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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Keynes, sobre as propriedades especiais da moeda.

Keynes, na Teoria Geral (1936), mostrou que a moeda fiduciária, e mesmo a moeda commodity, têm propriedades especiais: 

“...a moeda tem, tanto a logo como a curto prazo, uma elasticidade de produção igual a zero, ou pelo menos muito pequena, no tocante ao poder da empresa privada como coisa distinta da autoridade monetária — elasticidade de produção significando, neste sentido, a resposta do volume de mão-de-obra dedicado a produzi-la diante de um aumento na quantidade de trabalho que se pode obter com uma unidade da mesma. Ou seja, a moeda não se pode produzir facilmente — os empresários não podem aplicar à vontade trabalho para produzir dinheiro em quantidades crescentes à medida que o seu preço sobe em termos de unidades de salários. No caso de uma moeda inconvertível, esta condição satisfaz-se estritamente. No caso, porém, de uma moeda padrão-ouro também assim sucede, de maneira aproximada, no sentido de que o máximo da quantidade de trabalho suplementar suscetível de ser empregado dessa forma é proporcionalmente muito pequeno, salvo, naturalmente, num país em que a mineração de ouro seja a indústria principal. Ora, no caso dos bens cuja produção demonstre elasticidade, a razão pela qual admitimos que a sua taxa específica de juros declina decorre do fato de supormos que o seu estoque aumenta em consequência do maior volume da produção. No caso do dinheiro, entretanto — adiando, por enquanto, o exame dos efeitos de uma redução na unidade de salários ou de uma alta deliberada em sua oferta provocada pela autoridade monetária —, a oferta é fixa. Assim, a característica segundo a qual a moeda não pode produzir-se facilmente pelo trabalho leva, imediatamente, a supor prima facie ser correto o ponto de vista de que a sua taxa específica de juros será relativamente refratária à baixa; ao passo que se a moeda pudesse ser cultivada como um cereal ou fabricada como um automóvel, as depressões poderiam ser evitadas ou atenuadas, porque se o preço de outros bens tendesse a baixar em termos de moeda mais trabalho seria desviado para a produção de dinheiro, como vemos ser o caso nos países de mineração de ouro, embora para o mundo, em conjunto, o desvio máximo neste sentido seja quase insignificante.” 

A moeda tem uma elasticidade de produção nula ou muito pequena. Isto significa que um aumento na demanda por moeda e um aumento em seu “preço” (ou seja, uma elevação de seu poder aquisitivo) não levarão as empresas a “produzirem” moeda mediante a contratação de mão de obra. Mesmo sob o padrão-ouro, quando a moeda era um tipo de commodity produzida, a produção de ouro ou prata em quantidades significativas estava severamente limitada a certos países e breves épocas. Por exemplo, se o Reino Unido fosse atingido por uma depressão deflacionária na década de 1880, com um crescente poder aquisitivo da moeda porque sua demanda aumentava como uma garantia contra a incerteza futura (isto é, um aumento em seu valor devido à deflação), as empresas britânicas poderiam simplesmente contratar funcionários desempregados a fim de “produzir” ouro no Reino Unido? Não, não poderiam. A propriedade da elasticidade de produção nula ou muito pequena também se aplica aos ativos financeiros líquidos. É uma contradição intrínseca da própria moeda, uma vez que segundo a teoria austríaca, a moeda como commodity universal de trocas deve ser rara, e, portanto, não faria sentido produzir mais ouro sendo que sua qualidade como moeda não depende de sua abundância, mas ao contrário, de sua escassez. Se os consumidores decidem comprar menos commodities produtíveis e decidem entesourar seu dinheiro ou adquirir posse de ativos financeiros, o desemprego resultará em alguns setores porque a demanda por commodities declina. O preço dos ativos financeiros vai subir, e é possível que o preço da moeda também subisse. As empresas privadas, todavia, não podem contratar os desempregados para “produzir” ou “manufaturar” mais moeda ou ativos financeiros a fim de explorar oportunidades de lucro em ativo de alto custo (Davidson 2010: 255-256). Um outro ponto é que a moeda e os ativos financeiros possuem uma nula, ou quase nula, elasticidade de substituição por commodities produtíveis: “A elasticidade de substituição entre todos os (não-produtíveis) ativos líquidos e os produtíveis bens e serviços da indústria é nula. Qualquer aumento na demanda por liquidez (isto é, uma demanda por ativos financeiros líquidos não-produtíveis a ser mantida como uma reserva de valor), e as resultantes mudanças nos preços relativos entre ativos líquidos não-produtíveis e os produtos da indústria, não desviarão esse aumento na demanda por ativos líquidos não-produtíveis para uma demanda por bens e/ou serviços produtíveis” (Davidson 2002: 44). O axioma da substituição bruta é uma assunção fundamental da economia neoclássica, e os austríacos parecem também assumi-lo tacitamente; porém, tal axioma é errôneo, e todas as inferências feitas a partir dele, nas teorias econômicas, também são errôneas.

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Tradução do artigo homônimo do socialdemocracy21stcentury.blogspot por Carlos Magno.

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