pareciam ter ser conformado com uma política de preços aumentando continuamente."
Mesmo se tomarmos a crise da Coréia como pontos de referência de um pequeno surto inflacionário, ainda perceberemos que a Alemanha teve resultados muito superiores aos da Suécia e da Noruega e sua social democracia, e também aos apresentados pela Grã-Bretanha liderada pelos conservadores.
Entre 1950 e 1952 o custo de vida na Alemanha subiu 10%, ao passo que na Noruega subiu 26%, na Suécia 25% e na Grã-Bretanha 19%; esta diferença se viria a fazer ainda muito mais notória em 1961, que, se comparado a 1950, registra um aumento no custo de vida na Alemanha de 24% enquanto Noruega registra um aumento de incríveis 63%, Suécia 60% e Grã-Bretanha de 54%... Ou seja, a Alemanha encareceu em 11 anos um valor inferior ao que as Sociais-Democracias encareceram em apenas DOIS anos[5]! Esta é uma vitória fundamental de Erhard e do ordoliberalismo sobre a economia keynesiana e myrdalliana. Mesmo o gabinete de Churchill, um conservador, não obteve resultados similares. Em 1950[6], a Alemanha exportava 697 milhões de marcos alemães, em 1952, já exportava quase 1 bilhão e meio! E para maior espanto, em 1961 as exportações chegariam a incríveis 4,2 bilhões de marcos! Tudo isso foi feito assegurando a estabilidade da moeda, para a tristeza dos nacionais-desenvolvimentistas.

Política anti-pobre ou pró-pobreza?

Não há contradição entre os dois termos, uma política que aumente a pobreza é sempre uma política anti-pobre, pois são estes que mais sofrem e pagam caro por produtos que os ricos - embora igualmente insatisfeitos - também compram, contudo, os últimos têm uma reserva de capital mais forte aos impactos da inflação. Para exemplificar, vamos falar sobre um caso emblemático de nação rica que foi devorada pela inflação... Não, não é o Brasil, mas sim os "hermanos", a Argentina.
Em 1913, a Argentina era um dos dez países mais ricos do mundo. Com exceção da anglofonia, o PIB da argentina era inferior apenas aos de Suíça, Bélgica, Países Baixos e Dinamarca, deixando para trás - e muito para trás! - todos os demais vizinhos latino-americanos. Entre 1870 e 1913, a economia Argentina cresceu mais rápido do que a dos próprios Estados Unidos da América e Alemanha! O país era um mercado tão aberto que tinha tanto capital estrangeiro investido nele quanto o Canadá. Segundo o Historiador Niall Ferguson (2008, p.105), a Argentina era a segunda nação mais rica do “novo mundo” e poderia se declarar os “Estados Unidos da América do Sul”. Se era assim, então, o que aconteceu?

Inflação.

Segundo Ferguson, quando Perón assumiu, ele induziu uma industrialização forçada baseada no aumento do endividamento público e, logicamente, dos gastos, que foram utilizados para subsidiar empresas argentinas. Perón também se valeu da desvalorização da moeda para incentivar a exportação. Isso gerou um enorme êxodo rural para as cidades em busca de empregos industriais que estavam remunerando melhor que os do setor primário. A inflação estratégica começou a sair do controle quando se percebeu que o aumento da força de trabalho urbana/industrial se deu à custa do encurtamento da força de trabalho do setor primário, e como consequência disto, da redução da produção, o que encareceu ainda mais o custo de vida e aumentaram os preços dos produtos de necessidade básica. Os preços começaram aqui a subir acima do planejado. O golpe que destituiu Perón tentou recuperar a economia, mas ao invés disso conseguiu piorá-la, a medida adotada foi mais do mesmo veneno, desvalorizar ainda mais a moeda.
A Argentina passou entre os anos de 1959 e 1988 com o mesmo PIB per capita![7] A inflação subiu de 2% para dos dois dígitos com Perón, e para três dígitos em seu retorno ao poder, quando a mesma atingiu mais de 400%[8] e por fim, a quatro dígitos em 1990, onde acumulou 5.000%!

A "Carmem Miranda inflacionista".

O processo pelo qual a hiperinflação brasileira chegou a um patamar de 2568% ao ano[9] foi semelhante: tudo começou com Getúlio Vargas e depois Juscelino Kubistschek – não é por acaso que as moedas trocaram inclusive o material de cunhagem, adotando-se um mais leve e barato, o objetivo foi, provavelmente facilitar a desvalorização do Câmbio e facilitar a emissão da mesma.

Jango, por sua vez, foi igualmente incompetente no combate a inflação; a inflação disparou, só vindo a ser amenizada (não combatida) com o golpe de 64 e o Regime Militar. Segundo o historiador Marco Antonio Villa em “Ditadura à Brasileira”, isto se deveu a dupla Roberto Campos e Otávio Bulhões durante a administração de Castelo Branco, que logo foi substituída pela de Antonio Delfim Netto no governo Costa e Silva. Governo este que viria a aumentar o déficit público e a favorecer a torragem de um dinheiro que não existia, e através de incessantes empréstimos aos fundos internacionais[10][11]gerando o "monstro inflacionário com bananas na cabeça" que tivemos depois, nos governos de José Sarney e Fernando Collor.

Em países como Brasil e Argentina, onde existe uma tradição de inflação descontrolada, não é uma boa ideia fazer desvalorizações cambiais para estimular exportações ou para poder gastar mais e mais. A estabilidade monetária é, e sempre será o pilar de uma economia sólida e desenvolvida, política macroeconômica voltada para o aumento do consumo apenas cria inflação e desperdício de recursos, seus resultados positivos são sempre de curto prazo, e não duram mais do que um ou dois anos antes de vir a conta amarga de se pagar. É o que o governo Dilma nos ensinou e fez em seus primeiros quatro anos ao lado do inútil Guido Mantega. Mas, felizmente, temos a história da economia ao nosso lado, para lembrar aos gastadores e inflacionistas que crescimento econômico demanda confiança no principal item da economia capitalista, a moeda.

Da Europa à América Latina... Da América Latina de volta a Europa.

A desvalorização cambial faz com que os cepalistas tenha vastas crises de orgasmos múltiplos, haja vista a tão falada "curva em J". Num primeiro momento a economia sofre um baque com a desvalorização, mas na sequência há um "crescendo" enorme que encantam os "hiper-mega-ultra-keynesianos mais keynesianos que Keynes". A desvalorização da moeda não é uma ação virtuosa como fazem crer alguns, Ela costuma criar outros problemas além de inflação. vejamos alguns:

Michel Albert (1992, p.164), o ordoliberal francês, comparando os malefícios da desvalorização cambial na França com o sucesso da Alemanha e da Holanda, donas a época de uma moeda forte, nos mostra que muitas vezes a desvalorização do câmbio cria espaço para a inflação de custos no mercado exportador, pois a desvalorização é uma bomba atômica jogada para resolver problemas localizados, ela rebaixa todos os preços pra exportação, com isso afeta setores muitas vezes indesejados, criando margem para que, uma vez que os preços tenham sido rebaixados numa mesma escala para setores com custos totalmente diferentes, os empresários de alguns destes setores exportadores possam aumentar seus preços numa margem ligeiramente inferior ao da desvalorização a fim de maximizar lucros. Com isso, a desvalorização vê seus efeitos drasticamente reduzidos ou até mesmo cancelados.

Se esse quadro é apenas frustrante, um segundo pode representar um enorme risco à economia nacional, a inflação de importação, onde os preços dos produtos sobem por causa de alguns insumos fundamentais da economia que muitas vezes são trazidos de fora. A título de exemplo, podemos imaginar o que aconteceria numa desvalorização cambial quando um país precisa comprar energia e petróleo de outro. Os aumentos no nível geral de preços seriam enormes, fazendo com que os preços voltassem a subir e que outra desvalorização fosse necessária. No fim, estaríamos num círculo vicioso de desvalorizações monetárias. Foi o que tivemos em grande parte da América Latina, e na França em 1985.

Por outro lado, a moeda forte tem muitas vantagens a longo prazo, que exigem paciência e trabalho duro para serem alcançados, vamos ver algumas delas:

Moeda forte obriga as empresas a serem produtivas. O Japão do fim da década de 80 evidencia isto, a Nissan chegou a registrar um aumento de produtividade de 10% devido a sobrevalorização do Iene. 
A moeda valorizada estimula que as empresas invistam e se especializem em produtos tecnologicamente mais desenvolvidos e de grande valor agregado, pois, como demonstrado na microeconomia, preços altos estimulam o lado da oferta que tentará sempre empurrar o seu produto que lhe ofereça a maior margem de lucro. Produtos de alta tecnologia e de alta qualidade são estimulados, pois a inovação tecnológica é capaz de torná-los altamente comerciais.

Com tantos benefícios, fica difícil defender o inflacionismo dirigista baseado na falaciosa curva de Phillips, já desmascarada na década 70. Porém, a moeda forte no curto prazo impõe certas limitações que são de fato incômodas, mas o prêmio ao final é sempre superior. É necessário também que o Estado tenha uma política industrial clara, voltada ara ciência e tecnologia. Essa política deve incentivar a industria nacional por meio de desonerações no caso das grandes empresas e até mesmo de alguns subsídios no caso da médias empresas. O trabalho coordenado entre o Estado e a iniciativa privada é o único capaz de proporcionar o desenvolvimento econômico do país. É óbvio que isto também envolve flexibilização das leis trabalhistas brasileiras, que são baseadas na falácia socialista de oposição entre capital e trabalho e também em investimentos maciços em educação técnica e profissionalizante. Esse é o caminho das pedras e não o escolhido por Dilma Rousseff e seus falsos magos da economia.

REFERÊNCIAS:

ALBERT, Michel. Capitalismo versus capitalismo. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

ERHARD, Ludwig. Bem-Estar para todos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1964.

FERGUSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro – A história financeira do mundo. São Paulo: Planeta, 2008.

GRIECO, Francisco de Assis. A Supremacia Americana e a ALCA. Rio de Janeiro: Bibliotheca do Exército, 2003.

OTAVIO, Chico. Tribuna do Norte: JK: Inflação, o custo da festa. Disponível em <http://tribunadonorte.com.br/noticia/jk-inflacao-o-custo-da-festa/1174> acessado em 23/11/2014.

ROQUE, Leandro. O que houve com a economia brasileira?. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R5fvo7yBxJo> acessado em 23/11/2014.

SILVESTRE, Sidney. Instituto Mises Brasil: Desvalorização de Câmbio – Um péssimo negócio. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=597> Acessado em 23/11/2014.

VILLA, Marco Antonio. Ditadura a Brasileira: A democracia golpeada a esquerda e a direita. São Paulo: Leya, 2014.
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[2] Cf. ERHARD, 1964, p.92
[3] Ibid. p.26
[4] Ibid, p.60
[5] V. ERHARD, 1964, p.29
[6] Ibid, p.252
[7] Cf. FERGUSON, 2008, p.106.
[8] Ibid. p.107
[9] Cf. GRIECO, 2003, p.187
[10] Cf. KOTKIN, S; GROSS, J.T. Sociedade Incivil: 1989 e a queda do comunismo, São Paulo: Objetiva, 2013.
[11]Cf. FERGUSON, 2008, p.267

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