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domingo, 29 de março de 2015

Foucault vs. Scruton - Alguns pontos contra o guru da nova esquerda.


No livro "Os pensadores da nova esquerda", Roger Scruton, um dos mais proeminentes filósofos ingleses, se dedica a analisar o pensamento dos ícones da esquerda contemporânea, àqueles velhos gurus do apoteótico Maio de 1968. Num de seus capítulo de análise e refutação de tais filósofos, Scruton se pega delineando o guru-mor da seita politicamente correta: Michel Foucault.

Michel Foucault
O ponto central de Foucault é aquilo que o filósofo brasileiro Gustavo Corção chamou a atenção de relance em "O século do nada". Se no passado os filósofos, os grandes pensadores e mestres partiam do alguma coisa pra entender o mundo, e apenas alguns partiam do nada; hoje todos partem do nada para o lugar algum. Para Foucault não existe realidade objetiva, não há verdade objetiva, nem moral objetiva, enfim, Foucault parte do nada. Tudo o que chamamos de verdade é sempre uma verdade adaptada a uma episteme, de alcance histórico pequeno e particularizado, que guarda sempre em suas entranhas os interesses da classe dominante.

Assim, criando um pensamento filosófico pretensamente ex-nihilo, fica muito evidente que Foucault tem certezas demais pra quem começa negando toda e qualquer verdade absoluta. A princípio fica claro como destaca o "coleguinha" Scruton que Foucault segue a base fundamental da história "for dummies" do "Manifesto Comunista" de Karl Marx e de seu boneco de ventríloquo Engels (2014, p.64). Assim, separando a realidade em época clássica e em época burguesa, Foucault começa a análises "arqueológica" do "poder". Para quem rejeita verdades absolutas como duração universal e aptas para explica a realidade como um todo independente de cada episteme, Foucault já começa com a universalidade das categorias marxistas do "Manifesto". Começou muito bem... Começou bem...

O "esquerdista caviar-mor" - para imitar Rodrigo Constantino, já que o habitat natural do "gauchiste" eram os cafés de Paris, ambiente tipicamente classe média alta - tem como objetivo (2014, p.59)
"[...] a busca pelas secretas estruturas de poder."
O que isto quer dizer?

Nada, como veremos mais ao final.

Para Foucault, toda "verdade" é na "verdade" um discurso político com vista a exercer poder sobre algum conjunto de infelizes e pobres coitadinhos que não fazem ideia de onde vem o ponta-pé no traseiro, a paulada na cabeça e o julgo de seu sofrimento. Foucault define as estruturas do saber nunca como objetivas, mas sempre como relativas e úteis a uma época específica. A isto ele chama de episteme, isso quer dizer que o conjunto de ideias aceitas como verdadeiras variam de acordo com o interesse da classe dominante. O único critério objetivo na construção dessa "verdade" científica de época é o interesse de uma classe manter o seu poder.

Por isso em "A história da loucura" Foucault trabalha com a ideia de que não existe uma categoria objetiva chamada de "louco". O "louco" é só um indivíduo - por assim dizer - que porta uma "verdade" que não se adapta a uma episteme hegemônica - parodiando Gramsci. Em suma, o louco tem um potencial revolucionário que põe em risco a estrutura de poder vigente, e que portanto, o louco precisa ser anulado, enclausurado e tratado como uma aberração. E como o louco se manifesta como louco em uma determinada época? Por meio de seu discurso afrontador do establishment, é óbvio! Scruton aponta o problema na seguinte ordem (2014, p.62):

Roger Scruton
Era claro no século XVIII, de acordo com Foucault, que, enquanto a loucura era capaz de expressar a si mesma, ela não tinha linguagem na qual fazê-lo se não a que a linguagem oferece. A única fenomenologia da loucura reside na sanidade. Certamente, então, o século XVIII tinha no mínimo uma intuição sensata sobre a natureza da desrazão? A província da linguagem e a província da razão são coextensivas, e se a loucura contém suas próprias "verdades", como Foucault proclama estas são inexprimíveis. Como, então, podemos imaginar corretamente uma "linguagem" da desrazão na qual as verdades da loucura são expressas, e para a qual agora devemos afinar os ouvidos?
Isto é, se a linguagem da loucura guarda sua própria verdade, e ela não pode se expressar pois a única linguagem disponível é a da razão, que por definição não é a linguagem do louco, como podemos nós, se prontificar a entender a verdade da loucura sendo que nós somos apenas seres normais utilizadores da linguagem da razão? Isto é só uma diferença de codificação na linguagem ou uma diferença de lógica? Bem, pelo contexto que Foucault explana bem, fica evidente pra mim que se trata de uma diferença de lógica. Temos aqui um polilogismo. Pior! Temos também uma contradição performativa, pois, a não ser que Foucault se considere louco e, portanto, portador dessa "verdade" da loucura, como pode ele ser o homem capaz de nos demonstrar que existe essa linguagem da não-razão? E mesmo que Foucault se pretendia de fato como um dos loucos que ele tanto louva, como ele pretende através da linguagem da loucura, exprimir para nós, meros seres racionais e normais, a verdade da loucura? E mesmo que ele não pretendesse explicar qual era essa verdade, mostrar simplesmente a existência de uma "verdade" diferente da nossa já pressupõe que de algum modo ele seja capaz de reconhecer um outro padrão (ou não-padrão) lógico. Como isso seria possível sem cair no mesmo mal que diagnostica, que é a impossibilidade de fazer a verdade da loucura chegar ao homem racional sem caminhos de linguagem?

Do ponto de vista da historiografia, Foucault é um hegeliano, um dos raros porém ainda existentes defensores da assim chamada "História Filosófica", cuja marca principal é sua confiança apenas na lógica e na dialética e seu desprezo pelas evidências empíricas, materiais hoje considerados indispensáveis pelo historiador. Bentivoglio e Merlo (2014, p.39) em seu livro "Teoria e Metodologia da História - Fundamentos do conhecimento histórico e da historiografia" resumem essa vertente de pensamento histórico como:
A história filosófica das luzes chegará até Hegel, tendo como base uma filosofia da história, que defende uma história universal, linear, não mais governada pela providência, como na Idade Média, mas pela razão, com um sentido progressivo cujas leis naturais poderiam ser compreendidas. [...] De qualquer modo, há certo desprezo pelas fontes, pela empiria, e uma valorização, sobretudo, da interpretação metafísica na busca de sentidos ou ideias universais como fios condutores da história.
Ou seja, para quem antes dizia que não havia uma verdade universal e sim verdades particularizadas, nos deparamos agora com alguém que se vale de uma lógica universal, linear governada pela razão, história essa cujo motor perpassa e ignora todas as individualidades (objeto de crítica profunda de Kierkegaard). Todos os fatos históricos citados por Foucault estão ideologicamente distorcidos de modo que sirvam aos seus interesses, isso é fácil de se fazer quando não se tem nenhum apreço pela empiria. Não quero com isso dizer que nãos e possa interpretar ideologicamente a informação de um documento, mas sim, que sem esse documento, fica mais fácil distorcer a realidade pra justificar qualquer ideia idiota. Se as evidências destroem minha teoria, pior pras evidências.

Foucault (2014, p.66), segundo Scruton, ainda nos alerta que NADA é feito sem que seja em nome do poder. Então eu lanço uma perguntinha... Será que Foucault escreveu suas obras em nome do poder ou com total despretensão, ou, na melhor das hipóteses, com profundo desejo humanitário de enriquecer o conhecimento humano? Sua obra pretende-se como verdade universal ou ser apenas mais uma episteme serva de algum poder ascendente? Temos aqui novas contradições performativas. 
Provavelmente o "gauchiste" nos diria por representar os oprimidos, os proletários e toda sorte de infelizes que levaram um pé no traseiro da sociedade burguesa, ele possui uma visão objetiva da história, algo que só o proletariado, segundo Marx, poderia ter. Ai ai... Foucault e Marx, proletários como eles só...

Por fim, Foucault diz que o poder é inerente a qualquer tecido social. (204, p.70) Sim, isso é verdade e Scruton rebate: Como acabar com o poder sem então acabar com o tecido social? Foucault não traz resposta. A grande investigação "arqueológica" de Foucault começa do nada e termina no nada.

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SCRUTON, Roger. Os pensadores da nova esquerda. São Paulo: É Realizações, 2014.

BENTIVOGLIO, Julio Cesar; MERLO, Patrícia. Teoria e metodologia da história - fundamentos do conhecimento histórico e da historiografia. Vitória: UFES, 2014.

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