Páginas

sábado, 15 de outubro de 2016

Por que o Estado é mais necessário do que você pensa? - Parte 4


Nos dois textos anteriores nós vimos como crises podem acontecer naturalmente dentro de uma sociedade capitalista sem qualquer interferência do Estado. Aqui, nós demonstraremos que algumas outras alegações de que a culpa é do "Estado malvadão" são falsas. Uma muito comum é a crítica à reserva fracionária. Rothbard acusa a mesma de ser uma fraude e que ela é a causa de ciclos econômicos. Em outras palavras, os bancos centrais ao adotarem o sistema de reservas fracionárias cria o boom and bust.

Primeiramente, temos que nos lembrar que as reservas fracionárias surgiram muito antes dos bancos centrais e que mesmo antes do sistema bancário moderno, já havia ciclos econômicos. Richard Goddard em seu livo "Credit and Trade in later medieval England: 1353-1532" mostra-nos que nos séculos XIV e XV, muito antes do surgimento da moderna instituição bancária e das reservas fracionárias, já haviam ciclos econômicos perceptíveis. No capítulo "Theoretical approaches: Long waves, shocks and asset bubbles", Goddard chama a atenção para um fato interessante:
Cíclos de negócios são usualmente compreendidos como movimentos ondulatórios na economia caracterizados como períodos de expansão e contração na atividade econômica, com efeitos na inflação, no crescimento e no emprego. Ciclos de expansão e contração podem ocorrer em muitas atividades econômicas diferentes simultaneamente. Em referência aos dados medievais, são aqueles que se referem às ondas longas ou ondas de Kondratieff, as quais foram também observadas e apoiadas pelo economista austríaco Joseph Schumpeter. [...] Estes foram ciclos que duram tipicamente entre 54 e 60 anos [...]  (p.130)
 A contração monetária acredita-se, cobriu os períodos de 1395 a 1415, com contrações ainda maiores e acudas entre as decadas de 1440 e 1450, em outras palavras no mesmo período em que o crédito tornou-se muito difícil de se obter. Todas as dívidas necessitaram ser pagas em dinheiro, a fome do ouro teve um efeito depressivo sobre o montante de crédito a disposição sendo estendido aos mercadores, que começaram a ter muita dificuldade para pagar suas dívidas. (p.139)
Apesar de que não necessitamos voltar tão longe no tempo quanto a idade média para achar exemplos em contrário. Alexandre Versignassi em seu livro "Crash! uma breve história da economia" conta o caso da bolha das tulipas na Holanda, que nada tem a ver com bancos centrais ou reservas fracionárias. Em suma, como Daniel Kuehn pontuou, "o sistema de Minsky funciona em si mesmo". Algumas outras acusações são de que num sistema de reservas totais (lastro integral) ou de competição de moedas (free banking), não haveriam bolhas de ativos. Como já demonstrado aqui e aqui, isso não passa de ilusão. Nesse caso, o que Chang pontuou bem no último parágrafo no texto passado continua válido. 

Quanto às reservas fracionárias em si, ainda não tenho opinião definitiva, mas ao que ouvi falar e li por aí, a ideia de que ela é fraudulenta não é consenso nem mesmo entre os libertários. Michael S. Rozeff, um libertário, fez uma crítica interessante a acusação de Rothbard de que as reservas fracionárias são um tipo de fraude na Independent review. Para ele, na ausência de lastro, o depósito a vista é na verdade um empréstimo do indivíduo ao banco, razão pela qual ele lhe paga juros e ganha crédito com a instituição, de modo que não é subtração de bem alheio, mas sim o pleno uso do direito de propriedade do banco. Quando se deposita uma jóia de ouro com seu nome num banco do século XVI, você deveria retirar a mesma jóia de lá quando quisesse. Hoje você deposita um valor e o banco não necessariamente precisa devolver as mesmas cédulas ou moedas que você depositou, mas sim uma quantia idêntica à que você depositou (principal) acrescido do juro. Seja como for, a ideia de que o bust, a crise, vem só nas condições de intervenção do governo é ilusório e não é factual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário