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domingo, 22 de março de 2015

Análise do distributismo segundo a percepção de Gustavo Corção sobre Chesterton.


Terminei hoje a leitura do livro "Três alqueires e uma vaca" do democrata cristão Gustavo Corção. O livro é uma obra prima, ao contrário do já comentado aqui "Patriotismo e nacionalismo" ele é muito maior, mas igualmente rico. A forma que o filósofo brasileiro escolheu para expor o pensamento de Gilbert Keith Chesterton (personagem central do livro), foi ordenado e interessante, como quem apresenta uma pessoa, seus fundamentos filosóficos e políticos com o objetivo de localizá-lo no espectro político.

A parte I - "O humanismo em Chesterton" - é uma análise biográfica. Sim, é injusto chamar apenas de biografia, uma vez que Corção dá seus palpites e opiniões como quem conversa com um amigo, por isso mesmo o filósofo brasileiro diz que "escreveu um livro COM Chesterton e não SOBRE Chesterton". É como se Gustavo estivesse apresentando um velho conhecido a um amigo ou parente que o desconhecia. Chesterton é, assim,  apresentado ao leitor, em seus trejeitos, carranca e hábitos.

A parte II - "O homem e suas ideias" - é uma apresentação ou exposição dos princípios filosóficos mais caros e basilares do pensamento político e econômico do grande pensador inglês. Se no primeiro capítulo Corção apresenta Chesterton como um crítico do desumanismo da sociedade moderna que se importa com as partes das pessoas e não com as pessoas em sua totalidade e complexidade, no segundo ele apresenta-nos Chesterton como um legítimo humanista, e para isso Corção por vezes recorrer a Jacques Maritain.

A parte III - "Para não ser doido..." - Corção faz uma abordagem quase epistemológica de Chesterton, a noção de "mistério" (que seria um gap epistemológico) em contraposição a loucura do homem racional. Aqui Chesterton demonstra que o homem moderno é quase um psicopata, pois perdeu tudo: sua humanidade, sua moral e sua dignidade, mas não perdeu a razão. E para Chesterton, um homem que só tem a razão e nada mais é louco. Um psicopata. Corção reconhece alguns desses exemplares no Nazismo e no Comunismo, como quem estivesse se antecedendo ao psiquiatra polonês Andrew Lobaczewski que escreveu "A ponerologia política", um amplo estudo sobre a liderança política na Europa comunista onde todos os lideres eram psicopatas e transformaram o seu próprio povo em um coletivo de histéricos delirantes e subservientes ao discurso do partido.

"O louco é o homem que perdeu tudo, exceto sua razão." - G.K. Chesterton
Chesterton cita como exemplo o cientista behaviorista Henri Pieron, que a fim de testar as associações psicológicas entre alguns estímulos e as respostas a eles, torturou covardemente um bebê ao lado de sua assistente. 

Parte IV - "Para não ser bárbaro..." - O título da quarta parte é sugestivo, se as duas anteriores apresentam os fundamentos filosóficos de Chesterton, a quarta apresenta seus fundamentos políticos, sua defesa da democracia, do respeito a constituição, os contratos, leis e acordos. O bárbaro em sua concepção originária na Grécia e na Roma republicana era aquele homem que vivia sujeito a um rei ou imperador, não sendo portanto, totalmente autônomo e livre, além de ser um sujeito que não falava o grego ou o latim. Assim sendo, no mundo antigo, estes indivíduos não eram considerados civilizados. Para Chesterton e Corção, o homem "esperto", o homem "divorciado" e o "ditador" são similares, pois acreditam que podem destruir todos os contratos e rasgá-los como um punhado de papel vazio ao seu bel prazer. Para Chesterton, há uma reciprocidade nas relações sociais entre o Estado e o povo que deve ser orgânica e natural. O feedback é sempre visível quando as leis "tem o tamanho do homem", isto é, levam em conta a natureza humana e as culturas que dela nascem e quando o homem obedece a essas leis, não por medo, mas por se reconhecer nela.

Assim sendo, se a parte I, II e III é uma pregação contra o übermensch, de Nietzsche, que é um gigantismo sem a medida do homem, a parte IV é uma pregação jusnaturalista de que as leis devem reconhecer e serem reconhecidas pela natureza humana. É a essência de "Três alqueires e uma vaca".

Parte V - "Para não ser escravo..." - a condição mais humilhante, cruel e covarde da força de trabalho de uma sociedade é a de escravo. O temor de Chesterton era que o capitalismo desenfreado como o que ele testemunhou na Inglaterra do "laissez faire" é que o capitalismo liberal viesse a levar as pessoas a serem expulsas de suas já pequenas propriedades em favor dos oligopólios e monopólios das grandes propriedades. Chesterton temia que as pessoas voltassem a escravidão. O gigantismo da propriedade privada assustava Chesterton, assim como o gigantismo do Estado assustava Corção. Para Chesterton, a propriedade, assim como as leis e a própria autoimagem que o homem faz de si devem ter o tamanho do próprio homem, as proporções humanas.
É bem verdade que as ideias dos economistas clássicos, como Adam Smith, John Stuart Mill e David Ricardo serviram de molas propulsoras para as práticas econômicas da época, mas não necessariamente corresponderiam ao que defendiam os supracitados economistas (Cf. Lionel Robbins), mas isto não tira do liberalismo econômico tal como existiu no fim do século XIX e início do XX o resultado inescapável da concentração da propriedade privada nas mãos de enormes conglomerados que expurgavam os pequenos proprietários de suas humildes propriedades. Corção, por outro lado testemunhou o estatismo do Estado Novo, concentrador e corrupto, viu as engrenagens mais perversas da máquina estatal de Getúlio Vargas.

Podemos resumir a posição de Chesterton sobre o capitalismo como sendo o regime econômico onde o capital reside nas mãos de poucos homens que exploram os demais. Nesse sentido, o capitalismo é um vício assim como o comunismo que extirpa a propriedade privada entregando-a toda ao Estado.

O distributismo é, na ética dos extremos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, um justo meio termo, onde a propriedade está distribuída em proporções mais ou menos justas entre o máximo possível de pessoas.

G. K. Chesterton

O distributismo e a Economia Social de Mercado...

A ideia distributista de Chesterton não é utópica, isto é bem verdade... Mas também não se pode dizer que ela é economicamente eficiente. Por ser defensora sempre da pequena fábrica, do pequeno artesão, da pequena propriedade rural, ela ignora as vantagens de industrias úteis e que são grandes por sua própria natureza, como muito bem realça Gustavo Corção. A indústria de trens, bondes, navios, não podem ser reduzidas a pequena propriedade, entretanto são úteis para trazer prosperidade. Por vezes Gustavo Corção faz adaptações destas ideias na realidade em conceitos que muito se aproximam da economia social de mercado. A diferença entre os princípios filosóficos de uma e outra reside num mau suporte teórico do capitalismo oferecido pelos economistas clássicos e na sua interpretação crítica marxista. A revolução marginalista, decisiva para o capitalismo liberal, afetou também a inteligentzia cristã (protestante e católica) que percebeu os erros da velha abordagem econômica, isso levou os democratas cristãos a uma concepção mais realista, moderna e racional do capitalismo que é justamente a Economia Social de Mercado.

Com isto, a própria concepção do distributismo evoluiu para uma nova forma de economia capitalista pois foi afetada pelas descobertas da revolução marginalista, onde fica evidente que o crescimento econômico e o lucro (assegurados pela Igreja ao contrário do que se pensa) não eram mais vistos como resultado da exploração e da mais-valia, mas sim como criação de riqueza "ex-nihilo". Tenho motivos para crer que, caso Chesterton estivesse entre nós hoje, e visse os progressos que os teóricos da Economia Social de Mercado fizeram (e que são muito bem demonstradas por Michel Albert em "Capitalismo versus capitalismo"), teria bons motivos para, se não se tornar um defensor dela, ao menos se tornaria um grande respeitador das ideias ordoliberais.

Concluo esta resenha, com um sentimento de enorme alegria, por ter tido a oportunidade - que creio que era o que Gustavo Corção queria que me sentisse como - de ter sido apresentado a um novo grande amigo, Gilbert Keith Chesterton.

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