Páginas

domingo, 5 de julho de 2015

Por que o Canadá não teve falências de bancos em série em 1929?


Um dos mitos minarquistas e anarcocapitalistas mais comuns no meio anglo-americano (ainda não tive a oportunidade de vê-lo usado usado no Brasil como argumento) é que o Canadá foi pouco afetado no sistema bancário em 1929 porquê não tinha um Banco Central e o governo simplesmente não intervinha em nada. Isso é apenas parcialmente verdadeiro. É verdade que o Canadá foi pouco afetado, entretanto essa versão da história ignora outros fatores, incluindo o histórico de intervenções do governo canadense para estabilizar seu sistema bancário e as inúmeras promessas implícitas tanto pelos Conservadores quanto pelos Liberais em 1920 de que o governo - em caso de crise - protegeria os poupadores.

O plano de fundo dessa questão é que no século XIX o maior banco privado do Canadá, o BMO (Banco de Montreal), funcionava como uma grande corporação subsidiada pelo governo (como as empreiteiras do Petrolão) fazendo JUSTAMENTE o papel que um Banco Central fazia (Bordo 2002: 121), fiscalizando e literalmente salvando bancos insolventes, o BMO era comprometido pelos seus laços corporativistas com o governo a ser responsável pela estabilidade do Sistema. Se por um lado isso representava facilidade para esquemas de corrupção, isso representou a "salvação da lavoura" nos tempos de crise.

Em 1907 e 1914, os governos canadenses interviram para parar crises financeiras no sistema bancário provendo reservas. (Bordo 2002: 121). 

Mais ainda, o partidos conservador canadense (durante seu mandato de 1911 a 1917) implementou o “Finance Act” de 1914, que deu ao governo a autoridade necessária para emitir seu próprio papel-moeda, então agora o Estado tinha o papel de emprestador em último estágio (Grossman 2010: 99). Uma emenda de 1923 estendeu o Finance Act, e o Canada continuou a ter uma janela de redesconto e maior facilidade para que o governo atuasse como emprestador de último recurso (Bordo 2002: 121), mesmo sem ter nenhum banco central oficial até 1934.

De 1920 a 1921, Canada também foi comandado pelo partido conservador e medidas críveis foram tomadas pelo governo para prevenir uma séria falência de bancos fazendo vista grossa para uma fusão monopolística em 1920. Neste mesmo ano, o ministro das finanças conservador Sir Henry Lumley Drayton defendeu a ação do governo e explicitamente disse que os depósitos do "Merchants Bank seriam garantidos em caso de crise”. (Kryzanowski and Roberts 1993: 365). Isto foi publicado e repassado na imprensa. 

O mesmo Partido Conservador estava no poder de 1930 a 1935 durante os mais sérios anos da Grande Depressão, e o primeiro ministro R. B. Bennett mesmo concordou em estabelecer o Bank of Canada – o Banco Central do Canadá em 1934.

De 1935 a 1948 o partido liberal estava no poder, e não há dúvidas de que eles deram garantias de que os depósitos bancários estariam a salvo em caso de crise. Quando em 1923, o Home Bank of Canada faliu, “depositantes no Home Bank pediram ao governo canadense por uma compensação e receberam o pagamento de 35% do valor de seus depósitos” (Kryzanowski and Roberts 1993: 365). 

O Ministro das Finanças algum tempo depois explanou à Comissão McKeown (1924) a política do governo:

“Sob nenhuma circunstancia eu permitiria um banco falir no período em questão... Se isso pareceu para mim que o banco não estava apto a cumprir suas obrigações públicas, eu deveria ter tomado as medidas necessárias para que algum outro banco ou bancos ajudassem a conter a crie, esses bancos teriam que dar a necessária assistência sob o Finance Act de 1914.” (Kryzanowski and Roberts 1993: 366).

Até os governos provinciais providenciaram alguma estabilidade: Em 1923 o governo de Quebec providenciou 15 milhões para salvar o Bank Nationale com o Banque d’Hochelaga a ajudar a evitar a falência. (Kryzanowski and Roberts 1993: 365). 

Mais tarde em 1924 depois de salvar o Sterling Bank com uma fusão com o Standard Bank, a imprensa canadense noticiou que o governo “estava determinado a impedir que houvessem mais falências” (Kryzanowski and Roberts 1993: 366).

Kryzanowski e Roberts concluem:
“…As evidências que os documentos históricos oferecem são consistentes com nossas hipóteses que começaram em 1923, uma garantia implícita do governo canadense de que  garantiria os depósitos de todos os bancos nacionais foi dada. O governo ativamente facilitou fusões durante a crise da década de 1920, ajudando os bancos a evitar a insolvência e com sucesso criou confiança no público que nenhum banco seria permitido falir. Essa confiança permaneceu até a década de 1930.” (Kryzanowski and Roberts 1993: 366).
BIBLIOGRAFIA

Bordo, M. D. 2002. “The Lender of Last Resort: Alternative Views and Historical Experience,” in Charles Goodhart and Gerhard Illing (eds.). Financial Crises, Contagion, and the Lender of Last Resort: A Reader. Oxford University Press, Oxford. 109–125.

Grossman, Richard S. 2010. Unsettled Account: The Evolution of Banking in the Industrialized World since 1800. Princeton University Press, Princeton.

Kryzanowski, Lawrence and Gordon S. Roberts. 1993. “Canadian Banking Solvency, 1922–1940,” Journal of Money, Credit, and Banking 25: 361–376.

Source: http://socialdemocracy21stcentury.blogspot.com.br/2012/09/why-did-canada-have-no-mass-banking.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário