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sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Free Banking na Austrália

Tradução de Hugo Rossi

Esta postagem é, em parte, uma resposta à Jonathan Finegold Catalán here (“Fiduciary Cycles,” Economic Thought, 14 May, 2012), apesar de que, essa não será minha única resposta.

            A problemática que gostaria de levantar aqui é a seguinte: qual é a evidência empírica com relação à sistemas que se aproximaram do ideal de Free Banking. Eu uso o termo “aproximado” porque, obviamente, não existe nenhum exemplo no mundo real de um sistema que se enquadra perfeitamente na utopia dos Free Bankers. Contudo, existem algumas aproximações, sendo a Austrália do final do século XIX é uma delas.

            Apesar da supervisão bancária Australiana ser originalmente feita pelo Tesouro Britânico, a partir de 1846 todas as colônias Australianas (exceto a Austrália Ocidental) receberam autonomia bancária, e a partir de 1862 o Tesouro Britânico não mais exercitou essa responsabilidade, que passou para cada governo colonial. Esses governos coloniais (ou governos estatais, como assim foram chamados na Austrália) fizeram muito pouco para regular os bancos. Sobre as regulações do Banco Colonial de 1840, os bancos Australianos já tinham obrigações limitadas. Apesar disso, a não ser que alguém deseje argumentar que obrigações limitadas são anti-mercado, essa não foi uma medida anti-mercado.

            Até mesmo as básicas regulações iniciais não foram seguidas em nenhum grande nível: a restrição no que diz respeito aos avanços imobiliários foi contornada por arranjos legais, e a regulamentação em Vitória foi abolida em 1888 (Hickson e Turner 2002:154).

Por volta de 1860, o sistema bancário Australiano possuía essas características:

(1)   Padrão ouro (Usualmente datado de 1852 [Bordo 1999:327] com uma filial da casa da moeda Britânica estabelecida em Sidnei em 1855);
(2)   Nenhum banco central;
(3)   Nenhum controle de capital;
(4)   Poucas barreiras para entrar no mercado;
(5)   Sem restrições ao branching;
(6)   Nenhuma restrição credível sobre ativos, passivos ou capital bancário;
(7)   Nenhum controle de preços estabelecido;
(8)   Nenhuma garantia de depósitos enforcada pelo governo.

O que aconteceu? 

            Um fator óbvio que o sistema bancário nunca vai controlar é a entrada e a saída de capitais especulativos que qualquer país experiência: apenas por esse fator, sempre haverá a possibilidade de uma inflação veloz da base de moeda-mercadoria, que permitirá um aumento do crédito. Isso aconteceu no caso Australiano: houve um aumento dos influxos de capital entre 1881-1885e uma enchente entre 1886-1890 (Hickson and Turner 2002:149).
           
            Há um real paradoxo aqui: os free bankers, assim como os Austríacos, fazem do livre mercado um fetiche. Para eles apenas o movimento irrestrito do capital é consistente com uma economia livre, mas é exatamente essa peculiaridade que demonstra que qualquer sistema de free banking vai estar sujeito a fatores exógenos que causam seu influxo e saída de capital flutuarem. Esse é o seu calcanhar de Aquiles, por assim dizer*.

             Em teoria, não há uma razão pela qual um sistema de free banking, superabundante em capital estrangeiro, não poderia experienciar um boom do crédito.
            Segundamente, sem nenhuma regulação nada impediria os bancos de:
(1)   Abaixarem os padrões para empréstimos (deixando o banco com empréstimos inadimplentes);
(2)   Comprarem as ações de baixa qualidade da moda, que será guardado em suas carteiras, para apenas colapsar em valor depois.

Por que um sistema de free banking não seria pego na excitação especulativa, quando pessoas e bancos acreditam que podem fazer dinheiro fácil sobre o aumento do preço dos ativos?

Isto foi precisamente o que aconteceu no caso da Austrália: bancos começaram a direcionar crédito para especuladores imobiliários e para aqueles comprando o que chamamos de “títulos pastorais” (Hickson and Turner 2002:159). Uma nova classe de companhias, aparentemente especializadas em propriedade e especulação no mercado de ações, assim como sociedades e companhias imobiliárias, obtiveram créditos dos bancos para esses propósitos (Hickson and Turner 2002:159)

O boom especulativo dos preços imóveis e ações imobiliárias, finanças e companhias de mineração atingiram seu apogeu em 1888, mas terminaram em Outubro desse ano (Hickson and Turner 2002:148).

De 1891 para março de 1892, 41 companhias captadoras de depósitos imobiliários e financiamento faliram em Melbourne e Sidney (Hickson and Turner 2002:148). A crise bancária não atingiu força total até 30 de janeiro de 1893 quanto o Banco Federal faliu. De abril, quando o Banco Comercial da Austrália foi atingido pela crise, houve um grande pânico, e ao redor de 17 de maio ao menos 11 bancos comerciais foram suspendidos, com efeitos em muitos outros (Hickson and Turner 2002:149).

Havia uma organização de bancos privados chamada “The Associated Banks of Victoria” que supostamente existiam parcialmente para coordenar as atividades dos bancos. Free bankers pensam que esse tipo de associações irão se engajar em auto regulação e garantir ao emprestador um ultimo recurso em tempos de pânico.

Isso não é o que aconteceu no caso Australiano: em janeiro de 1893 o Banco Federal faliu e ele era membro da Associated Banks, e, logo em seguida, o Banco Comercial da Austrália faliu sem nenhum suporte.

O que é ridículo aqui são as desculpas oferecidas pelos apologistas do livre mercado: eles defendem que as tentativas do tesoureiro Vitoriano de forçar a Associeted Banks       a dar assistência aos bancos menores e o feriado bancário introduzido pelo governo Vitoriano no inicio de 1893 exacerbaram a crise. No entanto, a escala total do pânico já havia começado em abril de 1893, antes dessas ações. Nenhuma dessas ações teve nada haver com a criação da bolha de ativos, que ocorreu na década prévia. Já havia um boom do crédito na década anterior à 1893.

De abril de 1893, houve um numero de intervenções limitadas que os governos coloniais assumiram: alguns bancos que suspenderam foram autorizados a participar da reconstrução (conversão de depósitos em ações preferenciais, mudança de depósitos de curto prazo em depósitos fixos de longo prazo e emissão de novas ações para obter capital).

Em Victoria, o governo declarou um feriado bancário de cinco dias na segunda feira, primeiro de maio de 1893, ação apontada por alguns como um movimento que tornou as coisas piores. Contudo, o que não é dito é que a história reproduziu um experimento para nós em 1893: o governo Vitoriano fez muito pouco para evitar a crise e salvar o seu sistema financeiro, a despeito do seu feriado bancário. Em contraste, o governo da Nova Gales do Sul tomou uma ação bem diferente.

Na Nova Gales do Sul, o governo fez a nota bancária dos grandes bancos – o Banco da Australasia, Banco da Nova Gales do Sul, Banco da cidade de Sydnei e Banco da União – curso legal, e anunciou que estaria disponível para agir como emprestador, como ultimo recurso. Isso recuperou a confiança do setor financeiro na Nova Gales do Sul em tal ponto que a crise terminou em alguns dias (Hickson and Turner 2002:165).

O governo de Victoria falhou em intervir da mesma forma que o de Nova Gales do Sul fez, e o resultado foi claro: Victoria vivenciou uma crise profunda, enquanto em Nova Gales do Sul a crise for largamente evitada.

Victoria representava uma grande parte da economia Australiana, então era natural que a crise financeira exacerbasse a recessão nesses anos. Em fato, o padrão familiar do desastre deflacionário já tinha afetado a economia Australiana em 1890, depois de que a bolha de ativos colapsou, desalavancando um setor privado altamente endividado.

“Na Australia, o PIB caiu por quatro anos seguidos, de 1890 até 1893... O desemprego cresceu exponencialmente. A imigração desacelerou e provisoriamente reverteu a direção. A desordem social se alastrou, comandada por tosquiadores de ovelhas, trabalhadores portuários e mineiros. A recuperação pós 1893, se é que pode ser chamada assim, foi lenta e desigual” (Adalet e Eichengreen 2007:233).

Como sempre, quando lidamos com um PIB do século XIX, apenas podemos ter estimativas. Uma estimativa diz que o PIB real caiu por volta de 10% em 1892 (Kent 2011), e em 7% por volta de 1893, ocorrendo deflação no período de 1891-1897. Angus Maddison fez as seguintes estimativas:

Ano | PIB
1888 | $14,685
1889 | $15,953 | 8.64%
1890 | $15,402 | -3.45%
1891 | $16,586 | 7.69%
1892 | $14,547 | -12.29%
1893 | $13,748 | -5.49%
(Maddison 2006: 452).

Nessas figuras, uma recessão moderada começou em 1890, uma recuperação ocorreu em 1891, mas não durou e uma real, depressão técnica (Isso é, o período em que o PIB/PNB contraiu em 10% ou mais) atingiu a Austrália em 1892, o que persistiu em 1893.

Após 1893, houve um crescimento inconstante, com recessão em 1895 e 1897, e a economia estava atolada no que chamamos de desemprego desequilibrado crônico, como vários países estavam nos anos 30.


APENDICE: ESTIMATIVA DO PIB AUSTRÁLIANO POR VOLTA DE 1890


Existem três estimativas modernas do PIB australiano no século XIX, como esses:
 (1) The figures of Noel G. Butlin, Australian Domestic Product, Investment and Foreign Borrowing 1861–1938/39 (Cambridge University Press, Cambridge, 1962), p. 460ff., with some amendments in Noel G. Butlin, Investment in Australian Economic Development, 1861–1900 (Cambridge University Press, Cambridge, 1964), p. 453.

(2) the revised lower estimates of Bryan Haig, “New Estimates of Australian GDP: 1861-1948/49,” Australian Economic History Review 41.1 (March, 2001): 1–34.

(3) adjusted figures for both (1) and (2) by Angus Maddison, The World Economy, Volumes 1–2 (OECD, 2006), p. 452, but using the estimates of Butlin (1962) and Haig (2001).
The data from Angus Maddison are below:

I. Angus Maddison’s Estimates of Australian Real GDP from Butlin (millions of 1990 international Geary-Khamis dollars)
Ano | PIB | Taxa de Crescimento
1888 | $14,685
1889 | $15,953 | 8.64%
1890 | $15,402 | -3.45%
1891 | $16,586 | 7.69%
 
1892 | $14,547 | -12.29%
1893 | $13,748 | -5.49%

1894 | $14,217 | 3.41%
1895 | $13,418 | -5.62%
1896 | $14,437 | 7.59%
1897 | $13,638 | -5.53%
1898 | $15,760 | 15.56%
1899 | $15,760 | 0%
1900 | $16,697 | 5.95%
(Maddison 2006: 452).
É interessante como isso mostra outras recessões ruins em 1895 e 1897, além de crescimento estagnado (sem crescimento) em 1899.

II. Angus Maddison’s Estimates of Australian Real GDP from Haig (millions of 1990 international Geary-Khamis dollars)
Ano | PIB| Taxa de crescimento
1888 | $12,546
1889 | $13,702 | 9.21%
1890 | $13,772 | 0.511% 
1891 | $13,890 | 0.857%
1892 | $13,640 | -1.8%
1893 | $13,663 | 0.17%

1894 | $13,819 | 1.14%
1895 | $14,015 | 1.42%
1896 | $14,288 | 1.95%
1897 | $15,147 | 6.01%
1898 | $15,749 | 3.97%
1899 | $16,592 | 5.35%
1900 | $17,186 | 3.58%
(Maddison 2006: 452).

Para comparação, aqui estão as cifras diretamente de Haig (2001) em milhões de libras nos preços de 1891:

Ano | PIB | Taxa de crescimento
1889 | 175.4
1890 | 176.3 | 0.51%
1891 | 177.8 | 0.85%
1892 | 174.6 | -1.79%
1893 | 174.9 | 0.17%
(Haig 2001: 29).

Aqui temos um acordo com as taxas de crescimentos calculadas por Angus Maddison.

Nas cifras revisadas de Bryan Haig, houve:

(1) Crescimento muito baixo em 1890–1891,
(2) Recessão suave em 1892, e
(3) Estagnação em 1893 (com uma taxa de crescimento de 0.17%).
Até essas cifras confirmam que alguma coisa estava errada na economia Australiana nesses anos, mesmo diferentes de Butlin (1962).

Contudo, há problemas com as estimativas de Haig. A avaliação de Angus Maddison sobre os valores revistos de Bryan Haig para 1860-1911 me mostram que eles não são necessariamente melhores que aqueles de Butlin. Ele pontua o seguinte:

(1)   De 1860-1911 Haig não tem medida quantitativa de 70% do PIB (Maddison 2006:453);

(2)   Haig descreve o processo de estimação que ele usou em apenas cinco páginas, enquanto Butlin o fez em 200 páginas.

(3)   Butlin forneceu dados de mais estados do que Haig fez: Haig usou dados de Victoria e de Nova Gales do Sul para preencher as lacunas para as estimativas totais Australianas (Maddison 2006:453).


(4)   Uma das objeções fundamentais de Haig para as estimativas de Butlin é que elas conflitavam com a interpretação tradicional da história econômica da Austrália: mas esta é uma objeção a priori não razoável. Como diz Maddison em sua resposta “é papel daqueles que discordam de Butlin provar que ele está errado” (Maddison 2006:451).


Considerando tudo, não vejo nenhuma razão para se preferir as estimativas de Haig.

BIBLIOGRAFIA:

Adalet, M. and B. Eichengreen. 2007. “Current Account Reversals: Always a Problem?,” in R. H. Clarida (ed.), G7 Current Account Imbalances: Sustainability and Adjustment, University of Chicago Press, Chicago. 205–246.

Bordo, Michael D. 1999. The Gold Standard and Related Regimes, Cambridge University Press, Cambridge.

Butlin, Noel G. 1962. Australian Domestic Product, Investment and Foreign Borrowing 1861–1938/39, Cambridge University Press, Cambridge.

Butlin, Noel G. 1964. Investment in Australian Economic Development, 1861-1900, Cambridge University Press, Cambridge.

Dowd, Kevin. 1992. “Free Banking in Australia,” in K. Dowd (ed.), The Experience of Free Banking, Routledge, London.

Haig, Bryan. 2001. “New Estimates of Australian GDP: 1861-1948/49,”Australian Economic History Review 41.1 (March): 1-34.

Hickson, C. R. and J. D. Turner. 2002. “Free Banking Gone Awry: The Australian Banking Crisis of 1893,” Financial History Review 9: 147–167.

Kent, C. J. 2011. “Two Depressions, One Banking Collapse: Lessons from Australia,” Journal of Financial Stability 7.3: 126–137.

Maddison, Angus. 2006. The World Economy: Volume 1: A Millennial Perspective and Volume 2: Historical Statistics, OECD Publishing, Paris.

Merrett, David T. 1989. “Australian Banking Practice and the Crisis of 1893,” Australian Economic History Review 29.1: 60–85.

Merrett, David T. 1993. “Preventing Bank Failure: Could the Commercial Bank of Australia have been saved by its Peers in 1893?,”Victorian Historical Journal 64.2: 122–142.

Pope, D. 1989. “Free Banking in Australia Before World War I,” Australian National University, Working Papers in Economic History, Working Paper N
o. 129.

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