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domingo, 2 de agosto de 2015

A América Latina é parte do ocidente?


Se você vasculhar a internet perceberá que para muitos europeus e norte-americanos, a América Latina não seria parte do ocidente. Parece contrassenso? Afinal, estamos do outro lado do globo, junto aos países que se posicionam à oeste de Greenwich. Entretanto é forçoso lembrar, ocidente não se refere ao aspecto geográfico apenas.


Faculdade de Direito de São Paulo - Observe a arquitetura.

O termo "west", ou como dizemos aqui, ocidente, é bastante ambíguo e impreciso. “Ocidental” e “ocidente” parecem ter se tornado sinônimo de "protestantismo” e “liberalismo”, palavras cujo significado varia de acordo com onde, quando e por quem estão sendo ditas. A maioria das pessoas concordariam que o Canada, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a Europa Ocidental são partes do ocidente. Entretanto podem discordar em relação a Polônia, a Alemanha Oriental e outros lugares que estiveram debaixo da cortina de ferro. Por exemplo, até a queda do muro de Berlim estas localidades pertenciam ao Pacto de Varsóvia, bloco que fortaleceu as trocas econômicas, políticas e culturais com a Europa Oriental de tendência marxista-leninista. Mesmo com isto, a posição da América Latina como sendo ocidental ainda causa espanto no mundo anglófono. Samuel Huttington, no livro "The clash of civilizations" listou nosso humilde continente como uma coisa totalmente diferente e separada. Então, somos ocidentais? Ou não?
Minha opinião é que somos ocidentais, apesar dos nossos primos ricos não gostarem de nós, e achar que nós queimamos o filme deles. A América Latina é sim, ocidental. Dizer que brasileiros, chilenos, uruguaios, mexicanos e argentinos não são ocidentais soa aos meus ouvidos como dizer que tucanos não são aves. O que mais poderíamos ser?
A primeira objeção à tendência dos anglófonos em não nos considerar ocidentais é que não seríamos países industrializados... Quase Huttington! Mas você está meio atrasado em relação às "news". Na verdade o Brasil é considerado sim um país industrializado, recentemente, é verdade! Poderíamos vir a discutir os problemas sociais que temos, mas isto parece-me insuficiente por questões que veremos a seguir. Já temos em nosso continente, países como o Brasil e a Argentina, que possuem fábricas de automóveis, equipamentos eletrônicos, software e centros de pesquisa de bom nível! Outros países como o Chile estão nesse mesmo patamar, tendo inclusive data marcada para ingressar no hall dos países ricos segundo a OCDE. Mesmo assim, ao meu ver essa premissa não é válida. A industrialização não é um requisito exclusivo do ocidente. Rússia, China, Japão e Cingapura são quatro das nações mais industrializadas do mundo e não são ocidentais, isto sem mencionar a África do Sul que vem num processo acelerado de industrialização tendo inclusive entrado nos BRICs.
Outra razão para não incluir a América Latina no seleto clube dos "western countries" seria o fato de que a maioria dos habitantes dessa terra hostil não é branca. Isso obviamente exclui países de maioria branca como Argentina, Uruguai e Chile. Mesmo o Brasil possui uma população branca considerável. Porém, esse critério possui problemas. Analisemos: uma população de branquelos não deveria tornar um país ocidental, afinal a Rússia e o Cazaquistão são países de maioria branca e não são considerados ocidentais. Isto para não mencionar a "África branca" de maioria muçulmana. Outros poderiam dizer que a miscigenação dissolve os traços de ascendência Européia, e portanto, ocidental. Por esse quesito, os EUA e boa parte da Europa ocidental não poderiam ser considerados ocidentais, afinal o "multiculturalismo" aumentou muito a miscigenação nesses países. Nestes países, em especial na "América", os latinos e negros já representam boa parte da população e estão integrados culturalmente por meio de casamentos entre etnias diferentes.
Um outro argumento é que nossos países não seriam grandes entusiastas do liberalismo econômico. De fato, não são, mas nem todos os "western countries" são. A Escandinávia dos sociais democratas e a França do colbertismo histórico são famosos pelos seus estados intervencionistas e grandes. E ainda poderíamos apontar o Chile e o Uruguai como países com alto grau de liberdade econômica sendo considerados países liberais no sentido econômico. Apesar disso acho que é inadequado usar a economia como parâmetro, uma vez que Cingapura é liberal no aspecto econômico e não é ocidental. O liberalismo econômico é mais uma consequência do que um planejamento. O liberalismo é primeiramente, na história, uma reforma do Estado e de suas instituições antes de ser uma reforma econômica. Este processo pode ser rastreado desde a aurora do constitucionalismo, que data da Inglaterra do século XIII e a Magna Carta. E os países latinos tem ainda ao seu favor a ligação histórica e cultural direta com os povos europeus que já partilhavam do direito romano, do cristianismo e da filosofia grega muito antes de Japão e Cingapura copiá-los de nós. O Brasil, enquanto país nasceu liberal; por exemplo, a constituição de 1824, apesar de reservar um poder enorme ao Imperador garante no artigo 179, todos os direitos liberais e democráticos do cidadão, direitos estes forjados nas Revoluções Gloriosa e Francesa. E mesmo com os golpes de estado, o Brasil sofreu influência de outra ideologia forjada na Revolução Francesa, o positivismo, haja em vista a nossa bandeira, o lema que nos remete a Augusto Comte: "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.". Aliás, ditaduras e golpes não deveriam ser critérios para isso, uma vez que o ocidente produziu monstros como Hitler e Robespierre. Mesmo a república velha era liberal do ponto de vista político e econômico, isto, para não mencionar a monarquia, cujos imperadores brasileiro e mexicano são de famílias europeias. Ainda hoje, o Brasil e muitos países latino-americanos são países democráticos, temos exceções como Cuba e Venezuela, é verdade, mas ainda assim a maioria de nossos países tem um estado de direito e eleições.
Nós falamos majoritariamente idiomas europeus, como o português e o espanhol e em alguns países recém descolonizados, o holandês, o francês e o inglês. E ao contrário do continente africano, estes não são apenas mais um idioma dissolvido entre muitos dialetos, mas sim línguas faladas por 99,98% dos cidadãos destes países. As religiões majoritárias ainda são as cristãs, com larga vantagem para o catolicismo apesar do crescimento protestante, e não poderíamos ignorar as intensas imigrações europeias do fim do século XIX e início do século XX, ou ainda o número grande de judeus em nosso continente, afinal, para muitos, Israel é ocidental.

Assim sendo, não vejo razões para nos colocarem num pote separado dos demais. Somos ocidentais, mesmo que os nossos "brothers" anglófonos nos achem um bando de caipiras queimadores de filme. Nos aturem.

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