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sábado, 27 de agosto de 2016

Burke não é o bastante: Da impossibilidade do liberal-conservadorismo (Parte 2/3)


*Tradução de Carlos Magno do artigo da The Hipster Conservative.

Em meu primeiro ensaio desta série, afirmei que Edmund Burke, o lobo alfa conservador, merecia uma cuidadosa reavaliação, à luz da tradição empobrecida de agora. Agora, quero investigar suas alegações no tocante à evolução da cultura e das instituições. Confesso que vou usar o grande reacionário romântico G. K. Chesterton, como minha bengala intelectual no desmantelar de alguns problemas com o conservadorismo burkeano. Uma vez mais, vou presumir, também, que meu leitor esteja familiarizado com as teses gerais das "Reflexões sobre a revolução francesa", de Burke.

O sempre prudente E. Burke é mais nitidamente lembrado por rejeitar o radicalismo da Revolução Francesa. Enquanto a ideologia continental incentivava os sans-culottes e os intelectuais de gabinente a violentamente virar o mundo de cabeça para baixo, Burke esperava que a mudança lenta e gradual das nações individuais alterasse, organicamente, a ordem social. A história não só peneirou a sabedoria e a tolice, mas também estabeleceu os direitos dos ingleses. Os teóricos contratualistas, com seus abstratos “direitos do homem”, e o racionalismo individualista representavam uma ameaça à tranquila aculturação da reforma reflexiva e do progresso historicamente enraizado.

Ora, o que incomodava Chesterton não era a refutação de Burke a (boa parte) do Iluminismo, senão o ateísmo prático do conservadorismo, em resposta ao liberalismo. Num capítulo do magistral de "O que há de errado com o mundo", chamado “O império dos insetos”, o autor observou que “Burke, certamente, não era um ateu em sua teoria cósmica consciente”, mas, em vez disso, “que na querela sobre a Revolução Francesa, Burke defendia a atitude e o modo de argumentação ateístas, como Robespierre defendia-os da perspectiva teísta." Ele afirmou:

«[Burke] não atacava a doutrina de Robespierre com a antiga doutrina medieval do jus divinum (que, como a doutrina de Robespierre, era teísta) mas com o argumento moderno da relatividade científica; em suma, o argumento da evolução. Ele sugeria que a humanidade era, por toda parte, moldada por, ou adaptada a seu ambiente e instituições; de fato, que cada povo tinha, praticamente, não só o tirano que merecia, mas o tirano que devia ter.»

Noutras palavras, Burke preferiu Montesquieu a São Tomás de Aquino. Após ler os luminares do Iluminismo, começa-se a ver que Burke poderia ser casualmente rotulado de “Hume light”; o estadista referido era estudante dos céticos escoceses. Burke adotou concepções da sociedade similares às do ateu-agnóstico Hume, mesmo que o próprio Burke não fosse plenamente um cético. Talvez o “pai do conservadorismo moderno” pensasse que poderia manter o conteúdo tradicional da sociedade humana, ainda que adotasse a forme de Hume; esse movimento intelectual é algo como uma novidade. Efetivamente, no cenário inglês, argumentos devastadores contra a reforma social inaudita, os quais, de fato, veem o homem como portador da imagem de Deus, podem ser encontrados no grande anglicano Richard Hooker. Para Burke, pois, o processo substitui Deus como a questão imanente, e autêntica, nos reinos da política e da jurisprudência (se não na completude da vida).

Contra o deputado anglo-irlandês, Chesterton reclama: “Seu argumento é que nós temos alguma proteção mediante acidental crescimento natural; e por que deveríamos professar pensar além disso, exatamente como se fôssemos as imagens de Deus!” De modo característico, ele conclui: “Assim, muito antes de Darwin desferir à democracia seu grande golpe, o essencial do argumento darwinista já tinha sido sugerido contra a Revolução Francesa. O homem, dizia Burke com efeito, deve adaptar-se a tudo, como um animal; não deve tentar alterar nada, como um anjo.” Para Burke, o escravo virá a se adaptar a seu domicílio, aqueles sob a monarquia virão a se tornar esnobes, e nenhum juízo divino pode intervir nesse processo evolutivo.

De fato, para Burke, ainda há progresso. Simplesmente, um progresso mais lento, mediante o qual a humanidade, gradualmente, vê instituições e políticas odiosas como mais apetecíveis. Por certo, a maioria das pessoas acha um relativismo gradual (à la William James) muito mais agradável que um relativismo radical (à la Friedrich Nietzsche). Mas, que diferença faz? Ambos agem num cosmos desprovido do divino. Se a “civilização”, ou o indivíduo audacioso, é o veículo para se perceber o eu desprovido do divino, parece irrelevante.

Com Burke de certa forma desconstruído, como lidamos com tais novidades e progressos perigosos, que irrompem do antro chamado “Iluminismo”? Bem, podemos começar com o ensaio de Chesterton, “The Red Reactionary”. Ele critica os ingleses, porque creem que “o passado é passado”; por outro lado, os franceses sabem que as coisas podem ser prontamente removidas ou restauradas: “Aqueles que suprimiram poderiam, se quisessem, pôr tudo de volta. Mas nós, que preservamos tudo, não podemos restaurar nada.” Ele ainda contesta: “O único caso em prol da Revolução é que ela é a única estrada deveras limpa e plena rumo a qualquer coisa – até mesmo à restauração. A Revolução, sozinha, pode não ser meramente uma revolta dos vivos, senão também uma ressurreição dos mortos.

O conservador burkeano se aborrece com a revolução, um bom hábito afinal; no entanto, a política evolutiva burkeana é equivocada. Em Ortodoxia, o velho G. K. ensina: “Todo o conservadorismo se baseia na ideia de que, se você deixa as coisas por si mesmas, você as deixa como elas são. Mas não; se você deixa uma coisa por si mesma, deixa-a para uma torrente de mudanças.” A entropia pode
ser cultural tanto quanto cósmica; a mutabilidade está na natureza das coisas humanas, terrenas. Chesterton continua: “Se você deixa um poste branco por si mesmo, logo ele será um poste preto. Se você, particularmente, quer seja ele branco, você o deve estar pintando sempre, continuamente; ou seja, deve estar sempre tendo uma revolução. Em suma, se você quer o antigo poste branco, deve ter um novo poste branco.” A função da política tradicional, na esfera pública, não é de preservação por amor à evolução. 

Conforme J. Piper argumentava, traditio (o passar adiante) é uma atividade constante, embora não necessariamente intencional e que, para os jovens, não deveria ser autoconsciente. Chesterton insiste: “Mas isso que é veraz, mesmo quanto às coisas inanimadas, é, num sentido especial e terrível, veraz quanto a todas as coisas humanas. Exige-se do cidadão, em verdade, uma vigilância quase inatural, por causa da horrível rapidez com que as instituições humanas envelhecem.” A sociedade, pois, é orgânica tal qual um vinhedo. O evolucionista recusa aparar as vinhas; o jacobino almeja derrubá-las todas.

Na visão de Chesterton, pelo menos, não é senão uma insanidade ser mero curador por amor a um progresso mais lento. Os burkeanos podem contrapor que seu herói está buscando mais a felicidade humana que o progresso cego; no entanto, o conservadorismo de Burke pode tender a ver a inevitável mutabilidade do homem como um movimento linear. Falo da escola, e não do homem, porquanto ele parecia crer que a queda no caos da barbárie estava, tão-somente, a algumas gerações de distância. A adoção popular de suas ideias pode levar a uma visão excessivamente progressista. Talvez seja hora de abrirmos espaço político, não apenas para a revolta radical típica, ou a reforma moderada, mas também para a restauração e a ressurreição.

Mas espere!”, meu leitor responde, “o homem de hoje é diferente dos antigos; e quanto a essas diferenças?” Fique ligado na parte três que virá.

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