Tradução de Hugo Rossi
A problemática que gostaria de
levantar aqui é a seguinte: qual é a evidência empírica com relação à sistemas
que se aproximaram do ideal de Free Banking. Eu uso o termo “aproximado”
porque, obviamente, não existe nenhum exemplo no mundo real de um sistema que
se enquadra perfeitamente na utopia dos Free Bankers. Contudo, existem algumas
aproximações, sendo a Austrália do final do século XIX é uma delas.
Apesar da supervisão bancária
Australiana ser originalmente feita pelo Tesouro Britânico, a partir de 1846
todas as colônias Australianas (exceto a Austrália Ocidental) receberam
autonomia bancária, e a partir de 1862 o Tesouro Britânico não mais exercitou
essa responsabilidade, que passou para cada governo colonial. Esses governos
coloniais (ou governos estatais, como assim foram chamados na Austrália)
fizeram muito pouco para regular os bancos. Sobre as regulações do Banco
Colonial de 1840, os bancos Australianos já tinham obrigações limitadas. Apesar
disso, a não ser que alguém deseje argumentar que obrigações limitadas são
anti-mercado, essa não foi uma medida anti-mercado.
Até mesmo as básicas regulações
iniciais não foram seguidas em nenhum grande nível: a restrição no que diz
respeito aos avanços imobiliários foi contornada por arranjos legais, e a
regulamentação em Vitória foi abolida em 1888 (Hickson e Turner 2002:154).
Por volta de 1860,
o sistema bancário Australiano possuía essas características:
(1)
Padrão ouro
(Usualmente datado de 1852 [Bordo 1999:327] com uma filial da casa da moeda
Britânica estabelecida em Sidnei em 1855);
(2)
Nenhum banco
central;
(3)
Nenhum controle de
capital;
(4)
Poucas barreiras
para entrar no mercado;
(5)
Sem restrições ao
branching;
(6)
Nenhuma restrição
credível sobre ativos, passivos ou capital bancário;
(7)
Nenhum controle de
preços estabelecido;
(8)
Nenhuma garantia de
depósitos enforcada pelo governo.
O que aconteceu?
Um fator óbvio que o sistema
bancário nunca vai controlar é a entrada e a saída de capitais especulativos
que qualquer país experiência: apenas por esse fator, sempre haverá a
possibilidade de uma inflação veloz da base de moeda-mercadoria, que permitirá
um aumento do crédito. Isso aconteceu no caso Australiano: houve um aumento dos
influxos de capital entre 1881-1885e uma enchente entre 1886-1890 (Hickson and Turner
2002:149).
Há um real paradoxo aqui: os free
bankers, assim como os Austríacos, fazem do livre mercado um fetiche. Para eles
apenas o movimento irrestrito do capital é consistente com uma economia livre,
mas é exatamente essa peculiaridade que demonstra que qualquer sistema de free
banking vai estar sujeito a fatores exógenos que causam seu influxo e saída de
capital flutuarem. Esse é o seu calcanhar de Aquiles, por assim dizer*.
Em teoria, não há uma razão pela qual um
sistema de free banking, superabundante em capital estrangeiro, não poderia
experienciar um boom do crédito.
Segundamente, sem nenhuma regulação
nada impediria os bancos de:
(1)
Abaixarem os
padrões para empréstimos (deixando o banco com empréstimos inadimplentes);
(2)
Comprarem as ações
de baixa qualidade da moda, que será guardado em suas carteiras, para apenas
colapsar em valor depois.
Por que um sistema
de free banking não seria pego na excitação especulativa, quando pessoas e
bancos acreditam que podem fazer dinheiro fácil sobre o aumento do preço dos
ativos?
Isto foi
precisamente o que aconteceu no caso da Austrália: bancos começaram a
direcionar crédito para especuladores imobiliários e para aqueles comprando o
que chamamos de “títulos pastorais” (Hickson and Turner 2002:159). Uma nova
classe de companhias, aparentemente especializadas em propriedade e especulação
no mercado de ações, assim como sociedades e companhias imobiliárias, obtiveram
créditos dos bancos para esses propósitos (Hickson and Turner 2002:159)
O boom especulativo
dos preços imóveis e ações imobiliárias, finanças e companhias de mineração
atingiram seu apogeu em 1888, mas terminaram em Outubro desse ano (Hickson and
Turner 2002:148).
De 1891 para março
de 1892, 41 companhias captadoras
de depósitos imobiliários e financiamento faliram em Melbourne e Sidney
(Hickson and Turner 2002:148). A crise bancária não atingiu força total até 30
de janeiro de 1893 quanto o Banco Federal faliu. De abril, quando o Banco
Comercial da Austrália foi atingido pela crise, houve um grande pânico, e ao
redor de 17 de maio ao menos 11 bancos comerciais foram suspendidos, com
efeitos em muitos outros (Hickson and Turner 2002:149).
Havia uma
organização de bancos privados chamada “The Associated Banks of Victoria” que
supostamente existiam parcialmente para coordenar as atividades dos bancos.
Free bankers pensam que esse tipo de associações irão se engajar em auto
regulação e garantir ao emprestador um ultimo recurso em tempos de pânico.
Isso não é o que
aconteceu no caso Australiano: em janeiro de 1893 o Banco Federal faliu e ele
era membro da Associated Banks, e, logo em seguida, o Banco Comercial da
Austrália faliu sem nenhum suporte.
O que é ridículo
aqui são as desculpas oferecidas pelos apologistas do livre mercado: eles
defendem que as tentativas do tesoureiro Vitoriano de forçar a Associeted Banks a dar assistência aos bancos menores e o
feriado bancário introduzido pelo governo Vitoriano no inicio de 1893
exacerbaram a crise. No entanto, a escala total do pânico já havia começado em
abril de 1893, antes dessas ações. Nenhuma dessas ações teve nada haver com a
criação da bolha de ativos, que ocorreu na década prévia. Já havia um boom do
crédito na década anterior à 1893.
De abril de 1893,
houve um numero de intervenções limitadas que os governos coloniais assumiram:
alguns bancos que suspenderam foram autorizados a participar da reconstrução
(conversão de depósitos em ações preferenciais, mudança de depósitos de curto
prazo em depósitos fixos de longo prazo e emissão de novas ações para obter
capital).
Em Victoria, o
governo declarou um feriado bancário de cinco dias na segunda feira, primeiro
de maio de 1893, ação apontada por alguns como um movimento que tornou as
coisas piores. Contudo, o que não é dito é que a história reproduziu um
experimento para nós em 1893: o governo Vitoriano fez muito pouco para evitar a
crise e salvar o seu sistema financeiro, a despeito do seu feriado bancário. Em
contraste, o governo da Nova Gales do Sul tomou uma ação bem diferente.
Na Nova Gales do
Sul, o governo fez a nota bancária dos grandes bancos – o Banco da Australasia,
Banco da Nova Gales do Sul, Banco da cidade de Sydnei e Banco da União – curso legal, e anunciou
que estaria disponível para agir como emprestador, como ultimo recurso. Isso
recuperou a confiança do setor financeiro na Nova Gales do Sul em tal ponto que
a crise terminou em alguns dias (Hickson and Turner 2002:165).
O governo de
Victoria falhou em intervir da mesma forma que o de Nova Gales do Sul fez, e o
resultado foi claro: Victoria vivenciou uma crise profunda, enquanto em Nova
Gales do Sul a crise for largamente evitada.
Victoria
representava uma grande parte da economia Australiana, então era natural que a
crise financeira exacerbasse a recessão nesses anos. Em fato, o padrão familiar
do desastre deflacionário já tinha afetado a economia Australiana em 1890,
depois de que a bolha de ativos colapsou, desalavancando um setor privado
altamente endividado.
“Na Australia, o
PIB caiu por quatro anos seguidos, de 1890 até 1893... O desemprego cresceu exponencialmente.
A imigração desacelerou e provisoriamente reverteu a direção. A desordem social
se alastrou, comandada por tosquiadores de ovelhas, trabalhadores portuários e
mineiros. A recuperação pós 1893, se é que pode ser chamada assim, foi lenta e desigual”
(Adalet e Eichengreen 2007:233).
Como sempre, quando
lidamos com um PIB do século XIX, apenas podemos ter estimativas. Uma
estimativa diz que o PIB real caiu por volta de 10% em 1892 (Kent 2011), e em
7% por volta de 1893, ocorrendo deflação no período de 1891-1897. Angus
Maddison fez as seguintes estimativas:
Ano | PIB
1888 | $14,685
1889 | $15,953 | 8.64%
1890 | $15,402 | -3.45%
1891 | $16,586 | 7.69%
1892 | $14,547 | -12.29%
1893 | $13,748 | -5.49%
(Maddison 2006: 452).
Nessas figuras, uma
recessão moderada começou em 1890, uma recuperação ocorreu em 1891, mas não
durou e uma real, depressão técnica (Isso é, o período em que o PIB/PNB
contraiu em 10% ou mais) atingiu a Austrália em 1892, o que persistiu em 1893.
Após 1893, houve um
crescimento inconstante, com recessão em 1895 e 1897, e a economia estava
atolada no que chamamos de desemprego desequilibrado crônico, como vários
países estavam nos anos 30.
APENDICE: ESTIMATIVA DO PIB AUSTRÁLIANO POR
VOLTA DE 1890
Existem três
estimativas modernas do PIB australiano no século XIX, como esses:
(1) The figures of Noel G.
Butlin, Australian Domestic Product, Investment and Foreign Borrowing
1861–1938/39 (Cambridge University Press, Cambridge, 1962), p. 460ff.,
with some amendments in Noel G. Butlin, Investment in Australian
Economic Development, 1861–1900 (Cambridge University Press,
Cambridge, 1964), p. 453.
(2) the revised lower estimates of Bryan Haig, “New Estimates of
Australian GDP: 1861-1948/49,” Australian Economic History Review 41.1
(March, 2001): 1–34.
(3) adjusted figures for both (1) and (2) by Angus Maddison, The
World Economy, Volumes 1–2 (OECD, 2006), p. 452, but using the
estimates of Butlin (1962) and Haig (2001).
The data from Angus
Maddison are below:
I. Angus Maddison’s Estimates of Australian Real
GDP from Butlin (millions of 1990 international Geary-Khamis dollars)
Ano | PIB | Taxa de Crescimento
1888 | $14,685
1889 | $15,953 | 8.64%
1890 | $15,402 | -3.45%
1891 | $16,586 | 7.69%
1892 | $14,547 | -12.29%
1893 | $13,748 | -5.49%
1894 | $14,217 | 3.41%
1895 | $13,418 | -5.62%
1896 | $14,437 | 7.59%
1897 | $13,638 | -5.53%
1898 | $15,760 | 15.56%
1899 | $15,760 | 0%
1900 | $16,697 | 5.95%
(Maddison 2006: 452).
É interessante como
isso mostra outras recessões ruins em 1895 e 1897, além de crescimento
estagnado (sem crescimento) em 1899.
II. Angus Maddison’s Estimates of Australian
Real GDP from Haig (millions of 1990 international Geary-Khamis dollars)
Ano | PIB| Taxa de crescimento
1888 | $12,546
1889 | $13,702 | 9.21%
1890 | $13,772 | 0.511%
1891 | $13,890 | 0.857%
1892 | $13,640 | -1.8%
1893 | $13,663 | 0.17%
1894 | $13,819 | 1.14%
1895 | $14,015 | 1.42%
1896 | $14,288 | 1.95%
1897 | $15,147 | 6.01%
1898 | $15,749 | 3.97%
1899 | $16,592 | 5.35%
1900 | $17,186 | 3.58%
(Maddison 2006: 452).
Para comparação, aqui estão as cifras diretamente de Haig (2001) em milhões de
libras nos preços de 1891:
Ano | PIB | Taxa de crescimento
1889 | 175.4
1890 | 176.3 | 0.51%
1891 | 177.8 | 0.85%
1892 | 174.6 | -1.79%
1893 | 174.9 | 0.17%
(Haig 2001: 29).
Aqui temos um acordo com as taxas de crescimentos calculadas por Angus
Maddison.
Nas cifras revisadas de Bryan Haig, houve:
(1) Crescimento
muito baixo em 1890–1891,
(2) Recessão suave em 1892, e
(3) Estagnação em 1893 (com uma taxa de crescimento de 0.17%).
Até essas cifras confirmam que
alguma coisa estava errada na economia Australiana nesses anos, mesmo
diferentes de Butlin (1962).
Contudo, há problemas com as estimativas de Haig. A avaliação de Angus Maddison
sobre os valores revistos de Bryan Haig para 1860-1911 me mostram que eles não
são necessariamente melhores que aqueles de Butlin. Ele pontua o seguinte:
(1)
De 1860-1911 Haig não tem medida
quantitativa de 70% do PIB (Maddison 2006:453);
(2)
Haig descreve o processo de estimação
que ele usou em apenas cinco páginas, enquanto Butlin o fez em 200 páginas.
(3)
Butlin forneceu dados de mais
estados do que Haig fez: Haig usou dados de Victoria e de Nova Gales do Sul
para preencher as lacunas para as estimativas totais Australianas (Maddison
2006:453).
(4)
Uma das objeções fundamentais de
Haig para as estimativas de Butlin é que elas conflitavam com a interpretação
tradicional da história econômica da Austrália: mas esta é uma objeção a priori não razoável. Como diz Maddison
em sua resposta “é papel daqueles que discordam de Butlin provar que ele está
errado” (Maddison 2006:451).
Considerando tudo, não vejo nenhuma
razão para se preferir as estimativas de Haig.
BIBLIOGRAFIA:
Adalet, M. and B. Eichengreen. 2007. “Current Account
Reversals: Always a Problem?,” in R. H. Clarida (ed.), G7 Current Account Imbalances: Sustainability and
Adjustment, University of Chicago
Press, Chicago. 205–246.
Bordo, Michael D. 1999. The Gold Standard and Related Regimes, Cambridge University Press, Cambridge.
Butlin, Noel G. 1962. Australian Domestic Product, Investment and Foreign
Borrowing 1861–1938/39, Cambridge
University Press, Cambridge.
Butlin, Noel G. 1964. Investment in Australian Economic Development,
1861-1900, Cambridge University
Press, Cambridge.
Dowd, Kevin. 1992. “Free Banking in Australia,”
in K. Dowd (ed.), The Experience
of Free Banking, Routledge, London.
Haig, Bryan. 2001. “New Estimates of Australian
GDP: 1861-1948/49,”Australian Economic History Review 41.1 (March): 1-34.
Hickson, C. R. and J. D. Turner. 2002. “Free
Banking Gone Awry: The Australian Banking Crisis of 1893,” Financial History Review 9: 147–167.
Kent, C. J. 2011. “Two Depressions, One Banking
Collapse: Lessons from Australia,” Journal
of Financial Stability 7.3:
126–137.
Maddison, Angus. 2006. The World Economy: Volume 1: A Millennial Perspective
and Volume 2: Historical Statistics,
OECD Publishing, Paris.
Merrett, David T. 1989. “Australian Banking
Practice and the Crisis of 1893,” Australian
Economic History Review 29.1:
60–85.
Merrett, David T. 1993. “Preventing Bank
Failure: Could the Commercial Bank of Australia have been saved by its Peers in
1893?,”Victorian Historical Journal 64.2: 122–142.
Pope, D. 1989. “Free Banking in Australia Before
World War I,” Australian National University, Working Papers in Economic
History, Working Paper No. 129.