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domingo, 9 de outubro de 2016

Por que a teoria marxista do valor-trabalho está errada (em poucas palavras)

A teoria do valor-trabalho, como apresentada na primeira parte do primeiro volume d'O Capital, está errada pelas seguintes razões: (1) o argumento a priori a favor da teoria do valor-trabalho, no primeiro volume d'O Capital de Marx, é um non sequitur e, depois, se contradiz; (2) Marx enfrenta o problema de reduzir todo heterogêneo trabalho humano a uma homogênea e abstrata unidade de tempo de trabalho socialmente necessário; ele, porém, não explica adequadamente como isso ocorre; (3) mesmo que Marx pudesse superar (1) e (2), ele enfrenta os problemas de definir o valor-trabalho nos casos de produção conjunta, em que é possível que o valor-trabalho de uma commodity possa ser indefinido, nulo, ou negativo; (4) não há razão pela qual o trabalho assalariado de homens livres deveria ter um poder especial que animais, escravos ou máquinas não tenham, sem que se recorra ao idealismo quebrando a base fundamental do materialismo dialético; (5) a moeda fiduciária moderna impugna a teoria marxista do dinheiro, e também sua teoria do valor-trabalho, porque, na teoria de Marx, o dinheiro deve ser uma commodity produzida; há muito tempo, porém, deixou de sê-lo, conforme sabemos; (6) a realidade empírica é que os preços não são firmados por meio do abstrato tempo de trabalho socialmente necessário de commodities, ou do dinheiro enquanto commodity produzida; e (7) o problema de que o valor excedente do trabalho (se este conceito sequer pudesse ser adequadamente defendido) não explicaria, de fato, os lucros financeiros, porque tais lucros podem existir numa economia escravista e, muito provavelmente, inclusive numa economia em que as máquinas realizem boa parte do trabalho. Esses pontos, em conjunto, são devastadores para a teoria do valor-trabalho; porém, basta que um só seja verdadeiro para que se demonstre que a teoria de Marx, tal como aparece no primeiro volume d'O Capital, é equivocada. Abaixo, hei de rever alguns dos problemas mais importantes. 

No ponto (1), pode-se ver que o argumento de Marx em favor da teoria do valor-trabalho é um non sequitur. Não é óbvio de modo algum que as trocas de commodities constituam uma igualdade tal como Marx as vê. De fato, ele depois admite, no Capítulo 1, que em algumas sociedades humanas as commodities podem simplesmente ser trocadas, enquanto valor de uso, por valor de uso (Marx 1906: 75) e, no Capítulo 3, que a maioria das commodities, normalmente, não são trocadas em seus iguais e verdadeiros valores de trabalho (Marx 1906: 114). Bem, há uma igualdade nas trocas no sentido de que, digamos, 2 ovelhas podem ser trocadas por 1 vaca; e só se trocam duas ovelhas, nada mais, e vice-versa. Mas este é um sentido trivial de igualdade, que não ajuda Marx. Seu salto à conclusão de que deve haver uma adicional, fundamental unidade de tempo de trabalho homogêneo, em que ambas as commodities podem ser medidas quantitativamente, e pela qual ambas podem ser mostradas como sendo equivalentes, simplesmente não decorre: é um non sequitur. É possível que não exista o valor-trabalho como Marx o definia; seu argumento era desonesto, e cometia uma singela falácia lógica. Posteriormente, ele admite que o valor-trabalho não pode ser completamente separado ou “abstraído” do valor de uso, de modo que o argumento inteiro se contradiz. 

No ponto (2), Marx sustenta que todo trabalho qualificado ou especializado é um múltiplo do simples trabalho abstrato, e que todo trabalho é redutível a uma significativa, comum unidade de trabalho homogênea. Ele não explica adequadamente como fazer isso. Primeiro, sugere que se pode conduzir a redução do trabalho especializado a uma simples unidade de trabalho abstrato de um modo físico ou científico, examinando o “dispêndio de inteligência, nervos e músculos humanos”. Mas então Marx declara que: “A experiência mostra que essa redução está sendo feita constantemente. Uma commodity pode ser produto do trabalho mais qualificado, mas seu valor, que a equipara ao produto do simples trabalho não-qualificado, representa uma quantidade definida tão só deste último. As diferentes proporcões em que os diferentes tipos de trabalho se reduzem ao trabalho não-qualificado como seu padrão, são estabelecidas por um processo social que se desenrola por trás das costas dos produtores e, em consequência, parece ser fixado pelo costume” (Marx 1906: 51-52). No entanto, porquanto Marx admite que a maioria das commodities sequer são trocadas por seus verdadeiros valores de trabalho, esse argumento não funciona. E tanto mais porque contradiz sua abordagem anterior: se o único modo efetivo de determinar o valor do trabalho qualificado não é senão olhando para a troca mercantil real dos produtos do trabalho qualificado pelos produtos do trabalho não-qualificado, então por que se preocupar em explicar a diferença em termos de “dispêndio de inteligência, nervos e músculos humanos”? Além do mais, se pode-se usar a troca dos produtos do trabalho qualificado pelos produtos do trabalho não-qualificado para determinar o valor do trabalho qualificado como um múltiplo do trabalho simples, então o argumento é circular. Os valores de troca determinam os valores de trabalho, mas supõe-se que os valores de trabalho sejam uma fonte dos valores de troca. 

No ponto (3), a teoria do valor-trabalho enfrenta o problema da produção conjunta: se um processo de produção produz mais que uma commodity, senão duas ou várias, então como se calcula o tempo de trabalho socialmente necessário? (veja-se Brewer 1984: 23; Nitzan e Bichler 2009: 101-102) Em particular, Ian Steedman sustentava que a produção conjunta deixa aberta a possibilidade de que alguns valores de trabalho de commodities produzidas mediante produção conjunta podem ser indefinidos, nulos, ou negativos (Nitzan e Bichler 2009: 101). 

No ponto (5), a moeda fiduciária moderna refuta totalmente a teoria de Marx do valor-trabalho, porque, para que sua teoria funcione, o dinheiro precisa ser uma commodity produzida, com um valor-trabalho. Mas o dinheiro, há muito tempo, cessou de ser uma commodity produzida e é, agora, moeda fiduciária. Esse é um dos problemas devastadores quanto à teoria marxista; e é suficiente, em si mesma, para refutar tal teoria , como se mostra aqui e aqui. Por exemplo, Marx pensava que os preços são determinados (pelo menos) [1] pelo valor-trabalho de longo prazo do ouro, conforme determinado pelo abstrato tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do ouro e [2] por como isto se relaciona, em câmbio, com o valor-trabalho de outras commodities (Marx 1906: 108). Essa ideia, todavia, se levada a sério, requereria que o valor de troca real do ouro, enquanto dinheiro, contra outras commodities, gravitasse em torno do valor de longo prazo do abstrato tempo de trabalho socialmente necessário para produzir-se o ouro. Esse ponto é importante, e enfraquece totalmente as alegações dos apologistas marxistas, segundo as quais Marx nunca pretendeu, no primeiro volume d'O Capital, que o valor-trabalho fosse um determinador dos preços individuais das commodities. Mas agora, no mundo moderno, temos a moeda fiduciária, e tal teoria é inútil: a teoria de Marx, de como os valores de trabalho determinam os preços, é de todo impossível. Tudo considerado, não se pode levar a sério a teoria marxista do valor-trabalho: é equivocada, ou sub-determinada de tantas formas, bem como refutada pela realidade da moeda fiduciária moderna. 

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Artigo traduzido do socialdemocracy21stcentury.blogspot por Carlos Magno.

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