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segunda-feira, 23 de março de 2015

A hegemonia liberal.


Um quarto de século passou-se do Novembro de 1989 em que aquele que fora desde 1961 símbolo concreto, representação física da Guerra Fria e ponto de contato entre os blocos do "Ocidente" de feições liberais e o "Leste" Soviético - o Muro de Berlim - caíra e seus restos tomados por alemães, dos dois lados, a comemorarem. Somente dois anos após, em 1991, a União Soviética se dissolvera, estes eventos marcaram não somente o fim da última das 'guerras'/ disputas ideológicas do Século XX, como também o final deste que fora chamado de "A Era das Ideologias".

No entanto, cada vez mais assistimos a reedições dos discursos, slogans, lemas e clichés que marcaram toda a Guerra Fria, estes sendo proferidos tanto à direita quanto à esquerda, e que nos soam cada vez mais caricatos dado o abismo cada vez maior que os separa da realidade. Essa "nova Guerra Fria" é sintomática demonstrar quão nos órfãos nos tornamos após a "Morte das Ideologias" - estas que fizeram da política a paixão do século XX, por fazer com que as pessoas acreditassem e nutrissem sonhos, esperanças e causas pelas quais lutar. As ideologias que redesenharam as fronteiras e as relações entre os países ao longo de todo o século - agora resta a decepção com o que da política restou, seu caráter fisiológico e 'sujo', incapaz de nutrir esperanças e de mera manutenção do status quo.

Podemos afirmar que o Liberalismo saiu como o grande vencedor do Século XX e que este, ao derrotar seus rivais - o Socialismo, o Conservadorismo e o Fascismo - transcendeu o status ideológico, passando a figurar como a prática ou a nova realidade e que seus valores, práticas e instituições tornaram-se 'globais'. Diferentemente da Guerra Fria em que o Liberalismo estava associado ao alinhamento com os Estados Unidos, hoje não se faz mais necessário tal alinhamento e por ter tornado-se global, não mais o Liberalismo necessita de um "centro difusor" já que em maior ou menor escala todos nos tornamos Liberais.

Desse modo, a luta hoje reside dentro do próprio capitalismo como mostra Michel Albert em "Capitalismo versus Capitalismo". Temos formas de capitalismo que podem ser resumidos, grosso modo, apesar de suas pequenas disparidades em capitalismo neo-americano e capitalismo do Reno.
O modelo neo-americano incluem as vertentes que se apoiam na ortodoxia da Escola de Chicago e da Escola Austríaca ao passo que o capitalismo do Reno se apoia na Escola de Freiburg. Existem modelos mistos como o Keynesianismo invencível da França e a Escola de Estocolmo na Escandinávia, mas representam facções que se alinham politicamente com o capitalismo do Reno. Apesar dessas variações, todas as alternativas representam uma inclinação possível do espectro liberal, desde o purismo da primeira via no modelo neo-americano (Chicago ou Áustria) até o welfare state nórdico e o colbertismo francês (Myrdal e Keynes), passando pela terceira via de mercado dos ordoliberais alemães, cujo o próprio nome subentende algum grau de liberalismo por de trás de uma organização política do Estado no intrincado processo econômico.

Os tradicionalistas e conservadores, devastados pela destruição das falsas promessas de renovação do mundo pelas terceiras posições (fascismos), viram-se forçados a estar alinhados com os liberais, uma vez que temiam mais uma revolução análoga a de 1789 (as revoluções comunistas). Hoje porém, encontram-se abandonados, pois sua aliança politica com os liberais não se faz mais necessária uma vez que o comunismo morreu. E como os verdadeiros conservadores (a exemplo dos Tories britânicos) não possuem um novo modelo econômico adaptado aos complexos ditames do mundo pós-globalização para chamar de seu, estão fora da briga política entres os matizes do capitalismo moderno. Assim sendo, os conservadores apresentam uma estrutura política que é rejeitada tanto por social-democratas quanto por liberais por não se adaptarem aos seus modelos. Partidos conservadores que tentam ressuscitar uma plataforma pré-capitalismo liberal como o Front National  de Marie Le Pen é jogado imediatamente para a extrema-direita. Esse é o dado mais sintomático da morte das ideologias, tanto a esquerda tradicional (marxista-leninista) foi substituída por um embotado de liberalismo e relativismo moral chamado de "Nova Esquerda", muito bem desmascarada, por sinal, pelo liberal inglês Roger Scruton. E a direita foi substituída por um grupo de economicistas cada vez mais anarquistas sem qualquer compromisso com instituições e moral que se auto-intitulam de "Nova Direita", a exemplo do Partido Novo no Brasil. A grande briga hoje é de compadres, a briga do liberalismo com o liberalismo. Uma briga de primos que nos coloca numa nova situação política onde não existe qualquer perspectiva de mudança.

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