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sábado, 1 de agosto de 2015

Por que o Brasil não se desenvolveu tanto quanto os EUA?



A pergunta do título é a pergunta que todos os dias, milhões de nossos compatriotas, sempre que veem um filme de Hollywood no cinema, sempre que veem notícias sobre economia nos jornais ou sempre que escutam novidades de algum amigo que visitou a terra do Tio Sam se fazem. 

Por que os Estados Unidos, que tinha tudo pra dar errado deram tão certo e o Brasil, não obstante todos os seus recursos naturais deu tão errado? Por que os americanos são tão ricos? São tão poderosos e influentes? Por que o inglês tornou-se uma língua universal, e não o português ou o espanhol? Por que a cultura americana se espalhou tão rapidamente e dominou tão facilmente todas as demais? Por que quando falamos em direita e esquerda não conseguimos pensar fora da caixa mágica das ideologias anglo-americanas? Tantos porquês e tão pouco espaço pra responder. Mas eu topo o desafio de tentar inciar uma resposta dentro das possibilidades.

É óbvio que este é um assunto complexo, daria para escrever um livro inteiro sobre isso; logo este artigo não pretende esgotar o assunto. Bem longe disso! Pretendo apenas oferecer algumas respostas que podem ajudar os nossos leitores a começar a entender o porquê de tanta diferença entre ambos os países. E para entendermos o porquê de o Brasil ser tão pobre quando em comparação com o vizinho do norte é preciso diagnosticar nossos problema hoje, e encontrar as raízes dele. De acordo com Niall Ferguson em "A Grande Degeneração", o estado ocidental moderno se ampara naquilo que ele nomeia como quatro "caixas pretas", que são: Democracia, Capitalismo, Estado de Direito e Sociedade Civil.

No Brasil, a Democracia é um construto frágil e desequilibrado. A The Economist possui um índice chamado Global Democracy Ranking, onde o nosso país ocupa a posição número 44, uma posição na média dos demais países latino americanos, mas abaixo da maiorias dos países europeus, do Canadá, do Japão e dos Estados Unidos. Estamos ainda atrás da Argentina, do Uruguai, do Panamá, da Costa Rica e do Chile. Isso é um bom sinal de alerta. Não se trata apenas do Cone Sul a nossa frente - o que seria compreensível - mas também de países da América Central que eram conhecidos até pouco tempo atrás como "Repúblicas Bananeiras".

Como se não bastasse esse péssimo sinal, temos ainda a evidência histórica de que: Desde a regência de Dom Pedro II, não temos uma democracia sólida. A república brasileira foi marcada por uma sucessão de golpes, fraudes, por um mar de populismo e demagogia, por hiperinflação e dívidas externas e internas astronômicas. A atual constituição federal promulgada em 1988, é a de mais longa vigência perdendo apenas para as de 1824 (Império do Brasil) e de 1891 (Estados Unidos do Brasil), com 27 anos de duração. Porém, tivemos várias outras, totalmente lamentáveis como a Polaca de 1937 e  a "Super polaca", nas palavras de Ulysses Guimarães, que foi a "constituição" de 1967 sob a vigência do regime militar. Hoje, para piorar, não temos uma real divisão partidária entre esquerda e direita, mas sim o evidente racha entre dois setores da esquerda. Um velho trabalhista com pitadas de comunismo e bolivarianismo, o Partido dos Trabalhadores - PT - e um meio liberal social e meio social democrata que é o PSDB. 

Em suma, os dois mais importantes partidos brasileiros e que resumem nossas eleições desde 1994 transformaram a democracia nacional numa eleição interna do Partido Trabalhista Britânico entre Old Labour e New Labour. A corrupção se espalha como uma praga por nossas instituições e os brasileiros tem cada vez menos confiança nas capacidades dela de suportar os intentos autoritários do partido governante. Nossos sistemas públicos de saúde e educação são um fracasso. Não é de se surpreender quando analisamos esse cenário e o confrontamos com a nota do índice. Mas por que o sistema político americano, ao contrário do nosso deu tão certo? Eles possuem a mesma constituição a mais de 200 anos!

Nosso capitalismo também não é bom. Entre 1822 e 1932, um período de 110 anos, nossa economia foi marcada pela quase completa omissão do Estado. O resultado foi que nos tornamos meros exportadores de commoditties, ao passo que nosso vizinho do norte é um grande exportador de capital e tecnologia... Além de commoditties. Por que eles deram tão certo e nós não? Precisamos de muito estado! - alguém respondeu. E esse alguém foi Getúlio Vargas. - Precisamos recuperar o tempo perdido! - Disse Getúlio. Em 1937 surge a Polaca e o Brasil se transforma num estado fascistóide com laivos de trabalhismo, uma espécie híbrida de nacionalismo e esquerdismo. Apesar de uma industrialização frágil, o modelo encantou os políticos de sua geração, como Juscelino Kubistschek. 

O resultado da jornada desenvolvimentista que se realizou entre a década de 30 e a de 50 foi devastador. Aumento da dívida externa e inflação galopante. Tivemos várias moedas desde o mil-réis todas morreram inflacionadas, e mesmo a direita que se opunha a esses políticos nãos e opunha a esse modelo de capitalismo. O resultado foi que em 1993 a inflação registou 3000%, e o Brasil, embora com um PIB gigantesco, ainda era um país pobre e com grau altíssimo de desigualdade social. Os 8 anos de governo do PSDB marcou a introdução do liberalismo social, a terceira via de Anthony Giddens e Tony Blair, houve com ela a modernização do Estado, o desenvolvimento de estruturas políticas modernas, a solidificação de nossas instituições, e por fim, a adoção - embora tímida é verdade - de princípios de uma economia social de mercado como, por exemplo, o tripé macroeconômico. O governo Lula, ao menos nos seus cinco primeiros anos deu continuidade a essa base, alterando-a apenas a nível de programas sociais. A partir da crise de 2008, começa a mudança para a "nova matriz econômica", baseada no social-desenvolvimentismo da UNICAMP. 

O resultado é o que vemos hoje, inflação, estagnação econômica e corrupção generalizada devastando as estruturas do Estado. Por que nosso capitalismo deu tão errado? Se nem o laissez faire ajudou, por que o estatismo também não? O nosso Estado de direito - a terceira caixa preta - é um reflexo perfeito das duas primeiras caixas pretas. Marcado pelo populismo, pelos golpes, pela corrupção e por ineficiência administrativa, o nosso Estado de Direito só teve algum vigor graças a alguns pontuais ajustes - muito limitados por sinal - ou ainda, manifestou alguma segurança graças a uma oligarquia ou, durante 6 décadas devido ainda a boa vontade de um soberano bondoso e esclarecido.

A quarta caixa preta é a sociedade civil, o sociólogo francês Alain Touraine sempre percebeu no Brasil um distanciamento entre o poder estabelecido e a sociedade, e nos últimos 100 anos, esse gap entre representantes e representados se tornou maior. Nos últimos dois anos a opinião pública inteira voltou-se para a política marcando uma diminuição tímida desse abismo, tendo como motor principal para essa redução as redes sociais. Entre 2013 e 2015 houveram nada mais que 3 grandes momentos de peso nas ruas. A "grande baderna" das "Jornadas de Junho" de 2013, marcando um momento de confusão e anomia popular, onde pautas de esquerda, de direita, liberais e anarquistas e misturavam sem qualquer conexão. Em 2015, por fim, dois protestos de direita contra o governo da presidente Dilma Rousseff marcados para a Avenida Paulista onde juntaram-se um milhão e duzentas mil pessoas. Seria essa manifestação um espasmo ou a recuperação tardia da sociedade civil brasileira marcada quase sempre por abstenção política, como por exemplo, no golpe republicano que destituiu a monarquia? Por que a maioria dos americanos têm um partido político e uma ideologia e nós, brasileiros, queremos que uma bomba caia em Brasília e extingua todos os partidos políticos numa tacada só?

Após diagnosticar esses problemas precisamos rastrear suas origens. Em "Civilização: Ocidente x Oriente", Niall Ferguson nos mostra que as 4 caixas pretas precisam de seis (06) aplicativos para funcionar adequadamente. Esses aplicativos são: A competição, a ciência, a propriedade, a medicina, o consumo e a ética do trabalho. Esses 6 "apps" são as bases das instituições políticas, esses apps foram decisivos para o crescimento dos Estados Unidos e do Canadá, e sua ausência ou deficiência atuaram em desfavor de toda a América Latina. Não abordaremos todos esses apps aqui em todos os seus detalhes nem em sequência, mas passaremos por cada um deles de forma sucinta. Mesmo o cepalista Celso Furtado, reconhece a importância da abordagem institucionalista em "Formação Econômica do Brasil", ao falar sobre a Inglaterra.
Com efeito, a Inglaterra, graças às transformações estruturais de sua agricultura e ao aperfeiçoamento de suas instituições políticas, foi o único país da Europa que seguiu sistematicamente, em todo o século que antecedeu a revolução industrial, uma política clarividente de fomento manufatureiro. (1979, p.82).
Para entendermos porque a competição foi tão importante para o desenvolvimento das quatro caixas pretas modernas, precisamos retornar a Idade Média. O período medieval foi marcado por uma enorme independência de poderes, o rei tinha um poder mais decorativo e simbólico do que um poder factual. Não apenas isso! Um rei absolutista nos moldes do quatrocentos, do quinhentos e do seicentos seria inimaginável e visto com escândalo pelos medievais nos séculos XIX, X e XI. O poder (em essência poder militar) era extremamente descentralizado, estando nas mãos de vários senhores feudais com autonomia quase absoluta dentro de suas propriedades, e que volta e meia guerreavam entre si. A situação era tal que Maquiavel, no seu clássico "O príncipe", chamou a atenção de que para um monarca seria mais difícil permanecer no poder quando estivesse cercado de poderosos barões, como foi no caso do rei João Sem Terra, em que lhe foi imposta a Carta Magna.

Mas não apenas havia competição entre os senhores feudais, os barões e toda a hierarquia da sociedade feudal, havia também competições internas não só nos feudos mas como também nos burgos nascentes. As Guildas, as corporações, os clubes e associações foram decisivos para a formação não apenas da sociedade ocidental moderna, mas para criar uma sociedade baseada no consenso que mais tarde os contratualistas chamariam de "contrato social". Essa competição era um traço marcante de toda a sociedade ocidental, com mais destaque para a Europa do Norte. Na península Ibérica a competição era mais nacional, de caráter étnico e religioso contra povos estrangeiros. Portugueses e Espanhóis viviam constantemente lutando contra invasões muçulmanas, o que de certa forma estimulou um sentimento de coesão nacional e fez com que Portugal e Espanha fossem os primeiros países a centralizar sua administração. Não que isso fosse ruim em si mesmo, pois esse sentimento estimulou as grandes navegações e a descoberta e colonização do Brasil. Entretanto isso tirou o caráter impessoal do capitalismo posterior.

Em "A Riqueza das Nações", Adam Smith chama a atenção de que "não é devido a caridade do açougueiro que esperamos nosso bife no jantar, mas sim do seu auto-interesse e de sua busca pelo lucro", embora não exatamente com essas palavras, mas com esse sentido definido. O capitalismo das nações liberais modernas tinha exatamente esse caráter impessoal, que nasceu da competição interna dos reinos do norte. Ao contrário, na Europa do sul, havia uma natureza menos competitiva e mais próxima do consenso social e do personalismo social, onde as relações econômicas muitas vezes eram mais pautadas num altruísmo social e num senso de dever cristão que acabou sendo relativizado. Isso pode ser evidenciado na forma como ocorreu a ocupação das terras nas colônias.

Ao passo que na América do Norte, a propriedade de terras acabou sendo conseguida através de contratos de servidão pessoais, e de tomada de posse de pequenas frações, na América Latina a distribuição das terras foram feitas do grande pro pequeno. Com a lei das sesmarias em 1375, Portugal terceirizava a colonização do Brasil a um grupo de aristocratas que chegavam ao país trazendo consigo um punhado de colonos a quem eles distribuiriam as terras e ordenariam a construção de cidades. Com isso, a proporção das terras seguiam a ordem hierárquica, ficando por fim uma elite aristocrática com uma enorme concentração de terras e os colonos com os minifúndios. Embora a democratização da propriedade privada seja um ideal católico previsto na DSI, ela acabou sendo melhor executada - ironicamente - por uma sociedade protestante. Da mesma forma que o Estado britânico se unificou mais ou menos voluntariamente através de um contrato social, assim foi também na América, onde as grandes unidades políticas, os Estados, formaram-se de uma união voluntaria que interligou grandes proprietários e os inúmeros pequenos proprietários. No Brasil, ao contrário, as capitanias hereditárias formaram-se através da doação de terras do rei a capitães-donatários que eram membros da aristocracia mercantil e amigos próximos da corte.

Com isso a cultura brasileira herdou dos portugueses esse caráter, ao menos inicial, de busca por consenso social e de proximidade familiar. O brasileiro tem esse espírito menos individualista e menos aventureiro e mais familiar. A própria estrutura e funcionamento dos negócios e das empresas no Brasil tinha um caráter holista e familiar. Talvez seja por isso que, como mostra Bruno Garschagen em "Pare de acreditar no governo.", que Dom Pedro II não gostasse do Barão de Mauá. Como consequência, durante o Império Brasileiro, apesar do laissez faire, procurava-se pouco o investimento de risco visando o longo prazo, como mostra Celso Furtado no seu magnum opus e tendia-se mais ao monopólio formado por grandes famílias que procuravam se entender através de casamentos e outros acordos de cunho não econômicos ao invés de competir como se pessoas jurídicas não fossem as mesmas pessoas físicas. Como mostram os historiadores Afonso de Alencastro e Douglas Libby (2004, 48) em seu livro "A Economia do Império Brasileiro".
Por outro lado, as características da economia do período não podem ser desvinculadas da própria organização da sociedade escravista, em que a lógica do lucro capitalista era perpassada por valores não econômicos. A forte hierarquização presente no comércio e na agricultura mercantil, setores que compunham a elite econômica do Império, fazia da prática do monopólio um caminho para ascensão na sociedade e para manutenção da posição ocupada na escala social.[...] Da mesma forma, os casamentos serviam de estratégia para garantir a perpetuação das fortunas e a solidez das empresas. Os casamentos endogâmicos entre famílias de negociantes proporcionavam coesão à comunidade mercantil.
Como resultado dessa mentalidade consensualista ou "mentalidade familiar" como eu gosto de chamar, a "competição" generalizada e os mercados de competição perfeita não eram a norma. Ao contrário, quando não haviam monopólios stricto sensu, haviam oligopólios. A concorrência imperfeita era a norma e a concorrência perfeita uma exceção, e nesse caso não se pode simplesmente fazer como os economistas austríacos fazem e acusar o Estado de criar monopólios, pois o período em si foi marcado por um liberalismo econômico, por vezes, mais radical até mesmo do que o que era praticado nos Estados Unidos e na Inglaterra. O diplomata e economista Francisco de Assis Grieco (2003, p.43) demonstra como a partir do final do século XVIII e início do século XIX a mentalidade Hamiltoniana e não a mentalidade liberal clássica dominou a economia americana.
A doutrina hamiltoniana repousava sobre a industrialização e o protecionismo, com equilíbrio entre o comércio e a produção manufaturada, que começara a ganhar vulto com a revolução industrial na Inglaterra. [...] Hamilton revelou-se futurólogo, como arauto da supremacia industrial e da tecnológica; da distribuição de renda e da expansão do consumo.
Com isso, embora a América tenha ficado distante do comércio internacional, a intensa competitividade interna provocada pela grande independência econômica de cada indivíduo na sociedade, devido, provavelmente, a boa distribuição das terras e a segurança da propriedade privada, além da própria mentalidade empreendedora típica dos anglo-saxões, foram garantidoras do sucesso dessa medida protecionista.

No Brasil, a mesma lógica hamiltoniana seria implantada de maneira fracassada, pois acabou-se - entre outras coisas que abordaremos em outra oportunidade - substituindo-se um tipo de monopólio que surgia naturalmente pela natureza social do brasileiro por um artificial e muito pior criado pelo Estado. Os velhos monopólios e oligopólios eram orgânicos e se formavam e se desfaziam com muito mais naturalidade, seja pela morte de uma esposa ou esposo, ou pela entrada de um competidor estrangeiro no mercado, enfim, depois do Estado Novo, os monopólios e oligopólios brasileiros tornaram-se os monstrengos que nos levaram ao Petrolão e a operação Lava-Jato. O Brasil praticava claramente uma forma de mercado ditado pela vantagem comparativa de David Ricardo, onde o país abria mão de mercadorias cujo custo de oportunidade era pouco favorável e dedicava-se àqueles (ou aquele) o qual o custo de oportunidade era mais favorável, tendo como casos emblemáticos a cana de açúcar entre o século XVI e XVII e o café no século XVIII e XIX.

FONTE: LIBBY, D. C; FILHO, A. A. G. A economia do império brasileiro. São Paulo: Ed. Atual, 2004. p.12

Perceba como o café vai ganhando importância a medida que os demais produtos perdem. A única exceção é talvez a borracha, que inicia seu ciclo na Floresta Amazônica no final da década de 40, e um pequeno surto do algodão impulsionado pela Guerra Civil Americana, mas no geral, o Brasil seguindo a lógica Ricardiana em favor do livre-mercado, aposta todas as fichas no café. Desde 1810, quando o Brasil assina o Tratado de Navegação e Comércio, o país reduz todas as taxas sobre o comercio com a Grã-Bretanha de 26% para 15%, valor inclusive inferior ao que era cobrado de Portugal, - considerada nação-mãe e amiga - fê-lo, entretanto, sem exigir a mesma medida em contrapartida dos britânicos que continuaram a tributar de maneira protecionista o frágil mercado manufatureiro brasileiro ainda nascente.

Voltando ao nosso Ethos, porémnão acho que essa nossa característica holística seja ruim em si mesma, ao contrário, acho-a agradabilíssima e ainda hoje lamento muito que ela esteja sendo destroçada pelo crescimento da desconfiança social causado pelo aumento da criminalidade, processo, aliás que está sendo fomentado pela esquerda política.

O nosso volksgeist - por assim dizer - não é um impeditivo ao capitalismo, mas sim a um capitalismo ditado por instituições copiadas ipsis literis da Inglaterra, da França ou dos Estados Unidos. Um conjunto de instituições que, amparado em valores análogos, mas mais observantes de nosso jeito de existir e proceder enquanto povo seria capaz de um arranjo político e econômico conservador propício ao crescimento econômico e a estabilidade política do nosso país. Até agora o experimento socioeconômico que mais próximo chegou desse capitalismo adequado foi o curto período do governo FHC, onde apesar dos pesares, houve uma considerável melhora dos indicadores sociais, redução da desigualdade, fim da hiperinflação, e serviu de base para o crescimento econômico do ciclo das commoditties, pelo menos até 2007, e do ponto de vista político e institucional, apesar também de ter certos problemas, o modelo político que mais se aproximou de nosso ethos foi a monarquia parlamentar nas mãos de Dom Pedro II. Outra evidência de que nosso Ethos não é um impeditivo a um capitalismo bem sucedido é o fato de que nossos hermanos argentinos, até 1946 eram uma das 10 maiores economias do mundo em PIB e em PIB per capita, como mostra Niall Ferguson em "A Ascensão do Dinheiro".

O problema brasileiro no Império, não era no fim das contas falta de liberalismo econômico, mas sim falta de liberalismo político rigidamente similar ao anglo-americano. Como isso era impossível devido a nossa herança cultural lusitana, ficamos com um modelo incompatível, mas infinitamente superior ao que foi proposto pelos positivistas. Outro problema fundamental, e que é a base do nosso problema de liberalismo político nessa época, era a estrutura fundiária extremamente concentrada nas mãos de latifundiários, coisa aliás não só existente no Brasil, mas em toda América Latina.

FONTE: http://www.brunogarschagen.com/2011/09/niall-ferguson-mostra-os-6-killer-apps.html
Esse dado confirma uma informação que a Doutrina Social da Igreja a muito tempo afirma acerca da reforma agrária. Apesar de se tratar majoritariamente de México e Argentina, um dado muito interessante de Libby e Alencastro (2004, p.57) confirmam o paradigma latino-americano: No Brasil, 10% das fazendas eram responsáveis por mais 50% de toda a produção agrária do país. Ao contrário do que o MST e o PT fazem crer, tal proposta não é uma pauta esquerdista e sim conservadora, tal proposta foi também defendida pro Chesterton, a Itália sob a administração da Democracia Cristã executou uma reforma agrária muito bem sucedida. Essa concentração excessiva fragilizava o direito de propriedade e ao invés de estabelecer independência e liberdade econômica, acabou gerando relações de dependência entre o grande latifundiário e o despossuído, o colono, o meeiro ou o peão que deram origem ao que viríamos conhecer posteriormente como coronelismo.

Esses laços de extrema dependência fragilizavam a democracia, pois a escassez de propriedades nas mãos das pessoas somadas e essas modalidades de trabalho livre não-assalariadas eliminavam a margem de independência que o indivíduo tem de liberdade para exercer seu direito ao voto. E isso foi visto de maneira mais clara na República Oligárquica. No Império, entretanto, onde só quem tinha propriedades poderia votar, isso criava um enorme vácuo representativo, e como o sistema constitucional dava ao Imperador o poder de indicar não só o presidente do conselho de ministros (primeiro-ministro), mas também o presidente/governador das províncias,  o nosso sistema parlamentarista era consideravelmente distorcido e a estabilidade política dependia muito do bom senso e do esclarecimento do monarca.

Como a propriedade de terras era pouco difundidas, e a condição de cidadão apto para votar era ter propriedades, além de ser capaz de ler e escrever (àquela altura apenas 18% da população sabia ler e escrever), fica evidente que se não havia um problema de representatividade grave naquela época, deve-se grandemente a figura do Imperador, que como é de conhecimento público, tirava várias horas do dia - especialmente a tarde - para ouvir as pessoas no Paço Imperial, entretanto, essa representação e atenção com o público apesar de ímpar (como mostra Leopoldo Bibiano Xavier), era limitada geograficamente a cidade do Rio de Janeiro. Contudo, mesmo com essa limitação, a presença de um monarca estável, uma face constante, criava a identificação popular necessária que a República jamais teve. Se o Imperador tinha o poder moderador, que dava a ele capacidades de influir a qualquer momento no rumo das decisões políticas, o que tornava a Constituição de 1824 bem pouco liberal, a República só pode se valer da política dos governadores para manter sua estabilidade até o pós-primeira guerra mundial. A política dos governadores não só reforçou o coronelismo, mas como neste período, começam-se agitações de grupos em busca de representatividade política que, com a crise econômica de 29, acabariam levando ao poder Getúlio Vargas. Assim, pode-se perceber claramente a interligação entre a nossa instabilidade política e o problema fundiário como um comprometedor da "democracia de proprietários" e da segurança da propriedade privada. Quando se têm uma democracia de massas num país onde boa parte da população não tem acesso a terra, educação e saúde, as portas do populismo ficam escancaradas.

Fonte: Brasil Escola.
Muitas vezes se cai no simplismo libertário de que só se é necessário privatizar a maior parte das instituições, como se liberdade econômica por si só fosse a chave do desenvolvimento de um país. Não é exatamente assim que as coisas funcionaram na história. O Império Bizantino e a China da dinastia Ming eram bem menos livres do ponto de vista econômico do que todos os reinos da Idade Média juntos, entretanto ambos os Impérios foram muito mais prósperos a seu tempo do que a maioria dos reinos medievais, e obtiveram muitos avanços no que tange a qualidade de vida de seus cidadãos. O medievo só conseguiria subir sua qualidade de vida a partir dos séculos XI e XII culminando no renascimento, o trecento, no quattrocento e no cinquecento, onde a maioria das instituições modernas começaram a se formar.

Por que, afinal, com tamanha independência de poderes e com um Estado tão limitado, os medievais não conseguiram superar Bizâncio ou Pequim? Instituições. As instituições que permitiriam o sucesso econômico ainda seriam recuperadas pelos modernos humanistas a partir do quattrocento e do cinquecento. Voltando ao Império do Brasil, para exemplificar, a liberdade econômica do país (Libby, Alencastro, 2004, p.68) era tamanha que a partir de 1850 os serviços públicos como esgoto e água eram administrados por empresas privadas inglesas no Rio de Janeiro, (Hoje ou são feitas diretamente pelo estado ou por empresas locais) por outro lado, elas não foram capazes de fornecer um serviço decente para a maioria da população. O historiador francês e brasilianista Fréderic Mauro (1991, p.15-16) descreve um traço muito curioso dos hábitos cariocas referentes a higiene urbana em 1860 e em 1883.
As casas do Rio, construídas em terreno úmido, não têm fossas. Todos os detritos domésticos são atirados de qualquer maneira em barris que de noite os escravos despejam no mar. [...] Essas impressões são de 1860. Em 1883 a senhora Toussaint Samsom escrevia: As margens da baía do Rio não passam de um vaso infecto, em que toda espécie de detrito apodrece espalhando emanações nauseabundas. Essa foi a primeira desilusão. As praias que de longe pareciam tão belas e perfumadas, eram o recepetáculo das imundícies da cidade.
Não é possível que empresas privadas inglesas não consigam resolver em tão grande prazo um problema como esse, e de fato, ainda tal problema existe hoje! É bem verdade que as empresas privadas no Brasil costumavam formar oligopólios pelas razões que expus, mas não acredito que tal lógica se aplique a empresas britânicas atuando em nosso país. è importante, então, evitar cair no simplismo. Para alcançarmos os EUA precisamos de retomar as reformas institucionais que permitam o livre-mercado, a equidade social, a dignidade da pessoa humana e a desconcentração de poder político e econômico.

Outro considerável problema, como chamam atenção tanto Furtado quanto Libby e Alencastro foi a demora que o Brasil teve em adotar as linhas férreas tendo dependido por muito tempo de tropeiros com suas mulas. O atraso na revolução científica e as dificuldades em expandir as conquistas da medicina moderna (basta ver as doenças que as péssimas condições sanitárias do Rio de Janeiro causavam), atrasaram significativamente o nosso país. Ao passo que não só a Argentina, mas como muitas ilhas do Caribe já eram cortadas por ferrovias, o Brasil ainda dependia dos tropeiros aumentando muito os custos de transação. Somente por volta de 1840 é que viriam a surgir linhas férreas de grande extensão, comandadas pelo Barão de Mauá e pelo Visconde de Figueiredo. O Estado só foi se envolver com isso por volta de 1858 com a construção da Estrada Férrea Dom Pedro II, ligando o Rio de Janeiro, Minas Gerais até àquela altura modesta cidade de São Paulo. Tal obra não visou lucros imediatos, tanto que nenhum dos dois grandes empresários do período (acima citados) se interessara pela região, mas já no final do Império a ferrovia desempenhava um papel importantíssimo a no desenvolvimento mercantil da província de São Paulo. Tais medidas poderiam ainda ter sido mais tomadas no nordeste. Mas ao contrário, limitaram-se a alguns empreendimentos privados em Olinda, Recife e Salvador. Celso Furtado chega ainda a sugerir em seu mais famoso trabalho, que uma estrada de ferro no Maranhão poderia ter mudado a história do Estado, que desde o século XVII já era o mais pobre do país.

Por fim, o demasiado apego a escravidão por parte de nossa elite foi um comprometedor. Entretanto se fôssemos ver as opções àquela altura, que era uma muito provável guerra civil (que a família Imperial tentou evitar a todo custo), perceberemos que apesar dos pesares que a escravidão trouxe, a intuição de Pedro II em fazer uma abolição lenta e gradual provou-se acertada, visto que o golpe que instaurou a república foi uma ação militar nas surdinas e de alcance bem limitado focando-se inicialmente na repressão de descontentes no Rio. A insistência com o regime escravagista evitou o desenvolvimento de uma sociedade de consumo mais pujante, uma vez que o fim do regime liberaria capitais como resultado do abaixamento natural das taxas de juros. Não que não tivéssemos mercado interno. Como mostram Libby e Alencastro, tínhamos sim. Porém ele era muito focado em produtos básicos como carne-seca, frutas, arroz, feijão e muito raramente tecidos feitos no país. A maior parte das manufaturas eram importadas da Europa, especialmente da Inglaterra, pois a maior parte das manufaturas locais eram caseiras, tendo menor qualidade e custo mais alto. É claro que essas explicações são superficiais devido às limitações do espaço onde escrevemos, por outro lado, são uma explicação razoavelmente coerente com base na teoria institucionalista da qual hoje Niall Ferguson e Jacques Brasseul são os mais notórios representantes.

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REFERÊNCIAS:


FERGUSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro: História Financeira do Mundo. São Paulo: Editora Planeta, 2008.

FERGUSON, Niall. Civilização: Ocidente x Oriente. São Paulo: Editora Planeta, 2012.

FERGUSON, Niall. A Grande Degeneração: A decadência do mundo ocidental. São Paulo: Editora Planeta, 2013.

FILHO, Afonso de Alencastro G; LIBBY, Douglas Cole. A economia do Império brasileiro. São Paulo: Editora Atual, 2004.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1979.

GARSCHAGEN, Bruno. Pare de Acreditar no Governo: Por que os brasileiros odeiam os políticos e amam o estado. São Paulo: Editora Record, 2015.

GRIECO, Francisco de Assis. A Supremacia Americana e a Alca. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2003.

MAURO, Fréderic. O Brasil no tempo de Dom Pedro II (1831-1889). São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Hunter Books, 2011.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo Hunter Books, 2011.

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