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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Burke não é o bastante: Da impossibilidade do liberal-conservadorismo (Parte 3/3)


*Tradução de Carlos Magno de artigo da The hipster conservative.

Todas as coisas boas chegam ao fim, dizem, e assim deve findar-se esta série sobre os limites do conservadorismo burkeano. Em primeiro lugar, discutimos como o “panorama da tradição” mudou: o que era revolucionário e nocivo à grande herança da humanidade tornou-se, há muito, “tradicional”, ao passo que atributos ainda mais radicalmente progressistas pontuam as mentes de muitos homens. Assim, a mudança gradual defendida por E. Burke simplesmente faria parte do problema — afirmar a verdade, o bem, e a beleza, os quais o próprio Burke tentava preservar, transforma o próprio homem numa espécie de radical, amiúde antagônico aos gostos e políticas de seus predecessores imediatos.

Similarmente, vimos a crítica de Chesterton, em que há um tipo de segunda lei social da termodinâmica. Não devemos simplesmente aceitar a política evolutiva — se algo é um bem ou uma verdade universal, precisa ser restaurado, em geral contra a maré dos fãs da inércia moderadora. De muitas formas, o Deus Eterno e Sua Lei não podem ser chutados para fora da equação. Às vezes, é preciso teimosamente lutar contra certa entropia sociopolítica — uma prática dificilmente compreensível a partir do pensamento de Edmund Burke. 

Por outro lado, alguma coisa mudou, ao longo da história. Sou diferente do homem antigo e do homem medieval, assim como sou diferente de um estrangeiro. O que mudou, especialmente para o homem ocidental contemporâneo, quando contrastado com seus ancestrais? Isto: nossa consciência mudou e vai continuar mudando; posto de outra forma, o modo de conhecer do ser humano evoluiu, de fato. Aqui, faço referência ao gênio de Owen Barfield, “segundo amigo” de C. S. Lewis e dos Inklings. Em suas obras Poetic Diction e Saving the Appearances, Barfield explora como ocorre essa mudança. Por exemplo, em Poetic Diction, ele explica como a linguagem humana primitiva, e assim a aquisição de significado, era única; seu grande exemplo é a palavra grega pneuma, a qual significa “fôlego”, “vento”, ou “espírito”. 

A percepção comum de muitos linguistas e antropólogos é a de que o homem primitivo (chamemo-lo “Ug”) possuía vocabulário limitado, grosseiro, incapaz de “apanhar” todas as nuances de significado que hoje nós temos. Similarmente, em Saving the Appearances, Barfield fala sobre como deuses e outras personagens mitológicas representavam fenômenos naturais, tais como Íris personificando o arco-íris. A suposição dos especialistas, de novo, assume inclinação darwinista: Ug, em sua primitiva, temerosa e supersticiosa emergência da lama, personificava várias coisas em seu redor. Um mundo cheio de espíritos era a melhor maneira de explicar todos esses objetos e eventos estranhos que o rodeavam. 

Barfield não tem nada disso. A palavra pneuma tem três significados, porque fôlego, vento e espírito, na consciência ancestral, estavam efetivamente ligados; os três conceitos, de fato, fundiam-se numa espécie de unidade primordial. Foram outros homens, com consciências evoluídas, que há muito tempo delinearam, separaram, distinguiram, separaram e, talvez, até fraturaram (?) esses significados, mediante abstração e outros meios. Igualmente, o homem antigo personificava a natureza, porque tinha um sistema perceptivo diferente: ele participava das representações que presenciava. Não era algo que estivesse fora dele, nem toda a realidade era relativisticamente maleável segundo seus próprios caprichos. A distinção cartesiana entre sujeito e objeto é praticamente suprimida (ou melhor, não existe ainda). 

Quando Barfield diz “representações”, ele se refere ao que nós intuímos como um ser humano; com frequência, a mera “essência” da matéria não é representada. Ele refere-se ao arco-íris: os cientistas nos dizem que as gotículas de água (compostas de moléculas, átomos e quarks) ficam suspensas no ar enquanto a radiação eletromagnética visível (luz) mana através delas. Mas isso não significa muito — é uma explicação, não um significado. De maneira semelhante, podemos partilhar essa representação, coletivamente, com outros seres humanos (que nos ajudam a distinguir entre ilusão e realidade). Por certo, as partículas e o mero cosmos existem sem o ser humano, porém, vez que o homem entra em cena e sua consciência começa a interagir com as partículas, um “mundo” é produzido; neste caso, a mera percepção sensorial não basta para o lidar e se relacionar com o mundo caótico — muito do ser humano é necessário (hábitos de pensamento, memória, imaginação, sentimentos, volição etc.). 

Os homens podem, simplesmente, experimentar representações, pensar sobre elas, ou pensar sobre sua natureza. Essas três funções não estão isoladas — interagem uma com a outra de formas importantes. Essa é a essência da história, e foi o desenvolvimento da consciência histórica, em si, que nos permitiu o explorar este tema com significativo entendimento (como John Lukacs, discípulo de Barfield, evidenciaria).

Não falo sobre todo esse fenômeno de consciência simplesmente como um bem absoluto, mas como algo que meramente acontece. De fato, nossa imaginação atual parece bastante desarraigada, por várias razões; objetificamos o mundo, e assim o povoamos de ídolos, os quais impossibilitam qualquer participação. Certas formas importantes de conhecer parecem apartadas de nós, mas talvez possam ser recuperadas. No entanto, como Lewis argumenta, em That Hideous Strength, é como se o mundo estivesse diminuindo e enrijecendo, tornando mais extrema a separação entre o bem e o mal (dentre outras coisas). Além do mais, a ascensão do individualismo — um produto da aparentemente nociva reviravolta cartesiana — também nos disponibiliza um nível superior de introspecção. 

Assim, é isso o que muda e vai mudar. Não é, necessariamente, um progresso com um fim inevitável; inúmeras potencialidades assombram os corredores da história e da poesia. Quando olho para trás e vejo este artigo, não posso evitar pensar em meu insuficiente trabalho, explorando essas importantes realidades; Barfield e seus estudantes (tais como Lukacs) merecem uma discussão e exploração muito maiores. Mas não se preocupem, caros hipsters conservadores: algum dia, estarei de volta outra vez.

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