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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O Capitalismo de Estado e os seus limites

RESICO, Marcelo¹

Marcelo F. Resico - Professor da Pontificia Universidade Católica da Argentina e membro da Fundação Konrad Adenauer
O capitalismo de Estado é um sistema no qual o governo atua como ator econômico dominante e se utiliza dos mercados basicamente em benefício político. Para tanto, pode combinar o autoritarismo político com o controle estatal dos setores-chaves da economia. Os governos que praticam o “capitalismo de Estado” sabem, depois da experiência do comunismo soviético, que sustentar o crescimento econômico é essencial para manter o monopólio do poder político. A economia nesses países pode teoricamente conservar a propriedade privada e uma abertura pragmática do comercio exterior, mas o faz ao serviço do Estado e de seus líderes. O governo usa as companhias estatais ou controladas pelo Estado e outros atores sociais (sindicatos e movimentos sociais, como ocorre na América Latina), para alavancar suas políticas. No capitalismo de estado, o êxito dos negócios depende das relações próximas entre empresários e funcionários políticos. Ao mesmo tempo, a política de expansão das atividades e das atribuições de Estado provê mais oportunidades de acondicionar os atores econômicos e sociais.
Segundo analistas do fenômeno, o capitalismo de Estado tem três atores principais, as empresas estatais (petrolíferas e em outros setores relevantes), as corporações privadas nacionais aliadas, e os fundos financeiros públicos.[2]
As grandes empresas estatais costumam ter posição de monopólio em seus respectivos setores, gozam de condições mais vantajosas e contam com financiamento do Estado. O governo usa mesmo assim empresas privadas selecionadas, chamadas de “campeões nacionais”, para liderar setores-chaves da indústria[3].
As companhias estatais ou controladas pelo Estado costumam desfrutar de um papel dominante na economia doméstica e nos mercados de exportação. Os fundos financeiros públicos visam lograr um estreito controle dos projetos de investimento mais relevantes através do poder de financiamento de longo prazo do Estado. Este último, por sua vez, obtém o capital captando reservas de divisas acumuladas graças às exportações, apropriando-se dos rendimentos dos recursos naturais e dos rendimentos provenientes da operação das grandes empresas controladas. As motivações por trás das decisões de investimento são ao mesmo tempo políticas e econômicas. O governo controla a economia atuando como um capitalista (na acepção cunhada por Karl Marx), ou seja, apropriando-se de excedentes da economia privada para seu posterior investimento. A política de “apropriação de excedentes” requer um sistema produtivo capaz de gerar riquezas. Nessa concepção, a estratégia ótima não é a maximização dos retornos de curto prazo, e sim promover o máximo possível o sistema produtivo, de maneira consistente com a preservação da posição dominante no sistema.
As características culturais da América Latina fazem com que a nossa forma predominante de “capitalismo de estado” esteja colorida de um autoritarismo personalista ou carismático e de um clientelismo demagógico de um Estado que reparte recursos para ganhar eleições e angariar adeptos. Esta política está se afirmando em alguns países da região a partir da abundância de recursos naturais, atualmente beneficiados por ótimos preços internacionais. No entanto, este esquema dilapida valiosos recursos em investimentos de duvidosa racionalidade econômica e políticas sociais mal desenhadas, sem o menor interesse em motivar a auto-superação e independência das pessoas assistidas. Sua trajetória dependerá da manutenção das condições internacionais que o tornam possível (preços internacionais) e do nível de ineficiência e contradições que gera que e sejam percebidos de forma cabal pela população.
De um ponto de vista mais geral, o capitalismo de estado é um sistema que apresenta fortes limitações e que vão aumentando com o tempo. As decisões econômicas, tomadas por políticos e burocratas, agregam ineficiências, tornando as economias menos competitivas, menos eficientes e menos produtivas. Gastos administrativos mais elevados, a ineficiência e a crescente corrupção pública adicionam custos ao funcionamento dos mercados. A mescla de negócios com governo anula a concorrência, somado ao fato de que o capitalismo de estado assim como o modelo do - “mercado desregulado”- não acredita nas leis contra monopólios. As distorções da concorrência, como desequilíbrios, desajustes, “engarrafamentos”, etc., levam a una péssima alocação dos recursos, o que, no capitalismo de estado, geralmente implica novas intervenções, provocando um círculo vicioso.
As empresas que maximizam objetivos políticos não costumam ser inovadoras e produtivas, posto que os critérios políticos frequentemente obstruem a eficiência e as boas condições empresariais. Os investimentos que se fazem baseados em cálculos políticos não atendem os critérios econômicos, colocando em risco o crescimento das próprias empresas favorecidas. Além disso, os créditos estatais para reduzir riscos costumam ser canalizados para grandes empresas, sem chegar às pequenas. A corrupção é maior à medida que o Estado cresce, impulsionando a deterioração do funcionamento da própria administração pública, dos serviços públicos e da infraestrutura. Com o passar do tempo, os sistemas de capitalismo de estado sofrem erosão.[4]
Por outro lado, a politização das relações econômicas gera uma desarmonia dos interesses, que se manifesta em uma tensão constante e crescente. A apropriação do excedente expande a lógica da “soma zero”, pela qual um indivíduo ou grupo ganha às custas de outro, incentivando a escalada do conflito entre as partes. Assim, pode-se produzir uma tensão no interior da classe dominante, ou entre a classe dominante e o resto da sociedade.[5] Em última análise, o modelo, que contém contradições crescentes, torna-se inerentemente instável com o decorrer do tempo.

[1] O autor é doutor em Economia pela Pontifícia Universidade Católica da Argentina, consultor econômico e em Políticas Públicas; membro da Fundação Konrad Adenauer, escritor, autor do livro “Introdução a Economia Social de Mercado” abordando o Ordoliberalismo como opção para a América Latina.
[2] Adaptado de Ian Bremmer, (2008). “The Return of State Capitalism”, Survival, v. 50, nr. 3, jun/jul, p. 55–64.
[3] Grandes empresas privadas dependem do apadrinhamento do Estado em forma de restrições legais para eliminar a concorrência, o acesso diferenciado a contratos de governo, subsídios, financiamento de longo prazo de investimentos, etc
[4] Walter E. Grinder, John Hagel Iii, “Toward a Theory of State Capitalism: Ultimate Decision-Making and Class Structure”, Journal of Libertarian Studies, v.1. I. nr I, p. 59-79.
[5] Ibid.

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