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quarta-feira, 8 de julho de 2015

As múltiplas formas do welfare state - parte 2

O texto é um excerto de um excelente artigo presente no último livro lançado pela Fundação Konrad Adenauer, chamado “O panorama socioeconômico do Brasil e suas relações com a Economia Social de Mercado“, o artigo em questão se chama “Subsidiariedade e universalismo como princípios organizativos do estado social“, ele aborda a tentativa inicial de fazer programas de renda mínima, depois a tentativa do SPD fazer um welfare clássico e por fim, o meio-termo tão prezado pela Democracia Cristã.

KERSTENETZKY, Jacques.¹ KERSTENETZKY, Celia.²

SUBSIDIARIEDADE x UNIVERSALIDADE - A batalha do Welfare
Da mesma forma que no caso alemão, o welfare state dinamarquês pode ser considerado peça integrante do processo de desenvolvimento capitalista pelo qual a Dinamarca transitou da sociedade agrária a moderna. As origens podem igualmente ser localizadas no final do século dezenove, quando teve início o apoio oficial a associações voluntárias, bem como inovações institucionais e de políticas públicas. Foi nesta época que surgiu e se institucionalizou o estilo de parceria social dinamarquesa, envolvendo densos grupos de interesse e o estado em uma longa tradição de elaboração de políticas por meio de consensos. Foi também então que as raízes da noção de transformação econômica negociada foram lançadas, incluindo troca de restrição salarial por direitos sociais. Outros ingredientes foram a intensa mobilização política e governos social-democratas, que duraram cerca de cinquenta anos, ao longo do século XX até os anos 1970. [...] Foi concebida uma variedade de benefícios e serviços de qualidade, financiados por impostos, para proteger a totalidade dos cidadãos das incertezas do ciclo da vida e vicissitudes econômicas e intrageracionais. Nos anos dourados entre 1945 e 1973, o Estado de bem-estar veio a ser instrumental para alcançar níveis elevados de de emprego e atividade econômica. Foi importante fonte de empregos (em torno de 30% do emprego, em sua maior parte feminino) e facilitou a participação econômica feminina, ao introduzir creches universais e políticas de família, como licenças maternidade e paternidade remuneradas e pensões familiares. O modelo de família de duas fontes de rendimento (dual-earner) foi encorajado e provou ser mais tarde um potente escudo contra a pobreza infantil e um futuro pobre, colocando a Dinamarca em posição privilegiada entre os paises da OECD. [...]

Em contraste (com a democracia cristã), o universalismo do pós-guerra que encontra abrigo na socialdemocracia alemã baseia em uma teoria social e em princípios normativos distintos, a necessidade de garantia universal e igual de renda apoiada no status de cidadania, provisão de serviços amplos e compromisso com o pleno emprego. O Estado do bem-estar de tipo beveridgiano encontra sua racionalidades na noção de que todos os membros de uma comunidade política, em virtude exclusivamente desse pertencimento, são titulares iguais de direitos sociais. Sua base é fortemente individualista (no sentido de que cada indivíduo separadamente, é sujeito de direitos sociais) e igualitarista (igualdade de direitos a despeito da origem e pertencimento a grupos sociais). Essa visão de uma comunidade de iguais em direitos se sobrepõe a um sistema econômico que diferencia e desiguala os indivíduos, a partir de desigualdades sociais originadas historicamente. O Estado é aqui o agente da mudança social (não apenas um moderador de efeitos indesejados do mercado) na medida em que uma de suas principais funções é minimizar as desigualdades sociais (históricas, não naturais) ao impor o cumprimento de direitos iguais (no fundo, oportunidades sociais iguais) visam a corrigir a injusta distribuição econômica (que reflete injustas desigualdades de oportunidades históricas). Essas premissas, contudo, não foram suficientes para operacionalizar na Inglaterra (a pioneira) nas primeiras décadas do século passado um sistema de bem-estar que reduzisse significativamente a pobreza e as desigualdades. Nesse quesito, o sistema subsidiários alemão superou o sistema universal inglês. No início da década de 1980 a pobreza (da renda disponível) na Alemanha é equivalente a sueca e o nível de desigualdade de renda é inferior ao da Dinamarca.

Esquerda Grega

Os Social Democratas preferem o Universalismo.
Aqui é necessário cautela. Na verdade, o sistema subsidiário alemão se revelou um sistema universal, se não na igualdade dos padrões de vida, ao menos na cobertura e nos níveis elevados de reposição da renda, muito em função das circunstâncias específicas que prevaleceram nos anos dourados: crescimento econômico, liderança do setor industrial, pujança dos sindicatos, elevados patamares salariais com relativamente baixa desigualdade entre os níveis, demografia favorável (em termos relativamente baixa proporção de idosos e do aumento das taxas de fecundidade no pós-guerra) e família tradicional, onde o trabalho fora é principalmente masculino e o trabalho de casa é essencialmente feminino. Com prevalência de pleno emprego, praticamente todos os trabalhadores encontravam-se cobertos pela seguridade social, e ainda que com a diferenciação de benefícios, na medida em que estes refletem a distribuição no mercado, as desigualdades não são tão elevadas, além disso, suas mulheres e filhos, bem como os idosos na família achavam-se igualmente protegidos por meio dos salários e benefícios dos chefes de família. Esse quadro como vimos na seção 1, é profundamente alterado com a nova realidade das sociedades pós-industriais, que trazem dificuldades e reformas vistas na seção 2.

Se a combinação "sociedade industrial-estado subsidiário" se revelou bem sucedida enquanto a combinação "sociedade industrial-estado social universal" não tanto (pelo menos na versão britânica), com as sociedades pós-industriais, é a combinação "sociedades pós-industrial-estado subsidiário" que não se mostra eficiente, já que as premissas sobre as quais se baseia a intervenção pública não se verificam na experiência concreta dos países (famílias estáveis, mercado de trabalho sólido, desigualdades justas, pobreza desprezível). Contudo, a nova realidade também vai pressionar o universalismo a se desdobrar em novas experiências, por exemplo intensificando os aspectos de investimento social do Estado (conjunto de intervenções que visam a aumentar a capacidade produtiva agregada, e de modo geral, facilitar a inserção da população em idade ativa no mercado de trabalho incluindo mulheres e jovens), ampliando o leque de intervenções para além das tradicionais políticas de manejo de demanda de cunho keynesiano.

Portanto,para além do confronto entre duas concepções de bem distintas (a sociedade como um organismo formado de órgãos inferiores bem ordenados e harmonicamente hierarquizados versus uma sociedade de indivíduos que compõem uma comunidade política de cidadãos iguais em direitos), as visões da subsidiariedade, põem em confronto diferentes teorias sobre a realidade social.
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¹ Doutor em Economia pela UFRJ
² Mestre em Economia pela UFRJ e Ph.D. em Ciências políticas pela European University Institute.

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