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terça-feira, 7 de julho de 2015

A natureza do fascismo - Uma investigação - parte 1


            Fascismo permanece “apesar” de sua ampla utilização em toda sorte de discursos e debates de caráter político como um termo de difícil definição, é natural que termos ideológicos genéricos – como socialismo e liberalismo também são – sejam assim, dada a diversidade de manifestações e experiências que rotulam – a exemplo de socialismo que serve igualmente (como termo genérico) para rotular a experiência soviética (em suas diversas fases) bem como as esquerdas democráticas ocidentais – contudo, os problemas de definição não decorrem somente de problemas inerentes à própria ideologia e os movimentos que abarcaria, vem, sobretudo, da degeneração do termo em uma espécie de xingamento utilizado tanto pela esquerda (tradicionalmente por esta) quanto pela direita, o que leva J. Goldberg na introdução de seu “Fascismo de Esquerda” a brincar que “(...) quanto mais alguém usa a palavra “fascista”1 em sua linguagem cotidiana, menor a possibilidade de que saiba do que está falando” e em passagem posterior referenciar a conclusão que George Orwell (autor de 1984) chegara em 1946, de que a palavra “fascismo” não mais tinha significado que não fosse designar algo indesejável.

                Enquanto as ideologias rivais – liberalismo e socialismo – atingiram suas maturidades entre os finais dos séculos XVIII e XIX, o Fascismo sequer poderia ser concebido até a ocorrência da Primeira Guerra Mundial, apesar de pontuais experiências ocorridas nas décadas finais do século XIX apresentarem características em comum com que viria a ser Fascismo como o “Boulangerismo” francês, este somente se tornou possível com o próprio século XX, quando as características tornaram-se disponíveis para reunião, conforme será visto em momento posterior. Além do nascimento tardio, o Fascismo não teve em sua fundação uma grande fundamentação teórica anterior, como seus rivais, não houve um “Marx”, “Burke” ou equivalente fascista, Robert O. Paxton caracteriza-o, em contraste com seus rivais, como:
Os “ismos clássicos eram fundamentados em sistemas filosóficos coerentes, formulados no trabalho de pensadores sistemáticos. É natural que, ao tentar explicá-los, parta-se do exame de seus programas e das filosofias que os embasam. O Fascismo, ao contrário, era uma invenção nova, criada a partir do zero para a era da política de massas. Ele tentava apelar sobretudo às emoções pelo uso de rituais, de cerimônias cuidadosamente encenadas e de retórica intensamente carregada.2
                Fascismo encontra suas origens no italiano fascio – que em italiano significa maço ou feixe – que referencia o fasces da Roma Antiga, um machado cercado por um feixe de varas que utilizado em cerimônias oficiais – tanto jurídicas quanto militares – como representação da unidade e da autoridade do Estado Romano e que, no século XIX foi revivido após muito esquecido pelas Repúblicas Francesa e Americana como símbolo de Justiça e Solidariedade. Somente nas décadas finais do século XIX o termo fasci ganhou significado de grupo formado com intuito político até então à esquerda, a exemplo dos Fasci Siciliani – movimento de massas de inspirações socialistas que promovera insurreições contra os grandes senhores de terras entre os anos de 1889 e 1894.

Apenas com os Fasci di Azione Rivoluzionaria – fundado em Milão em dezembro de 1914 – grupo nacionalista de inspirações sindicalistas ao qual Benito Mussolini juntou-se e que, ao lado de outros grupos, como os futuristas de Marinetti defendera a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial ao lado da tríplice Entente – que encontrara seu ápice após a assinatura do Tratado de Londres, que comprometera a Itália com a causa da Entente, quando, por quase um mês, até a aprovação da intervenção por parte do Parlamento organizou, tal como outros grupos, demonstrações pró-guerra nas principais cidades italianas e esgotou-se pouco após a declaração de guerra italiana ao Império Austro-húngaro no que se chamou de “Maio Radiante” – é que o termo veio a se aproximar do que viria a ser posteriormente, pois o Fasci di Azione Rivoluzionaria veio a ser o primeiro ensaio do que viria a ser posteriormente o Fascismo – termo que Benito Mussolini cunhara no pós guerra para descrever o grupo que se formara ao seu redor.

Há noventa e seis anos reuniam-se na manhã de 23 de março de 1919 em torno de Benito Mussolini algo entre cento e vinte e duzentas pessoas – em sua maioria veteranos de guerra, juntamente com futuristas de Marinetti, nacionais-sindicalistas e outros que, tal como Mussolini, eram dissidentes da esquerda – na Piazza San Sepolcro em Milão para a fundação do Fasci di Combattimento, o programa do movimento, divulgado meses depois, em que encontravam lugar simultaneamente as reivindicações nacionalistas da expansão italiana sobre os Balcãs e Mediterrâneo que a Conferência de Paz em Paris frustrara, juntamente com sufrágio feminino, jornada de trabalho de oito horas, participação dos trabalhadores na gestão das fábricas, confisco dos lucros de guerra à abolição da Câmara alta e nacionalização, constituindo assim “(...) uma curiosa mistura de patriotismo dos veteranos e de experimento social radical, uma espécie de nacional-socialismo3. Se as coisas nascem ao adquirir nome, foi nessa data que o Fascismo nascera oficialmente.

Alguns autores particularizam esta como data de nascimento do fascismo italiano e situam a origem do fascismo não na Itália do pós-guerra, focando em certas características, em momentos e movimentos anteriores, os três ocorridos em território francês, colocando a França e não a Itália como “berço do fascismo”, os candidatos mais recorrentes são a Action Française de Charles Maurras – fundada na década de 1898 durante o “Caso Dreyfus” – ou o movimento que formou-se em torno do General Boulanger entre os anos de 1886 e 1889, enquanto outros autores, como dois que serão aqui citados a situam na França Revolucionária, do primeiro deles, Steven Pinker – autor de “Os anjos bons de nossa natureza: por que a violência diminuiu” retira-se:
Um modo melhor de entender os dois séculos passados, argumentou Michael Howard, é vê-los como uma batalha por influência entre quatro forças – humanismo esclarecido, conservadorismo, nacionalismo e ideologias utópicas – que ocasionalmente se juntaram em coalizões temporárias. A França napoleônica, como emergiu da Revolução Francesa, tornou-se associada, na Europa, ao Iluminismo Francês. Na verdade, é melhor classificá-la como a primeira implementação do fascismo. Embora Napoleão realmente realizasse algumas reformas racionais, como o sistema métrico e os códigos de direito civil (...), na maioria dos aspectos ele voltou o relógio em relação aos avanços humanistas do Iluminismo. Assumiu o poder recorrendo a um golpe de Estado, (...), enalteceu a guerra (...). A França revolucionária e Napoleônica, mostrou Bell, foi consumida pela combinação do nacionalismo francês com uma ideologia utópica. Essa ideologia, como as versões do cristianismo que a precederam e o fascismo e o comunismo que a sucederam, era messiânica, apocalíptica, expansionista e certa de sua retidão. Via seus oponentes como irremediavelmente perversos, como ameaças existenciais que tinham de ser eliminadas em nome de uma causa santa4
Enquanto do segundo, o conservador Jonah Goldberg em seu já citado “Fascismo de Esquerda”, extrai-se: Contando com o benefício da visão retrospectiva, é difícil entender por que alguém duvida da natureza fascista da Revolução Francesa. Poucos negam que ela tenha sido totalitária, terrorista, nacionalista, conspiratória e populista. Produziu os primeiros ditadores modernos, Robespierre e Napoleão, e baseava-se na premissa de que a nação precisava ser governada por uma avant-garde iluminada que serviria de voz autêntica, orgânica da “vontade geral”. (...) Mas o que realmente fez da Revolução Francesa a primeira revolução fascista foi seu empenho em transformar a política numa religião5
                Natural que então se passasse a posicioná-lo entre os campos “Esquerdo” e “Direito” do convencional espectro político, eis que o processo de degeneração do termo soma-se novamente àquelas dificuldades inerentes à própria ideologia. Diferentemente das ideologias rivais – liberalismo e socialismo – que têm um consenso em torno de suas localizações, à direita e à esquerda respectivamente, ocorre com o fascismo um fenômeno semelhante a uma partida de tênis de mesa, em que é lançado entre direita e esquerda, de um para o outro e então – através de grosseiras simplificações ou tendenciosos isolamentos de características – aproximá-lo de seus adversários e então rotulá-los como fascistas, então Liberais, Conservadores, Esquerdistas, Socialistas e até mesmo instituições como a Polícia ou a Igreja Católica são assim apontadas – o fenômeno pode ser traduzido pela piada que Douglas Harper inserira no verbete “fascism” de seu dicionário etimológico, de que “é o termo aplicado a todos desde o surgimento da internet” e que inspirara a chamada “Lei de Godwin” que coloca que quanto mais se prolonga uma discussão online, as chances de surgirem comparações envolvendo Adolf Hitler ou Nazismo aproximam-se de 1.

                Uma obra – “Fascismo de Esquerda”, de Jonah Goldberg – que fora mencionada em momento anterior, merece destaque por se tratar de uma curiosa manifestação do fenômeno, pois, ao mesmo tempo em que tem por objetivo a demonstração do que chama de “história secreta do esquerdismo americano” aproximando liberais – que, em seu uso político americano equivale a esquerdista, confirmando o dito em momento anterior de que termos genéricos tendem a serem de difícil definição dados seus múltiplos usos, pois, ao mesmo tempo em que, como no caso, aplica-se a esquerdistas, aplica-se a políticos como Ronald Reagan e Margaret Thatcher, defensores do livre-mercado (o uso norte-americano do termo figura como exceção no mundo) – de fascistas, chegando a chamá-los de “fascistas smiley” e de “sobrinhos bem intencionados do fascismo europeu6

O valor da obra encontra-se na demonstração da corrupção no uso e na significação do termo por parte da esquerda – como o faz ao demonstrar o uso que a palavra fascista adquiriu nas mãos do regime Stalinista, utilizado na descrição de toda sorte de ideias não alinhadas com as oficiais, principalmente aquelas vinculadas a Leon Trotsky – e traçando a trajetória dessa deformação desde as origens. Contudo, a obra “Fascismo de Esquerda” acaba por ser uma versão à direita do fenômeno que tão bem aponta na esquerda, uma espécie de resposta/ provocação, que diz:
Novamente, meu argumento é que o Liberalismo americano é uma religião política totalitária, mas não necessariamente do tipo orwerlliano. É gentil, não brutal. Embala, mas não abala. Mas é, indiscutivelmente, totalitária – ou “holística”, se preferirem – no sentido de que o liberalismo não vê hoje nenhuma área da vida humana que não esteja investida de significância política, desde que você come até o que você fuma e o que você diz. (...) O fascismo liberal de esquerda difere do fascismo clássico em muitos aspectos. Não nego isso. Na verdade, esse é um ponto central de meu argumento. Os fascismos diferem uns dos outros porque crescem em solos diferentes. O que os une são seus impulsos emocionais ou instintivos, (...) Acima de tudo, partilham a crença – que chamo de tentação totalitária – de que, com a dose certa de experimentação, nós podemos realizar o sonho utópico de “criar um mundo melhor”7
Retornando a questão da localização do Fascismo entre os campos direito e esquerdo do mapa político e deixando para trás a questão da utilização/ localização maliciosa deste, vê-se que esta alterna entre os extremos direito e esquerdo dependendo não só do observador como também do que se observa no Fascismo. Aqueles que o posicionam como sendo de “extrema-direita” – como os Marxistas o fazem – tendem a apontar para tal o virulento anticomunismo de tais movimentos, bem como a cooperação feita entre eles e certos setores do empresariado quando no poder e o nacionalismo, que, como será demonstrado em momento oportuno nasceu como uma característica de movimentos à direita, ainda que não tenha sido monopolizada por estes, como também será demonstrado. Cabendo destacar uma recorrente definição surgida ainda nos anos 1920 e que perpetua-se ainda hoje entre inúmeros partidários do campo esquerdo político:
Do ponto de vista do seu conteúdo, o fascismo é a forma mais reaccionária, abertamente terrorista, da ditadura do capital financeiro. Esta ditadura é evidentemente instaurada pela burguesia imperialista para prolongar o seu domínio.O recurso ao fascismo prova que a alta burguesia já não confia muito no conservar o poder político através da utilização dos meios burgueses ordinários — isto é, através dos meios da democracia parlamentar.8
                Enquanto aqueles que o situam no “extremo-esquerdo” do mapa, o fazem dando foco ao caráter anticapitalista e antiburguês dos movimentos, bem como de semelhanças – fictas ou reais – entre movimentos e regimes fascistas e movimentos, regimes e partidos socialistas ou esquerdistas como a questão de intervenção no mercado. Tal posicionamento tende a ser proferido por Conservadores e Liberais, uma das obras, “Fascismo de Esquerda” fora mencionada em momento anterior, que se some ao que sobre ela foi dito e seu excerto com os seguintes trechos oriundos respectivamente da Prefácio de “O Grande Culpado” de Viktor Suvorov, o segundo deles do filósofo Olavo de Carvalho e o terceiro deles – e talvez o que mais destoe dos demais – de um artigo publicado pelo Instituto Ludwig Von Mises Brasil[1]:

I
Hitler tinha uma bandeira vermelha. Stálin tinha uma bandeira vermelha. Hitler governava em nome da classe operária, e seu partido se chamava Partido dos Trabalhadores. Stálin também governava em nome da classe operária; seu sistema tinha o nome oficial de Ditadura do Proletariado (...) Hitler considerava que seu caminho para o socialismo era o único correto, e enxergava os outros como distorções. Stálin também considerava sua trilha para o socialismo perfeitamente correta, e via as outras trilhas como diversificações da linha principal (...)
[2] 9
II
Benito Mussolini resumiu a doutrina fascista numa regra concisa: "Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado." No Brasil, se você é contra essa idéia, se você é a favor da iniciativa particular e das liberdades individuais, logo aparece um chimpanzé acadêmico que tira daí a esplêndida conclusão de que você é Benito Mussolini em pessoa.
10
III
Enquanto isso, praticamente todo o mundo havia esquecido que existem várias outras cores de socialismo, e que nem todas elas são explicitamente de esquerda.  O fascismo é uma dessas cores. (...)Qual o principal elo entre o fascismo e o socialismo?  Ambos são etapas de um continuum que visa ao controle econômico total, um continuum que começa com a intervenção no livre mercado, avança até a arregimentação dos sindicatos e dos empresários, cria leis e regulamentações cada vez mais rígidas, marcha rumo ao socialismo à medida que as intervenções econômicas vão se revelando desastrosas e, no final, termina em ditadura.11
            As duas sortes de classificações são tendenciosas, a proferida por Suvorov pode ser apontada, de forma muito mais certa que a de J. Goldberg como exemplo do fenômeno “tênis de mesa” para qual esta foi tomada como exemplo, pois, ainda que constitua versão do fenômeno, por apontar grupos a que se opõe como fascistas, preocupa-se com uma análise – ainda que enviesada – das particularidades do objeto de estudo e as aponta por diversos momentos, ainda que o valor da obra vá, no máximo, até o capítulo em que aborda o New Deal de Roosevelt. No entanto, as outras duas pecam pelo enfoque em determinadas características em detrimento de outras ao tomá-las por absolutas, aqueles que o colocam à direita dão tornam absoluto o anticomunismo enquanto ignoram o caráter antiliberal, anticapitalista e antiburguês desses, enquanto os que o põem à esquerda, tomam estas por absolutas em detrimento de outras. Por vezes abordam características reais do fascismo para suas categorizações, pois os comunistas sofriam ataques nos discursos tanto quanto a burguesia, as plutocracias ocidentais ou as finanças internacionais eram. Talvez o melhor método para categorização do fascismo não seja aquele dos opostos binários de “direita e esquerda” a que a análise política foi tomada, principalmente nos anos da Guerra Fria, mas, ainda considerando o mapa tradicional, sendo o fascismo considerado tanto em sua natureza antiesquerdista como antiliberal/ anticapitalista, restaria ao Fascismo o Centro? Se por Centro se tiver aqueles partidos e movimentos naturais das Democracias Liberais tendentes às suas soluções “de compromisso”, reformas pontuais e preservação do status quo, certamente o Fascismo – crítico dessas características– não poderia ser considerado como tal.

            Outro tipo de categorização é feita pelo ideólogo do Eurasianismo Alexander Dugin que, em seu empreendimento de construção de uma “Quarta Teoria Política” faz a análise do século XX – como “século da ideologia” – como sendo a disputa de três grandes ideologias: liberalismo, socialismo e fascismo, ou respectivamente, primeira, segunda e terceira teorias políticas[3]. Descrevendo-o como:
O fascismo é a terceira teoria política. Como uma concorrente, por seu próprio entendimento, do espírito da modernidade, muitos pesquisadores, Hannah Arendt em particular, razoavelmente consideram o totalitarismo como uma das formas políticas da modernidade. O fascismo, porém, se voltou para ideias e símbolos da sociedade tradicional.13
             E como faz com as outras ideologias, atribui a ele um sujeito histórico – que seria a quem seus projetos, ideias e visões são direcionadas – que no caso da primeira e segunda teorias políticas seriam respectivamente o indivíduo e a classe, enquanto a terceira, pela particularidade de algumas vertentes teria dois sujeitos: o estado, no caso do Fascismo Italiano (e afins) e a raça, no Nacional-Socialismo alemão. Enquanto as outras duas ideologias – liberalismo e socialismo – possuem notório caráter internacional, o que valida os termos como genéricos válidos, resta controvérsia quanto o fascismo, dado que os movimentos que recebem este epíteto guardam tantas diferenças entre si – características particularizantes – que a observação particularizada deles é, em primeiro momento, preferível à observação do quadro como um todo. Até a ocasião do Decennale, Mussolini repetira por diversas vezes que o Fascismo não se tratava de “artigo de exportação”, sendo um movimento próprio da Itália – Mussolini incentivara a criação de Fasci entre as populações emigradas com intuito de combater a influência esquerdista sobre estas, bem como propagandear pelo mundo a nova Itália, moderna e disciplinada – no entanto, movimentos abertamente inspirados no de Mussolini ganharam espaço e destaque (principalmente o Nacional-Socialismo de Hitler na Alemanha) com os efeitos da Crise, fazendo com que o Duce não pudesse se manter indiferente, passando então a observar o caráter internacional do Fascismo.


            Em 1932, na ocasião do Decennale, isto é, os dez anos da Marcha sobre Roma, Mussolini publica em coautoria com Giovanni Gentile o artigo “A Doutrina do Fascismo” na Enciclopedia Italiana em que não só descreve a ideologia e sua postura como branda que o século XX – em contraste com o século XIX que ali é descrito como o século do liberalismo, do socialismo e da democracia – seria um século de autoridade, o “século do fascismo” e em discurso proferido na em Milão para a comemoração do Decennale proclamara que “Em dez anos, pode-se dizer sem bancar o profeta, o mapa da Europa estará modificado. (...) Em dez anos, a Europa será fascista ou fascistizada”14.

            Apesar da mudança de Posicionamento de Mussolini apenas ter-se dado no momento citado anteriormente, a ideia de um fascismo universal tendo Roma como seu centro já existia entre certos setores do Partido, a exemplo da Revista Antieuropa criada em 1928 – cujo título faz questão de tornar clara a hostilidade entre o pensamento desta e aquele da “Velha Europa” liberal – cujo diretor, Asveror Gravelli fora esquadrista de primeira hora, bem como integrante do primeiro fascio milanês, bem como da expedição de Fiume, que posteriormente tornou-se um dos dirigentes da organização da juventude (Opera Nazionale Balila), ou seja, estava em constante contato com os jovens fascistas, que criticavam o que tinham como aburguesamento do regime, pretendendo que a revolução não se restringisse à Itália e nem permitir que o regime se tornasse “morno”[4]. No final de 1930 publicou-se na revista o artigo “L’Internazionale fascista” que expunha a visão tida por esse grupo: Antieuropa é a vanguarda do fascismo europeu. Seu objetivo é unir os melhores elementos da Europa, encarnar as experiências do fascismo, alimentar o espírito revolucionário fascista (...). A conquista do poder na Itália foi só o início de uma ação europeia.15

            Com a ocasião do discurso de Mussolini, as ideias de Gravelli ganharam destaque e concomitante ao discurso saíra o primeiro número da revista Ottobre: Rivista del fascismo universale, que bem como a Antieuropa trouxera em suas colunas publicações de diversos membros de movimentos fascistas europeus, como Oswald Mosley, Rosemberg, Quisling, Léon Daudet. No final de 1932 Gravelli publicara uma coletânea de artigos publicados ao longo de dois anos sobre o título de “Rumo à Internacional Fascista”.

            Em 1933 criou-se os CAUR (Comitati d’Azione per l’Universalità di Roma) que serviu posteriormente como organização para a Internacional Fascista, que veio a existir oficialmente entre os anos de 1933 e 1936, tendo se reunido por duas ocasiões: a primeira delas em Montreux em Dezembro de 1934 – que reunira, entre outros, falangistas, camisas-azuis irlandeses, membros do Front Negro Holandês, no total treze países, além da Itália estavam representados – e uma segunda vez em Paris – contando com a presença da maior parte dos congressistas de Montreux. Apesar da “Internacional Fascista” ter sido abandonada oficialmente em 1936, o caráter internacional do Fascismo persiste e o uso de fascismo como termo genérico se valida. Tomando por base “A Doutrina do Fascismo” de 1932 é que se obtêm, por fonte oficial, a forma com que a ideologia não apenas via a si mesma como o tempo em que se inserira, bem como suas rivais ideológicas. Visão esta que será resumida em tópicos na forma em que são abordados pelo artigo:

            A primeira questão a ser destacada é que o fascismo vê-se como um conjunto de pensamento e ação, destacando assim que se trata de um sistema de ideias com lógica própria, bem como seu dinamismo e adaptabilidade aos cenários e às forças históricas a que está sujeito. Também expõe que a concepção fascista de Estado faz-se impossível sem a visão fascista de vida da qual este decorre. Quanto a suas manifestações, vê-se multifacetado, não restrito às esferas partidárias e políticas, sendo assim, o fascismo se trata de uma atitude perante a vida.

            Ao descrever a atitude fascista diante da vida, frisa a oposição ao materialismo e àquelas doutrinas que consideram o homem quanto indivíduo (atomizado) sujeito da história, por considerar a nação e o país, o fascismo vê o indivíduo quanto as gerações que ligam-se por uma moralidade comum e as tradições – destaca-se que a concepção de homem para o fascismo transcende o indivíduo e as limitações do tempo e da própria morte – a atitude fascista é então uma atitude espiritual, pautada no dever e na renúncia ao individualismo. A concepção espiritual fascista surge da oposição ao materialismo positivista herdado do século XIX, o Fascismo é então antipositivista sem contudo ser uma doutrina puramente imaterial, então o é sem deixar de ser positiva, bem como não apresenta-se como otimista ou pessimista.

            A concepção fascista da vida é religiosa, visto que o homem – que é considerado como tal apenas em virtude da sua contribuição como membro da família, da sociedade ou da nação e do qual se espera uma atitude ativa, um engajamento ciente das dificuldades que enfrentará, já que em relação ao homem a vida é tida como uma luta na qual este deve enfrentar para obter um lugar realmente digno, sendo a vida austera e árdua e tendo assim uma atitude de desdenho diante da “vida fácil”[5] – Mussolini assim reafirma que o Fascismo não é somente um sistema de governo, é, acima de tudo um sistema de pensamento. É demonstrada a descrença na felicidade material e terrena típicas do século XIX, rejeitando assim a utopia de um futuro em que a humanidade se ajuste definitivamente, o que calha com a acepção de “ação” do Fascismo e sua capacidade adaptativa como contínua e evolucionária.

        “O liberalismo negou o Estado[6] em nome do indivíduo, o Fascismo o reassegura” assim Mussolini introduz a questão do anti-individualismo fascista que aceita o indivíduo apenas quando os interesses desse coadunarem com o macro, com os interesses do Estado que, na concepção fascista é totalitário, não somente um ente administrativo, englobando todos os valores válidos – nenhum valor que dele escape pode existir ou muito menos ter qualquer valor real – na medida em que o Estado Fascista é a síntese, a unidade de um povo o qual este potencializa e desenvolve.



            Destacada é então a sua oposição ao Socialismo, o qual põe a classe acima da unidade e do Estado e sua visão histórica unicamente pautada no conceito da luta de classes. O Fascismo não traz a luta entre as classes, mas as harmoniza dentro do Estado Fascista, um modelo corporativo que harmoniza e coordena os interesses divergentes dentro de si. Rejeita a Democracia por considerar que esta rebaixa a nação a meros números, mera maioria, considerando o “indivíduo” como tudo ciente, ignorando a composição social que existe quanto às classes e organizações com seus diversos e distintos interesses, considerando a quantidade em detrimento da qualidade. Nega que números, como tais, possam ser um fator determinante na sociedade humana; nega que números por si só possam governar a sociedade, mesmo que esses números sejam obtidos por consultas periódicas através de mecanismos como o sufrágio universal.            



[1] Poderiam ser citados inúmeros outros como o jornalista Leandro Narloch ou o economista liberal Rodrigo Constantino, porém, apenas por mínimos pontos diferem do discurso de Jonah Goldberg, isso quando não o referenciam abertamente, o que seria maçante de citar.

[2] E assim Suvorov prossegue por mais quatro páginas, chegando ao ponto de comparar a vida pessoal dos dois ditadores como prova de que somente eram versões diferentes do mesmo fenômeno “Socialismo”.

[3] Plínio Salgado, líder do Integralismo Brasileiro, fizera análise semelhante em seu artigo “A túnica jogada aos dados” em que disporia as ideologias como Primeira, Segunda e Terceira Posições que respectivamente seriam Socialismo, Liberalismo e Nacionalismo – pesando os acertos e erros de cada uma e propondo, ao fim, uma Quarta Posição que seria a ideal para ele, o artigo encontra-se disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=-5023

[4] Muitos dos primeiros partidários do Fascismo consideravam que o regime, principalmente após seus dez anos, perdera sua força revolucionária, tornando-se parceiro do establishment.

[5] Negando assim a equação “bem-estar = felicidade”, que para o Fascismo seria a consideração homem como gado de engorda.

[6] Ainda diz Mussolini: “Suas funções não podem ser delimitadas às de aplicação da lei e manutenção da paz, como acontece na doutrina liberal. Não é um mero aparato mecânico para a definição da esfera de exercício de supostos direitos por parte do indivíduo. (...) Em resumo, o Fascismo não é apenas um provedor de leis e fundador de instituições, mas um educador e promotor da vida espiritual. Visa remodelar não apenas as formas da vida, mas seu conteúdo, o homem com seu caráter e sua fé. Para isso utiliza-se da disciplina e da autoridade (...) portanto, escolhera como símbolo os fasces de Lictor, símbolo de unidade, força e justiça”
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[1] GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda: a história secreta do esquerdismo americano. Editora Record. Rio de Janeiro, 2007, p.10
[2] Ibidem. p. 12.
[3] PAXTON, Robert O. A Anatomia do Fascismo. Editora Paz e Terra. São Paulo, 2007, p.38
[4] PINKER, Steven. Os anjos bons de nossa natureza: por que a violência diminuiu, Editora Companhia das Letras, 2011, p.334-335
[5] GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda: a história secreta do esquerdismo americano. Editora Record. Rio de Janeiro, 2007, p.21
[6] HARPER, Douglas. Online Etymology Dictionary. http://www.etymonline.com/index.php?term=fascism&allowed_in_frame=0
[7] Ibidem, p. 09-10
[8] Ibidem, p. 23
[9] SOARES, Fernando Luso. Introdução à Política I. Editorial Escol, Lisboa, 1978, Cap. XI:  https://www.marxists.org/portugues/luso/livros/politica/cap11.htm
[10] SUVOROV, Viktor. O Grande Culpado: o plano de Stálin para iniciar a 2ª Guerra Mundial. Editora Amarilys. Barueri-SP, 2010, p.IX
[11] CARVALHO, Olavo de. Que é o fascismo?. O Globo, 8/7/2000, http://www.olavodecarvalho.org/semana/fascismo.htm
[12] ROCKWELL, Lew. O que realmente é fascismo. Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2014, trad. Leandro Roque,  http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1343
[13] DUGIN, Alexander. A Quarta Teoria Política. Editora Austral, Curitiba-PR, 2013, p.12
[14] MILZA, Pierre. Mussolini. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2011, p. 165
[15] Ibidem, p.166

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