Alguns irmãos podem achar que eu
caio no mesmo erro dos católicos liberais ao fazer uso do ferramental técnico keynesiano
para análise econômica, só que de sinal invertido. Enganam-se. Os católicos
liberais distorcem a DSI, distorcem a doutrina da Igreja, e quando isso por si
não basta, simplesmente ignoram o parecer da Igreja sobre assuntos temporais
para aderir ao liberalismo. Seja pela via da distorção, seja pela via da “vista
grossa”, o magistério se dobra perante a ideologia.
Nada poderia ser mais distante do que eu faço. Aquilo que há de errado em Keynes eu denuncio e renuncio. Por exemplo, Keynes acabou sendo tido por burocratizante e estatista mais pelos seus seguidores (muito dos quais distorceram a palavra do mesmo) do que pelo seu próprio parecer. Contudo, há alguma razão para se extrair isso do próprio Keynes.
Antes de qualquer coisa, Keynes era um autor moderno e liberal. A linha liberal de Keynes era o do liberalismo democrático e social, isto é, sacrifica-se a liberdade econômica em favor de uma economia de caráter “social”, para se preservar a democracia liberal. Keynes entendia que a instabilidade do laissez faire, somado com a extrema desigualdade de ganhos financeiros e renda, eram um convite à agitação violenta das massas, a radicalização e ao totalitarismo fascista e comunista. Sugiro aos interessados na vida de Keynes a biografia do mesmo, escrita por Robert Skidelski.
Por ser liberal, Keynes via o
mundo e a sociedade dividida entre indivíduos e Estado, e não vendo mecanismos
na própria sociedade (por conta de seus pressupostos errados) que pudessem
parar a opressão econômica daqueles indivíduos que detinham a posse do fator capital,
Keynes via no Estado a única forma de controlar esse poder. Mas essa opressão
não era vista por Keynes apenas como abusos do patrão contra o empregado num
clima de luta de classes. Aliás, Keynes não cria que essencialmente a luta de
classes era inerente ao capitalismo, para ele os conflitos distributivos entre
capital e trabalho se davam pela postura passiva do “Estado guarda noturno”, e
a completa ausência de um enquadramento jurídico que definisse as justas
atribuições de cada parte no que tange às relações laborais.
Keynes também desconfiava da
racionalidade do capitalista, sua experiência no mercado financeiro e sua
análise econômica foram capazes perceber que os indivíduos autocentrados
buscando maximizar suas utilidades, acabavam por se atentar apenas aos fatores
que lhe afetavam diretamente, e tomavam decisões com base nisso, ignorando que
outros tantos faziam o mesmo. Assim, a decisão racional de um indivíduo, quando
observado do ponto de vista macro das relações coletivas, eram nada racionais e
pareciam-se mais com comportamento de bando e manada, ou seja, os animal spirits. Contra a irracionalidade e incerteza
não quantificável que o futuro guarda, além das omissas posições políticas
diante dos abusos laborais, que outra força poderia proteger uma sociedade
atomizada, caótica, com indivíduos desiguais em poder perante um Estado
passivo? Keynes não titubeou: o Estado. E como Keynes só via o Estado, creu
genuinamente que tudo deveria partir dele.
Se Keynes não fosse um liberal filosófico, se ele tivesse tido a curiosidade genuína de estudar o magistério social da Igreja Católica, além de uma vasta gama de autores distributistas tais como Belloc, Chesterton, além dos carlistas, ele descobriria que no passado havia corpos intermediários na sociedade, com autonomia legislativa sobre seus membros, que poderiam suprir muitas das funções que Keynes passou ao Estado de modo muito mais eficiente. Por exemplo, as relações laborais poderiam muito bem ser regidas parte pelo Estado e parte pela autonomia legislativa de órgãos de classe cooperadas como as antigas corporações de ofício. Os ordo liberais de Freiburg, mais espertos, aprenderam com os erros de Keynes, e passaram a advogar o tripartismo. Órgãos de classe como sindicatos e associações patronais se uniriam mediadas pelo Estado para definir quais regras se aplicam.
Isso não significa, entretanto,
que as leis trabalhistas, salário mínimo, política fiscal, política monetária e
cambial, são erros que poderiam e deveriam apenas ser geridas pela sociedade, e
que, portanto, Keynes estava totalmente errado. Ao contrário, a Igreja mesmo
apoiou muitas dessas ideias partindo do Estado, o que faltava a Keynes era o
princípio da subsidiariedade. O Estado pode e deve cuidar dessas coisas, mas
não sozinho e nem ao mesmo tempo, mas sim de modo gradual e compartilhado, com atribuições
de funções aos entes federados mais baixos como municípios e estados, bem como
aos corpos políticos da própria sociedade como cooperativas, órgãos de classe,
sindicatos, igrejas, etc.
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Mas... – você pergunta – Não nos
bastaria simplesmente aderir ao distributismo, ao invés de se esforçar para arredondar
autores heterodoxos? E eu respondo: Não.
O distributismo é muito mais uma
filosofia econômica do que uma teoria científica da economia. Chesterton não fazia
uso de modelos matemáticos, não tinha proposições testáveis, não tinha uma
microeconomia sistematizada e nem uma macroeconomia coerente. A melhor
tentativa que vi de racionalizar o distributismo foi feita pelo professor de
teologia e economia da Universidade de Dallas, John Médaille no seu livro “Toward a trully free market” e, em menor
escala, por E.F. Schumacher em “Small is
beautiful”. E posso lhes garantir que já aplico muito do que eles ensinaram
e propuseram em suas teorizações distributistas nos textos que escrevo. Aliás,
para fazer com sucesso essa empreitada, os mesmos tiveram de recorrer a modelos
keynesianos e neoclássicos muitas vezes. Em conversa privada com o professor
Médaille certa vez, ele mesmo reconheceu que bebeu muito da fonte de
influências dos pós-keynesianos. Surpreso? Eu não. A crítica dele do mercado de
trabalho é totalmente pós-keynesiana, mas submetida a uma ética católica
verdadeiramente evangélica. É assim que se corrigem os erros de Keynes. E o
mesmo pode ser feito, caso algum leitor tenda mais ao liberalismo, com os
autores liberais clássicos. Aliás, boa parte do trabalho já foi feita pelos
ordoliberais, cabe a nós aprimorar, como mencionei na minha ideia de Economia
Moral de Mercado.
Esta, portanto é a diferença
entre o que eu faço – curvando a razão a fé, como propõe a doutrina de sempre
da Igreja – e o que os ideólogos como Padre Sirico, Olavo de Carvalho, Thomas
Woods Jr, Adolpho Lindemberg e/ou Jeffrey Tucker fazem.
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