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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Não há uma terceira via?

Este texto é uma tradução do texto "No third way" feita pelo amigo Guilherme Pöttker.

Liberais econômicos na Igreja Católica freqüentemente citam a encíclica social Centesimus Annus (doravante, CA) do Papa São João Paulo II para afirmar que a Doutrina Social da Igreja Católica não é uma "terceira via" entre e além do comunismo/socialismo e o capitalismo. Na verdade, depois da publicação da CA, o falecido Pe. Richard John Neuhaus, escrevendo para The Wall Street Journal, chamou essa perspectiva de terceira via de "um sério erro". No vigésimo aniversário da encíclica, George Weigel triumfantemente proclamou na First Things que a CA "abandonou fantasias de 'terceira via católica". Posto que a expressão "terceira via" não aparece em lugar algum da CA, a base textual dessa afirmação é questionável. Geralmente, os liberais econômicos citam o seguinte:

« Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?


A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade no sector da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa. (...)(§42)


A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das diversas situações históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos os seus aspectos sociais, económicos, políticos e culturais que se entrelaçam mutuamente [84]. A esse empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal indispensável, a própria doutrina social que — como se disse — reconhece o valor positivo do mercado e da empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que estes sejam orientados para o bem comum.(...)(§43) »

O problema com essa e outras passagens da CA que superficialmente parecem endossar o capitalismo de livre mercado é que elas são freqüentemente divorciadas do resto do texto e, de facto, do resto do magistério social da Igreja. Como escreve Thomas Storck no seu excelente 'What Does Centesimus Annus Really Teach?' (N.T.:'O que a Centesimus Annus Realmente Ensina?'), publicado no Distributist Review em 21 de Fevereiro de 2009, essas passagens não endossam a plenos pulmões o capitalismo desregulado, e, na verdade, o texto da CA indica que o ocaso do socialismo não implica o triunfo do capitalismo. Eis o que afirma Storck:

« Relevante a isto também é a seguinte passagem ignorada na Centesimus, que realmente esclarece que João Paulo não decidiu que a opção capitalista é a única que restou: "Como vimos lá atrás, é inaceitável a afirmação de que a derrocada do denominado «socialismo real» deixe o capitalismo como único modelo de organização económica." Na verdade, se alguma economia atual é elogiada na Centesimus Annus, é a "economia social de mercado" da Alemanha Ocidental. »

Richard Aleman, noutro texto excelente, 'The Continuity of Centesimus Annus' (NT.: 'A Continuidade de Centesimus Annus'), publicada no Distributist Review em 22 de Setembro de 2011, põe à prova aquela supracitada alegação de Weigel, argumentando, contra os liberais econômicos, que a CA é uma continuação do magistério dos Papas Leão XIII e Pio XI, ao invés de uma ruptura radical. Ao fazê-lo, Aleman permanece fiel ao chamado do Papa Emérito Bento XVI à leitura do magistério da Igreja segundo uma hermenêutica de continuidade. Em que pese muitos liberais econômicos insistam que esse é o modo correto de interpretar o Concílio Vaticano II, muitos parecem implicitamente rejeitar tal hermenêutica na esfera social. Por quê? Seria porque pontífice algum jamais aceitou a sua cosmovisão liberal, que totaliza o mercado e alega - falsamente - que as "descobertas" da "ciência econômica" superam as prescrições morais da Santa Igreja Católica? Qualquer que seja seu raciocínio, persiste o facto de que liberais econômicos, mais do que nunca, estão-se esforçando para manter a aparente pureza de suas questionáveis doutrinas a despeito de freqüentes lembranças pelo Papa Francisco de que a lógica da ganância, amparada numa perspectiva utilitarista, não é aceitável em um mundo onde Deus ainda reina como Senhor e Rei.

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